segunda-feira, abril 27, 2009

Entre a peste e o cólera - uma visão de 2010, às portas

Escolha entre a peste e o cólera


JOSÉ ELI DA VEIGA

DIFERENTEMENTE do que muita gente se esforça em apregoar, no segundo turno da eleição presidencial de 2010 estarão em disputa dois projetos conservadores. Nem de longe um projeto progressista, assumido por Dilma ou Ciro, contraposto a um projeto conservador, carregado com desconforto por Serra ou Aécio.
Tal desejo até poderia ser razoável no contexto do século 20, mas passou a ser inviável em circunstâncias nas quais os quatro pré-candidatos serão levados a apresentar projetos objetivamente conservadores, por mais que possam pretender o contrário.
O fato mais atual para ilustrar tão cético prognóstico é o programa Minha Casa, Minha Vida. Em meados do século passado, seria indiscutivelmente progressista, pois visa a atender uma angustiante necessidade das camadas sociais mais desfavorecidas, permitindo, simultaneamente, que algo como 100 mil empresas gerem por ano uns 15 mil empregos diretos e 11 mil indiretos para cada R$ 1 bilhão investido. Todavia, em época que o próprio G20 define como de "transição para tecnologias e infraestrutura limpas, inovadoras e eficientes no uso de recursos naturais", torna-se imprescindível considerar quais serão as implicações energéticas dessa expansão habitacional.
Só seria progressista um plano que simultaneamente incentivasse mudança no padrão construtivo capaz de contrariar a atual preferência governamental por termelétricas a óleo combustível, caracterizada como crime de lesa-humanidade pelo físico Rogério Cezar C. Leite em artigo publicado neste espaço em 31/3.
Mesmo que fosse descartada como inviável a pretensão de obter grau de eficiência energética comparável ao da casa "passiva" (en.wikipedia.org/wiki/Passive-house), o programa ao menos deveria acatar as sugestões do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente baseadas no exemplo inovador do projeto habitacional de Kuyasa, na África do Sul (www.unep.fr/scp/publications/details.asp?id=DTI/1071/PA), que se beneficiou das vantagens oferecidas pelo mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). Ou, no mínimo, exigir que parte significativa da demanda energética de cada nova construção fosse atendida por dispositivos fotovoltaicos.
Tanto quanto essa política habitacional, praticamente todos os investimentos em infraestrutura previstos no PAC mostram que as diretrizes políticas do governo Lula nada têm de progressistas. Basta lembrar, por exemplo, que, na Amazônia, elas acelerarão muito mais as emissões de gases-estufa decorrentes de desmatamentos e queimadas do que supostos incrementos do PIB nacional. Em contraste aberto com a transição a uma economia de baixo carbono, além de negar o próprio compromisso do Brasil na reunião de Poznan (Polônia), no final de 2008.
Por outro lado, quase todas as críticas ao PAC são centradas na lentidão, ineficiência ou incompetência de sua execução. Jamais se ouviu de algum expoente oposicionista qualquer reparo à sua própria concepção. E ela é essencialmente anacrônica, pois se baseia na suposição de que qualquer aumento do PIB -seja como for obtido- se traduzirá em desenvolvimento, como se entre os dois houvesse alguma reação linear e automática. E isso justamente num país que dá um dos melhores exemplos históricos da falta de sincronia entre turbinagem do PIB e efetivo desenvolvimento.
Assim como os quadros do governo Lula, os adeptos das quatro pré-candidaturas já definidas são vítimas da inércia de um modelo mental no qual a economia foi concebida como um sistema fechado e independente da biosfera. Pior: também de uma ética que desdenha trocas intertemporais em favor das gerações futuras.
Duas lideranças políticas poderiam apresentar uma plataforma realmente progressista aos eleitores: o deputado Fernando Gabeira e a senadora Marina Silva. Mas não conseguiriam alcançar o segundo turno por causa do viés antirrenovador das regras eleitorais sobre o uso dos meios de comunicação de massa. Assim, será muito melhor para a sociedade brasileira que eles garantam trincheiras no Senado ou em governos estaduais, em vez de irem para o sacrifício em candidatura presidencial.
Em suma, não haverá maneira de evitar que o próximo presidente da República saia de uma escolha entre a peste e o cólera, tirada sarcástica do saudoso herói antinazista Jacques Duclos.


JOSÉ ELI DA VEIGA, 60, é professor titular de economia da USP. É autor, entre outras obras, de "A Emergência Socioambiental".

www.zeeli.pro.br

Texto da Folha de São Paulo, de 19 de abril de 2009.

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O padre, os vereadores, os moradores de rua e o secretário municipal de segurança

MORADORES DE RUA

Os vereadores, o padre e o garçom da Vila Madalena

"Quando chove, a rua tem suas nuances, mas ainda é possível encontrar muita gente", diz o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua, na frente da Câmara Municipal de SP, na noite de segunda. Os vereadores Gabriel Chalita (PSDB), Ítalo Cardoso (PT), Jamil Murad (PC do B) e Juscelino Gadelha (PSDB) aguardam para serem guiados pelo sacerdote em uma caminhada pelo centro da cidade, mas alguns deles pensam em desistir, por causa da chuva.

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O padre "desafiou" os parlamentares a conversarem com os moradores de rua depois que, em uma sessão da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o secretário de Segurança Urbana, Edsom Ortega, negou que a Guarda Civil Metropolitana utilize força bruta e jatos d'água para expulsá-los das marquises onde dormem.
Guarda-chuva na mão, a comitiva de vereadores parte às 20h10. Jamil Murad dispensa o acessório. "Comunista não pega gripe", brinca Ítalo Cardoso.

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A apenas duas quadras da Câmara, um homem dorme na porta de uma loja, com um cobertor e um exemplar da "Folha Universal" ao lado. "Por que você não vai para um abrigo?", pergunta o vereador Gadelha. A resposta, quase inaudível, se repete com frequência entre os moradores: os albergues funcionam das 22h às 5h e, muitas vezes, são longe do centro.
"Até a gente chegar lá e fazer o cadastro, já tá na hora de ir embora", diz um deles. "Lá a gente não pode sair para procurar emprego, porque não temos vale-transporte", completa outro.
"E a GCM [Guarda Civil Metropolitana]?", pergunta o padre Lancelotti. "Ela põe todo mundo para correr, gritando, chutando ou espirrando água na gente", responde Vantuir, uma das cerca de 50 pessoas que fazem fila em frente ao largo São Francisco, aguardando um carro que distribui sopa. O padre diz que a prefeitura proibiu esse tipo de ação, multando os motoristas e apreendendo os alimentos. "Dizem que essa distribuição tem que ser feita em condições de higiene, em refeitórios dignos, e que fica muita sujeira depois dos sopões."

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O secretário de Segurança Urbana, Edsom Ortega, disse à coluna, por meio de sua assessoria, que a pasta "não tem um único registro de queixa" de agressões da GCM contra moradores de rua. "Se tivermos, a apuração será feita com rigor".

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No largo São Francisco, uma assessora de Chalita reconhece um dos moradores, que foi garçom no Galinheiro Grill, da Vila Madalena.
"Você já me atendeu!", diz Carla Dazzi. O garçom, Aderaldo Viana, diz que passou a dormir na rua há 20 dias, quando acabou o dinheiro do seguro-desemprego. Na mochila -a única que sobrou, pois a outra foi roubada enquanto dormia-, ele guarda a camiseta do último emprego. "Não vou ficar aqui. É só um mês até eu me arranjar."
"A lei prevê que uma pessoa que acaba de chegar à rua tem que ser imediatamente colocada em um programa de proteção", diz o padre. "Daqui a um tempo, ela perde os documentos, começa a beber e fica 20 anos aqui".
Chalita pede que o garçom vá até seu gabinete, para que sua equipe tente lhe conseguir uma colocação.

O texto é parte da coluna de Mônica Bérgamo, na Folha de São Paulo, de 17 de abril de 2009.

Chama a atenção a atitude do secretário Edsom Ortega: Ele realmente pensa que um morador de rua acredita que alguma coisa será feita se este morador se queixar das atitudes da guarda municipal? A guarda municipal age independente do secretário, ou à revelia dele?


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Israel rejeita pressão dos EUA por Estado palestino

Israel rejeita pressão dos EUA por Estado palestino

Posição israelense foi detalhada a enviado da Casa Branca para Oriente Médio

Premiê Netanyahu diz a americano que palestinos devem reconhecer "caráter judaico" de Israel; chanceler defende "novas ideias"

DA REDAÇÃO

O novo governo israelense reiterou ontem ao enviado especial dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, que é contra a solução de dois Estados e condicionou a retomada das conversas com os palestinos ao reconhecimento do "caráter judaico" de Israel.
Mitchell foi enviado a Jerusalém para pressionar o premiê Binyamin Netanyahu a aceitar a criação de um Estado palestino, norte das negociações desde os Acordos de Oslo (1993).
A resposta israelense evidenciou as divergências frontais entre Netanyahu e a Casa Branca de Barack Obama.
"Israel espera que os palestinos primeiro reconheçam Israel como um Estado judaico antes de dialogar sobre dois Estados para dois povos", disse Netanyahu a Mitchell.
A exigência é rejeitada pelos palestinos. Eles consideram que o reconhecimento equivaleria a abrir mão dos territórios anexados por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e do direito de retorno de quatro milhões de palestinos.
Segundo diplomatas presentes no encontro, Netanyahu também disse a Mitchell que é contra um Estado palestino independente por causa do risco de o grupo radical Hamas expandir seu controle, hoje restrito a Gaza, à Cisjordânia.
O premiê qualificou de "erro" a retirada israelense da faixa de Gaza, em 2005.

Paz econômica
Netanyahu, que deve visitar Obama em maio, ainda não especificou publicamente sua posição sobre o conflito com os palestinos.
Mas, na campanha para as eleições legislativas israelenses, ocorridas em fevereiro, ele se declarou favorável a uma "paz econômica", com a criação de pequenas áreas comerciais palestinas.
Após a posse do novo governo, no mês passado, o chanceler de Netanyahu, o ultranacionalista Avigdor Liberman, desqualificou os acordos previamente assinados com a Autoridade Nacional Palestina (ANP).
Ontem Liberman disse a Mitchell que o processo de paz até agora não resultou em "nenhuma solução" e afirmou que seu governo está buscando "novas ideias" e uma "nova abordagem". O chanceler não deu detalhes sobre eventuais planos.
Mitchell deixou claro que o governo Obama continuará pressionando o governo do linha-dura Netanyahu.
"Os EUA favorecem uma solução de dois Estados, que supõe um Estado palestino vivendo em paz junto ao Estado de Israel. É um objetivo que seguiremos buscando com vigor nos próximos meses."
O emissário americano, que está em seu terceiro giro pelo Oriente Médio desde a posse de Obama, em janeiro, seguiu para a Cisjordânia, onde será recebido hoje pelo presidente da ANP, Mahmoud Abbas.


Com agências internacionais

O texto é da Folha de São Paulo, de 17 de abril de 2009.

Não tomar nenhuma iniciativa no “processo de paz” é a política do atual governo de Israel. Provavelmente, a seguir eles tentarão aumentar os assentamentos ilegais na Cisjordânia ocupada. Pegando terra e recursos naturais ali. Devagar e aos poucos para tentar fazer com que ninguém note. Depois vão querer criar cidades-estados, como os bantustões da África do Sul do apartheid, teremos Jeriquestão, Nablustão, Ramallastão, Belenstão, ...

Enquanto isso a bomba demográfica vai crescendo...Há 20% de árabes entre a população israelense (1,2 milhão na população total de 7,2 milhões). 400 mil palestinos na Faixa de Gaza, e 2,4 milhões na Cisjordânia. E o texto fala de outros 4 milhões de palestinos espalhados em campos de refugiados pelos países árabes, supostamente à espera do direito de retornar à sua pátria (tempos atrás o Brasil recebeu algumas famílias de refugiados palestinos que viviam no Iraque por três ou quatro gerações, desde que foram expulsos ou fugiram da Palestina na Guerra de 1948).

O atual governo de Israel afirma que os palestinos devem reconhecer o “caráter judaico” do estado de Israel. Se continuarem agindo no sentido de sufocarem as aspirações nacionais dos palestinos, logo o estado de Israel perderá seu “caráter judaico”. Foi por ter percebido isso que o pessoal que fundou o partido Kadima, abandonou o Likud.


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O avanço do jornalismo clickstream

O avanço do jornalismo clickstream

Andrew Currah

"A redação estava elétrica", me disse um editor após a descoberta de Shannon Matthews, 9 anos, que esteve desaparecida por 24 dias em fevereiro de 2008. "Minutos após a publicação da história, nós assistimos os cliques subirem como um jorro de petróleo. Em apenas uma hora, nós recebemos 60 mil acessos!"

À medida que jornais e empresas de radiodifusão avançam online, elas estão encontrando novas formas de julgar o que torna grande uma história. Usando as mais recentes tecnologias de "análise da Internet", os editores agora podem monitorar os rastros do "clickstream" - (fluxo de cliques) uma medição do que seus usuários optam por ler, assistir e compartilhar. As redações agora contam com telas planas gigantes suspensas do teto e pequenos aparelhos de mesa que inundam seus funcionários com um fluxo impiedoso de estatísticas da internet. Nunca antes o jornalismo de mercado foi tão visível.

Este admirável mundo novo tem aspectos positivos. As empresas de mídia podem oferecer precisamente propagandas "comportamentais" dirigidas, permitindo aos seus clientes visarem mensagens a grupos bem definidos de usuários. Alguns estão até mesmo utilizando ferramentas de neurociência para medir as fundações subconscientes do clickstream - explorando dados biométricos (atividade das ondas cerebrais, monitoramento dos olhos e resposta da pele) para avaliar a eficácia dos formatos das propagandas online. Em um momento de redução dos orçamentos publicitários, essas inovações podem salvar a pele do setor de mídia.

A nova tecnologia também ajuda as organizações de notícias a aprender como seus clientes gostam de receber suas notícias. A feroz concorrência online está promovendo melhores sites (por meio de vídeos, mapas interativos ou novos mundos virtuais), criando novas formas de interação com o público (por meio de blogs e murais de mensagens) e novos estilos de texto (organizados em torno de hiperlinks e "metadados semânticos"). Também as está forçando a compartilhar e colaborar: no início de março, o "The Guardian" anunciou que estava dando livre acesso para terceiros a toda sua infraestrutura digital. Mais importante, o clickstream fornece aos editores o retorno que os ajuda a reembalar notícias importantes, porém menos populares - como histórias do Afeganistão - para o maior público possível. Isso poderia tornar conteúdo de utilidade pública mais acessível - e todas as notícias mais envolventes e relevantes.

Mas há um lado sombrio óbvio. Em sua sede por retorno, os sites de notícias agora apresentam rankings provocantes, classificando as histórias por "mais clicadas" ou "mais enviadas por e-mail". Com algumas exceções, os rankings são dominados por aquelas que envolvem os aspectos mais bizarros, mais idiossincráticos da existência humana, às custas de assuntos sérios porém abstratos, como o desenvolvimento internacional ou o meio ambiente.

A ironia disso não passou desapercebida pela revista satírica "The Onion", que publicou uma história (piada) em 2007 alegando que a lista das "mais encaminhadas por e-mail" estava "fazendo em pedaços a redação do 'New York Times'". Sob pressão para "produzir artigos com estas qualidades mágicas de 'clicar e enviar'", alegava o artigo, os repórteres ganhadores do Prêmio Pulitzer tinham "pedido transferência para a estação de Viagem e Casa & Jardim", onde o perfil digital deles provavelmente cresceria mais.

Mas esses assuntos, na verdade, são muito sérios. Enquanto os números de circulação dos jornais caem acentuadamente, especialmente nos mercados locais e regionais, é lógico que os publishers se aconcheguem sob o guarda-chuva das histórias populares. Ao refletir os interesses do público, eles podem atrair milhões de olhares e mais anunciantes. Este processo, por sua vez, estreita artificialmente o noticiário em torno de um punhado de histórias "principais" - como Shannon Matthews ou a situação difícil de Jade Goody. Também é mais fácil (e mais barato) rechear seu conteúdo com material pronto das agências de notícias ou de boletins de imprensa. Histórias que precisam ser encontradas, desenvolvidas e verificadas por uma rede internacional permanente de jornalistas são caras em comparação. E o clickstream também pode enviar um forte sinal de fadiga. Isto foi especialmente verdadeiro durante a guerra em Gaza. Enquanto a guerra se arrastava, o tráfego na internet por histórias de Gaza caiu acentuadamente. O conhecimento de que este assunto aparentemente importante afastava os leitores colocou pressão sobre os editores para reduzirem a cobertura do conflito tanto em seus jornais quanto online.

Hoje, apenas um punhado de publishers parece imune a estas tentações -principalmente aqueles cujos custos são subsidiados, como "The Guardian" (via o Scott Trust) e a "BBC" (via a taxa de licença britânica), ou cujo modelo de negócios se apóia no fornecimento de uma análise especializada, como o "Financial Times". A maioria, por outro lado, está exposta a uma mudança sem precedente na demanda por notícias.

Os riscos de seguir cegamente o público estão claros aqui. Como Paul Starr argumentou recentemente no "New Republic", os jornalistas há muito são "nossos olhos no Estado, nossa proteção contra os abusos privados, nossos sistemas de alarme cívico". As novas tecnologias oferecem ótimas oportunidades mas, se mal usadas, podem colocar em risco o futuro da sociedade civil.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Texto da Prospect Magazine, no UOL.

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Human Rights Watch pede que Brasil julgue responsáveis por desaparecimentos e execuções no Araguaia

ONG pede que Brasil julgue responsáveis por Araguaia

DE WASHINGTON

A Human Rights Watch pediu que o governo brasileiro leve a julgamento os responsáveis por violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura militar (1964-1985). O anúncio foi feito ontem, após decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) de abrir ação contra o governo brasileiro diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento de 70 pessoas ligadas à guerrilha do Araguaia e camponeses que viviam naquela região.
"O Brasil não promoveu julgamentos e nem mesmo instaurou uma comissão da verdade para apurar os crimes muito graves que foram cometidos e está atrasado em relação a outros países da região no que diz respeito à responsabilização por abusos do passado", disse José Miguel Vivanco, diretor da divisão das Américas da ONG. "Quase um quarto de século já se passou desde a transição para a democracia. Vítimas e famílias já esperaram demais por justiça."
Baseada em Nova York, a Human Rights Watch é uma das maiores entidades mundiais de defesa de direitos humanos. A CIDH é um órgão independente criado pela OEA (Organização dos Estados Americanos), cujo objetivo é promover observância e defesa de direitos humanos nos países membros da organização. Com sede na Costa Rica, a corte é seu órgão judicial. É a primeira vez que o caso leva o país a essa corte. (SÉRGIO DÁVILA)

Texto da Folha de São Paulo, de 15 de abril de 2009.

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sábado, abril 25, 2009

O juiz do caso do Pirate Bay era membro de associação de defesa de direitos autorais

DONOS DO PIRATE BAY EXIGEM NOVO JULGAMENTO

A defesa dos quatro responsáveis pelo site de trocas de arquivo Pirate Bay pediu ontem novo julgamento do caso, ao saber que o juiz -que os condenou a um ano de prisão e ao pagamento de indenização de 2,7 milhões- é membro de entidades de defesa dos direitos autorais.

Notícia da Folha de São Paulo, de 24 de abril de 2009.


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sexta-feira, abril 24, 2009

A sombra de Lassance

A sombra de Lassance

BRASÍLIA - Quando o médico Carlos Chagas concluiu seu magnífico feito científico, ao determinar o ciclo do mal que leva seu nome, o brasileiro médio não tinha esperança de viver mais que 30 e poucos anos. Cem anos depois, a expectativa de vida mais que dobrou.
É pessimismo inconsequente ignorar que, se não atinge níveis escandinavos de conforto social, o Brasil passou por um processo brutal de modernização do século 20 para cá. O quadro fica um pouco menos róseo, contudo, quando você lê uma reportagem como a que esta Folha publicou ontem, revisitando a cidade em que Chagas fez o seu trabalho.
Lassance, um rincão perdido em Minas Gerais, ainda registra casos do mal de Chagas. Insetos vetores da doença infestam casas construídas de modo análogo às feitas em 1909. Parece inacreditável, mas é perfeitamente explicável.
Por ser doença de pobre, o mal de Chagas nunca atraiu recursos suficientes dos grandes laboratórios para aprimorar seu tratamento. A melhor prevenção ainda é matar os barbeiros, insetos hematófagos que carregam o protozoário causador da doença. Para piorar tudo, a doença está se propagando por regiões da América Latina em que não ocorria, como relata a revista "The Economist" desta semana.
Qual a saída? Investimento em pesquisa. Fazer com que o Brasil saia de sua posição vexatória de país que investe pouco em pesquisa e desenvolvimento -algo mais que 1% do PIB, incluindo na conta os investimentos públicos e privados.
Hoje o país tem um desempenho pífio no registro de patentes, perdendo feio não só para o ricos mas para nações que investiram pesadamente em educação, como a Coreia do Sul. Não é fortuito, pois, que tenhamos tão poucos Carlos Chagas para celebrar. E tantas Lassances a jogar sombras sobre a justa comemoração.

Texto de Igor Gielow, na Folha de São Paulo, de 13 de abril de 2009.


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Palavras em guerra:Verdade sobre genocídio armênio

Palavras em guerra:Verdade sobre genocídio armênio

Christopher Hitchens
Do The New York Times

PRECISAMOS RESISTIR À PRESSÃO TURCA DE DISTORCER A HISTÓRIA.

Mesmo antes de o presidente Barack Obama partir para a sua visita à Turquia esta semana, emergiram, como de costume, as vozes que o impeliam a diluir a posição firme que ele vem assumindo sobre o genocídio armênio. Abril é o mês no qual a Diáspora Armênia comemora o início sangrento, em 1915, da campanha do Império Otomano para exterminar sua população armênia. A ocasião deste aniversário tem dois lados: O Dia da Memória Armênia, em 24 de abril, e a tentativa anual de persuadir o congresso a nomear aquele dia de forma a abandonar eufemismos e chamar o episódio pelo nome correto, que é a palavra que eu utilizei acima.

A palavra "genocídio" não havia sido inventada em 1915, mas o embaixador americano na Constantinopla, Henry Morgenthau, empregou um termo que era, de certa forma, ainda mais explícito. Em seus relatórios urgentes para o Departamento de Estado, trazendo a experiência in loco de seus cônsules, especialmente nas províncias de Va e Harput, ele descreveu a matança sistemática dos armênios como sendo um "assassinato racial".

Existe um vasto arquivo de provas que comprovam sua afirmação. Mas todos os anos, os que negam e são a favor de eufemismos voltam a atuar e não falta apoio militar-industrial para pesar na balança, a favor do cliente turco. (Em tempo, a aliança militar oportunista da Turquia com Israel fez bem a alguns votos judeus envergonhados também.)

O presidente Obama aborda a questão com um raro tom de clareza e nitidez. Em 2006, por exemplo, o embaixador dos Estados Unidos na Armênia, John Evans, foi repreendido por usar a palavra genocídio. O então senador Obama escreveu uma carta de reclamação para a então secretária de estado Condoleezza Rice, desprezando a covardia do Departamento de Estado e dizendo claramente que "a ocorrência de um genocídio armênio em 1925 não é uma 'alegação', ou uma 'opinião pessoal' ou mesmo um 'ponto de vista'", mas sim "um fato amplamente documentado" baseado numa "quantidade impressionante de provas históricas". Durante sua campanha no ano passado, ele reafirmou esta posição, dizendo que "os Estados Unidos merecem um líder que fala a verdade sobre o genocídio armênio e reage de forma veemente a todos os genocídios. Eu pretendo ser este presidente."

Para aqueles que duvidam desta afirmação, eu recomendo dois livros recentes de relevância e qualidade excepcionais que acrescentam bastante profundidade e textura a este drama. O primeiro é "Armenian Golgotha: A Memoir of the Armenian Genocide," (O Gólgota Armênio: A Lembrança de um Genocídio) de Grigoris Balakian, e o Segundo é "Rebel Land: Travels Among Turkey's Forgotten Peoples," (Terra Rebelde: Viagens Entre os Povos Esquecidos da Turquia", um depoimento contemporâneo de Christopher de Bellaigue.

Além disso, acabamos de ficar sabendo das chocantes provas corroborantes contidas nos arquivos do Estado turco. O político otomano que começou a campanha de deportação e extermínio, Talat Pasha, deixou todos os seus atos documentados. Sua família entregou os papéis a um autor turco chamado Murat Bardakci, que publicou um livro com o título insípido de "The Remaining Documents of Talat Pasha" (Os Documentos Remanescentes de Talat Pasha). Um desses "documentos remanescentes" é uma estimativa de que entre os anos de 1915 e 1916 apenas, um total de 972.000 armênios simplesmente desapareceram dos registros oficiais da população. (Veja o artigo de Sabrina Tavernise no New York Times de 8 de março de 2009.)

Há aqueles que dizem que a catástrofe armênia é um resultado lamentável dos resquícios da guerra e do colapso imperial, o que pode ser parcialmente verdade também para o número muito maior de armênios mortos no final da guerra e depois da implosão do Otomanismo. Mas este é um registro mantido pelo governo da época e seu líder político anti-armênio, e eles documentam, desde os primeiros dias da Primeira Guerra Mundial, um declínio na população de 1.256.000 para 284.157. É muito raro que um regime confirme em sua correspondência interna seu número de vítimas beirando a exatidão.

Então o que dirão agora aqueles que negam o genocídio? Costuma-se insinuar que se o congresso votar para garantir a veracidade da história, então a Turquia dificultará o trabalho da OTAN, causando problemas na fronteira do Iraque, negando o uso de suas bases para a Força Aérea norte-americana ou de outras formas.

Este mesmo tipo de arrogância irrefreada pode ser vista na reunião da OTAN no último final de semana, em que o governo de Ancara teve o desplante de tentar vetar a indicação de um político dinamarquês sério, Anders Rasmussen, para secretário-geral da aliança, dizendo que quando era primeiro ministro da Dinamarca ele havia se recusado a censurar os jornais dinamarqueses em prol dos muçulmanos! Dizem agora que se o presidente Obama ou o congresso forem adiante com a questão do genocídio, a Turquia retirará sua colaboração em várias questões, incluindo a normalização da fronteira entre a Turquia e a Armênia e o trânsito de petróleo e linhas de gás pelo Cáucaso.

Quando a questão é colocada desta forma ameaçadora, pode-se entender que os melhores interesses da Armênia serão satisfeitos apenas através de acordos obscuros e da distorção de sua própria história. E como poderia um estado ou um povo concordar em abandonar seu orgulho e dignidade desse jeito? E a pergunta não é apenas para os armênios, que são pressionados economicamente pelos turcos, que ameaçam fechar sua fronteira comum. É para os turcos, cujos mais corajosos representes culturais e escritores assumem sérios riscos ao quebrar o tabu de discutir a questão armênia.

É também uma pergunta para os americanos, que, tendo elegido um presidente supostamente corajoso, estão ouvindo que ele - e seu congresso também - deve concordar em perpetuar esta mentira histórica monstruosa. Uma mentira, inclusive, que a própria diplomacia norte-americana ajudou a expor. Esta falsificação já foi longe demais e foi justificada por razões políticas. É por isso, e entre outras coisas, principalmente "pelas razões políticas" - em outras palavras, para dizer em alto e bom som que não podemos ser comprados ou intimidados - que o dia 24 de abril de 2009 deve ser lembrado como a data em que nós afirmamos a verdade e realmente aceitamos todas as consequências.

Texto do Terra Magazine.


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100 minutos entre a esperança e a decepção, ou a angústia para entrar em Portugal

100 minutos entre a esperança e a decepção

Eduardo Tessler
De Lisboa

A angústia de ultrapassar o Muro de Lisboa dura agora intermináveis 100 minutos. Não que a capital portuguesa tenha construído uma barreira de pedras e tijolos, como a que dividiu as Alemanhas por 28 anos, ou como a que separa os Estados Unidos do México ou Israel da Palestina. O Muro de Lisboa é o controle de passaporte no Aeroporto da Portela. Agentes da Polícia avaliam se o estrangeiro tem ou não condições de entrar no país - e na Europa. Manuseia o passaporte, checa dados em um computador e dá o veredito: entra ou volta ao país de origem.

A situação de enfrentar o porto de entrada do maior contingente de brasileiros na Europa é constrangedor e dá medo. Um suposto mau humor do agente pode significar a volta ao Brasil, para milhares de imigrantes, que sonham com um trabalho honesto e um salário mais digno. Em euros. Na mesma fila misturam-se turistas e potenciais imigrantes, brancos e negros, africanos e orientais. Todos passam pela mesma triagem, exceto os europeus, que têm direito a rápidos guichês exclusivos.

A agonia de passar a fronteira tem agora um problema a mais em Lisboa. A demora. Domingo, dia 05 de abril, foram exatos 100 minutos para chegar aos agentes. As filas enormes foram provocadas pelo acúmulo de vôos oriundos do Brasil e de países africanos, bem como pelo pouco caso da polícia portuguesa. No domingo, entre 06h e 09h, eram apenas dois agentes nos guichês para todos os estrangeiros. O casal de atores Paulo Goulart e Nicete Bruno, ambos com 76 anos, que seguiram a Lisboa desde São Paulo pelo vôo Tap TP 196, foram duas das vítimas dos caprichos do controle de estrangeiros de Portugal. Uma hora e quarenta minutos em uma fila.

Para Nicete, Paulo e a maioria dos brasileiros, essa espera significa apenas quase duas horas a menos de tempo em Portugal, bem como algumas dores nas pernas, de tanto tempo em pé. Mas para os que sonham com a vida em Portugal são minutos de profunda angústia. O medo de não entrar no país, o discurso ensaiado para os agentes repassado na mente, os papéis arranjados com algum endereço, carta de quem promete trabalho, seguro-viagem. Os tempos duros no Brasil, a falta de esperanças, a vida modesta, o fim de um sonho, tudo isso passa várias vezes no filme da vida, que teima em repetir-se nos 100 minutos de espera. O riso nervoso, o suor frio, a enésima revisão dos documentos e do passaporte novo, sem qualquer carimbo. Os 100 minutos são mais de 1000 na cabeça do candidato a imigrante.

Os 100 minutos de fila fazem de Lisboa hoje o pior lugar para se chegar na Europa para turistas brasileiros sem riscos de serem barrados. A polícia do aeroporto de Madri tem sido dura com brasileiros, mas só complica quando há algum motivo aparente. Londres, que não está no acordo de Schengen (as fronteiras abertas da Europa), é cruel com quem tem perfil de imigrante. Paris é rápido e com poucas perguntas. Zurique é na Suíça, funciona como um relógio. Mas a inexplicável espera de Lisboa é uma tortura desnecessária. "Me sinto como um touro em direção ao abate", comparou uma brasileira na fila, com a filha dormindo no colo.

Em 100 minutos é possível assistir a um filme inteiro no cinema. É mais que um jogo de futebol. Pode-se ir de avião de São Paulo ao Rio e ainda tomar um táxi até Copacabana. E sobra tempo. Dá para sair do centro de São Paulo de carro e chegar em Campinas. Os 100 minutos da fila de Lisboa é uma perda de tempo sem precedentes. Mesmo no rigoroso sistema de imigração dos Estados Unidos, onde o turista deve deixar as digitais gravadas e uma imagem no vídeo, o tempo para se passar a fronteira é bem menor. Nada explica o absurdo dos 100 minutos de Lisboa.

Mas para tudo que está mal, há uma perspectiva. Nesse caso ainda pior. Segundo um dos agentes da Polícia de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, não há nenhum plano em mudar essa lógica. O atendimento será reduzido, com as longas filas e os 100 minutos de espera, até segunda ordem. "Quem quer vir, que venha. Quem não quer esperar que fique em casa", disse, com uma ponta de sadismo e arrogância, o agente domingo.

Para fugir da espera, o melhor agora é entrar na Europa por outro aeroporto.

Texto do Terra Magazine.


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Protestos em Moldova

Moldova acusa a Romênia de estar por trás de crise política pós-pleito

UE e EUA não endossam acusações de fraude em vitória do governo pró-Rússia

DA REDAÇÃO

O presidente da Moldova, Vladimir Voronin, acusou ontem a vizinha Romênia de estar por trás dos violentos protestos que eclodiram na véspera no país, deixando um morto e centenas de feridos. O conflito fez aflorarem tensões que opõem setores pró-Rússia e pró-União Europeia e ameaçam transcender as fronteiras moldávias.
O estopim da crise política foi a vitória do Partido Comunista, de Voronin, nas eleições parlamentares no último domingo. Os oposicionistas contestaram a lisura do pleito. Mas a UE e observadores internacionais a endossaram. Os EUA abstiveram-se de apoiar as acusações opositoras e pediram calma.
Ontem, a Comissão Eleitoral confirmou a vitória governista, com 60 dos 101 assentos. O resultado impede por uma cadeira a formação de uma coalizão exclusivamente comunista. A comissão rejeitou nova eleição e recontagem de votos, mas permitirá o acesso dos partidos de oposição às listas de votação.
Nos protestos de anteontem, alguns dos 10 mil manifestantes portavam bandeiras da UE e da Romênia, membro do bloco. No auge das tensões, 2.000 deles invadiram a sede do governo e o Parlamento. Os prédios foram retomados pela polícia, que prendeu 193 opositores.
"Quando a bandeira da Romênia foi levantada, a tentativa da oposição de promover um golpe de Estado ficou clara", disse o pró-Moscou Voronin, 67, que encerra neste ano o seu segundo mandato e não pode ser conduzido pelo Parlamento a um terceiro. A Chancelaria russa endossou as acusações.
O governo romeno rejeitou veementemente as alegações. Em nota, a Chancelaria disse ser inaceitável que "o poder comunista de Kichinev [capital moldávia] transfira responsabilidade pelos problemas domésticos da Moldova".
A Moldova, país mais pobre da Europa, fez parte da Romênia até 1940, quando foi anexada pela União Soviética. Dois terços da população moldávia são de origem romena -o outro terço tem ascendência russa ou ucraniana-, e o idioma do país é similar ao do vizinho.
Os protestos pela vitória comunista revelam ainda o corte de geração que divide o país. De um lado, a população rural e os mais velhos, que apoiam o governo pró-Moscou. De outro, os jovens que lideraram as ações de anteontem, mobilizando redes no site de microblog Twitter, são pró-Ocidente.
Os opositores moldávios reivindicam também filiação à onda de "revoluções coloridas", como as da Geórgia (2003) e da Ucrânia (2004), que depuseram governos alinhados a Moscou com mobilizações apoiadas pelo Ocidente -EUA à frente.
Mas as reações contidas da UE e do governo Barack Obama indicam uma situação diversa. Tanto um como o outro buscam restabelecer as estremecidas relações com a Rússia, que vê na Moldova um país na sua esfera tradicional de influência.


Com agências internacionais

Texto da Folha de São Paulo, de 9 de abril de 2009.


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Brasil condenado na Corte de Direitos Humanos da OEA

OEA abre ação contra o Brasil no caso da Guerrilha do Araguaia

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) abriu ação contra o governo brasileiro diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento durante a ditadura militar (1964-1985) de 70 pessoas ligadas à Guerrilha do Araguaia e camponeses que viviam na região. É a primeira vez que o caso leva o Brasil à corte desde a criação dessas instâncias.
Baseada em Washington, a CIDH é um órgão independente criado pela OEA (Organização dos Estados Americanos), cujo objetivo é promover observância e defesa de direitos humanos nos países membros da organização. Com sede na Costa Rica, a corte é o órgão judicial.
A Guerrilha do Araguaia foi o movimento armado organizado pelo PC do B contra a ditadura, na região do Bico do Papagaio (entre TO, PA e MA), que foi extinto pelas Forças Armadas em 1974. O caso se refere às pessoas presumivelmente mortas nas operações e é decorrente de ação aberta nos anos 80 por, entre outros, Júlia Gomes Lund, já morta, mãe do guerrilheiro Guilherme Lund.
Desde 1982, segundo a queixa enviada pela CIDH, parentes tentam sem sucesso obter da Justiça brasileira dados sobre desaparecimento e morte de guerrilheiros e camponeses, assim como a recuperação dos corpos.
Em 1995, a comissão recebeu petição contra o governo apresentada pela seção brasileira do Centro pela Justiça e o Direito Internacional e pela Human Rights Watch/ Americas e, depois, a seção do Rio do Grupo Tortura Nunca Mais e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de SP.
Em 2001, a comissão declarou admissível o caso. Em 2008, fez recomendações ao governo: que identifique os responsáveis pelos desaparecimentos e conceda indenizações, entre outros. Diante do não cumprimento das recomendações, leva o caso à corte, um dos últimos recursos de suas atribuições.
O ministro Paulo Vannuchi (Secretaria dos Direitos Humanos) afirmou ontem que a decisão da comissão exige reação imediata. Ele propôs que ministérios da Justiça, da Defesa e dos Direitos Humanos coordenem diligência ao Araguaia com a participação da imprensa e familiares de desaparecidos para localizar corpos.

Texto da Folha de São Paulo, de 9 de abril de 2009.

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quinta-feira, abril 23, 2009

A tragédia da migração por barco na Europa

A tragédia da migração por barco na Europa

Alexander Smoltczyk

Centenas de pessoas morreram na semana passada quando um barco levando migrantes virou na costa da Líbia. Este foi apenas o mais recente incidente em uma tragédia humana constante, que as medidas de combate à imigração apenas agravam.

É o mesmo tipo de areia, talvez a mesma areia de fato. As praias entre Siracusa e Gela estão cheias dela, uma areia desértica extremamente fina e ligeiramente vermelha. Os refugiados que sobreviveram à perigosa jornada do Saara líbio para a ilha italiana de Sicília estão habituados a esta areia. Eles sabem o gosto que tem e como dói nos pulmões quando inalada.

"Eles passaram por aqui; um deles acenou para mim", disse Carmelo Barbagallo, que gerencia o La Giara, um restaurante no cais do porto de pesca de Portopalo. Ele estava lá quando os 249 imigrantes desembarcaram na ponta sul da Sicilia na última segunda-feira. Eles estavam usando jaquetas de esqui velhas de segunda mão e seus bolsos continham areia da travessia do deserto e dos acampamentos no Saara. "Havia três mulheres grávidas entre eles", disse Barbagallo.

Ele mostra três barcos atracados no cais, pintados diversas vezes com cenas idílicas, símbolos de boa sorte e louvor a Alá. "Ninguém sabe como eles conseguiram chegar aqui, sem luz a bordo e sem comida", disse ele. "Devem estar tão desesperados que perderam o medo da morte."

Este barco também veio da Líbia, diz ele, apontando para outra embarcação. Assim como a que apareceu poucas horas depois na costa, a 70 km a oeste em Scoglitti, com 165 pessoas a bordo. Assim como o que emborcou perto da costa da Líbia poucas horas antes, depois de partir em meio a uma tempestade a oeste de Trípoli. Vinte sobreviventes foram encontrados boiando entre os corpos dos outros passageiros afogados.

A Organização Internacional de Migração estima que pelo menos 230 pessoas se afogaram no incidente, inclusive 69 mulheres e duas crianças. Aproximadamente 100 corpos foram recuperados até agora. O resto encontrou um túmulo de água no cemitério na porta da Europa chamado de Mediterrâneo.

Um segundo barco de pesca, com 357 pessoas a bordo, foi resgatado por um reboque napolitano, o Asso 22, pouco antes de afundar, e rebocado de volta para Trípoli. O capitão do Asso 22 falou da "cena apocalíptica" que o esperava quando centenas de figuras, umas abraçadas às outras para se salvar e gritando por ajuda, subitamente apareceram sob as luzes.

Uma minoria desesperada
O vento leva mais do que areia do Saara para a Sicília; leva pessoas para o norte desde os tempos antigos. São Paulo teve um acidente de barco na costa de Malta e, segundo a lenda, Maria Madalena foi levada para Provence. Desde 1988, quase 14.000 pessoas morreram fugindo para a Europa. Elas foram jogadas ao mar, surradas até a morte -ou simplesmente morreram de sede. E esse é apenas o número oficial de mortes registradas.

Há um elemento geopolítico por trás de todas as imagens de refugiados sofrendo com exaustão severa e exposição ao tempo. Os políticos nas capitais da Europa também decidem sobre as rotas e o carregamento transportado pelos contrabandistas de seres humanos. Tem a ver com gás natural, petróleo e urânio.

No final de março, por exemplo, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, fez uma visita a Níger e assegurou à gigante de tecnologia nuclear francesa Areva que permaneceria uma parceira estratégica na produção de urânio até o ano de 2030. Esse urânio enche os barcos. "Milhares de jovens de Níger estão fugindo da guerra pelo controle dos depósitos de urânio e estão se agrupando na Líbia", disse Laurence Hart da Organização Internacional de Migração.

Em agosto de 2008, o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi assinou um pacto de amizade com o líder líbio Muammar Kadafi. "Vamos receber mais gás e petróleo da Líbia e menos imigrantes ilegais", disse Berlusconi na época. Ele também concordou em pagar US$ 5 bilhões como compensação pelos anos que a Líbia foi colônia italiana. A firma de defesa italiana Finmeccanica também vai desenvolver um sistema de satélite para que a Líbia possa monitorar o fluxo de refugiados.

A ampla maioria de imigrantes ilegais, contudo, entra na Itália de forma perfeitamente legal. Eles chegam de avião, entram no país com visto de turismo e se escondem. Os refugiados que vão de barco são uma minoria de indivíduos desesperados que teriam poucas chances de serem admitidos por um consulado.

Resolver os "problemas da África"
A agência de segurança na fronteira externa da União Europeia, Frontex, tem base em Varsóvia. A Alemanha apoia seus programas "Hera" e "Nautilus". A ideia é impedir a vinda dos refugiados muito antes de chegarem às fronteiras da UE. Em 2004, o ministro do interior alemão da época, Otto Schily sugeriu usar fundos da UE para financiar campos no Norte da África para quem busca asilo. "Os problemas da África têm que ser resolvidos na África", disse ele.

Para deter o fluxo de refugiados, o Ministério do Interior em Roma equipou o Egito e a Tunísia com barcos para a guarda costeira, veículos com tração nas quatro rodas, binóculos de infravermelho e equipamentos para a polícia, além de organizar treinamentos. A Líbia, de sua parte, anunciou em janeiro de 2008 que ia destruir os barracos e acampamentos em seu território e imediatamente prender e expulsar todos os estrangeiros ilegais na Líbia. Contudo, desde que Kadafi foi eleito presidente da União Africana em fevereiro, este zelo aparentemente decaiu.

Organizações de ajuda denunciaram deportações para o deserto e campos de prisioneiros na Líbia e no Senegal onde os presos são brutalmente surrados e violentados, e as crianças passam fome. Para os que escapam desses acampamentos, o cruzamento noturno do Mediterrâneo em um barco de pesca provavelmente parece um pouco menos atormentador. De qualquer forma, o número de pessoas que chegam pelo mar na Itália aumentou fortemente no ano passado para 36.952.

Nesta semana, um destacamento da polícia italiana vai viajar para a Líbia para preparar a logística para patrulhas conjuntas dos dois países com um total de seis barcos. Será a primeira vez que os guardas costeiros de um país da UE será ativo nas águas territoriais da Líbia. Qualquer pessoa que for presa será colocada em um campo de deportação da Líbia -sem a possibilidade garantida pela constituição italiana de pedir asilo.

O ministro do Interior Roberto Maroni, do partido populista de direita Liga Norte, disse que a imigração ilegal da Líbia vai terminar assim que as patrulhas começarem, no dia 15 de maio. Nada poderia ser mais incerto. O que está claro, contudo, é que, quando controles mais rígidos são introduzidos, os contrabandistas escolhem rotas mais perigosas, e mais pessoas perdem suas vidas tentando entrar na Europa.

Desde que a Frontex conseguiu bloquear a passagem do Senegal para as Ilhas Canárias, os refugiados tiveram que fazer um desvio via Saara e Líbia. E desde que a data de 15 de maio foi anunciada, os contrabandistas da Líbia se apressaram em enviar seus barcos, em todo tipo de clima, tão lotados que quase afundam.

Uma guerra entre pobres
Hussein Gopalgong, 24, estudante de agronomia de Bangladesh, passou por tudo isso. Todo coberto com sua jaqueta polar de explorador no Ártico, está no portão do campo de refugiados Cassibilie, ao sul de Siracusa. É um dos sortudos que conseguiram chegar ao solo italiano. Ele pagou US$ 1.000 para a viagem de Trípoli pelo mar, seu pedido de asilo está sendo estudado e recebeu documentos de identificação das autoridades italianas. Pode começar uma nova vida.

Perto dele está Tonino, 47, gerente do armazém Magliocco & Sons, um homem todo arrumado, de barba grisalha. Tonino diz o que todos os italianos pensam, segundo ele. Ele fala das doenças que foram introduzidas, de tuberculose e AIDS, e da vida doce dos moradores dos campos, de sua arrogância, de seus acordos nebulosos, do dinheiro que recebem aos montes. "Mas quando você abre a boca, logo é taxado de racista", diz ele. "Ninguém diz nada, nem os políticos, nem a mídia, nem os juízes. Deve haver uma razão para isso, certo?"

Gopalgong ouve educadamente. Seu italiano ainda é rudimentar.

"Eles conhecem as leis melhor do que pessoas como nós. E quando seu pedido de asilo é rejeitado, eles fogem para o mato. É isso!" Tonino aponta para o outro lado dos trilhos onde, debaixo de um arbusto grande, um barraco feito de tábuas e lona pode ser visto. Ao ver o barraco seu tom se suaviza. "São uns pobres coitados. Como nós", diz Tonino.

Na Sicilia, o povo sabe o que é ser forçado a procurar uma nova vida em outro lugar. A edição desta manhã da "Gazzetta Del Sud", informou que o número de pessoas emigrando da província de Ragusa voltou a crescer. "O espectro da emigração voltou", diz a manchete.

"Se houver uma guerra aqui, será entre nós, os pobres, como sempre", diz Tonino. "É assim, não é?"

Gopalgong apenas sorri sob o capuz forrado de seu casaco e concorda hesitantemente com a cabeça. Ele parece incrivelmente feliz apenas por estar aqui.

Tradução: Deborah Weinberg

Texto da Der Spiegel, no UOL.

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Truculência francesa, vitória dos estúdios e gravadoras

SAÍDA À FRANCESA 1
O parlamento francês aprovou a lei que obriga provedores a cortarem o acesso de quem baixa arquivos com direitos autorais restritos. A identificação é feita pelo IP, o que pode levar a acusações -e bloqueios- errados. O banimento é feito depois de três advertências.

SAÍDA À FRANCESA 2
A lei também pode fazer com que os provedores de acesso à internet bloqueiem sites. A ministra da Cultura do país, Christine Albane, citou especificamente o Pirate Bay como um site passível de punição.

Trecho de texto do Caderno de Informática, da Folha de São Paulo, de 8 de abril de 2009.

Atualização: a lei acabou rejeitada pelo parlamento francês.


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Lá como cá: Médicos assistiam tortura em Guantánamo

CIA: MÉDICOS ASSISTIRAM A TORTURA EM INTERROGATÓRIOS, DIZ CRUZ VERMELHA

Médicos participaram de diversos interrogatórios da CIA (agência de inteligência dos EUA) nos quais houve tortura de prisioneiros, em 2006, diz um relatório do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) revelado ontem. Para o CICV, trata-se de "violação flagrante da ética médica". O relatório traz os testemunhos de 14 prisioneiros -detidos pela CIA e levados à prisão de Guantánamo-, que dizem que os médicos monitoravam enquanto eles eram submetidos ao "waterboarding" (simulação de afogamento).

Texto da Folha de São Paulo, de 8 de abril de 2009.

Lá como cá, porque durante a nossa ditadura (1964-1985) também acontecia de médicos monitorarem o estado de prisioneiros sendo torturados.


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México: o fim de um delicado equilíbrio

O fim de um delicado equilíbrio

A recente promessa da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, de ficar “ombro a ombro” com o México na sua guerra às drogas nos levou a lembrar de quando éramos crianças e nossa família se mudou dos subúrbios de Tel Aviv, Israel, para El Paso, no Texas.
Um israelense chamado Giora se tornou nosso guia e, naquela primeira semana, nos mostrou os arredores, chegando a cruzar a fronteira com Ciudad Juárez, no México.
Quando encostamos para estacionar, um policial mais velho, ligeiramente obeso, se aproximou. A julgar só pela roupa, suspeitar-se-ia que ele apenas fingia ser da polícia. Sua farda estava esfarrapada, a camisa ficava para fora da calça, e o quepe era velho e surrado. Ele se aproximou de mão estendida, educadamente esperando um pagamento.
“Mas estacionar nesta rua deveria ser grátis”, protestou nosso pai, um israelense consumado. Giora lhe dirigiu um olhar “cala a boca” e entregou dois dólares ao agente. “A taxa é para proteção”, explicou ele. “Você paga ao agente para ‘guardar’ o carro. Claro que, se não pagar, seu carro é misteriosamente vandalizado.”
Rapidamente percebemos que Ciudad Juárez funcionava sob regras diferentes. Policiais, políticos e traficantes formavam alianças e às vezes trocavam de papel. Mas, surpreendentemente, apesar de toda a corrupção, Ciudad Juárez era relativamente ordeira. Turistas norte-americanos lotavam as lojas durante o dia, e adolescentes de El Paso faziam festa à noite. Embora longe de ser um lugar idílico, Ciudad Juárez mantinha um certo equilíbrio.
Tal equilíbrio foi perturbado pela guerra dos Estados Unidos às drogas, e nos perguntamos se o governo dos EUA caiu na mesma armadilha que nós com o agente de trânsito: ver a situação pela lente americana, deixando de reconhecer que regras diferentes vigoravam.
Ao longo dos anos, Washington pressionou o México a reprimir os cartéis de drogas. Em 2006, quando o então presidente mexicano, Vicente Fox, propôs legalizar a posse de pequenas quantidades de narcóticos, o governo Bush o pressionou até que revertesse sua posição.
Quando o atual presidente, Felipe Calderón, tomou posse, imediatamente passou a reprimir as quadrilhas do tráfico. Como recompensa, o presidente Bush destinou US$ 1,4 bilhão para apoiar os esforços mexicanos.
Mas no momento em que Calderón colocou os cartéis na mira, o frágil equilíbrio do México se rompeu. A mera ilegalidade se transformou em violência. Os cartéis começaram a retaliar contra a polícia e o governo —e a lutar entre si. Além disso, para compensar a perda de faturamento, os cartéis passaram a se envolver com tráfico humano, extorsão e sequestros.
Desde que Calderón declarou guerra aos traficantes, mais de 8.000 pessoas já morreram. Recentemente, houve uma ameaça contra o chefe de polícia de Ciudad Juárez: renuncie ou começaremos a matar policiais, um a cada 48 horas. Após quatro dias e dois homicídios, ele renunciou e fugiu para os EUA. E as drogas estão sendo traficadas tão agressivamente quanto antes.
Assim como não podemos separar guardas de trânsito desonestos isoladamente do sistema em que operam, os EUA precisam entender que enfrentar os cartéis perturba um frágil equilíbrio. Certamente não devemos ser lenientes com eles, mas, se realmente pretendemos ficar ombro a ombro com o México, uma solução viável deve levar em conta o equilíbrio de poderes no sistema com o qual estamos lidando.


Ori Brafman e Rom Brafman são irmãos e coautores de “Sway: The Irresistible Pull of Irrational Behavior”. Envie seu comentário para brafmans@nytimes.com .

Texto do The New York Times, na Folha de São Paulo, de 06 de abril de 2009.


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Entrevista: Demetrius Papademetriou, sobre migrações

DEMETRIUS PAPADEMETRIOU

Crise econômica ameaça era histórica de mobilidade

Para historiador, mundo vive momento mais desafiador em quatro décadas, mas uma desglobalização só é plausível se políticos "estúpidos" ignorarem 30 anos de abertura

ANDREA MURTA
DE NOVA YORK

As praias mediterrâneas da Líbia foram banhadas por dezenas de corpos dos mais de 200 africanos que naufragaram durante uma precária travessia ilegal em direção à Europa. A milhares de quilômetros dali, no Japão, o governo passou a pagar R$ 6.700 para imigrantes desempregados deixarem o país. Os dois movimentos, ocorridos na última semana, são reflexos distintos de um mesmo e crítico dilema: o que a crise econômica força hoje nos fluxos migratórios globais.
Para o historiador e cientista político Demetrius Papademetriou, apesar do desespero dos que ainda se arriscam, a crise está sufocando o apogeu histórico de mobilidade do século 21, lançando o mundo no "ambiente mais desafiador das últimas quatro décadas". Leia a seguir a entrevista que ele deu à Folha, por telefone, de Washington.

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FOLHA - A crise atual é diferente de outras em termos do efeito nos fluxos migratórios?
DEMETRIUS PAPADEMETRIOU
- Estudo imigração há quase 40 anos, mas nada do que vi na vida me preparou para o que vivemos hoje. Não só a crise é pior como os fluxos migratórios são muito superiores aos do passado: por isso, as consequências são muito mais importantes. Estamos certamente no ambiente mais desafiador das últimas quatro décadas.
Em 1982 o desemprego nos EUA, por exemplo, era mais alto, mas outros indicadores não estavam nem perto de ser tão ruins. Os choques do petróleo de 1973 não foram nem de longe tão ruins, e a migração nos anos 1970 para os EUA era insignificante. Mas ainda é cedo para ir mais além e fazer comparações com a Grande Depressão nos anos 1930.

FOLHA - Antes da crise, como a última década se encaixava na história dos fluxos migratórios globais?
PAPADEMETRIOU
- Estávamos vivendo um recorde. Não seria um exagero dizer que nos primeiros sete anos do século 21 deixávamos a era das migrações e entrávamos na era da mobilidade. É difícil comparar porque existem inúmeras variáveis, como o crescimento da população mundial. Mas, sem contar a imigração forçada, vivíamos o maior fluxo migratório de todos os tempos. Tanto a migração dos altamente qualificados quanto a dos ilegais estavam várias vezes acima do que jamais foram. O único fluxo de pessoas que caiu na última década foi o de refugiados.
A ONU calcula com base em estatísticas nacionais que ao final dos anos 1990 os imigrantes eram 3% da população mundial (cerca de 180 milhões de pessoas). Mas essas estatísticas são bastante inferiores ao número real, pois a maioria dos países nem tenta contabilizar os imigrantes ilegais. E a definição de imigrante de muitas formas é artificial. Na Alemanha, por exemplo, não é considerado imigrante um estrangeiro descendente de alemães.

FOLHA - O que causou esse recorde nos anos 90?
PAPADEMETRIOU
- Vários fatores. A demografia dos países ricos os deixou muito mais interessados na imigração, tanto legal quanto ilegal. Os países ricos estão "duplamente espremidos" pelo envelhecimento da população e pela queda na natalidade. Esses países também ficaram de certa forma "ricos demais" e começaram a desprezar certos tipos de trabalho, como a agricultura, que foram preenchidos por imigrantes.
Outro motivo é que a abertura comercial recente criou uma demanda por imigração de fato, principalmente a qualificada. E, por fim, o aumento na conscientização dos direitos humanos provocou redução nos esforços de remoção de ilegais.

FOLHA - O que já vemos de mudança com a crise atual?
PAPADEMETRIOU
- Apesar de os dados oficiais estarem pouco consolidados, não há dúvidas de que o fluxo diminuiu. As decisões de imigração são racionais; as pessoas fazem parte de redes sociais bem informadas, é claro que o fluxo acompanharia a queda das oportunidades.
Nos EUA, sabemos que o fluxo de imigração vem caindo desde 2007, mas não há dados que comprovem que o retorno aos países de origem aumentou. A crise vai afetar de forma muito dura os países de origem dos imigrantes ao longo deste ano, desencorajando a volta.
No Reino Unido, temos mais pistas, principalmente sobre imigrantes regularizados. O país tinha, em 2008, 6,6 milhões de imigrantes. Em 2007, 580 mil pessoas chegaram ao país, a maioria delas vinda do Leste Europeu e da Comunidade Britânica. Mas no último trimestre de 2008 houve queda substancial de pedidos de autorização de trabalho. O número de aprovações (cerca de 25 mil) foi 50% menor que no ano anterior e também foi o menor desde o alargamento da UE em 2004. Podemos dizer que há indícios de que não só a imigração já atingiu seu pico como os imigrantes estão mesmo voltando para casa.

FOLHA - Os efeitos da crise na migração serão distintos nos EUA e na Europa?
PAPADEMETRIOU
- Sim. Os EUA têm uma proporção muito maior de imigrantes ilegais [um terço]. E a imigração ilegal é a que mais responde ao ciclo econômico. Mas os imigrantes legais também podem ser afetados, pois têm pouco acesso ao sistema de apoio social do governo. Em contraste, em vários países europeus, a rede de proteção social é aplicada igualmente para todos.
É o caso da Espanha, cuja situação econômica é uma das piores entre os países ricos, mas cujo sistema de apoio social é um dos mais generosos do mundo. O governo está oferecendo até 40 mil euros, dependendo da situação, para que imigrantes deixem o país. E não está funcionando. No Reino Unido, a situação é um pouco diferente, porque grande parte dos imigrantes vêm da UE e têm trânsito livre. Eles podem sair sem medo de serem barrados depois.

FOLHA - Quais as consequências econômicas dessas mudanças, se a crise for prolongada?
PAPADEMETRIOU
- As novas circunstâncias seriam muito duras com os imigrantes. Se o fluxo de retorno aumentar muito, os países de origem vão sofrer, pois a imigração é sabidamente um forte redutor de pobreza para as famílias do Terceiro Mundo. Nos países de destino, temo que se chegue ao ponto em que imigrantes, particularmente ilegais, se tornarão alvos da população doméstica, como se fossem responsáveis pela falta de empregos. Além disso, quando a prosperidade retornar, a economia dos países ricos sofrerá se demorarem a reconquistar os imigrantes necessários. Os trabalhadores mais flexíveis são os imigrantes, e sua mobilidade geográfica é extremamente importante para os mercados de trabalho.

FOLHA - Então o sr. não crê que a diminuição dos fluxos possa ser permanente?
PAPADEMETRIOU
- Não. Esse negócio de "fim da bolha da imigração" é só uma frase de efeito. Não posso dizer que vamos restaurar os mesmos números dos últimos quatro ou cinco anos.
Mas quando a economia começar a se recuperar, o resultado mais provável é o retorno das tendências de antes da recessão. E os primeiros a voltar serão os ilegais, que são os que realmente se movem acoplados à situação econômica.
Conheço dados sobre comércio global, nacionalismo econômico e etc. que sustentam o argumento de uma retração da globalização. Mas daí a dizer que a "desglobalização" está começando a acontecer é prematuro. A chance de "desglobalização" é proporcional à estupidez dos políticos. Se começarem a cancelar acordos e ignorar 30 anos de aberturas, aí ela será possível.

Entrevista publicada na Folha de São Paulo, de 6 de abril de 2009.

Grego preside centro de política migratória

DE NOVA YORK

Demetrius Papademetriou, 63, é cofundador e presidente do Instituto de Políticas Migratórias (MPI, na sigla em inglês), think-tank independente de Washington. Ele conhece de perto o tema: nascido em Patras, na Grécia, Papademetriou foi para os EUA aos 18 anos, munido apenas de um inglês básico e uma bolsa de estudos para a Universidade Wilkes, na Pensilvânia.
Lavou pratos, foi balconista de cafeterias e garçom até terminar o doutorado em 1976 na Universidade de Maryland, onde estudou políticas comparativas e relações internacionais. Depois de anos como professor em universidades como Maryland e Duke, foi diretor executivo da revista "International Migration Review", pesquisador do Departamento do Trabalho dos EUA e diretor da comissão sobre migração da OCDE (Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento).
Ele fundou o MPI em 2001, quando deixou a codiretoria do Programa de Migração Internacional da organização Carnegie Endowment for International Peace. Hoje o MPI é financiado a partir de doações de, entre outros, Departamento de Estado dos EUA, Comissão Europeia, governos do México, Canadá, Finlândia, Grécia, Itália, Holanda e Reino Unido, ONU e Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Papademetriou é autor e coautor de vários livros sobre imigração, como "Still a Study in Ambiguity: Germany and its Immigrants" (Ainda um Estudo em Ambiguidade: Alemanha e seus Imigrantes, 2006) e "Immigration and America's Future: A New Chapter" (Imigração e o Futuro da América: um Novo Capítulo, 2008).

Perfil de Demetrius Papademetriou, na Folha de São Paulo.


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terça-feira, abril 21, 2009

Pressão internacional adia enforcamento de condenada no Irã

O enforcamento da pintora iraniana Delara Darabi, 23 anos, condenada à pena de morte foi adiado nesta segunda-feira. A execução dela estava prevista para hoje, mas foi remarcada para daqui a 2 meses, informou o Comitê de Direitos Humanos do Irã.

O adiamento foi ordenado pelo mais alto representante do judiciário iraniano, o aiatolá Mahmud Hashemi Shahroudi, após a "massiva atenção nacional e internacional" que o caso despertou.

"A atenção nacional e internacional que o caso de Delara levantou foi decisiva para as autoridades decidirem não seguir adiante com o enforcamento hoje", disse o porta-voz da comissão, Mahmud Amiry-Moggaddam.

O caso
Delara Darabi tinha 17 anos de idade quando foi presa no Irã. Foi acusada de ter matado com uma punhalada a prima de 58 anos de idade. Respondeu, também, por furto na casa da prima morta e por manter relacionamento sexual com o namorado Amir Hossain de 19 anos de idade: no Irã, sexo só com o casamento e a adúltera recebe pena capital.

Hoje, Delara Darabi está com 23 anos. Continua presa desde os crimes consumados em 2005. Hoje, seria enforcada por ter sido considerada autora da punhalada, com intenção de matar. Ela nega o crime.

Pelo furto e intimidade com o namorado, cumpriu pena de 3 anos de cadeia. Recebeu, em público, 50 chicotadas pelo furto e mais 20 pelas relações amorosas com o namorado.

Ela disse que confessou quando presa para "salvar" o namorado da pena de morte. Frisou que imaginava, pelos seus 17 anos, que não seria condenada à morte. Errou nos cálculos pois a responsabilidade criminal no Estado teocrático do Irã começa aos 15 anos de idade para homens e 9 anos para as do sexo feminino.

O crime de homicídio, se consumou em 2005 e a sentença condenatória à pena de morte foi confirmada pela Corte Suprema em 2007. A única chance legal para Delara Darabi seria a família da vítima, - sua prima -, aceitar uma indenização em dinheiro.

O pai da condenada chegou a fazer uma oferta, mas não houve aceitação. Segundo o advogado e as organizações internacionais de defesa de direitos humanos ficou provado nos autos, por laudo pericial oficial e único, que Delara Darabi é inocente. Para os peritos, o golpe de punhal foi desferido por uma pessoa destra. Darabi é canhota.

Notícia do Terra.

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Márcio Aith, uma observação irrelevante

A respeito do “post” anterior, é dito que o texto fiscalista da Folha de São Paulo, é de Márcio Aith.

Pelo que me parece, Márcio Aith trabalhava na Folha de São Paulo, e foi contratado pela revista Veja. Luís Nassif comenta como ele acabou envolvido nas digamos questões da revista Veja, com Daniel Dantas.

Pelo jeito resolveu voltar à velha casa.


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Ah, este fiscalismo!...

Ah, este fiscalismo!...


A Folha de São Paulo desta segunda-feira, 20 de abril, dá ampla divulgação a um estudo produzido pelo economista Alexandre Marinis, da consultoria Mosaico, estudo este produzido a pedido da própria Folha.


A reportagem, assinada por Márcio Aith, informa que o Governo Federal economizou 40 bilhões de reais com juros nos últimos anos, mas acrescentou 40 bilhões de reais à folha de pagamentos, e mais 26,7 bilhões de reais ao custeio da máquina administrativa. A seguir vem a analogia, informando que o aumento de gastos seria o equivalente a seis vezes o gasto com o programa Bolsa-Família. Ainda segundo a notícia, o governo contratou 300 mil servidores (metade deles militares), e aumentou salários. Então a folha cita a opinião do economista: "O problema desses números é a irreversibilidade. O próximo presidente não terá a opção de reverter esses aumentos, mesmo que parcialmente, para programas sociais mais eficientes."


Muito bem. O governo aumentou a quantidade de funcionários, e aumentou salários.


O governo anterior contratou menos, se contratou. Em compensação se encheu de “terceirizados”, que tinham salários arrochados, e, possivelmente, empregadores enriquecidos, e também de “consultores”. Mesmo assim a dívida pública aumentou de forma exponencial entre 1995 e 2002.


Por outro lado, vimos muitas operações da Polícia Federal nestes últimos oito anos, mais do que estávamos acostumados a ver em governos anteriores. Vimos a ação dos diplomatas brasileiros, nos pleitos brasileiros, e nos diversos fóruns internacionais. Temos visto fiscalização do Ministério do Trabalho liberar trabalhadores mantidos em situação análoga à escravidão (havia no governo anterior, mas parece que neste há mais), sendo que tivemos o assassinato de fiscais durante este governo, ou seja, estes funcionários pagaram com sua vida por causa da função que exerciam. Ora, tudo isto custa dinheiro. Ou alguém espera que policiais federais, ou fiscais do ministério do trabalho, ou da receita-previdência vão trabalhar motivados com salários achatados? Sem contar, que, na verdade, na Receita Federal, por exemplo, faltam fiscais para a ampla gama de portos, aeroportos e pontos de fronteira seca que precisariam ser fiscalizados.


Felizmente o jornal anotou uma resposta do governo: “O governo tem dito que os reajustes e as contratações fazem parte de uma estratégia para recuperar a eficiência do Estado, após uma década de reformas liberais malsucedidas. A equipe econômica alega ainda que o custo de contratações e reajustes é compatível com o aumento da receita tributária no período.” Não sei se satisfaz a equipe de redação da Folha, mas é o que há a ser dito.


É bom que os jornais fiscalizem os gastos do governo, mas seria melhor se procurassem verificar também se o gasto foi bem ou mal feito. Aumentar salários, segundo o critério da Folha, parece que é sempre negativo, e despesas crescentes de custeio também.


Aqui no Rio Grande do Sul temos um governo preocupado, parece que quase exclusivamente, em manter o rigor fiscal. O que temos: governadora impopular, funcionários insatisfeitos, escolas (e presídios) caindo aos pedaços. É isso o que a Folha quer para todo o país?

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O delegado Protógenes e a apresentadora Adriane Galisteu, ou como a Rosane de Oliveira cometeu um grande equívoco

O delegado Protógenes e a apresentadora Adriane Galisteu, ou como a Rosane de Oliveira cometeu um grande equívoco


Segundo a colunista da RBS, Rosane de Oliveira, a deputada Luciana Genro ficou no mesmo patamar ilegítimo que uma série de deputados que usaram sua verba de gabinete para fazer turismo, ou pagar a viagem da namorada (como aconteceu com o deputado que pagou uma viagem da apresentadora Adriane Galisteu para Natal-RN), porque a deputada Luciana Genro utilizou a sua cota de passagens a que o Congresso lhe dá direito para possibilitar ao delegado Protógenes Queiroz visitar Porto Alegre, onde ele se envolveu em manifestações contra a corrupção e a impunidade, e em palestras e debates. Detalhe: em muitas, senão em todas estas atividades a deputada Luciana Genro estava junto com o delegado.


Ou seja, a deputada de maneira nenhuma utilizou sua cota de passagens de maneira estritamente pessoal, para seu próprio usufruto. E mais, como esteve boa parte do tempo junto do delegado, pode afirmar com toda a legitimidade que pagar as passagens do delegado fazia parte de sua atividade parlamentar, tanto quanto o Congresso paga as passagens de depoentes em CPI's.


Misturar despesas da atividade parlamentar com o pagamento de passagens para ir à praia, se não é uma manifestação de má fé, de moralismo exacerbado que perdeu a noção da diferença entre uma coisa e outra, é, pelo menos, um tremendo equívoco.


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sexta-feira, abril 17, 2009

Entrevista com Akiva Eldar, Jornalista do Haaretz, de Israel

Isolar Jerusalém vai opor Israel aos EUA, aponta analista


Para Akiva Eldar, meta do novo governo de expandir colônia na Cisjordânia representará o término do processo de paz

Pesquisador da história dos assentamentos defende pressão americana para coibir plano de Netanyahu

LUÍS FERRARI
DA REPORTAGEM LOCAL

Se implantado, o plano do novo governo israelense de expandir assentamentos na Cisjordânia, "ilhando" o setor árabe de Jerusalém, vai precipitar uma crise com Washington. O diagnóstico é de Akiva Eldar, autor de um livro sobre a história das colônias judaicas e editorialista do "Haaretz". Ele fala com autoridade de quem atuou dez anos como correspondente diplomático e mais três na chefia do escritório em Washington de um dos mais influentes jornais de Israel.

FOLHA - Como a colonização da área E1 afeta a ideia de instalar a capital palestina em Jerusalém Oriental?
AKIVA ELDAR
- O plano de cercar a Grande Jerusalém com comunidades judaicas remove qualquer chance de os palestinos conectarem Jerusalém a outras partes da Cisjordânia. Com a construção do muro, na E1 e outras colônias a Cisjordânia será cortada ao meio. A população palestina cresce rapidamente e eles não têm onde construir novas casas.

FOLHA - Pode ser imposto um isolamento como o da faixa de Gaza?
ELDAR
- Ao menos em Gaza há unidade territorial, sem assentamentos. Em Jerusalém, o plano de ampliar colônias não permitirá a separação entre israelenses e palestinos, em prol da solução dos dois Estados.

FOLHA - Colonizar E1 é ideia do premiê, Binyamin Netanyahu, ou do chanceler, Avigdor Liberman?
ELDAR
- É mais antiga. Desde 93, com o Acordo de Oslo, ficou claro que precisava ser congelada. O plano passou por comitês de planejamento e zoneamento. Todos os premiês sofrem pressão do prefeito de Maale Adumim, a segunda maior colônia na Cisjordânia, para expandir a E1. A meta é ter 3.500 famílias, criar hotéis e uma zona industrial.

FOLHA - Contempla palestinos?
ELDAR
- O governo dirá que, na área industrial, podem ser criados empregos para palestinos, não casas. Os assentamentos são só para judeus.

FOLHA - Onde viveriam os árabes trabalhadores do parque industrial?
ELDAR
- (Risos) Acha que Netanyahu e Liberman se importam? Talvez eles gostariam que o Brasil os recebesse...

FOLHA - Como seria a reação dos EUA à expansão dessa colônia?
ELDAR
- A rigor, a única razão para a E1 permanecer no papel é a pressão americana. Isso ilustra que, quando os americanos mandam uma mensagem clara a Israel de que não aceitam novos assentamentos, os israelenses evitam fazê-lo.
Aconteceu com Netanyahu entre 1996 e 1999, que só fez promessas mas não encostou na E1. Para os americanos, tal avanço representará o fim do processo de paz. Mostrar que o campo pragmático de Abu Mazen [Mahmoud Abbas] não serve e que o Hamas está 100% certo, que os israelenses não querem buscar a terceira via.

FOLHA - Como os EUA limitariam a ação de Israel?
ELDAR
- O presidente Bush pai, em 1992, disse aos israelenses que parassem as colônias, para manter o auxílio econômico. Israel quis contestar, acabou sem o dinheiro e o Likud perdeu a eleição. Os americanos têm muito poder: o povo israelense não aprova seu governo contrariar os EUA. O premiê que entrar em crise com os EUA está fadado ao fracasso.

FOLHA - O que precipitaria uma crise desse porte com os EUA?
ELDAR
- Se decidirem construir na E1, irá precipitar uma crise. Por isso ainda não foi feito. A mensagem até mesmo de Bush [filho], e mais ainda de Obama, sobre E1 é bem clara: para os EUA é uma linha vermelha.

Não existe mais o Partido Trabalhista, diz jornalista

Intelectual de esquerda avalia negativamente a presença cada vez mais expressiva de soldados ortodoxos no Exército de Israel

DA REPORTAGEM LOCAL

Considerado um intelectual de esquerda em seu país, Akiva Eldar diz que a nova coalizão governista do país ilustra a morte da esquerda israelense. Defensor da inclusão do Hamas nas tratativas de paz, ele avalia negativamente o fato de o Exército israelense estar se tornando mais e mais religioso. (LF)

FOLHA - Liberman refutando negociar com a Síria a devolução de Golã pode causar crise com os EUA?
ELDAR
- Liberman não é o premiê. Seu partido tem 15 cadeiras, de 120 do Knesset. Ele não tem poder de veto. Pela lei, acordos com a Síria sobre Golã demandam referendo popular.

FOLHA - Netanyahu quer a paz ou menções à ela são tática retórica?
ELDAR
- Todos querem paz. A questão é se estão dispostos a pagar o preço. Acredito que Netanyahu quer a paz, mas ele claramente não quer dar aos palestinos o que eles querem. Para ser honesto, o governo anterior, de Olmert e Livni, também não foi capaz de chegar a um acordo com os palestinos. Mais ainda: mesmo que tivessem conseguido, não basta um acordo com Abu Mazen, é preciso considerar o Hamas.

FOLHA - Então a solução passa por chamar o Hamas às negociações?
ELDAR
- Deveriam proporcionar um governo [palestino] de coalizão e não impor ao Hamas que reconheça Israel. Por que o Hamas deveria reconhecer o Estado judaico se o premiê de Israel não quer aceitar um Estado palestino? Esse deveria ser o resultado da negociação e não uma pré-condição para ela.

FOLHA - Qual o impacto da guerra deste ano no desfecho eleitoral?
ELDAR
- O público israelense tinha perdido a confiança nos árabes como parceiros pela paz. Queriam alguém mais duro que Olmert e Livni. A esquerda quase sumiu. Perdeu, porque a oferta de Ehud Barak a Arafat em 2000 não prosperou. A deterioração do processo de paz começou após Camp David. Não é um reflexo imediato, mas um processo mais longo.

FOLHA - Para entrar no governo, os trabalhistas impuseram a Netanyahu respeitar os pactos prévios. No 1º dia de mandato, Liberman disse que não honraria Annapolis. Como ficam os esquerdistas no governo? ELDAR - Na verdade, não existe mais um Partido Trabalhista. O grupo tem 13 assentos no Knesset. Só cinco não são ministros ou ministros-adjuntos. São os que não aprovaram o governo. Todos os outros, os que apoiaram, devem pensar que estão diante da última chance de serem ministros, pois talvez o Partido Trabalhista caminhe para o fim. Eles não se importam com o que Liberman diz. Quando decidiram entrar no governo, já sabiam o que o Liberman é e o que representa.

FOLHA - Como avalia o arquivamento do inquérito sobre infrações humanitárias na faixa de Gaza?
ELDAR
- Não poderia ter acontecido diferente. Logo que o "Haaretz" publicou as denúncias, o chefe do gabinete militar disse não ter acreditado. Se o comandante se posicionou assim, o que a Polícia Militar ia dizer? Que ele estava mentindo? É claro que precisamos de uma apuração externa.

FOLHA - Uma das denúncias era sobre a motivação dos soldados, orientados a lutar mais uma guerra religiosa que por razões políticas.
ELDAR
- Sim, metade dos aspirantes a oficiais é de ortodoxos. O Exército está ficando cada vez mais religioso, e os rabinos de lá mais e mais influentes, o que não é uma boa notícia.

FOLHA - Isso acontece por política ou é um fenômeno natural?
ELDAR
- Os jovens ortodoxos externam mais motivação dentro do Exército. Eles demonstram mais entusiasmo para o combate, se oferecem mais para operações especiais e costumam ser voluntários. Os demais, que muitas vezes não almejam a carreira militar, costumam ter mais dúvidas sobre a ocupação que os ortodoxos, que aparentam estar 100% comprometidos com isso.

Textos da Folha de São Paulo, de 5 de abril de 2009: 1 e 2.

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Palestino mata adolescente em colônia israelense

Palestino mata adolescente em colônia israelense

DA REDAÇÃO

Um palestino armado com um machado e uma faca matou ontem um adolescente israelense de 13 anos e feriu uma criança de sete no assentamento de Bat Ayin, na Cisjordânia. É o primeiro episódio violento desde a posse, terça, do premiê direitista Binyamin Netanyahu.
Após o ataque, o palestino chegou a ser ferido por um colono israelense, mas escapou. Ao menos três grupos assumiram responsabilidade no ato: as Brigada dos Mártires de Al Aqsa -ligadas ao partido Fatah, que administra a Cisjordânia-, o Jihad Islâmico e a Imad Mugniyeh (nome de militante do grupo Hizbollah morto em 2008).
Tido como um dos assentamentos mais radicais, Bat Ayin fica entre Jerusalém e Hebron e abriga cerca de mil israelenses. Em 2002, três deles foram condenados por um malsucedido atentado a uma escola palestina para meninas. Um dos três é pai do menino ferido ontem. Já o garoto assassinado foi identificado como filho dos primeiros colonos de Bat Ayin.
Netanyahu pediu "todos os esforços" na captura do agressor. Seu porta-voz, Mark Regev, chamou o ato de "insensato e brutal contra inocentes". "O novo governo tem tolerância zero contra esse tipo de ação", agregou.
A expansão de assentamentos na Cisjordânia, ponto de disputa entre israelenses e palestinos, é apoiada por Netanyahu e pelo partido ultradireitista Israel Beitenu, de sua coalizão.
Em nota, os colonos de Bat Ayin pedem ao governo "que ponha fim ao terror árabe e destrua as esperanças do inimigo de criar um Estado palestino em solo israelense".


Com agências internacionais

Texto da Folha de São Paulo, de 3 de abril de 2009.

O texto fala por sim mesmo.

É lamentável que um adolescente israelense tenha sido assassinado, ainda mais de uma maneira sanguinária e crua com uso de faca e machado. Mas estas pessoas não deveriam estar aonde estão. Pela lei internacional eles estão ocupando uma terra que pertence aos palestinos.

Mas a frase da nota emitida pelos colonos invasores, onde pedem ao governo israelense "que ponha fim ao terror árabe e destrua as esperanças do inimigo de criar um Estado palestino em solo israelense", demonstra a mentalidade que diz que ali onde eles estão, na Cisjordânia, é terra de Israel, e que as esperanças de retomar aquela terra, devem ser destruídas.


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Israel recua de plano para Estado palestino

Israel recua de plano para Estado palestino

Chanceler recém-empossado rompe com acordo mediado pelos EUA em 2007 e diz que concessões "causariam mais guerra"

Declarações de Liberman contrariam projeto de paz da Casa Branca; Autoridade Nacional Palestina se diz ameaçada de dissolução


DA REDAÇÃO

Em seu primeiro discurso como chanceler, o ultranacionalista Avigdor Liberman disse ontem que o novo governo israelense rejeita as atuais negociações de paz com os palestinos, norteadas pela solução de dois Estados para dois povos. Ele alegou que concessões provocariam mais conflitos.
As declarações de Liberman reforçam a previsão de que o governo do premiê direitista Binyamin Netanyahu, empossado anteontem, entrará em rota de colisão com os EUA, o maior aliado de Israel.
A Casa Branca vem pilotando desde a Conferência de Annapolis (EUA), em 2007, a retomada das conversas entre israelenses e palestinos. O texto final do encontro estipulou condições para cada lado e o objetivo principal de criar um Estado palestino independente em Gaza e na Cisjordânia.
Durante a campanha, Netanyahu defendera a criação de zonas econômicas palestinas em vez de um Estado nacional.
Mas, para viabilizar a coalizão governista, prometeu ao Partido Trabalhista (centro-esquerda) respeitar os acordos de paz anteriormente firmados.
"Aqueles que pensam conseguir respeito e paz por meio de concessões estão errados. É o contrário: [concessões] só causarão mais guerra", disse o novo chanceler. Líder do Israel Beitenu, terceiro maior partido no Parlamento, ele afirmou que não tem obrigação de seguir a Declaração de Annapolis.
"[O texto] não foi ratificado no Parlamento israelense e, portanto, não tem validade", disse Liberman. Ele afirmou que o único acordo respeitado pelo novo governo é o Mapa do Caminho, assinado em 2003 entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina (ANP).

Diferenças
Ao contrário da Declaração de Annapolis, o Mapa do Caminho, patrocinado pela Casa Branca de George W. Bush durante a Segunda Intifada (revolta) palestina nos territórios ocupados, não falava em objetivos finais para as negociações. Ele enfatizava a exigência de que a ANP reprimisse os militantes radicais.
Quatro anos depois, em derradeira tentativa de retomar a questão dos dois Estados, paralisada durante a maior parte do seu mandato, Bush promoveu o encontro em Annapolis.
O discurso de Liberman levou o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, a ameaçar romper o diálogo com Israel. "O mundo precisa saber que [o premiê Netanyahu] não acredita na paz e, portanto, não podemos tratar com ele", disse.
Um assessor de Abbas disse ao "Financial Times" que a posição de Israel pode levar à dissolução da ANP, criada pelos Acordos de Oslo, em 1993, como governo embrionário do futuro Estado palestino. "Se não puder cumprir a promessa de um Estado independente, a ANP deverá seguir outro caminho", afirmou Rafik Husseini.
A Casa Branca usou um tom conciliador, mas deixou clara a sua posição: "Trabalharemos com [Israel] para chegar a uma solução de dois Estados".


Com agências internacionais

A notícia é da Folha de São Paulo, de 2 de abril de 2009.

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Netanyahu assume hoje, em guinada à direita

Netanyahu assume hoje, em guinada à direita

DO "FINANCIAL TIMES"

Binyamin Netanyahu fará hoje o juramento como premiê de Israel, marcando uma guinada à direita, para um governo de "falcões" justamente enquanto o país encara crescentes críticas internacionais.
Primeiro-ministro entre 1996 e 1999, o líder do Likud (direita) governará com uma ampla coalizão, que inclui o ultradireitista Israel Beitenu, o centro-esquerdista Trabalhista e o ortodoxo Shas. O governo deverá englobar seis partidos, com propostas opostas em temas como política externa.
Mesmo no Likud, Netanyahu enfrenta disputa pelos oito cargos ministeriais destinados ao partido. Ele deve acumular a pasta das Finanças, a única das mais relevantes ainda não oferecida a seus colegas da coalizão -o Israel Beitenu ficará com a Chancelaria e os trabalhistas, com a Defesa.
Ontem, ele voltou a falar em negociações de paz, como parte de um amplo esforço para conter a preocupação internacional quanto a seu futuro governo, tido como bem menos entusiasta de um acordo com os palestinos que o atual.
"Meu governo fará o que puder para chegar a uma justa e duradoura paz com nossos vizinhos e todo o mundo árabe."
Netanyahu refuta o conceito de um Estado palestino independente -alicerce dos esforços diplomáticos desde os Acordos de Oslo (1993). Ele defende a ideia de atingir a paz fortalecendo a economia palestina e não concedendo terras.
Além das dificuldades internacionais causadas pelas denúncias de abuso na recente investida militar em Gaza, o mundo árabe repudiou a indicação de Avigdor Liberman, líder do Israel Beitenu e conhecido por seus arroubos antiárabes, como chanceler.
A inclusão dos trabalhistas na coalizão arrefeceu o temor de Netanyahu depender demais da direita. Mas, a despeito da manutenção do ex-premiê Ehud Barak como ministro da Defesa, não está claro se os trabalhistas, com 5 das 30 cadeiras no gabinete, contrabalançarão a influência da direita.


Texto da Folha de São Paulo, de 31 de março de 2009.


Comentário do blogueiro:


Há algumas coisas a serem ditas, ou que parecem evidentes, neste novo gabinete que entra para governar Israel.

A primeira é uma pergunta: O que faz o Partido Trabalhista no meio desta coalizão de direita? Se o Kadima que é o partido composto em sua maioria por antigos membros do Likud que chegaram à conclusão que é impossível manter a ocupação dos territórios palestinos nos termos em que estes vêm sendo ocupados desde o início desta década, e o líder do novo gabinete acha que este modelo de ocupação e usurpação da terra palestina precisa ser incrementado, os trabalhistas certamente não se encaixam nesta coalizão.

O terceiro parágrafo informa que “Netanyahu refuta o conceito de um Estado palestino independente -alicerce dos esforços diplomáticos desde os Acordos de Oslo (1993). Ele defende a ideia de atingir a paz fortalecendo a economia palestina e não concedendo terras.” Ou Netanyahu vai criar um novo conceito político através de mágica, ou ele pretende criar desenvolvimento e conforto material para os palestinos enquanto os aliena do direito de cidadania (os mais básicos: ir e vir sem ser importunado, votar e ser votado, …). Nada de novo aí, pois o Likud nunca chegou a reconhecer o direito à existência de um Estado Palestino. Mas me parece que ele vai acabar por ter que incorporar a população palestina dos território ocupados à cidadania de Israel. Mas neste caso, Israel deixará de ser um estado judeu.

Ou, talvez, com base nas premissas do outro partido da coalizão, o Israel Beitenu, o gabinete planeje uma “limpeza étnica” dos palestinos, ou seja, tomar definitivamente toda a Cisjordânia, e expulsar os 2,5 milhões de palestinos que ali vivem. Israel continuará um estado formalmente democrático se fizer isso? E como o resto do mundo olhará Israel?

Por fim, uma coisa prosaica. Conforme notícia do portal G1, este é o maior gabinete que já chegou a tomar posse do governo em Israel, com 30 ministros e 6 ou 8 (o G1 informa os dois números) vice-ministros. Muitos brasileiros gostam de dizer o o governo Lula tem ministérios demais. E talvez tenha mesmo, mas o que o move a isso é a necessidade política de oferecer cargos aos partidos que venham a fazer parte de sua base no Congresso. É o mesmo princípio, no nosso regime presidencialista, de composição de governos parlamentaristas, como é o caso de Israel. 30 ministros e 6 vice-ministros. É mais que o dobro de vítimas israelenses no recente ataque de Israel à Faixa de Gaza (13).

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Obama não processará agentes da CIA por técnicas controvertidas de interrogatório

Os agentes da CIA (a agência de inteligência americana) que usaram técnicas comparadas à tortura ao interrogar suspeitos de terrorismo durante o governo de George W. Bush não serão processados, declarou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

A decisão foi duramente criticada por grupos de defesa dos direitos humanos.

Em sua primeira semana na Casa Branca, Obama proibiu o uso de técnicas de interrogatório equiparadas à tortura - como privar prisioneiros do sono e simular afogamentos - e ordenou que os militares se ativessem às regras descritas no Manual de Campo do Exército americano.

O Departamento de Justiça publicou na quinta-feira quatro memorandos detalhando as técnicas de interrogatório aprovadas para uso da CIA durante o governo de George W. Bush. Os documentos contem justificação legal para os métodos, que são internacionalmente criticados como formas de tortura.

Obama garantiu que os agentes que cumpriram suas tarefas levando em conta a assessoria legal do Departamento de Justiça não serão processados.

Um dos documentos contém autorização legal para uma lista de duras técnicas de interrogatório que incluem tapas na cara, confinamento em locais apertados e posições desconfortáveis.

As técnicas ainda incluíam confinar o suspeito em um local fechado com um inseto, dizendo que o inseto poderia picá-lo, e atirar prisioneiros contra uma parede falsa, com a intenção de criar um barulho maior do que o normal, dando a impressão de que o choque foi muito mais violento.

Conheças as técnicas de interrogatório usadas pela CIA

Críticas

A Anistia Internacional afirma que o Departamento de Justiça parece estar oferecendo "uma autorização para sair livremente da cadeia" para indivíduos envolvidos em atos de tortura.

O Centro para os Direitos Constitucionais, que defende os direitos de prisioneiros suspeitos de terrorismo, se disse decepcionado.

"É uma das decepções mais profundas deste governo que parece sem vontade de usar a lei onde crimes foram cometidos por ex-oficiais", disse a organização em um comunicado.

O governo americano não informou se a proteção vai se estender aos agentes da CIA que ultrapassaram os limites estabelecidos nos memorandos ou aos funcionários contratados fora da CIA, que aprovaram os limites das técnicas de interrogação.

Isso abre a possibilidade de que os advogados que emitiram as opiniões legais autorizando as técnicas possam ser punidos. Um deles é agora um juiz federal.

Mas de acordo com o editor da BBC para a América do Norte, Justin Webb, o governo Obama parece querer encerrar o assunto sem processar nenhum responsável.

A Casa Branca afirma que a decisão reitera seu compromisso já anunciado de acabar com o uso de tortura entre os militares e vai proteger aqueles que agiram dentro dos limites impostos pelo governo anterior.

Ao anunciar a publicação dos quatro memorandos, o procurador geral Eric Holder disse que os Estados Unidos estão sendo "consistentes com nosso compromisso de cumprir as leis".

"O presidente suspendeu o uso das técnicas de interrogatório descritas nestas opiniões, e este governo deixou claro desde o primeiro dia que não vai perdoar a tortura", disse Holder.

‘Orwelliano'

Para os críticos, os memorandos trazem provas de que muitos dos métodos usados equivalem à tortura, de acordo com as leis americanas e internacionais.

"No fim das contas, houve crimes cometidos", disse à BBC o analista Tom Parker, da Anistia Internacional.

"Esses são atos criminosos. A tortura é ilegal de acordo com as leis americanas, é ilegal segundo as leis internacionais. Os Estados Unidos têm a obrigação internacional de processar os indivíduos que cometeram esses atos."

Segundo Parker, a autorização do uso de insetos nos interrogatórios lembra o pesadelo do Quarto 101 descrito por George Orwell no livro de ficção 1984.

A tática foi aprovada no caso de Abu Zubaidah, um dos suspeitos de liderar a rede al-Qaeda, mas nunca foi usada. Ele seria colocado num compartimento fechado cheio de lagartas, e agentes diriam que ele poderia ser picado por elas. Zubaidah tem um notório medo de insetos.

Apesar disso, ler o memorando "é incrivelmente deprimente para alguém que ama os Estados Unidos", disse Parker.

Os memorandos foram publicados a pedido do grupo de defesa dos direitos civis American Civil Liberties Union (ACLU).


Texto da BBC Brasil.

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