terça-feira, setembro 30, 2008

Ocidentais se defrontam com oposição na ONU

Na ONU, os Ocidentais se defrontam com a oposição das potências emergentes

Natalie Nougayrède e Philippe Bolopion
Em Nova York


A Assembléia Geral da ONU, que foi aberta nesta segunda-feira, 22 de setembro, apresenta um contexto difícil para os ocidentais, confrontados a um recrudescimento das resistências das potências emergentes. Estas estão decididas a defenderem sua visão dos direitos humanos e sua concepção da soberania dos Estados. Em relação a países como Mianmar e o Zimbábue, ou a uma região como o Darfur, que enfrentam uma situação de crise, a política defendida pelos Ocidentais andou esbarrando, no decorrer deste último ano, em oposições fortes, articuladas por diversos países do Sul. Para fazerem valer seus pontos de vista, estes contam com o apoio da Rússia e da China, dois membros do Conselho de segurança que se tornaram os campeões do exercício do direito de veto.

Esta polarização que, segundo alguns observadores, se resume a um enfrentamento sistemático entre "o Oeste" e "o restante" do mundo, foi evidenciada em relação à questão do Kosovo e, mais recentemente, à crise na região do Cáucaso. O endurecimento da Rússia, que parece querer posicionar-se como a principal liderança dos críticos dos Estados Unidos no mundo, desponta como um dos elementos da nova configuração das relações internacionais.

"Na ONU, nós tivemos de adotar uma posição defensiva", constata um diplomata ocidental. "Estamos enfrentando um verdadeiro problema para transmitir nossa mensagem e defender nosso ponto de vista". Ele constata que está havendo "um retorno a uma forma de terceiro-mundismo que lembra muito os anos 1970, um contexto no qual os países não-alinhados se tornam cada vez mais ativos, com países com a Índia, o Brasil e a África do Sul que querem ocupar um espaço condizente com o status de novas potências e que se sentem frustrados diante da inexistência de uma reforma do Conselho de Segurança".

Em julho, um projeto de resolução da ONU que contava com o apoio dos ocidentais e que se destinava a solucionar a crise política no Zimbábue foi contestado e acabou descartado por um duplo veto russo e chinês. Este veto contou com a aprovação, entre outros, da África do Sul e da Indonésia. O Sudão encontrou no decorrer deste ano apoios importantes no âmbito da União Africana e da Liga Árabe, em particular em relação à questão de uma possível inculpação do presidente Omar Al-Bachir pela Corte Penal Internacional por conta dos crimes perpetrados no Darfur.

"Os países não-alinhados estão afirmando seus pontos de vista com maior afinco", comemora o embaixador da África do Sul na ONU, Dumisani Kumalo. "Durante certo tempo, nós acreditamos que os países desenvolvidos respeitariam políticas de parceria com os países em desenvolvimento. Contudo, as ajudas que foram prometidas nunca se concretizaram", diz. "Diante disso, a melhor solução é erguermos a cabeça e nos posicionarmos em defesa dos países em desenvolvimento, principalmente aqueles em relação aos quais nós pensamos que eles são injustamente tratados, tais como o Zimbábue e Mianmar".

Preocupada com a diminuição da capacidade de convencimento dos ocidentais dentro do contexto da ONU, a diplomacia francesa elaborou uma estratégia que consiste em tentar valorizar, por ocasião desta Assembléia Geral, tudo aquilo que a União Européia (UE) proporciona para o sistema das Nações Unidas. Contudo, as capacidades da UE (que é o mais importante contribuinte para o orçamento da ONU e o principal doador de ajudas para o desenvolvimento) deixaram de produzir efeitos em termos de apoios políticos.

Um relatório elaborado pelo grupo de análise European Council on Foreign Relations (ECFR - Conselho Europeu de Estudos das Relações Internacionais), que foi publicado recentemente, calculou que em 2007 e 2008, por ocasião das votações da Assembléia Geral da ONU, a UE conseguiu obter um consenso em torno das suas posições em apenas 48% e 55% dos casos, respectivamente, contra uma média de 72% durante os anos 1990.

Enquanto isso, as posições da China e da Rússia foram encontrando um número crescente de aliados, passando de menos de 50% dos votos no âmbito da ONU no decorrer da década de 1990, para 74% em 2007-2008. A Rússia e a China "andaram assumindo por sua conta as frustrações dos não-alinhados", constata um diplomata ocidental.

A noção de universalidade dos direitos humanos, tal como é concebida pelos ocidentais, tem sido contestada por blocos de países. Neste terreno, a Organização da Conferência Islâmica, que reúne 56 Estados no âmbito da ONU, tem se mostrado a mais virulenta. "Apenas três países de predominância muçulmana, o Afeganistão, a Bósnia e a Turquia, figuram entre os aliados firmes dos europeus por ocasião das votações" na ONU, constata o estudo do ECFR.

O episódio da guerra no Iraque provocou um tipo de desconfiança que passou a predominar entre todos os países não-alinhados, em relação às ingerências e aos questionamentos da soberania dos Estados em nome da democratização. O reconhecimento, neste ano, da independência do Kosovo pelos Estados Unidos e por diversos países europeus consolidou um sentimento de que essas nações praticam uma política de dois pesos, duas medidas. "Existe também a nuvem negra que paira sobre a questão palestina", constata um diplomata ocidental. "Esta é uma ilustração, aos olhos de muitos países do Sul, de uma hipocrisia dos ocidentais".

"Atualmente, o Conselho de Segurança está paralisado", observa o embaixador sul-africano, Dumisani Kumalo. "No final das contas, isso está acontecendo por culpa dos ocidentais, da França, do Reino Unido, dos Estados Unidos". "Essa tendência tem a sua origem na questão do Kosovo; nós havíamos alertado esses países para não abrirem esta porta, mas, eles insistiram, o que resultou naquilo que os russos fizeram na Geórgia. E agora, nós estamos às voltas com essa grande bagunça".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

Texto do Le Monde, no UOL.

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Grampos políticos

O PROBLEMA dos grampos não existe mais. Ou, na pior hipótese, está em suspenso até a próxima safra. Não foi resolvido, todas as hipóteses a respeito continuam abertas. Transfigurou-se, assumindo a natureza que, talvez desde os primeiros vagidos, trazia com aparência de componente apenas intrometido, como um carona excessivo. O caso dos grampos é hoje um forte embate político, no qual escutas e maletas e agentes não passam de coadjuvantes úteis. Lula e seu governo foram imobilizados no caso. Estão reduzidos à inércia também por perplexidade e boa dose de covardia, mas, na mesma medida, pela investida persistente que, entre inúmeras possibilidades de idêntico quilate, concentra-se na hipótese de má conduta dentro do governo. Figurado, no caso, por uma área sempre passível de suspeições e, por seus próprios fins, sempre com dificuldade de explicações públicas -a Agência Brasileira de Inteligência, Abin.
A peculiaridade do embate político é que a investida contra o governo, e portanto contra Lula, não parte da oposição partidária, nem conta com sua colaboração, toda ela perdida em um abobalhamento humilhante e desmoralizador. A ofensiva que sitia o governo é feita por duas alas inusitadas de infantaria. Uma está na cúpula de um poder do qual se supõe, como faz também a Constituição, alheamento em relação às questões políticas até que seja chamado, se o for, a apreciá-las em confronto com os princípios constitucionais. Cúpula personificada, nas atuais circunstâncias, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar Mendes.
A outra frente do assédio ao governo e a Lula está no governo mesmo. Sem trocadilho, o ataque do ministro da Defesa, Nelson Jobim, é mais exposto e desmoraliza-se pelas acusações e denúncias sucessivamente desmentidas até por técnicos e autoridades de sua área. Na prática e de imediato, porém, seus efeitos têm sido muito mais corrosivos. Está aí, como exemplo eloqüente, a embaraçosa situação de Lula por ceder à pressão de Jobim para afastar o diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, cujas afirmações no caso vêm mostrando a veracidade que falta às do ministro da Defesa. O mesmo se evidencia em afirmações do sério e equilibrado general Jorge Felix, na divergência acusatória que Nelson Jobim mantém com ele, ministro da Segurança Institucional que inclui a Abin.
Buscar a motivação essencial da investida concomitante seria, por ora, uma aventura especulativa ou ficcional. Provável, por falta absoluta de razões para o contrário, é que Lula jamais tenha ordenado grampos, compra de maletas, mistura de PF com Abin em inquéritos e trapalhadas. Certo, por simples obviedade, é que o alcance final da investida é Lula.
As convergências de Gilmar Mendes e Nelson Jobim não precisam ter a mesma inspiração para estarem tão à vista. Poderiam mesmo ser opostas. Assessor jurídico de Fernando Collor, adversário do "impeachment", figura relevante no lado mais duro do governo Fernando Henrique, Gilmar Mendes transparece conformação muito mais ideológica do que política, isto é, submete o componente político de suas atitudes ao serviço da ideologia.
Nelson Jobim, a quem Ulysses Guimarães por certo tempo revestiu com o conceito de grande jurista, tem compromisso com seus projetos políticos. A aposentadoria antecipada no Supremo Tribunal Federal foi, a rigor, um ato de desincompatibilização com vistas à eleição presidencial de 2006. O PMDB, seu velho partido, não se definira ainda e uma candidatura própria não era de todo impossível, ainda mais nos sonhos pessoais. Jobim, a propósito, chegou a procurar Lula no Planalto. Decidido o apoio do PMDB à reeleição, restava o lugar de vice. Jobim voltou ao campo. Para evitar um eventual problema na área peemedebista, Lula se viu na contingência de protelar ao máximo a indicação da vice-presidência, que sempre desejou para José Alencar e nunca para Jobim. Mas outra eleição vem aí em 2010, e já é a razão de ser e agir de muita gente.

Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 21 de setembro de 2008.


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Só um laudo não isenta a Abin, diz presidente do STF

Só um laudo não isenta a Abin, diz presidente do STF

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, disse ontem que o laudo da Polícia Federal sobre as maletas não ter identificado a capacidade de realizar interceptações telefônicas não é suficiente para afirmar que Abin não faz grampos.
"Isto diz pouco. Simplesmente afirma que as maletas que foram apresentadas, não sabemos se são todas as que a Abin dispõe, não teriam a possibilidade de fazer a interceptação", afirmou Mendes.
"A medida que se revelam fato de que até terceirizados foram contratados para fazer essas gravações, não sabemos também se essas maletas foram contratadas e se outros modos foram utilizados. Estamos num mundo muito complexo para que tenhamos uma resposta muito simples", completou.
O presidente do STF afirmou que mesmo que o grampo divulgado recentemente de uma conversa entre ele e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) não tenha sido realizado por um agente da Abin, o fato "não vai retirar a responsabilidade" da agência, "como pode não retirar também a responsabilidade da Polícia Federal. Isso precisa ser investigado".
Mendes disse que "é completamente ilícito" quando a Abin, "uma agência apenas de inteligência e informação, atua como polícia judiciária, realizando investigação". Para o ministro, a ação conjunta é "um ato flagrantemente ilegítimo".
"Eu não tenho a menor dúvida de que estamos diante de um ato flagrantemente ilegítimo. Estou preocupado com o aspecto político desta questão." (FELIPE SELIGMAN)

Texto da Folha de São Paulo, de 19 de setembro de 2008.

A atitude do ministro Gilmar Mendes se parece com o jornalismo de hipóteses de Ali Kamel, justificando ênfases esdrúxulas para incriminar o Governo Federal sobre qualquer evento negativo, como, por exemplo, aconteceu com o acidente do Airbus da TAM, no ano passado. A Abin foi incriminada por Nelson Jobim e Gilmar Mendes, sobre uma escuta clandestina divulgada pela revista Veja. Como o meio de associação para a inferência de Nelson Jobim incriminar a Abin, as tais malas de varreduras de escuta, se tornou obsoleto com o laudo da Polícia Federal, ele continua associando a escuta à Abin, embora não saiba muito bem como.

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Parem o Mercado!

Parem o mercado, querem descer

SÃO PAULO - Dois momentos, separados por escassos 14 meses, dão uma idéia perfeita da marcha acelerada da crise global.
Momento 1 - Na cúpula do G8, em junho de 2007, o governo alemão, o anfitrião de turno, queria que fosse discutido algum tipo de código de conduta para os agentes do mercado financeiro, em especial para os "hedge funds", esses que apostam em diferentes ativos para se proteger caso uma (ou mais de uma) das apostas dê errado. Seria uma espécie de auto-regulação.
Explicava à época o ministro alemão de Finanças, Peer Steinbrueck, que tais fundos especulativos representam "um risco sistêmico".
Por quê? Simples: "Alguns deles estão alavancados cinco, seis ou até sete vezes, o que significa que os credores podem ser seriamente prejudicados se um desses fundos se tornar insolvente", explicava Steinbrueck.
Ou seja, previa tudo o que viria logo depois (a crise, então chamada modesta e incorretamente de "crise das subprime", estourou em agosto, dois meses depois). Os Estados Unidos rejeitaram a proposta alemã. Deu no que se vê.
Momento 2 - O presidente da poderosa Confederação Espanhola de Organizações Empresariais, Gerardo Díaz Ferrán, fez anteontem a seguinte declaração: "Creio na liberdade de mercado, mas, na vida, há conjunturas excepcionais. Pode-se fazer um parêntesis na economia de livre mercado".
Passou-se, pois, em meros 14 meses, de uma proposta de auto-regulação, típica medida de mercado, à impossível hibernação do próprio mercado.
Não se aceitou a primeira porque os governos, todos, têm medo do mercado e não o enfrentam. E, para executar a segunda, seria preciso que houvesse um estadista disponível no mercado de governantes capaz de apresentar alguma idéia, uma que fosse, para organizar a farra. Você conhece algum?

Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo, de 19 de setembro de 2008.


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Hugo Chávez toma o controle do Poder Judiciário

Hugo Chávez toma o controle do Poder Judiciário
Relatório da Human Rights Watch denuncia que o tribunal máximo da Venezuela se transformou em um fantoche do governo

Francisco Peregil
Em Madri


Aquele livrinho que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, começou a mostrar em dezenas de programas de televisão a partir de 1999 não era perfeito. Mas continha a melhor Constituição latino-americana em termos de direitos humanos. O texto de 1999 contemplava a criação de um novo Tribunal Superior de Justiça que atuaria de forma independente como garantia máxima dos direitos fundamentais. Seria o último refúgio de qualquer cidadão que visse seus direitos atropelados.

Essa é a opinião de José Miguel Vivanco, diretor para a América da Human Rights Watch (HRW), uma ONG com presença em mais de 70 países, que criticou duramente, entre muitos outros casos, o governo americano por sua gestão de Guantánamo e o da Colômbia pelo processo de inserção dos paramilitares. Agora é a vez da Venezuela.

Sob o título "Intolerância política e oportunidades perdidas para o progresso dos direitos humanos na Venezuela", a HRW apresenta um relatório de 266 páginas sobre a gestão de Chávez desde que chegou ao poder, em dezembro de 1998. "Tentamos analisar o filme inteiro. Lendo as notícias de forma isolada é impossível fazer uma idéia da tendência que marcou Chávez em seus dez anos de governo", explica Vivanco.

Uma pesquisa de 1998 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) concluiu que só 0,8% da população confiava no sistema judiciário. Por isso todos os candidatos que se apresentaram nas eleições daquele ano prometeram reformar o sistema. Foi Hugo Chávez Frías quem ganhou, com 56% dos votos, e pôs mãos à obra. Cumpriu sua promessa.

Em agosto de 1999 a Assembléia Nacional encarregada de redigir a nova Constituição declarou que o Poder Judiciário se encontrava em estado de emergência, criou uma comissão com faculdades para suspender os juízes cujo patrimônio não tivesse relação com suas rendas e para destituir os que, por exemplo, tivessem adotado decisões que refletissem um "desconhecimento manifesto do direito". Nos meses seguintes a comissão separou de seus cargos centenas de juízes. Em março de 2000 estava criado o novo Tribunal Supremo da Venezuela, que tem competências semelhantes às do Supremo e Constitucional espanhol. Era integrado por 20 magistrados, dos quais, segundo Vivanco, dez eram aliados e dez opositores de Chávez.

"Então havia um equilíbrio de forças. As decisões do Supremo naquela época não eram previsíveis", afirma. Em 11 de abril de 2002 Chávez sofreu uma tentativa de golpe que durou apenas 40 horas. O próprio Chávez brincou muitas vezes dizendo que foi o golpe mais curto da história. Mas o sistema judiciário começou a se ressentir. Em agosto, quatro meses depois da intentona, o Supremo ditou uma sentença na qual se negava a iniciar uma investigação contra quatro generais acusados de participar do golpe, sob a alegação de que não havia provas suficientes contra eles.

Chávez pôs novamente as mãos à obra. Mas desta vez na direção contrária à indicada pela Constituição de 1999. "Com o pretexto do golpe, Chávez se dedicou a desarmar sistematicamente os controles previstos em sua própria Constituição, a concentrar poderes e a anular instituições oficiais", declara Vivanco.

De todas as medidas de redução das liberdades e direitos humanos, a HRW destaca uma especialmente grave: a lei que reformou o Tribunal Supremo em maio de 2004. "Com a reforma, Chávez incorporou 12 juízes chavistas, despachou a maioria e transformou o tribunal em um apêndice do Executivo", acrescenta.

"Poucas semanas depois da sanção da lei, os três magistrados responsáveis pelas sentenças mais criticadas pelos seguidores de Chávez estavam fora do tribunal", afirma o relatório. "Nos anos seguintes o novo tribunal supremo ligado ao governo demitiria centenas de juízes e designaria outras centenas. Essa reposição maciça de juízes contribuiu para prejudicar ainda mais a credibilidade do Poder Judiciário da Venezuela", indica o texto da investigação.

Listas negras

A discriminação política, a distinção entre amigos e inimigos, é um dos principais traços do governo Chávez, segundo a Human Rights Watch. A ONG destaca em seu relatório como um caso especialmente flagrante o que ocorreu na companhia Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA), a principal fonte de divisas do país.

"Depois de uma greve de dois meses, em dezembro de 2002 o governo demitiu quase a metade dos funcionários da PDVSA e criou listas negras dos empregados demitidos para impedir seu acesso a futuros empregos no setor petrolífero", salienta a ONG. "Um mês antes das eleições presidenciais de 2006, o ministro da Energia (que também era o presidente da PDVSA) se vangloriou de que a companhia tinha "tirado dessa empresa 19.500 inimigos deste país" e que estavam dispostos a continuar fazendo isso. Nessa oportunidade também disseram aos empregados da PDVSA que era "necessário" que quem estivesse em desacordo com o governo "cedesse seu cargo a um bolivariano". Apesar de o ministro ter emitido um memorando quase um ano depois no qual proibia a discriminação política, existem evidências convincentes de que a mentalidade discriminatória que seus comentários iniciais refletiam também orientou as políticas sobre emprego de alguns setores da PDVSA".

A ONG lembra que 30 anos antes da eleição de Chávez a lealdade política já "era o passaporte para ocupar cargos no setor público e para a distribuição de contratos e serviços do governo". Os partidos políticos dividiam os cargos. Chávez decidiu dedicar-se aos menos favorecidos através de planos específicos que desprezavam o aparelho do Estado. Mas o governo de Chávez depois incorreu no vício da discriminação "através de novas formas de exclusão baseadas na lealdade política".

Imerso nessa dinâmica de discriminação, Chávez decidiu em maio de 2007 não renovar a licença de emissão ao canal opositor RCTV, que se negava a moderar sua linha editorial. "Oficialmente, a decisão foi justificada pela necessidade de usar a freqüência do RCTV para criar um novo canal público, mas o governo tinha outras freqüências a sua disposição e nesse momento havia renovado as licenças de canais que apoiavam o governo ou que haviam moderado sua crítica", indica a entidade.

O "destacado legislador chavista Luis Velázquez Alvaray" presidiu mais de 400 demissões de juízes de tribunais inferiores. "Nesse momento, 80% dos juízes venezuelanos ocupavam cargos provisórios ou temporários, e, portanto, conforme o direito venezuelano, podiam ser destituídos sumariamente. Além disso, a Comissão Judiciária presidida por Velázquez Alvaray designou centenas de juízes permanentes para os tribunais inferiores." As moções contra Alvaray foram anuladas pelo Supremo.

A HRW admite que em ocasiões o Supremo ditou sentenças em defesa dos direitos humanos, como a que em 2005 protegeu o jornal "El Universal", que a promotoria pretendia castigar penalmente por causa de um editorial que criticava a promotoria e o Poder Judiciário.

Mas de modo geral, segundo a ONG, desde a reforma de 2004 o Supremo se transformou em um tribunal "complacente" com o governo. Desde então o órgão rejeitou os recursos de constitucionalidade que vários juristas venezuelanos interpuseram em 2004 contra a própria reforma do tribunal. Também rejeitou o recurso que o canal opositor RCTV interpôs quando Chávez anunciou que não renovaria sua licença de transmissão. E "não defendeu a liberdade sindical dos trabalhadores" ao recusar uma petição que na prática permitiu que "o governo continue violando o direito básico dos trabalhadores de reeleger livremente seus representantes".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do El País, no UOL.

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Unasul na Bolívia

Saem os EUA, entra a América do Sul

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO

A cúpula da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), realizada na segunda-feira em Santiago, marca talvez o primeiro momento em que os Estados Unidos não exercem o protagonismo em uma crise na região desde a independência dos países sul-americanos, que está para completar 200 anos.
Daria, portanto, para chamá-la de histórica, mas é prudente aguardar para ver se a efeméride é acompanhada de eficiência, sem o que se torna apenas um registro banal.
É prudente também esperar para ver se a marginalização de Washington faz parte de um fenômeno mais amplo, de redistribuição do poder em escala global, ou é apenas conseqüência de estar na Casa Branca um "pato manco", como os americanos chamam presidentes em fim de mandato e sem poder, que além disso é desastrado, para dizer o mínimo.
Goste-se ou não, a América do Sul (e a América Latina, mais amplamente) ainda é o pátio traseiro dos EUA. Assim como a Rússia, muito menos poderosa hoje, embora também historicamente imperial, não permitiu movimentos em territórios que considera seus (caso Geórgia/Ossétia do Sul/ Abkházia), não é razoável supor que os EUA deixarão que seus interesses sejam contrariados na sub-região.
Ainda mais que a liderança alternativa, a do Brasil, é historicamente relutante em aceitar tal papel. Basta ver que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antes de embarcar para a cúpula de Santiago e mesmo durante a sua realização, fez questão de enfatizar que cabia a Evo Morales, o presidente boliviano, decidir se aceitava o diálogo com a oposição e, por extensão, a intermediação da Unasul.
Em nenhum momento, Lula fez qualquer tipo de sermão sobre o comportamento que deveria ser adotado, seja pela própria Bolívia, seja pela Unasul. Os EUA (e também a Europa, é bom deixar claro) raramente deixam de dar as receitas que consideram não só as melhores mas as únicas.

Chávez e Lula
Ainda assim, o Brasil é cristalinamente o líder regional. É puro espetáculo especular, como o faz parte importante da mídia sul-americana, com uma disputa de liderança Brasil/Venezuela ou Lula/Hugo Chávez.
Pelo território, pela população e pelo tamanho da economia, o Brasil, qualquer que seja o presidente, é o líder natural, indisputado. Com Lula, é mais ainda porque o presidente tornou-se, além de estrela pela sua história de vida, a palavra da moderação e do sentido comum nos foros regionais e também nos internacionais.
Chávez só lhe disputa a liderança no que restou de esquerda -e não é muito, seja nas urnas, seja nos palácios de governo. Embora, pelo passado, todos os presidentes da Unasul sejam de esquerda, exceto Álvaro Uribe, só 3 dos 12 merecem hoje o rótulo pela ação político-administrativa (Chávez, Evo Morales e o equatoriano Rafael Correa).
Mesmo Alan García, hoje sempre listado à direita, é do Apra, sigla histórica que quer dizer Aliança Popular Revolucionária Americana. Seu fundador, Victor Raúl Haya de la Torre, escreveu nos anos 30 um clássico chamado "O Apra e o antiimperialismo" -muito antes, portanto, de Hugo Chávez adotar o mote.
A liderança de Lula, no entanto, não se exerce pelo confronto, como ficou evidente, pela enésima vez, na cúpula de segunda-feira. Chávez discursou, de novo, contra a suposta ou real "mão oculta" de Bush na crise boliviana, evocou Salvador Allende, deposto faz 35 anos, com ativa participação norte-americana, e ainda voltou a acusar generais bolivianos de golpistas.

Brasil responsável
Lula tomou a palavra, fingiu que não ouvira nada e definiu o eixo da intervenção da Unasul na crise boliviana: se Morales aceitar o diálogo, vamos a ele. Do contrário, não há nada que a Unasul possa fazer. É verdade que a proposta original do que está sendo chamado de "mesa de diálogo" é do governo chileno. Mas, a julgar pelo que a Folha ouviu dos próprios chilenos, foi a intervenção de Lula que a tornou a pedra de toque da cúpula.
O que, de resto, aumenta a responsabilidade do governo brasileiro na gestão da crise. Um fracasso agora tornaria a cúpula de Santiago não a primeira intervenção sul-americana independente dos EUA, mas o seu primeiro fracasso.

NA FOLHA ONLINE
www.folha.com.br/082601
leia a íntegra do comunicado da Unasul

Texto da Folha de São Paulo, de 17 de setembro de 2008.

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Sarah Palin

Sarah Palin encarna um novo feminismo, dizem eleitoras
A candidata à vice-presidência dos EUA anima o debate sobre os valores que as mulheres devem defender na política

Mónica C. Belaza
Em Washington

"Você é como nós", gritam as fãs de Sarah Palin nos comícios, enquanto seguram o batom no alto como se fosse um isqueiro em um concerto. A candidata republicana à vice-presidência dos EUA não se parece com outras mulheres que chegaram a posições de poder. Ex-rainha de beleza, ultraconservadora com cinco filhos, aspecto de bibliotecária, voz de passarinho, credenciais acadêmicas medíocres e governadora de um estado exótico como o Alasca, se autodefine como uma "hockey mom" - uma mãe dedicada, das que levam os filhos às competições esportivas.

É um espelho no qual a mulher média pode se refletir. Mas é contra postulados básicos do feminismo, como o aborto, inclusive no caso de violação e incesto. É bom que uma mulher alcance um dos cargos mais poderosos do planeta, sejam quais forem suas convicções? O debate está em brasa. Não há acordo sobre se sua figura é um insulto à essência do feminismo ou uma inspiração grandiosa.

Palin, 44 anos, é a segunda mulher que surge nesta campanha presidencial. Hillary Clinton foi derrotada nas primárias democratas, mas conseguiu 18 milhões de votos, um êxito sem precedentes. Quando Palin entrou em cena - como golpe de efeito necessário para revitalizar a preguiçosa candidatura republicana -, colocou-se imediatamente como herdeira natural de Clinton, apesar de que durante as primárias a tivesse qualificado de "chorona" por falar de sexismo. Agora a elogia enquanto se nomeia a encarregada de quebrar "de uma vez por todas" o telhado de vidro, a barreira invisível que, segundo as teorias de gênero, impede que as mulheres alcancem os postos de maior responsabilidade.

As mulheres conservadoras não costumam se identificar como feministas, movimento que muitas vezes desprezaram. Mas as defensoras da governadora não só não recusam o termo como tentam apropriar-se dele. Afirmam que ela encarna um novo feminismo, melhor. O das mulheres fortes e capazes de tudo, independentemente de suas crenças. A própria Palin é membro de uma associação contra o aborto chamada Feministas pela Vida. Para o movimento feminista herdeiro dos anos 1970, seja qual for sua ramificação, um feminismo antiaborto é simplesmente um paradoxo.

Sua autoproclamação como representante de todas as mulheres foi contestada furiosamente. Gloria Steinem, conhecida feminista seguidora de Clinton, publicou uma crítica feroz à candidata republicana no "Los Angeles Times" na qual afirmou que "a única coisa que Palin tem em comum com Hillary Clinton é um cromossomo". "Feminismo não significa que uma mulher concreta encontre um trabalho", prosseguiu. "É sobre tornar mais justa a vida das mulheres de todos os lugares. Palin se opõe a quase tudo o que Clinton defendia, enquanto Barack Obama ainda o defende." E concluiu salientando que protestar pela derrota de Clinton votando em McCain e Palin "seria como dizer 'alguém roubou meus sapatos, por isso vou amputar minhas pernas'".

Steinem não foi a única a reagir. Um bom número de feministas está há duas semanas se pronunciando contra Palin. Criticam várias questões. A primeira, a própria natureza da nomeação da governadora, com pouca experiência. Afirmam que é uma falta de respeito pensar que, necessariamente, as mulheres vão votar em outra mulher. Em segundo lugar, dizem que o feminismo não é qualquer coisa, mas um movimento que defende certos princípios - como o direito ao aborto, a educação sexual ou a igualdade de direitos para todos, incluindo os homossexuais - e que o conservadorismo religioso e extremo de Palin impede que possa ser qualificada como tal. E finalmente algumas indicam que sua forma de vida, empenhando-se no trabalho como foi concebido pelos homens e renunciando inclusive às licenças-maternidade - voltou ao emprego apenas três dias depois do nascimento de seu bebê com síndrome de Down -, não tem nada a ver com o que elas reivindicam.

Mas entre as que se consideram feministas tradicionais surgiram algumas vozes discrepantes em blogs e jornais. Mulheres defensoras do aborto e da educação sexual afirmam que, embora Palin tenha idéias contrárias às suas em alguns pontos, o importante é que uma mulher chegue a um cargo tão alto quanto a vice-presidência dos EUA. Por vários motivos: pela visibilidade, porque será um modelo para as novas gerações e porque, mesmo que seja conservadora, é uma mãe trabalhadora que conhece os problemas das mulheres para conciliar trabalho e família.

A esta última teoria se somaram algumas seguidoras de Hillary Clinton. Nayeli Salvaraj tem 30 anos, uma filha e vive no norte da Virgínia. Em todas as eleições até agora votou no Partido Democrata. "Sou a favor do aborto, mas não é o centro da minha vida. Eu quero que uma mulher chegue à Casa Branca e meu partido falhou em relação a Hillary Clinton quando não a nomeou vice-presidente. Foi sexista. Por isso votarei nos republicanos pela primeira vez, em Sarah Palin."

Na rua, a maioria das mulheres não entende de teorias feministas nem parece se importar se pode catalogar Palin como tal. Suas defensoras dizem que, feminista ou não, ela é forte, inteligente e exemplar. Sobretudo é uma mulher que se parece com elas. E querem que ela chegue ao poder. O batom se transformou em uma espécie de grito de guerra, um símbolo de identidade. "É como se eu pudesse mandar na Casa Branca", disse Shirley Honcock, 67 anos, em um comício de McCain e Palin em Fairfax (Virgínia). "Ela fará as coisas que eu gostaria de fazer."

É uma idéia repetida. Diante de um Barack Obama inteligente demais, com um passado estranho e que estudou em boas universidades, se situou uma mãe comum não muito instruída, mas com muito empenho. Nas cidades de subúrbio com residências unifamiliares, veículos todo-terreno e shopping centers, muitas chegaram à conclusão de que a melhor qualidade para dirigir o país é o senso comum de qualquer mãe de família. "Se não é isso que as feministas querem, não entendo nada", diz uma mãe que se define como republicana, enquanto faz compras em um K-Mart da Virgínia com seus trigêmeos de 6 anos. O rosto de Sarah Palin ocupa as capas das revistas do supermercado. "É uma revolução. Uma mulher tradicional que decidiu mandar."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do El País, no UOL.


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Fórum Social faz críticas à política migratória da UE

Em Madri, Fórum Social faz duras críticas à política migratória da UE

Jean-Jacques Bozonnet
Em Madri (Espanha)


A "diretriz da vergonha" foi alvo de duras críticas no decorrer do 3º Fórum Social Mundial das Migrações (FSMM). Este encontro internacional foi encerrado, no domingo, 14 de setembro em Madri, com um ato de protesto "em prol de um mundo sem muros", que reuniu cerca de 5 mil pessoas no centro da capital espanhola.

Esta diretriz que foi adotada recentemente pela União Européia (UE), determina as modalidades de expulsão e de retorno dos estrangeiros em situação irregular ao seu país de origem. Ela amplia para 18 meses a duração possível da sua retenção e proíbe que os expulsos retornem à Europa antes do prazo de cinco anos. Ela constitui "uma escalada no processo de criminalização dos migrantes", segundo afirmou o relator especial das Nações Unidas para os direitos dos migrantes, o mexicano Jorge Bustamante, no discurso que ele pronunciou durante a abertura dos três dias de debates que reuniram mais de 2 mil delegados de 90 países, em Rivas Vaciamadrid, na periferia madrilena.

Na avaliação dos participantes desses encontros, que são uma emanação do Fórum Social Mundial que havia sido lançado em 2001 em Porto Alegre (RS), a norma conhecida como "do retorno" constitui um muro, da mesma forma que aquele que os Estados Unidos vêm construindo fisicamente na fronteira mexicana.

"O fato de transformar os imigrantes nos bodes expiatórios da crise econômica é uma reação típica de uma mentalidade racista que os considera como indesejáveis, porém necessários, e que prefere que eles sejam vulneráveis para melhor explorá-los", proclamou o brasileiro Luiz Baseggio, um porta-voz do comitê internacional do FSMM.

Além de exortar a Europa a "reencontrar sua vocação, que consiste em trabalhar em benefício de uma integração mundial", o documento final do Fórum exige a retirada da diretriz, e pede ainda que os países europeus ratifiquem a Convenção da ONU sobre os direitos dos migrantes. Este texto foi adotado em 1990, mas nenhum dos Estados-membros da UE o assinou até hoje. Entre as reivindicações que foram incluídas na "Declaração de Rivas" figura também "a implantação de um mandato ou de um instrumento especial no âmbito da ONU que permita preencher as carências existentes no plano da proteção dos migrantes".

A Espanha, que no passado era citada como exemplo em função da sua política liberal em matéria de imigração, foi particularmente criticada por ter avalizado a diretriz do retorno e por estar participando do dispositivo de vigilância das fronteiras conhecido pelo nome de Frontex. Além disso, os participantes do Fórum também questionaram o projeto, apresentado recentemente pelo governo de José Luis Rodriguez Zapatero, que consiste em reduzir o contingente dos contratos de trabalho nos países de origem*, em razão da crise econômica.

Segundo os organizadores do Fórum, a crise atual não é o único fator responsável pelas restrições das políticas migratórias dos países ricos. "A diretriz de retorno não constitui uma medida circunstancial", exclamou o bispo brasileiro Demetrio Valentini. "Esta iniciativa revela que nós estamos diante de uma crise de civilização que atinge a humanidade como um todo". Já, na avaliação do sociólogo belga François Houtart, da Universidade Católica de Leuven, 150 a 200 milhões de seres humanos serão forçados a deixar o lugar onde vivem no decorrer das quatro próximas décadas, por causa dos desregramentos climáticos e ambientais.

* Nota do tradutor: Existem acordos de cooperação firmados entre Estados da UE e países de onde é originária a maior parte dos imigrantes, em particular no continente africano, que visam a incentivar a permanência dos cidadãos em seus países de origem, incentivando-os a trabalharem em empresas locais. Entre outros, a Espanha e a França financiam entidades em países africanos, destinadas a estimular o mercado de trabalho local, fornecendo subsídios para empresas.

Em muitos casos, os interessados assinam um contrato por meio do qual eles podem seguir estudos de formação na Europa, com o compromisso de retornarem ao seu país para seguirem carreira em empresas locais. No caso, o premiê Zapatero está sendo criticado por querer reduzir a verba a ser alocada para esses contratos de trabalho.


Tradução: Jean-Yves de Neufville

Texto do Le Monde, no UOL.


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Morales aceita que Unasul seja mediadora na Bolívia

Morales aceita que Unasul seja mediadora na Bolívia

Presidente exige que oposição desocupe prédios públicos antes de negociações

Lula disse que bloco só atuaria se boliviano fizesse opção por diálogo; Chávez apontou "mão oculta" de Bush na ação oposicionista

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO

O presidente da Bolívia, Evo Morales, aceitou ontem que a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) atue como mediadora do diálogo entre seu governo e os cinco governadores de oposição, que há três semanas promovem o bloqueio de rodovias e a ocupação de aeroportos e prédios públicos.
Morales, no entanto, apresentou aos oito presidentes (mais a anfitriã Michelle Bachelet), reunidos em cúpula de emergência da Unasul em Santiago, Chile, duas condições para iniciar as negociações. Primeiro, que os opositores desocupem os edifícios do governo; segundo, que uma comissão internacional investigue o massacre de camponeses pró-governo no departamento de Pando (norte da Bolívia).
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, ofereceu sua instituição para a investigação.
O "sim" de Morales à mediação veio depois da intervenção do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Lula disse que, se Morales optasse por reprimir os opositores, não havia nada que a Unasul pudesse fazer. O bloco regional, criado há apenas quatro meses, atuaria se a opção pelo diálogo fosse de Morales.
"A posição de Lula mudou o eixo da reunião", conforme a Folha ouviu de representantes chilenos e peruanos.

Vídeo de abertura
Explica-se a frase: até então, haviam predominado as críticas do venezuelano Hugo Chávez ao que considerou "mão oculta de Bush [o presidente dos EUA] na preparação de um golpe na Bolívia".
Aliás, Morales abriu a reunião, depois da apresentação da anfitriã, Michelle Bachelet, exibindo vídeo de atos de vandalismo da oposição e de proclamações golpistas.
Também Cristina Kirchner (Argentina) criticou, embora em termos bem mais brandos, os EUA, depois de Chávez ter dito que a suposta conspiração norte-americana agora estava envolvendo a própria presidente argentina (referência à acusação dos EUA de que a campanha eleitoral da hoje presidente foi financiada por Chávez).
Lula tirou completamente o foco dos EUA com a sua observação sobre a autonomia de Morales para aceitar ou não o diálogo. Tanto que não houve, na declaração final, qualquer menção a Washington.
Lula, ao sair do Palácio de la Moneda, sede do governo chileno e da cúpula de emergência, já avançada a noite (passava das 21 horas, 22h em Brasília), festejou o resultado e a ênfase no diálogo: "Um país pobre como o Bolívia precisa de tranqüilidade para poder se desenvolver".
Já o chanceler Celso Amorim preferiu resumir o encontro em duas palavras: "pressão e diálogo". Pressão no sentido de que a condição indispensável para o diálogo é a desocupação, pelos oposicionistas, de prédios públicos ainda tomados.
O documento dá ainda, como a Folha antecipara, forte respaldo à "autoridade legítima", o presidente Evo Morales, condição, aliás, que Lula também fez questão de ressaltar, lembrando até que a legitimidade do boliviano saíra reforçada do recente referendo revogatório.
O texto faz ainda intransigente defesa da integridade territorial da Bolívia, "que não deve ser posta em questão em nenhum momento", segundo o chanceler chileno Alejandro Foxley. Parte da oposição já vinha usando uma palavra incendiária ("secessão") para tratar da autonomia dos departamentos rebelados contra La Paz.

"Mesa de diálogo"
De todo modo, o nítido respaldo a Morales, natural em se tratando de um presidente eleito e reconfirmado, vem acompanhado do aceno ao diálogo com a oposição. Falta apenas definir o formato final do que os chilenos estão chamando de "mesa de diálogo".
O que está certo é que a presidência de turno da Unasul, exercida pelo Chile, será a liderança. Houve uma proposta para que o chamado grupo de amigos da Bolívia (Argentina, Brasil e Colômbia) completasse a mesa. Mas o uruguaio Tabaré Vázquez reclamou: "Porque só três amigos, se somos todos amigos da Bolívia?".
Ficou então decidido que todos os 12 países da Unasul formarão o grupo de amigos, que se colocará à disposição de Morales para iniciar a mediação. Mas nem todos, óbvio, irão à Bolívia. Bachelet vai conversar nos próximos dias com os colegas para definir quem acompanhará a missão de pacificação.
Antes da reunião dos presidente, o chanceler Foxley dissera que o diálogo seria com "todos os setores". "Inclusive com Leopoldo Fernández, governador de Pando, cuja prisão foi decretada pelo governo e que o presidente Morales não aceita à mesa?", perguntou a Folha.
Foxley respondeu com uma frase que permite qualquer interpretação: "O que interessa é um diálogo construtivo com interlocutores dispostos a chegar a um acordo".
Ao chegar a La Paz, Morales antecipou o que seria seu discurso ante os chefes de governo. Denunciou que está em marcha o que chamou de "golpe de Estado cívico em alguns departamentos", em referência aos Comitês Cívicos, que reúnem a elite econômica e política das regiões.

Texto da Folha de São Paulo, de 16 de setembro de 2008.


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Relato da Folha para os Confrontos em Pando

1:

Agentes de Pando atuaram em massacre

Vídeo mostra que funcionários do governo de oposição a Evo Morales atiraram em camponeses que fugiam por um rio

Polícia assistiu à cena sem intervir; marcas do embate que deixou pelo menos 15 mortos e 106 desaparecidos ainda são vistas em Porvenir

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A PORVENIR E FILADELFIA (BOLÍVIA)

Funcionários do departamento boliviano de Pando, governado pelo oposicionista Leopoldo Fernández, participaram dos confrontos entre camponeses pró-Evo Morales e opositores do presidente que, segundo informações corrigidas ontem por La Paz, deixaram ao menos 15 mortos e 106 desaparecidos na quinta-feira.
Relatos de sobreviventes, corroborados por imagens às quais a Folha teve acesso, mostram que atiradores dispararam contra camponeses que tentavam fugir a nado. A Polícia Departamental, que responde ao governo nacional, assistiu à cena sem intervir.
Quatro dias depois dos confrontos, no centro de Porvenir, um casario de cerca de 3.000 habitantes, seis carcaças de veículos queimados ainda estavam na rua, junto a um parque infantil. Todos pertenciam aos camponeses, que fugiram a pé ou a nado. Ou foram mortos.
"Fizeram uma emboscada", diz o morador de uma casa vizinha à praça, que pediu para não ser identificado. "Dizem que os camponeses tinham armas, mas não vi nenhuma". Ele insiste ter visto funcionários do departamento no confronto.
Metros adiante, uma moradora, também sob anonimato, afirma que a maioria dos camponeses carregava paus e alguns portavam rifles.
Na rua que termina no rio, outro morador de Porvenir disse que os camponeses foram perseguidos a tiros até as águas -os dois buracos de bala em sua casa têm essa trajetória.
O confronto teve início na madrugada da última quinta, quando três caminhões com cerca de 340 camponeses vindos de Puerto Rico se aproximaram de Porvenir. O destino era Filadelfia, a 15 km dali. Segundo os camponeses, haveria ali um encontro de organizações que apóiam Morales.
O comboio foi impedido de prosseguir por uma trincheira cavada por funcionários do departamento. Para justificá-la, o governador Leopoldo Fernández alegou que os camponeses "estavam armados e iam participar de um ataque contra os oposicionistas organizado pelo ministro da Presidência [Juan Ramón Quintana]".
Durante a tentativa de ultrapassar a barreira, um engenheiro do departamento morreu. Fernández diz que ele foi baleado, mas os camponeses alegam que ele morreu quando a sua camioneta se chocou com um carro do comboio.
No início da manhã, os camponeses avançaram até o centro de Porvenir, mas foram barrados por cerca de 50 homens da Polícia Departamental de Pando, submetida ao governo nacional, para evitar o choque com a oposição.
Aos poucos, os dois grupos incharam. Por volta do meio-dia, os opositores, fortemente armados, avançaram dos dois lados da rua, obrigando os camponeses a deixar seus carros e a fugir pelo rio Tahuamano, de 20 metros de largura. A polícia, dizem ambos os lados, nada fez. Uma seqüência de vídeo amador mostra que, durante a travessia, foram feitos disparos contra os que estavam na água.
O governo boliviano afirma que provavelmente a maioria dos desaparecidos morreu a tiros quando estava no rio.
A reportagem foi à sede da Polícia Departamental em Porvenir, mas o comandante de plantão não quis falar.

Prefeitura incendiada
Por volta do meio-dia de ontem, a reportagem visitou o povoado de Filadelfia, sede do município, um reduto de apoiadores de Morales de apenas 120 habitantes. Ante a negativa de táxis, os 15 km de distância foram percorridos em uma moto.
Na rua principal, ainda saía fumaça do que sobrou de uma pequena casa de madeira onde funcionava a Prefeitura, incendiada na madrugada de domingo. Todo o arquivo e dois meses de merenda infantil do município de 6.000 habitantes foram queimados, exceto por algumas cebolas ao lado das ruínas.
Ontem, dez homens de uma força especial do Exército boliviano patrulhavam o povoado com metralhadoras e revólveres. "Eles estão muito assustados. Muitos moradores tinham ido dormir no mato e deixaram os móveis fora de casa para que não queimassem em caso de ataque", disse um tenente, sob condição de anonimato.
Após submeter a reportagem a revista e perguntas, o prefeito pró-Morales Antonio Aguilera Roca e outros líderes aceitaram falar e autorizaram fotos.
Quase todos os camponeses e dirigentes estavam nos confrontos de Porvenir. Alguns deles mostraram cicatrizes de disparos. Os de Puerto Rico estavam em situação mais precária: perderam todos os pertences e, sem segurança para voltar, dormem na pequena biblioteca.
Segundo Aguilera, 70 moradores do município desapareceram. Um deles é o dirigente Victor Choque. Chorando, sua mulher, Dilma Hurtado, 44, disse que não voltaria à sua casa, a sete horas de viagem, até encontrá-lo.

2:

Militares controlam apenas parcialmente a capital pandina

DO ENVIADO A COBIJA (BOLÍVIA)

Sob estado de sítio desde sexta-feira, Cobija está apenas parcialmente controlada pelas Forças Armadas, que ontem de madrugada invadiram ao menos dez casas de opositores em várias partes da capital do departamento de Pando, localizada na fronteira com o Acre. Ao menos seis dirigentes foram presos, segundo o governador Leopoldo Fernández.
Mesmo com a presença militar, várias instituições do Estado estão fechadas pelos opositores. Os serviços de imigração e as aduanas, por exemplo, estiveram fechados nos últimos dias -não há nenhum controle nos dois postos de fronteira com o Brasil. A divisa é marcada pelo rio Acre.
Algumas lojas da cidade continuam fechadas, depois de uma onda de saques na semana passada. Já os poucos postos de gasolina abertos acumulavam longas filas, principalmente de motos, por causa da falta de combustível em toda a região.
Um dos locais mais tensos é o aeroporto, tomado na sexta-feira pelo Exército em meio a um intenso tiroteio, com um saldo de ao menos dois mortos.
A única medida do estado de sítio proclamado por Morales que vem sendo respeitada é o toque de recolher após a meia-noite, quando apenas patrulhas do Exército são vistas circulando pela cidade.
Apesar de o governo Evo Morales ter anunciado a intenção de prendê-lo no sábado à noite, o governador oposicionista de Pando caminhou pelas ruas de Cobija durante a manhã.
Acusado por Morales de estar por trás da violência nos últimos dias, Fernández andou por duas quadras até a sede do governo, acompanhado por jornalistas e algumas dezenas de simpatizantes, apesar de o estado de sítio proibir manifestações desse tipo.
"Eles não têm o argumento legal para me prender, eu sou autoridade eleita pelo meu povo", disse Fernández, em entrevista coletiva. "Segundo, estão esperando as condições para inventar as evidências para que se dê um suposto processo de investigação que leve à minha detenção."
"Estou aqui; não entendo por que podem levar outras pessoas que não têm absolutamente nada a ver nem sequer com a luta política", afirmou o governador, sobre as detenções na madrugada.

Denúncia por genocídio
Horas mais tarde, o procurador-geral da Bolívia, Mario Uribe, formalizou uma denúncia contra Fernández e outros dois políticos regionais.
A denúncia fala em "suposta comissão de delito de genocídio em sua forma de massacre sangrento". Os três são acusados de promover os choques violentos da última quinta-feira, quando morreram 15 pessoas, quase todos camponeses pró-Morales. (FM)

Com agências internacionais

Textos da Folha de São Paulo, de 16 de setembro de 2008: 1 e 2.


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quarta-feira, setembro 24, 2008

Algema não!

STF RECEBE RECLAMAÇÕES CONTRA USO DE ALGEMAS EM BRASÍLIA


O Supremo Tribunal Federal recebeu as três primeiras reclamações, todas de Brasília, de descumprimento da súmula vinculante que limitou o uso de algemas: uma vem um corretor preso com maconha; a segunda, de dois catadores de papelão acusados de furto; a terceira, de um servente de pedreiro acusado de porte ilegal de arma. Os relatores são Eros Grau, Joaquim Barbosa e Carmen Lúcia, respectivamente.

Texto da Folha de São Paulo, de 16 de setembro de 2008.

Vale o dito da Toca do Jens:

Algemas, não – Tirei uma cópia reduzida do meu diploma, reconheci em cartório, plastifiquei e guardei na carteira. Se por um infortúnio da vida for preso (tóctóctóc... nunca se sabe o como será o amanhã, vai que a PF pede a nota fiscal do meu televisor paraguaio?), quero cela especial e individual, igual aos celerados de colarinho branco. Algemas e camburão, nem pensar. Ah sim, também quero comer a mesma comida dos diretores do estabelecimento.


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Da oração à reunião

Da oração à reunião

SANTIAGO - O embaixador Rubens Ricupero relatou no domingo, nesta Folha, os apelos desesperados de um diplomata norte-americano para que o Brasil e os países da América do Sul fizessem alguma coisa para resolver a crise boliviana do início dos anos 80, representada por uma narcoditadura chefiada pelo general Garcia Mesa.
O chanceler brasileiro da época, Saraiva Guerreiro, limitou-se a sugerir orações pela Bolívia. Menos de 30 anos depois (o que, em termos históricos, é bem pouco), o Brasil e seus pares da região já não rezam pela Bolívia. Ao contrário, reúnem-se em bloco para tentar ajudar. E -detalhe fundamental- não precisaram de apelos dos Estados Unidos. A iniciativa da cúpula da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) é "coisa nossa".
Não sei, ninguém sabe, se reunir-se resolverá mais do que rezar (por motivos técnicos, escrevo antes do término da cúpula). Mas que "as nossas coisas" melhoraram um bocado é inegável.
Primeira e essencial melhoria: como é que os países sul-americanos poderiam reagir a uma ditadura, ainda que narcoditadura, na Bolívia se quase todos também eram ditaduras? Hoje, todos são democracias.
Tudo bem que os regimes democráticos não resolveram os seculares problemas da sub-região. Mas a ausência da democracia só criou um novo e enorme problema: a ilegitimidade de origem dos governos autoritários e a violência institucional que todos praticaram.
A reunião da Unasul, mesmo que não tenha sido chamada com essa finalidade, é uma primeira aproximação ao passo seguinte necessário: como democracias podem ajudar-se umas às outras concretamente sem violar princípios como o da soberania e o da não-ingerência? Aliás, ainda são princípios sagrados em tempos de globalização e da decorrente cessão de soberania para blocos de países?

Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo, de 16 de setembro de 2008.


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terça-feira, setembro 23, 2008

Palin, a Chávez do Ártico

Palin, a Chávez do Ártico

Andy Robinson

Que ninguém pense em comparar Sarah Palin a Hugo Chávez. Mas a governadora do Alasca e candidata a vice-presidente dos EUA demonstrou que quando quer pode ser uma revolucionária do populismo petroleiro. Quem duvidar deveria ter passado pelo centro comercial da Quinta Avenida de Anchorage na última sexta-feira (12), dia da distribuição do dividendo anual do Fundo Permanente do Petróleo (PFD na sigla em inglês).

Centenas de cidadãos faziam fila nas lojas, impacientes para gastar os US$ 3.200 que o governo havia depositado naquela manhã em suas contas bancárias. "A esta hora de sexta-feira geralmente está bastante vazio, mas hoje as pessoas querem gastar seu PFD", disse uma balconista da loja de moda juvenil Banana Republic. No restaurante Simon and Seaforts, clientes com carteiras recheadas devoravam caranguejos gigantes. Agências de viagens anunciavam "ofertas PFD" de vôos para o Havaí. "Quando chegar o cheque vou tirar alguns dias para pescar", explicou o taxista Danny Austin.

Há 26 anos, todo mês de setembro, os moradores do Alasca recebem um cheque graças ao petróleo. Em 1982 se decidiu investir as receitas dos direitos de exploração petrolífera - 85% da arrecadação tributária do Alasca - em um fundo permanente. É uma estratégia empregada por muitos países petrolíferos - desde a Noruega até Abu Dhabi - para suavizar o impacto da volatilidade dos preços no mercado.

Graças ao preço disparado do petróleo nos últimos anos e a uma boa gestão financeira, o fundo cresceu como espuma, alcançando este ano quase 26 bilhões de euros em um Estado com apenas 600 mil habitantes. Todo ano se distribui um dividendo baseado na rentabilidade do fundo. Este ano o presente do PFD chega a US$ 2 mil (1.400 euros) por residente do Alasca.

Mas Palin quis ser ainda mais generosa e acrescentou ao pacote US$ 1.200 (850 euros) por habitante, o que foi possível graças a uma iniciativa que deixaria de cabelos em pé a Casa Branca do presidente petroleiro George W. Bush e seu feudo texano: uma alta dos impostos sobre os lucros das petroleiras de 22,5% para 25%.

As multinacionais do petróleo nos gigantescos complexos que se estendem pela amplidão gelada de Prudhoe Bay se enfureceram. Mas Palin, como os melhores revolucionários latino-americanos, mobilizou a opinião pública contra a "Big Oil". Os US$ 1.200 acrescentados ao cheque do PFD compensariam, segundo a governadora, o alto preço da gasolina, sobretudo nas comunidades indígenas, que continuam sendo bolsões de pobreza apesar do boom do petróleo e da prosperidade econômica do Alasca.

Claro, os moradores mais abastados de Anchorage e Wasilla (cidade de Palin), todos eleitores, também o recebem. As crianças também. Uma família de sete como a de Palin recebeu o equivalente a 16 mil euros. "Já se compreende por que Sarah é a governadora mais popular dos EUA, não?", brincou Howard Golden, biólogo do Departamento de Caça e Pesca.

Com grande astúcia, a governadora incorporou ao seu discurso eleitoral o confronto que teve com as grandes companhias de petróleo - Exxon, BP, Conoco-Philips e Chevron, importantes fontes de financiamento do Partido Republicano - sobre um novo gasoduto que deve ligar os campos de petróleo do norte do Alasca ao Canadá. "Se você quer um demônio, pode apontar a Exxon, BP e Conoco; é uma política astuta", disse Bert Stedman, senador republicano do Alasca, em declarações ao "The New York Times".

Mas, assim como Chávez, a governadora descobriu que sem o apoio das grandes multinacionais do petróleo é difícil captar investimentos suficientes. A Exxon - com sede em Houston, Texas - anunciou uma "reavaliação de seus planos de investimento" no Alasca e não está claro se a empresa canadense Transcanada, vencedora da obra do gasoduto, poderá realizar o projeto.

Embora ninguém tenha se atrevido a dizê-lo na convenção republicana, o presente anual das receitas do petróleo é possível em grande parte porque o Alasca recebe enormes transferências fiscais do governo federal, que Palin chama com desprezo de "Grande Governo".

Há economistas que também questionam se o PFD é a melhor política de redistribuição. "Há populações muito necessitadas no Alasca que não têm seguro-saúde. Não seria melhor concentrar a ajuda nessas comunidades?", diz o analista Roger Tissot, em Vancouver (Canadá). "Mas se você der US$ 3.200 para cada um, quem sabe se não vão gastar em bebida?"

Curiosamente, foi exatamente isso que Hugo Chávez fez em 2006: doou US$ 5,3 milhões procedentes do aumento das receitas do petróleo na Venezuela para 150 comunidades indígenas do Alasca.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do La Vanguardía, no UOL.


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O inadimissível

NO PAÍS onde três jovens são torturados até confessarem os crimes de estupro e morte que não cometeram, confissão que os retém por dois anos na cadeia à espera de processo, dez presos de alta periculosidade são soltos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por estarem ainda à espera, presos, de que os seus processos dêem no Judiciário o primeiro passo.
Os dois casos se passaram no Estado mais rico e "desenvolvido" do país, não nos cafundós amazônicos. O crime de tortura recebeu do governo estadual o tratamento burocrático equivalente ao aplicável a policiais que fizessem alguma desordem, depois das cervejas de praxe; no Congresso, nenhuma iniciativa na Câmara e no Senado, nem mesmo das bancadas paulistas; do Conselho Nacional de Justiça, à falta de "grampo" nos dois casos, nenhum som; de imprensa, TV, rádio, não mais do que o interesse desinteressado que dão aos fatos vulgares, com tratamento idem; dos segmentos sociais que têm voz, nem uma palavra que interrompesse o palavrório eufórico sobre o crescimento do "país bombando", com suas variantes lucrativas.
E o "inadmissível estado policialesco" está no "grampo" do telefone de um ministro do STF.

Trecho da coluna de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 14 de setembro de 2008.

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Nas brasas

Nas brasas

A juíza Tatiane Moreira Lima Wickhalder decretou a prisão preventiva de nove dos dez integrantes do PCC que o STF libertou por habeas corpus. Quando o juiz Fausto Martin De Sanctis restabeleceu a prisão de Daniel Dantas, o ministro Gilmar Mendes qualificou a medida como desafio ao Supremo. E concedeu segundo e imediato habeas corpus, no mínimo discutível por ter entrado diretamente para as mãos do ministro, à margem do que seria o rito legal para um cidadão comum como Daniel Dantas.
O artifício adotado pela juíza, de modificar o fundamento da prisão (de flagrante, vigente por quatro anos, para preventivo), foi também adotado pelo juiz, que primeiro considerou crimes financeiros e, para a segunda ordem de prisão, tentativa de subornar delegados.
Se a conduta da juíza não for considerada no Supremo como desafio a ser repelido, o ato do juiz também não foi. O que deixaria ou deixará o segundo habeas corpus para Daniel Dantas, seja qual for a consideração sobre o rito, como arbitrariedade ou uso indevido de poder.
As brasas do incêndio de Satiagraha, grampos & cia. só não tostaram ainda a seleção do Dunga. Estão em atraso.

Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 14 de setembro de 2008.

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Magistrados estão sendo intimidados

Magistrados estão sendo intimidados, diz juiz

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O juiz federal Sérgio Fernando Moro afirmou ontem que vê na atual discussão sobre combate ao crime organizado uma tentativa de limitar os métodos de investigação, o que considera um retrocesso para o Brasil. Disse que considera preocupante isso ocorrer dentro do atual "cenário de intimidação dos magistrados".
Titular de vara especializada no combate à lavagem de dinheiro em Curitiba, Moro criticou a proposta do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, de se criar varas especiais para apurar abuso de autoridade. Para o magistrado, o ministro "peca pela retórica excessiva".
Moro rebateu ainda a afirmação de Mendes de que juízes, procuradores e delegados de varas especializadas trabalham "a seis mãos", o que comprometeria a independência do magistrado na hora de julgar. "Isso é fantasia", disse.
Sobre a influência do caso Satiagraha nesse cenário de "intimidação", afirmou que isso pode ter "acendido o pavio de uma situação que já estava latente".
No Satiagraha, que investiga Daniel Dantas, Mendes entrou em choque com o juiz federal Fausto Martin De Sanctis, que decretou duas prisões do banqueiro. A segunda foi 24 horas após Mendes ter autorizado a soltura dele. A atitude do juiz foi interpretada como uma "afronta" pelo ministro.
"Até ontem, as capas das revistas diziam que o Brasil era o país da impunidade. Agora, falam que o Brasil é um Estado policial. Tenho a sensação de que perdi alguma coisa, de que dormi cinco anos e não vi essa transformação tão rápida de um estado para o outro", disse.
Moro defende o uso de métodos especiais para o combate ao crime organizado, como as escutas telefônicas legais, que considera ser uma importante ferramenta para desmontar uma estrutura criminosa cada vez mais sofisticada.
Nesta semana, o Conselho Nacional de Justiça, também presidido por Mendes, aprovou a centralização pelo órgão do número de escutas telefônicas em todo o país. O órgão saberá quantas interceptações foram autorizadas por cada juiz.
"A dúvida que existe, dentro desse cenário de intimidação, é o que será feito no futuro com as informações sobre o número de escutas de cada magistrado."
A polêmica sobre as escutas telefônicas ganhou força depois que uma conversa privada do presidente do Supremo foi divulgada pela imprensa.
"Temos que separar as coisas. O que houve no caso do ministro Gilmar Mendes foi um absurdo, uma escuta ilegal, o que não tem nada a ver com as escutas legais, que ajudam, e muito, a desvendar um crime. Precisamos abandonar o excesso de retórica", afirmou.
A procuradora regional Janice Ascari, que participou ontem de um evento com Moro no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, defendeu o Ministério Público e disse que os procuradores "não são uma milícia, são profissionais do Direito".
Em discurso, De Sanctis, defendeu penas mais duras para o crime de colarinho branco.
A assessoria do Supremo informou que o ministro não iria comentar as declarações.

Texto da Folha de São Paulo, de 12 de setembro de 2008.

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Como a Internet move a campanha nos EUA

Como a Internet move a campanha nos EUA

Kevin Allison e Richard Waters, do Financial Times

Stacey Weinberger estava visitando o site da campanha de Barack Obama no mês passado, quando viu um convite para uma festa local para assistir pela televisão o discurso do candidato democrata durante a convenção do partido em Denver.

Foram necessários apenas alguns cliques para descobrir o endereço da festa, que estava acontecendo em uma residência privada em seu caminho de volta do trabalho.

Na noite do discurso, em uma cena repetida em centenas de festas similares nos EUA, Weinberger e 15 outros eleitores de Obama reuniram-se em uma sala de estar de um voluntário da campanha para assistir ao discurso do candidato. "Eles tinham alguns salgadinhos e uma tela grande de televisão, com a convenção passando", disse Weinberger. "Eu levei umas frutas. Fizemos crachás."

A reunião democrata perto de San Francisco foi um exemplo do que pode se tornar um dos fatores mais decisivos desta campanha presidencial, agora em pleno vapor.

A política moderna ainda é um negócio feito cara a cara, mas, conforme praticada nas eleições de 2008, ela depende do uso eficaz de tecnologia cada vez mais sofisticada. Desde o marketing com bancos de dados de escala industrial até tecnologias da web 2.0, como redes sociais on-line, as campanhas rivais estão usando muitas das tecnologias que hoje são altamente empregadas nas empresas americanas para tentar motivar e mobilizar seus partidários.

Para Obama vencer, sua equipe terá que superar o time dos republicanos em um jogo sofisticado no qual estes venceram os democratas nas últimas duas eleições presidenciais. Ao se dirigir para um duelo contra John McCain, o comitê de Obama está apostando pesadamente em sua capacidade de reunir um exército de voluntários para bater nas portas e fazer ligações telefônicas para eleitores indecisos em Estados indefinidos.

A saída dos voluntários às ruas em busca de votos pode aumentar o número de votos que um candidato recebe em uma eleição nacional em 3 a 4%, de acordo com Donald Green, professor da Universidade Yale que estuda a participação dos eleitores nas eleições. Isso é mais do que suficiente para fazer diferença em uma eleição apertada. Para ambos os comitês, o desafio desta eleição será fundir as novas tecnologias com a política à moda antiga de forma a maximizar o número de partidários que vão às urnas. "Estamos vendo a primeira verdadeira campanha do século 21. Nela, o cerne não é a televisão, mas as ações de milhões de pessoas", diz Simon Rosenberg, diretor do NDN, grupo de estudos progressista que presta assessoria de estratégias de mídia.

De certa forma, esta campanha também pode ser vista como uma volta ao passado. O contato pessoal envolvido lembra o século 19, quando os partidos políticos dependiam do apoio de seus partidários aos candidatos preferidos. Essa abordagem de pessoa a pessoa diminuiu quando as campanhas de mídia, particularmente na televisão, passaram a ser vistas como a forma mais efetiva de alcançar os eleitores.

Entretanto, nos últimos anos, uma série de eleições apertadas e a capacidade da Internet de conectar os candidatos à sua base levaram a uma ênfase renovada no corpo-a-corpo. "As campanhas da última década redescobriram a política como era há 100 anos, com voluntários batendo de porta em porta para estimular as pessoas a votarem", disse Michael Mcdonald, professor da Universidade George Mason, em Virgínia. "Os voluntários e a tecnologia são o motor do esforço da busca de votos".

Até agora, nesta década, o Partido Republicano conseguiu ficar à frente dos democratas na arte e na ciência da política de porta em porta. Os republicanos foram os primeiros a desenvolver a tecnologia principal das campanhas modernas da saída em busca de votos -um banco de dados gigantesco, contendo pilhas de informações fornecidas durante os anos pelos eleitores individuais. É chamado de Cofre dos Eleitores. "Eles estão montando isso há 20 anos. É o centro de tudo que fazem", diz Juan Proano, diretor do Plus Three, empresa de software que trabalhou com os democratas para criar seu próprio banco de dados depois de 2002.

Os arquivos dos eleitores, tanto dos republicanos quanto dos democratas, hoje incluem cerca de 170 milhões de nomes. Eles são fundamentados nas listagens de eleições dos Estados, que os partidos coletaram e organizaram. Eles mostram nomes e endereços dos eleitores e em quais eleições votaram. Em alguns Estados, também incluem a afiliação partidária.

Dados pessoais ou dados demográficos mais amplos são acrescentados a isso, apesar de nenhum partido estar disposto a dar detalhes sobre os tipos de informação que têm dos eleitores individuais. A renda e o valor da casa própria com base no endereço são duas informações incluídas freqüentemente, diz Proano. Outros dados são resultados de grupos de estudos locais - informações que possam dar pistas sobre suas tendências políticas.

"Posso ter cinco vizinhos na minha rua que votaram nos democratas em duas das últimas cinco eleições. Podemos procurar todos eles em uma determinada área", diz Thomas Gensemer, gerente da Blue State Digital, empresa que administra a tecnologia da web para Obama. "Arranhamos a superfície disso em 2004, mas sempre faltou a verdadeira interação com o arquivo do eleitor."

O modelo de computação sofisticado então é empregado para filtrar os dados e selecionar potenciais eleitores, orientando os esforços dos voluntários da campanha. O objetivo é identificar prováveis eleitores e atraí-los em torno de questões específicas da campanha. "Nossa forma mais eficaz ainda é bater de porta em porta. O ideal é usar a tecnologia para estreitar o número de portas a bater", diz um alto estrategista democrata.

Por grande parte desta década, os democratas trabalharam para acompanhar a capacidade dos republicanos neste ramo, no qual foram beneficiados pelo entusiasmo de um grupo sólido de ativistas sociais conservadores. Neste ano, uma rede de voluntários ativa no site de campanha de Obama deve formar o centro do empurrão democrata. "Passamos os últimos 19 meses construindo os arquivos de milhões de pessoas", diz Gensemer. "É uma mangueira de energia sendo liberada."

Parte dessa energia vem das atividades dos próprios membros do movimento de base. Aqueles que organizam as campanhas de porta em porta ou eventos como as festas para assistir o discurso da convenção podem enviar informações sobre os eleitores que encontram e as preocupações que expressam diretamente ao comitê central, que então usam os dados para fazer decisões sobre a alocação dos recursos.

Voluntários e partidários também podem interagir em redes sociais online montadas por cada candidato. Diferentemente do MySpace e do Facebook, que servem primariamente como forma de os usuários compartilharem fotografias e outras informações com amigos, a rede social da campanha de Obama, chamada de Mybarackobama, age como uma ferramenta de organização dos voluntários. Ela associa potenciais eleitores com voluntários e os voluntários entre si, permitindo que organizem, publiquem e coletem dados sobre os eventos.

De fato, foi um passo sem precedentes dar aos partidários inscritos no Mybarackobama acesso controlado ao próprio arquivo central do Partido Democrata. Genesemer diz que isso direcionará os partidários para endereços específicos de prováveis eleitores indecisos, durante o último empurrão por telefone e de porta em porta: "Não é apenas uma questão de levantamento de fundos. É visitar o eleitor e ver como está reagindo. A rede realmente está movendo campanha em muitos Estados."

Durante a campanha, o comitê de Obama procurou aproveitar as lições aprendidas durante a tentativa de nomeação do governador de Vermont Howard Dean para a eleição de 2004. A campanha de Dean foi a primeira fazer amplo uso da Internet como instrumento para organizar e motivar o movimento de base e provou-se eficaz para o levantamento de fundos. Entretanto, os democratas não conseguiram suficientes votos para vencer, tanto na disputa de Dean pelas primárias quanto nas eleições gerais que se seguiram, entre John Kerry e George W. Bush.

"Era para ser uma campanha de computadores e sapatos. Eles não foram eficazes na parte dos sapatos", disse David Weinberger, assessor de Dean para assuntos de Internet, que agora é professor do Centro Berkman de Harvard.

A campanha de Obama demonstrou que domina o levantamento de fundos on-line. Graças ao seu uso eficaz da rede social para unir eleitores e ao marketing eletrônico que explorou muitas técnicas de marketing empresarial, Obama atraiu mais de 2 milhões de doadores individuais desde o início das primárias. Agora, ele tem de usar esse empreendimento on-line para vencer a eleição. Nos últimos dias da campanha de 2004, os republicanos foram mais entusiasmados e mais capazes de identificar as questões importantes e as pessoas com quem precisavam conversar na fase de campanha por telefone e de porta em porta, diz McDonald.

"Os democratas ficaram surpresos com a organização dos republicanos no último minuto," disse ele. "Os republicanos deixaram os cristãos evangélicos frenéticos sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Eles levaram uma porção de voluntários para Ohio nos últimos dias da campanha e foram de porta em porta. Foi um grande sucesso. Os democratas atingiram todas as suas metas de presença nas urnas - mas nunca tinham imaginado aquilo que os republicanos fizeram."

A inscrição dos eleitores também pode ser uma grande parte dos esforços de levá-los às urnas. Os sites da campanha têm sessões com informações para novos eleitores. Neste ano, os primeiros números sugerem que os democratas têm uma grande liderança nas novas inscrições eleitores nos Estados disputados nos quais os esforços de corpo-a-corpo o podem ser críticos.

Independentemente de quem prevalecer em novembro, as novas tecnologias aplicadas neste ano provavelmente terão um longo impacto sobre como os eleitores interagem em campanhas políticas. Para pessoas como Weinberger, a Internet abre novas portas para o envolvimento político. "Sou mais de esquerda, mas não diria que sou uma pessoa politizada", diz ela. Ainda assim, poucos dias depois de participar da festa para assistir a convenção de Obama, Weinberger fez contato com o escritório local da campanha para oferecer seu trabalho voluntário.

A partir deste mês, ela fará a digitação de dados para os democratas em seus últimos esforços para conquistar votos.

Sites que mostram coisas em comum

O sucesso de Barack Obama durante as primárias em reunir apoio pelo uso da rede social on-line já fez com que esta seja a primeira "eleição Facebook".

Ainda assim, estrategistas de campanha dos dois lados admitem que a eficácia da rede social como instrumento para vencer as eleições ainda não foi provada. Ela contrasta com uma das mais fortes motivações das manobras eleitorais tradicionais: o desejo de fazer uma campanha disciplinada onde os administradores no centro controlam a mensagem e a organização.

Há pouca escolha. Como corporações modernas, as campanhas políticas têm que aprender a nova arte de co-optar seus "clientes", usando os instrumentos mais participativos da Internet de hoje, diz Blair Levin, ex-diretora da Comissão Federal de Comunicação e eleitora de Obama.

A primeira demonstração do poder da rede on-line veio com os primeiros sucessos de Howard Dean nas primárias do Partido Democrata em 2004. Em vez de apenas transmitir sua mensagem, a organização da campanha deixou que os partidários se comunicassem uns com os outros diretamente, disse David Weinberger, assessor de Dean. "Você podia encontrar pessoas com interesse em comum, formar um subgrupo e agir", disse ele.

O comitê de Obama aprendeu essa lição rapidamente, contratando Chris Hughes, um dos criadores do Facebook, para criar instrumentos de rede para o site da sua campanha. Tal facilidade tornou-se obrigatória para os candidatos dos dois partidos nas primárias deste ano, apesar de nenhum tirar grande vantagem disso.

De acordo com Mindy Finn, que administrou a estratégia de novas mídias para Mitt Romney, ex-competidor republicano, isso aconteceu porque o site de Obama foi o melhor ao empregar instrumentos fáceis de usar, como um simples botão para associar duas pessoas como amigas, como faz o Facebook e outros. Mas instrumentos apenas não são suficientes, diz ela: o que mais importa é "a mensagem e quem é o seu público".

Bem utilizada, a rede social cria elos fortes entre as pessoas com interesses similares que de outra forma não teriam se encontrado, diz Weinberger. "A forma como as pessoas reforçam seus laços usando as redes sociais faz com que um partido político torne-se uma força social", diz ele.

Ainda assim, a dinâmica espontânea das redes, apesar de apontar para um tipo de ativismo que as campanhas políticas buscam, ainda não é plenamente compreendida no contexto político. "É assustador para uma campanha. Não dá para dizer que as pessoas daquele grupo vão sair e votar", diz Finn.

Weinberger acrescenta que aprender a fomentar essas redes envolve "um choque de estilo" com a forma tradicional de campanha, mais centralizada. "Ninguém ainda sabe o que funciona."

Quando Barack Obama comparou a campanha de seu rival com colocar "batom em um porco", ele acendeu a blogosfera como uma bomba incendiária, nesta semana.

A manchete do Drudge Report fez um trocadilho chocado e o Huffington Post apresentou uma charge sugerindo que McCain estava usando o comentário para criar "uma tola distração".

Enquanto a campanha presidencial entrava em marcha avançada, os blogs políticos apresentaram a briga partidária de sempre. Mesmo assim, essa eleição já provou como esse meio está amadurecendo rapidamente. As pobres matérias das eleições anteriores - uma mistura de conteúdo de jornal reutilizado, comentadores solitários dando suas opiniões pessoais e sites que simplesmente coletavam histórias de diferentes origens- foram suplementadas por uma empreitada mais ambiciosa, diz Marc Cooper, jornalista e palestrante da Universidade da Califórnia do Sul.

Alguns sites entraram para o palco central, inclusive contratando repórteres para suplementar seus comentários. Entre eles estão o Huffington Post, que não existia na época da campanha de 2004, e o Talkings Pints Memo, que ganhou fama com sua reportagem agressiva sobre a demissão de nove advogados federais no ano passado e agora tem sete repórteres em seu editorial.

Outros tomaram um caminho mais especializado. Sites como o Pollster.com e FiveThirtyEight.com (ou, 538, tamanho do colégio eleitoral que escolhe o presidente) brotaram desde a eleição de 2004 para tirar interpretação mais profunda das montanhas de dados de pesquisas produzidas em um ano de eleição. "Estamos levando para o próximo nível, estamos tentando tornar (o processo) mais científico e acrescentar mais contexto", diz Nate Silver, do FiveThirtyEight, que vem aplicando os talentos desenvolvidos em seu emprego regular analisando estatísticas de beisebol.

A mídia tradicional aderiu ao movimento, contratando blogueiros ou convidando seus jornalistas a contribuírem "ao vivo" e comentarem em seus sites on-line. Como resultado, as diferenças entre um blog e uma coluna ficaram menos claras e as barreiras entre a mídia antiga e a nova erodiram-se, diz Cooper, que também organizou um projeto de jornalismo dos cidadãos para o Huffington Post.

A nova proeminência dos blogueiros foi refletida na decisão do Google de fornecer uma "grande tenda" nas convenções partidárias no mês passado para abrigar a nova multidão da mídia. "Eles não se vestem da mesma forma, não têm credenciais, não vêm como uma organização. Ainda assim, virtualmente todas as histórias mais importantes saíram primeiro... na blogosfera", disse Eric Shmidt, diretor executivo do Google, em uma entrevista de vídeo com o FT na convenção republicana.

Tradução: Deborah Weinberg

Texto do Financial Times, no UOL.

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sábado, setembro 20, 2008

Após vitória no partido, Livni diz que também ganharia eleições gerais


A nova líder do Kadima (centro), Tzipi Livni, disse nesta sexta-feira, dois dias após sua vitória nas primárias do partido em Israel, que também ganharia as eleições gerais se elas fossem antecipadas. "Caso não consiga formar o governo, eu irei a eleições gerais e vencerei", disse Livni, na primeira reunião interna do Kadima que preside como líder do partido.

Livni, que também é ministra das Relações Exteriores, derrotou o ministro dos Transportes, Shaul Mofaz, nas primárias do partido com uma vitória apertada --43,1% dos votos contra 42%. O vencedor precisava obter mais de 40% dos votos para vencer a eleição em primeiro turno. Caso contrário, seria organizado um segundo turno na próxima semana.

Para substituir Olmert no cargo de primeiro-ministro, Livni tem um período de 42 dias para formar uma nova coalizão. Caso contrário, novas eleições legislativas serão marcadas para o início de 2009 --mais de um ano antes do previsto.

Olmert, envolvido em escândalos de corrupção --as duas maiores investigações contra ele envolvem suspeitas de recebimento de propina de um empresário americano e desvio de verba de viagens oficiais--, anunciou no dia 30 de julho que não concorreria às primárias do Kadima e que renunciaria após a votação.

Neste sentido, Livni pediu a seu colega de partido que "cumpra sua palavra" e apresente a renúncia. Fontes próximas a Olmert afirmam que ele renunciará após as festividades do Ano Novo judaico, que acontecem no final deste mês.

Egito

O ministro de Relações Exteriores do Egito, Ahmed Aboul Gheit, expressou sua esperança de que a nova líder do Kadima "tenha êxito em conseguir a paz com os palestinos".

Em declarações divulgadas hoje pela imprensa local, Gheit disse que as posições que Livni mantinha como chanceler no governo de Olmert "não necessariamente têm de ser mantidas", pois agora "ela enfrenta novas responsabilidades e necessidades".

O Egito foi o primeiro país árabe que assinou a paz com Israel, em 1979, graças aos tratados de Camp David assinados em 17 de setembro de 1978.

Com Efe

Texto da Folha Online. Foto da Reuters.


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quinta-feira, setembro 18, 2008

"A maior falcatrua do judiciário brasileiro"

GILMAR MENDES E A MAIOR FALCATRUA DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

O Conversa Afiada recebeu o e-mail que se segue.

O autor não quer se identificar.

Caro Paulo Henrique,
Antes de mais nada, parabéns pelo seu trabalho.

Diante de tudo que está ocorrendo no âmbito do Judiciário, o material que você tem produzido adquire uma importância extraordinária, para evitar as trevas que alguns rábulas de província, guindados a altos cargos, querem impor ao País.

Veja, há vários pontos obscuros na atuação do sr. Gilmar Mendes, além do que você e outros poucos têm denunciado.

Primeiro, a respeito dos habeas corpus concedido por ele ao empresário Daniel Dantas. O assunto pode ser considerado superado, mas é bom voltar ao tema. O sr. Gilmar Mendes não respondeu -- e a mídia não se esforçou em perguntar -- quais os números dos habeas corpus negados pelo TRF-3 e pelo STJ ( só após a referida denegação é que o STF poderia se manifestar). Informou apenas que os trâmites legais se deram. Não é o bastante. É um engodo de que já havia habeas corpus negado pelos outros dois tribunais.

O presidente do STF passou duas semanas a justificar a concessão de habeas corpus ao sr. Daniel Dantas, invocando o Princípio da Presunção de Inocência. Agora, diante de uma simples denúncia de revista, já elege culpados e quer chamar o Presidente da República " às falas"? A presunção se inverteu?

É bom lembrar que, quando o STF permitiu a violação de correspondência dos presidiários, embora a Constituição vede expressamente e sem exceções tal conduta, fê-lo sob a alegação de que " nenhum direito constitucional é absoluto" e que " a Constituição não se presta a proteger crimes"( palavras de GM e Marco Aurélio, respectivamente).

Mas no caso de Daniel Dantas, o direito constitucional passou a ser absoluto de novo e apto a proteger crimes ( afinal, ele poderia escolher que tipo de provas e indícios de culpa quisesse, entre documentos, confissões, filmagens e gravações autorizadas).

A sociedade brasileira precisa exigir os números dos habeas corpus denegados pelo TRF-3 e pelo STJ,Se não houver, é supressão de instância, nulidade da decisão do Sr Mendes, suspeição para votações futuras e crime de responsabilidade por fraudar competência inexistente. E ele deu a concessão do HC sem ler as 4 últimas páginas da decisão do juiz, como denunciou a sub-procuradora geral da República.

Logo, com base em que podia alegar que não havia motivação para a prisão? Como é que ele aceita analisar uma cópia da decisão judicial de primeira instância fornecida pela defesa em que não constava sequer a assinatura do juiz? Por que não pediu a sentença original? Isso é a maior falcatrua da história do Poder Judiciário brasileiro. Mas essas inconsistências têm que ser demonstradas uma a uma, não genericamente.

Outro detalhe importante: assim como ele rejeita provas, filmagens, depoimentos e indícios evidentes de crime para poder soltar acusados de colarinho branco, não seremos nós que aceitaremos sua palavra como suficiente no caso do suposto grampo revelado por uma revista semanal, o qual gerou e tem gerado tanto celeuma. Basta a palavra do ministro do Supremo? Ele é tão poderoso que pode falar sem apresentar provas?


A imprensa, a OAB e o Ministério Público não deveriam estar se perguntando -- e perguntando ao ex-advogado geral da União que mandava seus subordinados desobedecerem o STF -- por que Mendes tem seguidamente atendido pedidos feitos por autoridades e até ex-autoridades por telefone? A Lei Processual permite isso? A Lei Orgânica da Magistratura permite? Essa farra de atender pedidos para utilizar sua influência junto a juízes e Polícia Federal_ o que é proibido_ e ainda mais por telefone. Quem sabe o sr. Gilmar Mendes divulga seu número de telefone para todo o Brasil...

Aliás, esse é um bom mote para uma campanha: divulgação do celular dele para todos os brasileiros poderem ligar e pedir a ele favores no âmbito do Judiciário!

Lembremo-nos de que, além do caso em que Demóstenes Torres lhe pedia verbalmente, por telefone, que interferisse junto a um juiz que havia concedido habeas corpus para testemunha não depor em CPI ( o que o presidente do STF jamais poderia fazer, eis que, jurisdicionalmente, não é superior a nenhum outro magistrado no país), há ainda o caso de Carlos Mário Velloso.

Este, convocado para depor na PF como suspeito, ligou para GM, pedindo-lhe que interferisse junto à PF para não depor, por ser ex-Ministro da Suprema Corte. Ora, e desde quando a Constituição contempla com foro privilegiado ex-autoridades? A deferência é ao cargo, não à pessoa. Mesmo assim, Gilmar entrou em contato com a Polícia Federal de Belo Horizonte e esta permitiu a Velloso marcar dia, hora e local do depoimento.

Ainda há tempo para virar o jogo. O Poder Executivo não tem que se curvar ao Judiciário. Há pouco tempo, faziam tudo, menos julgar. Agora julgam, num processo claro de usurpação de poder de judicialização da política no Brasil. Já estamos com saudades do passado recente.

Cópia do Conversa Afiada, do Paulo Henrique Amorim.

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Para poucos

Para poucos

O governo Lula homenageou anteontem o presidente Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), num jantar fechado e discreto na casa de Antônio Toffoli, advogado-geral da União. À mesa, além do próprio presidente e do anfitrião, estavam os ministros Dilma Rousseff, da Casa Civil, Tarso Genro, da Justiça, o ex-presidente José Sarney e Gilberto Carvalho, chefe-de-gabinete de Lula. Do STF foram os ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Britto, Eros Grau e Carlos Alberto Menezes Direito.

EXAGERADO
"Foi uma forma de o presidente homenageá-lo sem aquela coisa formal", diz Toffoli, que hoje está no cargo que foi ocupado por Gilmar no governo de Fernando Henrique Cardoso. Coube ao anfitrião o discurso, em que disse que o ministro teve desempenho tal como advogado-geral que "deve ter economizado uns 100, 200 bilhões, até um trilhão" para o governo em ações na Justiça. "Ei, também não exagera!", disse Lula.

AUSENTE
O ministro Nelson Jobim, da Defesa, não foi ao jantar.

PRESENTE
Em determinado momento, Lula, Gilmar e os demais convidados fizeram silêncio e uma "corrente de pensamento positivo" para o vice-presidente José Alencar, que tinha cirurgia marcada para esta semana em São Paulo.

REPETECO
E Gilmar Mendes já conversou com o governador José Serra, de São Paulo, para fazer aqui o mutirão realizado no Rio de Janeiro pelo CNJ, o Conselho Nacional de Justiça, que libertou da prisão mais de 600 pessoas que já haviam cumprido pena ou que poderiam ter o benefício da liberdade provisória.

Trecho da coluna de Mônica Bérgamo, na Folha de São Paulo, de 18 de setembro de 2008.

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Abin: e agora?

O ministro da defesa, Nelson Jobim, reafirmou à CPI dos grampos que os equipamentos da Abin – Agência Brasileira de Inteligência que, em tese, serviriam para verificar se aparelhos telefônicos possuem escuta clandestina, também teriam capacidade para realizar escutas, segundo notícia do portal G1.

Dias atrás, o diretor de contra-inteligência da Abin, Paulo Maurício Fortunato Pinto, havia afirmado que os tais dispositivos não teriam esta capacidade, segundo o mesmo portal.

E agora? Quem tem razão?

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quarta-feira, setembro 17, 2008

Mais sobre grampos

Pânico de gabinetes



ASSUNTO DELICADO, esse dos grampos. Prometo ser cuidadoso no que vou falar aqui, mas eu tendo a discordar do espírito geral dos comentários feitos sobre o tema.
Estado policial, retorno aos tempos da ditadura, da Gestapo, da KGB? Comparações desse gênero viraram moda.
Preocupa bastante, é claro, a disseminação das escutas ilegais. Mas acho que estamos diante de um fenômeno novo, que não se confunde com a antiga realidade dos regimes totalitários.
Tome-se o exemplo da Alemanha Oriental, pátria da famosa Stasi; quem viu o filme "A Vida dos Outros" sabe o pesadelo que era aquilo.
Qualquer suspeito de ser opositor do regime tinha as suas conversas monitoradas.
Numa cena impressionante, uma velhota, vizinha de um cidadão suspeito, abre por acaso a porta do seu apartamento e percebe que um grupo de agentes policiais está no corredor, pronto para instalar os aparelhos de escuta.
O chefe dos arapongas se aproxima da velhota e avisa: se ela contar a alguém o que acabou de ver, sua neta perderá a vaga na faculdade. A velhota fica evidentemente quieta, não revela ao vizinho que ele está sob vigilância e se torna, na prática, cúmplice do regime.
Não é preciso dizer que toda conversa vagamente incriminadora, captada pelos agentes secretos, significa a prisão imediata do suspeito, que, com tortura ou sem tortura, assina uma confissão, é condenado ou provavelmente termina fazendo parte dos informantes do regime.
Para que esse modelo de Estado policial funcione, alguns pressupostos são necessários. O primeiro é que só a polícia detenha os equipamentos de espionagem. O segundo é que a informação passe a ser imediatamente utilizada pelo sistema repressivo. O terceiro é que esse sistema repressivo seja mais ou menos clandestino, ocorrendo à margem da Justiça oficial: cada prisão se assemelha a um seqüestro. O quarto é que, para ter qualquer coisa, emprego, moradia, estudo, o cidadão dependa do Estado.
O funcionamento da "grampolândia" hoje em dia é bastante diferente, e desconhece esses pressupostos.
Se as famosas maletas da Abin podem ser compradas com facilidade por qualquer pessoa, a conseqüência prática não há de ser uma hipertrofia do poder do Estado. A chantagem e a intimidação se tornam via de mão dupla. Os ocupantes do poder têm sido, aliás, mais vítimas do que algozes no processo.
Além disso, as práticas da "grampolândia" costumam ter como destino mais provável não o encarceramento do escutado, mas sim, por meio de vazamentos, as páginas dos jornais.
Tudo, nos tempos da Stasi e da KGB, terminava num porão. Agora, tudo se divulga à luz do dia. Crescem imensamente as ameaças à privacidade, mas a novidade está em que não parecem crescer, ao mesmo tempo, as condições para o surgimento de um Estado totalitário.
Na verdade, com todos os abusos que possam ser cometidos, uma autoridade grampeada é uma autoridade mais transparente, mais submetida ao controle da sociedade.
A escuta telefônica pode ser manipulada para destruir reputações; mas o perigo, aqui, vem antes das possíveis irresponsabilidades da imprensa do que de qualquer tentação totalitária do Estado.
Não é por acaso que tantos protestos contra o "terror policialesco" dos dias atuais provenham das altas esferas do poder. Se escândalos sexuais tomassem o centro das atenções -como acontece no caso dos tablóides britânicos-, a revolta teria razão de ser. Mas o que se noticia são, acima de tudo, negociatas suspeitíssimas com o dinheiro dos contribuintes.
O poder descontrolado da polícia, levando para trás das grades pessoas somente pela suspeita de irregularidades, deve ser coibido, é claro. Atentados aos direitos individuais não têm desculpa. Em que medida, entretanto, o respeito à esfera privada está ligado ao respeito à liberdade individual?
Câmeras de monitoramento se espalham por toda parte. Aumentar seu número é até promessa de campanha dos candidatos a prefeito.
E como esperar que forças policiais, diante de ameaças como o terrorismo ou o narcotráfico, deixem de usar a parafernália técnica que criminosos organizados podem comprar com facilidade?
Não gostaria de saber, é claro, que minhas conversas telefônicas são grampeadas. Costuma ser terrorismo a idéia do "quem não deve não teme". Tenho meus temores, como todo mundo. Mas acho que muita gente está atemorizada demais.

Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo, de 10 de setembro de 2008.


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