domingo, março 30, 2008

Messiânico e populista, Uribe administra a Colômbia como se fosse um latifúndio

Messiânico e populista, Uribe administra a Colômbia como se fosse um latifúndio

Marie Delcas

Todos os sábados, ele percorre o país afora para ouvir a população humilde. Por ser um contramestre eficiente (a sua primeira profissão), ele soluciona os seus problemas mais imediatos: a estrada que precisa ser asfaltada, o esgoto por ser consertado, o centro de saúde por ser construído. As câmeras filmam, evidentemente. Messiânico e populista, Álvaro Uribe dirige o seu país da mesma forma que ele administrava o seu latifúndio, e o método está agradando. Para a imensa maioria dos seus compatriotas, ele é "o melhor presidente que a Colômbia já teve".

Em Quito e em Caracas, o tom dos comentários é diferente: o fiel aliado de George W. Bush é considerado nas capitais equatoriana e venezuelana como "um pião do império", "um perigo para a região", e até mesmo "um mafioso" e "um aliado dos paramilitares". A França, por sua vez, tem dificuldades para compreender a intransigência do presidente colombiano frente aos guerrilheiros que, há mais de seis anos, mantêm Ingrid Betancourt como refém.

Álvaro Uribe foge da imprensa estrangeira, passa horas falando no microfone das rádios de bairro. Junto aos seus eleitores, ele forjou para si uma imagem de homem de ação que não recua diante dos riscos e assume as suas responsabilidades. Mas ele atraiu contra a sua pessoa a cólera de um continente que não está para brincadeiras em matéria de soberania territorial, ao mandar bombardear, em 1º de março, um acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), situado em território equatoriano. Ao mandar eliminar Raúl Reyes, o número dois na hierarquia das Farc e seu principal negociador, ele também assumiu o risco de atrair a ira dos mediadores que estavam tentando obter a liberação dos reféns. "Eu optei por dar a prioridade à eficácia militar", confessou o chefe do Estado durante uma reunião informal com a imprensa.

O presidente colombiano Álvaro Uribe é conhecido por "fugir" da imprensa internacional



"Os riscos foram bem calculados", comemoram hoje os seus partidários. Os "uribistas" estão firmemente convencidos de que o seu presidente triunfou em todos os planos. Raúl Reyes está morto e a crise diplomática está encerrada; as autoridades de Quito e Caracas, por sua vez, acabaram ficando numa situação complicada, pois passaram a ser suspeitas de cumplicidade com uma organização terrorista. A imprensa colombiana vem repercutindo este "triunfo" do presidente. Ninguém ouviu o discurso do presidente Nicolas Sarkozy no qual este lembrou que "a democracia tem por obrigação combater o terrorismo dentro do respeito das regras da democracia".

Para justificar uma incursão além das suas fronteiras, o presidente Uribe alegou a "legítima defesa" e as necessidades da luta contra o terrorismo. O argumento teve lá o seu peso, evitando que a Colômbia fosse alvo de uma condenação por parte da Organização dos Estados Americanos (OEA). "Mas é o apoio de Washington que se revelou decisivo", reconhece um diplomata colombiano. Este último teme que a frase do presidente Hugo Chávez: "A Colômbia tornou-se o Israel da América Latina", tenha sensibilizado a muitos na região.

"Álvaro Uribe nunca poderia ter bombardeado o Equador sem o sinal verde dos Estados Unidos", lembra o analista Pedro Medellín. Os americanos são suspeitos de jogarem a carta do enfrentamento regional para desestabilizar Hugo Chávez, a sua grande ojeriza. Desde a implantação do Plano Colômbia, em 2000, Bogotá recebeu mais de US$ 5 bilhões (cerca de R$ 8,7 bilhões) no quadro da ajuda militar americana.

"Uribe é um líder. Ele nos devolveu a confiança. Desde que ele está no comando, tudo anda melhor", resume Hector Barragan, um caminhoneiro que se diz "furibista" - adepto da "fúria uribista". Durante os seis anos em que ele esteve no poder, o presidente nunca caiu abaixo do limite das 65% de opiniões favoráveis. A sua cota era de 80% às vésperas da crise diplomática. "E agora, ele deve estar na casa dos 110%", ironiza o analista Leon Valencia. Com efeito, a união sagrada exerceu-se em favor do presidente.

As críticas, os reveses e os escândalos não conseguem deixar marcas na sua atuação. Este "efeito Teflon" a toda prova deixa perplexos os institutos de pesquisas e desolados os anti-uribistas - eles existem. Até mesmo o escândalo conhecido como da "para-política" poupou Álvaro Uribe até o momento. Mais de 40 parlamentares da maioria presidencial foram indiciados por terem desenvolvido atividades em parceria com as milícias de extrema-direita, culpadas de inúmeros crimes atrozes. Destes ex-parlamentares, 22 estão encarcerados.

O senador Mario Uribe que, além de primo, é um mentor do chefe do Estado, poderia em breve se juntar a eles. "Ninguém é responsável pelos atos dos seus familiares", lembram não sem razão os "uribistas". Por sua vez, José Obulio Gaviria, um dos mais influentes entre os conselheiros presidenciais - e considerado como o ideólogo do regime - era primo de Pablo Escobar, o grande líder do cartel de Medellín, morto em 1993. Ninguém é responsável pelos atos dos seus familiares.

As Farc continuam exercendo uma influência decisiva em relação à popularidade presidencial. Os "furibistas" e os "anti-uribistas" estão de acordo neste ponto. Escaldados pelo interminável e estéril processo de paz conduzido pelo presidente Andrés Pastrana (no poder de 1998 a 2002), os colombianos elegeram em 2002 um presidente de pulso forte para acabar de uma vez por todas com a guerrilha.

"Pulso de ferro e grande coração", dizia o primeiro slogan de campanha de Álvaro Uribe, que foi reeleito triunfalmente quatro anos mais tarde. Neste meio tempo, a "segurança democrática" mostrou a que veio: uma paz precária voltou a ser instaurada nas regiões rurais, os eixos rodoviários tiveram a sua segurança reforçada, o número de homicídios e de seqüestros diminuiu. É verdade que as estatísticas oficiais sempre devem ser consideradas com cautela. Mas, em política, a confiança importa mais do que os números. O chefe do Estado permanece convencido de que "o conflito armado não é a conseqüência da pobreza, mas sim a sua causa". Toda reflexão a respeito dos privilégios e dos deveres dos cidadãos ricos desapareceu do discurso político. A política social foi relegada para um segundo plano. Foi dada prioridade para a proteção dos investimentos privados e para o orçamento militar.

Contudo, Álvaro Uribe também encarna um estilo de governo. Nem coquetéis, nem iate para este presidente que soube forjar para si uma imagem de homem pio, austero e trabalhador. O chefe do Estado se deixa raramente fotografar quando está de folga. Durante uma das suas inúmeras visitas oficiais em Washington, ele foi surpreendido almoçando numa lanchonete "fast food".

Álvaro Uribe é originário de Medellín, que é o berço da indústria nacional e também o dos traficantes de cocaína. Durante os anos 1970, ele seguiu nesta cidade brilhantes estudos de direito. Uma jovem promessa do Partido Liberal, ele deslancha a sua carreira política numa época em que os comprometimentos entre a máfia e as elites locais eram moeda corrente. Em 1980, o seu pai, um criador de gado, é assassinado pelas Farc - o presidente se defende até hoje de estar em busca de vingança. Pouco depois, o traficante Pablo Escobar publica no jornal local um anúncio no qual ele lhe manifesta as suas condolências. "Eu nunca fui amigo de Pablo Escobar, mesmo quando isso virou moda", assegurou no ano passado o chefe do Estado. Na época, Virginia Vallejo, que foi a amante do mafioso, acabava de ter as suas memórias publicadas, nas quais ela relata as relações cordiais que cultivavam os dois homens.

Depois de exercer um mandato no Senado, Álvaro Uribe é eleito, em 1995, governador do seu departamento, Antioquia. A sua gestão revela-se eficiente, o que lhe vale a admiração dos seus eleitores, mas os seus métodos visando a reforçar a segurança pública provocam a indignação dos defensores dos direitos humanos. Com efeito, o governador Uribe promove com entusiasmo a implantação de cooperativas privadas de segurança, que acabam de ser legalizadas. Declaradas posteriormente inconstitucionais, as "Convivir" contribuíram para a explosão do paramilitarismo na Antioquia. Um diplomata colombiano que ocupava na época um cargo em Washington conta que "ninguém na capital americana queria receber o governador da Antioquia, excessivamente vinculado aos paramilitares". Os tempos mudaram.

Atualmente, os principais chefes paramilitares se dedicam às suas atividades do interior da prisão. Oficialmente, eles desmobilizaram as suas tropas. Trinta mil homens entregaram as armas. Contudo, em várias regiões do país, milícias armadas a serviço dos narcotraficantes se reconstituíram. No quadro da aplicação da lei Justiça e Paz, os chefes paramilitares que confessam os seus crimes não passarão mais de oito anos atrás das grades.

Os mal intencionados colocam em perspectiva este generoso perdão oferecido aos criminosos paramilitares e a virulência com a qual o presidente combate a guerrilha. "Os primeiros aceitaram o princípio de um cessar-fogo, eles entregaram as armas e confessaram seus crimes. Os guerrilheiros, por sua vez, prosseguem suas atividades criminosas. Tão logo eles aceitarão um cessar-fogo, nós lhes abriremos as portas da negociação", lembra o alto-comissário para a paz, Luis Carlos Restrepo.

"Álvaro Uribe não governa, ele seduz e evita cuidadosamente empreender toda reforma estrutural que poderia comprometer o seu capital político", avalia o professor Pedro Medellín. A indispensável reforma em profundidade do sistema fiscal foi postergada por um tempo indeterminado. "O presidente poupa muito particularmente os grandes grupos econômicos vinculados aos meios de comunicação", sublinha Pedro Medellín.

"As pessoas se esquecem com freqüência de que o presidente Álvaro Uribe foi beneficiado por uma conjuntura econômica particularmente favorável. A opinião pública atribuiu o crescimento ao sucesso da política de segurança do governo. Mas a América Latina como um todo conheceu um crescimento positivo", acrescenta o economista Mauricio Perez.

O país continua sendo o maior produtor mundial de cocaína. Mas a questão da contribuição da economia da droga para a taxa de crescimento é outra que vem sendo deixada de lado há muito tempo.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

Texto publicado no UOL.

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Antes do golpe de 1973, Chile tentou criar o "software do socialismo"

Antes do golpe de 1973, Chile tentou criar o "software do socialismo"

Alexei Barrionuevo
Em Santiago, no Chile


Quando tropas militares leais ao general Augusto Pinochet deram um golpe de Estado aqui em setembro de 1973, elas fizeram uma descoberta surpreendente. O governo socialista de Salvador Allende havia embarcado silenciosamente em uma nova experiência no sentido de gerenciar a economia do Chile usando um volumoso computador e uma rede de máquinas de telex.

O projeto, chamado Cybersyn, foi criado por A. Stafford Beer, um britânico visionário que utilizou os seus conceitos de cibernética para ajudar Allende a encontrar uma alternativa às economias planificadas de Cuba e da União Soviética. Após o golpe o programa tornou-se objeto de um intenso escrutínio militar.

Ao desenvolver o Cybersyn, Beer mudou as vidas dos jovens e brilhantes chilenos que trabalhavam aqui. Cerca de 35 anos depois, este aspecto pouco conhecido da tentativa abortada de transformação socialista promovida por Allende foi lembrada em uma mostra em um museu abaixo do palácio presidencial La Moneda.

Réplica da poltrona original do Cybersyn é exibida no Centro Cultural de La Moneda


Uma cadeira no estilo Star Trek, com controles nos encostos para os braços, era uma réplica daquelas que ficavam em uma sala de operações de protótipos. Beer pretendia que a sala recebesse relatórios de computador baseados em dados que fluiriam a partir de máquinas de telex conectadas a fábricas espalhadas ao longo deste país de 4.350 km de extensão. Os gerentes ficariam sentados em sete dessas cadeiras abauladas e tomariam decisões críticas sobre os relatórios exibidos em telas de projeção.

Embora as operações da sala jamais tenham atingido um grau de operacionalidade total, o Cybersyn ganhou importância no governo de Allende por ajudá-lo a neutralizar as ações de trabalhadores em greve em outubro de 1972. Isso ajudou os planejadores a perceber - conforme ocorreu também com os pioneiros da atual Internet - que a rede de comunicação era mais importante do que o poder computacional, algo do qual, aliás, o Chile não dispunha muito. Uma única máquina IBM 360/50, que tinha menos capacidade de armazenagem do que a maioria dos flash drives de hoje, processava os dados das fábricas. Mais tarde esta operação passou a ser realizada por um Burroughs 3500.

O Cybersyn nasceu em julho de 1971, quando Fernando Flores, à época um tecnocrata do governo de 28 anos de idade, enviou uma carta a Beer buscando ajuda para organizar a economia do governo Allende por meio da aplicação de conceitos cibernéticos. Beer, um consultor de sucesso, ficou entusiasmado com a perspectiva de ser capaz de testar as suas idéias.

Ele quis usar o sistema de comunicações por telex - uma rede de teleprinters - para coletar dados das fábricas a respeito de diversas variáveis, como produção diária, energia utilizada e trabalho "em tempo real", e a seguir usar um computador para filtrar os fragmentos mais importantes de informação econômica dos quais o governo necessitava para tomar decisões.

Beer criou uma equipe de programadores na Inglaterra e no Chile, e passou a viajar regularmente para Santiago a fim de dirigir o projeto. Ele recebia US$ 500 por dia enquanto trabalhava no Chile, conta Raul Espejo, que era o diretor de operações do Cybersyn.

O inglês transformou-se em um mentor para a equipe chilena. Muitos dos membros dessa equipe tinham entre 20 e 30 anos de idade. Em uma das suas visitas ao Chile ele tentou inspirá-los apresentando-lhes o livro "Fernão Capelo Gaivota", de Richard Bach, a história de uma gaivota que segue o seu sonho de dominar a arte de voar, chocando-se com a vontade do bando.

Uma figura imponente, com uma longa barba mesclada de tons grisalhos, Beer, que abandonou a faculdade, desafiava os jovens chilenos com questões difíceis. Ele dividia com os pupilos a sua paixão por escrever poesias e pintar, e trouxe livros e discos de música clássica da Europa. Ele fumava charutos e bebia constantemente uísque e vinho, "sem, no entanto, nunca perder a cabeça", diz Espejo.

A maior parte dos membros da equipe Cybersyn evitava escrupulosamente falar sobre política, e alguns tinham até idéias ultradireitistas, segundo Isaquino Benadof, que chefiou a equipe de engenheiros chilenos que projetava o software Cybersyn.

Um desafio inicial foi encontrar uma forma de criar a rede de comunicação. Com poucas verbas, a equipe descobriu 500 máquinas de telex que não eram utilizadas em um depósito da companhia nacional de telecomunicações.

O ponto de inflexão para o Cybersyn ocorreu em outubro de 1972, quando uma greve de motoristas e varejistas quase paralisou a economia. As máquinas de telex interconectadas, trocando 2.000 mensagens por minuto, eram um potencial instrumento para resolver o problema, possibilitando ao governo identificar e organizar fontes alternativas de transporte que mantiveram a economia funcionando.

A greve terminou em uma semana. Embora ela tenha enfraquecido o partido Unidade Popular, de Allende, o governo sobreviveu, e o Cybersyn foi elogiado por ter desempenhado um grande papel. "A partir daquele ponto o centro de comunicação tornou-se parte de tudo o que estivesse acontecendo", narra Espejo.

"O Chile é governado por um computador", anunciou uma manchete do "The British Observer", em 7 de janeiro de 1973, quando notícias sobre o experimento começaram a vazar.

Mas, à medida que a situação política e de segurança do país se deteriorava, Beer e a sua equipe chilena perceberam que o tempo estava se esgotando para o projeto.

Allende permaneceu fiel ao Cybersyn até o final. Em 8 de setembro de 1973, ele deu ordens para que a sala de operações fosse transferida para o palácio presidencial. Mas três dias depois os militares tomaram o poder. Allende morreu naquela tarde.

Oficiais militares em breve confrontaram os líderes do Cybersyn, procurando descobrir as suas motivações políticas. Benadof conta que foi interrogado pelo menos três vezes. Espejo, após ter sido questionado, foi advertido a deixar o país. Dois meses após o golpe ele fugiu para a Inglaterra.

Os militares jamais entenderam o Cybersyn, e finalmente desmantelaram a sala de operações. Vários outros membros da equipe do Cybersyn foram para o exílio. Flores, que era simultaneamente ministro da Economia e das Finanças no governo Allende, passou três anos preso em campos de concentração militares. Após a sua libertação, ele mudou-se com a família para a Califórnia para estudar nas Universidades Stanford e da Califórnia, em Berkeley, onde obteve um Ph.D. em filosofia.

Mais tarde ele foi um dos inventores do Coordinator, um programa que identificava interações verbais entre trabalhadores de uma companhia, e que foi um dos precursores dos softwares "workflow". Flores tornou-se milionário e retornou ao Chile, onde hoje é senador, representando a região de Tarapaca.

Beer, que morreu em 2002, ajudou alguns dos membros da equipe a conseguir empregos de professor universitário na Inglaterra. Entre este grupo estava Espejo, que se dedicou ao estudo para o avanço da cibernética.

"O projeto chileno transformou completamente a vida de Stafford, e ele obviamente teve um enorme impacto sobre todos nós", explica Espejo. "Não há dúvida de que o trabalho dele não foi reconhecido em vida. Mas aquilo que ele escreveu permanecerá vivo por muito tempo".

Tradução: UOL

Texto do The New York Times, reproduzido no UOL (para assinantes do UOL).

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quinta-feira, março 27, 2008

Imprensa trata o "outro lado" como "inimigo"

Imprensa trata o "outro lado" como "inimigo"

Celso Lungaretti

Até que ponto um grande jornal respeita o direito de resposta e dá voz ao outro lado?

O recente episódio vítima & algoz é emblemático para aclararmos essa questão, justificando a reconstituição um pouco extensa que farei, desde já pedindo desculpas aos leitores que porventura ficarem entediados no meio do caminho.

Na quarta-feira (12/3), o jornalista e historiador Elio Gaspari publicou em sua coluna na Folha de S.Paulo e outros jornais uma diatribe contra a União ("Em 2008 remunera-se o terrorista de 1968"), por ter decidido pagar ao suposto algoz Diógenes Carvalho de Oliveira uma indenização duas vezes maior do que a outorgada à sua suposta vítima Orlando Lovecchio Filho (ver, neste Observatório, "O jornalista de 2008 não é mais o de 1968").

Como o primeiro era um militante da resistência à ditadura e o segundo, o cidadão que perdera a perna no atentado supostamente cometido por aquele, o assunto logo transbordou do circuito habitual de Gaspari para outros jornais, revistas semanais, sites de extrema-direita e correntes de e-mails neo-integralistas.

Na madrugada do mesmo dia da publicação, enviei uma nota ao "Painel do Leitor" da Folha contestando Gaspari. No final do dia, a Folha me pediu que reduzisse o tamanho da nota, o que fiz prontamente. No entanto, nada saiu no "Painel" dos dias 13 e 14. O que o jornal publicou foi uma notícia com o mesmíssimo enfoque distorcido da coluna do Gaspari, repercutindo-a: "Vítima de atentado durante ditadura se sente injustiçado".

Anódina e refutável

Nesse mesmo dia 14, pedi a intervenção do ombudsman, no sentido de que me fosse permitido apresentar o outro lado, já que sou, como Diógenes, ex-militante da VPR e ex-preso político anistiado pelo Ministério da Justiça, além de estar desempenhando há tempos o papel de defensor da minha antiga organização e dos ex-participantes da luta armada nas batalhas de opinião.

No sábado (15/3), a Folha se viu obrigada a reconhecer que, dos quatro militantes apontados por Gaspari como autores do atentado ao consulado estadunidense em 1969, uma era inocente e havia sido, portanto, duplamente caluniada. Então, publicou no "Painel" o esclarecimento de Maurício Maia de Souza, além de um "Erramos".

No dia seguinte, domingo, o ombudsman já estava de volta das viagens que andara fazendo, mas não se referiu ao caso nem na coluna semanal, nem na coluna diária. Noblesse oblige, Gaspari pede desculpas a Dulce Maia.

No dia 17, é finalmente publicada no "Painel" a nota que eu havia enviado na madrugada do dia 12. De tão cortada, fica anódina e facilmente refutável.

Então, logo aparece quem a refute: um leitor que alega ter participado da resistência, mas sem haver aderido à luta armada - e evidenciando hostilidade a quem dela participou. Este tem tratamento VIP, recebendo mais espaço do que eu e sendo publicado de imediato.

Acusações falsas

Nessa mesma terça-feira (18/3), envio à Folha e ao seu ombudsman, bem como a O Globo (que também publica a coluna do Gaspari) e às revistas Veja e Época um artigo que expressava o outro lado, em função de uma importante evolução surgida no caso: outro dos incriminados por Gaspari, Sérgio Ferro, admitiu sua culpa, relatou o episódio e desmentiu a participação de Diógenes de Carvalho e Dulce Maia.

[Ferro também revelou ter sido processado por Lovecchio e obtido a vitória na Justiça graças aos dois relatórios médicos que apresentou como prova. O primeiro dá conta de que o ferimento de Lovecchio era grave, mas existia possibilidade de recuperação. Depois, o socorro a Lovecchio foi interrompido pelo Deops, que quis interrogá-lo, provavelmente para saber se ele era vítima do atentado ou um participante azarado. Quando os policiais afinal o liberaram, sua perna já havia gangrenado e teve de ser amputada (2º relatório).]

Ora, se o algoz não era algoz, então o texto inteiro do Gaspari perdia o gancho e desabava, bem como as matérias da Veja e da Época. O que fizeram os veículos, face à evidência de haverem informado mal seus leitores, além de caluniarem dois cidadãos e acusarem falsamente a VPR (Ferro esclareceu que a ação foi, na verdade, da ALN)? Deram desmentido com o mesmo destaque? Nem remotamente.

Protagonistas do arbítrio

A Folha relegou os esclarecimentos do único participante vivo do atentado ao "Painel", contrapondo-os a uma nota em que Lovecchio recorre ao "Auto de Qualificação e de Interrogatório" de Ferro no Deops para tentar desmenti-lo, como se os inquéritos conduzidos com a prática generalizada da tortura, numa nação sob ditadura e terrorismo de Estado, fossem aceitáveis para respaldar seja lá o que for quando o Brasil voltou à civilização.

Depois a Folha publicou, no "Painel", esclarecimentos do presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, mostrando quão demagógica havia sido a comparação que Gaspari fizera sobre reparações concedidas por duas instâncias diferentes do Estado brasileiro.

Finalmente, Gaspari voltou ao assunto na sua coluna de domingo (23/3), comprovando o que, desde o primeiro momento, eu afirmara: suas únicas fontes, ao fazer as capengas afirmações de que "o atentado foi conduzido por Diógenes Carvalho Oliveira e pelos arquitetos Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre, além de Dulce Maia e uma pessoa que não foi identificada" e de que se tratava de "um atentado contra o consulado americano, praticado por terroristas da Vanguarda Popular Revolucionária", foram os famigerados inquéritos inquéritos policiais-militares da ditadura.

Destrambelhado, voltou a atacar Dulce Maia, a quem pedira humildes desculpas no domingo anterior, quando acreditara que a polêmica marchava para o fim. Que credibilidade espera ter, agindo com tanta incoerência?

Como um mero araponga, ele se pôs a revolver o lixo ensangüentado da ditadura, dando grande importância ao fato de que havia congruência entre os depoimentos extorquidos dos torturados e omitindo que os torturadores forçavam todos os presos a coonestarem a versão oficial, a síntese elaborada pelos serviços de inteligência das Forças Armadas, para que o resultado final tivesse alguma aparência de veracidade.

Já no meu artigo para o OI eu me referira a esse fenômeno:

"E era muito comum os torturados simplesmente admitirem o que os torturadores pensavam ser verdade, ganhando, assim, uma pausa para respirar. Então, ao ler a versão dos algozes, eu sempre noto que, em cada ação da resistência, são relacionados muito mais autores do que os necessários para tal operação.

"Para alguém que estava pendurado num pau-de-arara, recebendo choques insuportáveis, é desculpável que respondesse `sim´ quando os carrascos perguntavam se fulano ou sicrano participara de determinado assalto a banco. Fazíamos o humanamente possível para evitar a prisão e/ou morte dos companheiros, mas não estávamos nem aí para o enquadramento penal nos julgamentos de cartas marcadas da ditadura."

A última intervenção de Gaspari no debate foi, de longe, a mais desastrosa. Colocou-o ao lado dos torturadores, defendendo o entulho autoritário. Se a inicial arranhou sua imagem de historiador, a final disse muito sobre seu caráter. Afinal, não é qualquer cidadão que desfruta de tal confiança de personagens como Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, a ponto de ser por eles escolhido para trombetear suas desculpas esfarrapadas pelo papel histórico que desempenharam como protagonistas do arbítrio.

Verdade operacional

Se esse episódio deplorável serviu de algo, foi para comprovar, definitivamente, que o entulho autoritário deve ficar no lugar a que pertence: a lata de lixo da História.

Um regime de exceção utilizou práticas hediondas para investigar a ação dos resistentes que a ele se opunham e os inquéritos assim produzidos serviram para condenar patriotas, heróis e mártires em tribunais militares, com oficiais das Forças Armadas fazendo as vezes de jurados, o que atropelava flagrantemente o direito de defesa.

O quadro era tão kafkiano que, num julgamento em que fui réu, o advogado de ofício designado para um companheiro apresentou-se completamente embriagado e começou sua peroração não falando coisa com coisa. O juiz auditor o expulsou da sala e mandou que outro advogado de ofício improvisasse a defesa, imediatamente, mal tendo tempo para ler os autos. O julgamento prosseguiu.

A Lei da Anistia de 1979 sustou os efeitos concretos desses julgamentos e as ações seguintes do Estado brasileiro, como a constituição das comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos, evidenciaram que os antes tidos como criminosos passaram a ser considerados, oficialmente, vítimas.

Enfim, os IPMs foram, tão-somente, a versão que um inimigo apresentava do outro, para dar aparência de legalidade ao que não passava de arbitrariedade, sem compromisso nenhum com a verdade e a justiça.

Qual a credibilidade de um regime que fez afixarem-se em logradouros públicos do país inteiro, em meados de 1969, cartazes me acusando de "terrorista assassino" que teria "roubado e assassinado vários pais de família", embora eu fosse um dirigente e nunca um homem de ação?

Mas, para aqueles militares, a verdade não existia em si. Só lhes interessava a verdade operacional, as versões mais adequadas a seus objetivos na guerra psicológica que travavam.

Direito de resposta

Passadas quatro décadas, essas versões unilaterais, fantasiosas e espúrias infestam a internet, chegando até a impregnar textos jornalísticos - por má-fé dos seus autores ou por preguiça de profissionais que preferem colher subsídios nos sites de busca do que nos arquivos de seus próprios veículos, acabando por comer na mão dos Brilhantes Ustras da vida.

Então, é mais do que tempo de a imprensa se compenetrar que, sem uma sentença lavrada por um tribunal na vigência plena do Estado de direito, ninguém pode ser apontado taxativamente nos textos jornalísticos como "terrorista" ou autor de tais ou quais crimes com motivação política.

Os repórteres, comentaristas, articulistas e editorialistas que agirem de outra forma, estarão coonestando a prática de torturas e os julgamentos realizados por tribunais de exceção.

E, já que nada do que Gaspari contrapõe pode ser aceito pelos homens decentes que não aceitam mancomunar-se com práticas hediondas, subsiste o fato de que uma versão distorcida e panfletária do episódio teve enorme destaque editorial e, conseqüentemente, ampla repercussão, enquanto as novas informações que repuseram a verdade dos fatos ficaram, quando muito, jogadas na seção de cartas.

Que cada um tire suas conclusões acerca dessa praga que cada vez mais se alastra pela imprensa brasileira: a burla do direito de resposta e a tendenciosidade no tratamento editorial, não se expondo convenientemente o outro lado ou omitindo-o por completo.

Texto do Observatório da Imprensa.


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quarta-feira, março 26, 2008

A direita e o lulismo

A direita e o lulismo

SÃO PAULO - A chegada de Lula ao poder seguida da ruína moral do petismo serviu de trampolim para impulsionar uma nova direita no país. É um fenômeno de expressão midiática, mais do que propriamente político. Está disseminado em jornais, sites, blogs, na revista. E deve sua difusão aos falcões do colunismo que se orgulha de parecer assim, estupidamente reacionário.
Mesmo que a autopropaganda seja enganosa e oculte que até ontem o conservador empedernido de hoje comia no prato da esquerda, que é só um "parvenu", um espertalhão adaptado aos tempos -ainda assim, temos aqui uma novidade.
Essa direita emergente já formou patota. Citam uns aos outros, promovem entrevistas entre si, trocam elogios despudorados. Praticam o mais desabrido compadrio, mas proclamam a meritocracia e as virtudes da impessoalidade; são boçais, mas adoram arrotar cultura.
É uma direita ruidosa e cínica, festiva e catastrofista. Serve para entreter e consolar uma elite que se diz "classe média" e vê o país como estorvo à realização de seu infinito potencial. Seus privilégios estão sempre sob ameaça e agora a clientela de Lula veio azedar de vez suas fantasias de exclusivismo social.
Invertemos a fórmula de Umberto Eco: enquanto a direita anuncia o apocalipse, os integrados, sob as asas do lulismo, são testemunhas vivas do fiasco do pensamento de esquerda neste país. Não me lembro de ter visto antes a mídia estampar com tanta clareza os passos da regressão social de que participa.
Do lado oficial, há um ambiente paragetulista de cooptação e intimidação difusas, se não avesso, certamente hostil às liberdades de expressão e de informação.
Na outra ponta, um articulismo de oposição francamente antinordestino e preconceituoso, coalhado de racismo e misoginia, que faz do insulto seu método e tem na truculência verbal sua marca. Deve-se a ele o retorno da cultura da sarjeta e do lixo retórico, vício da imprensa nativa que remonta ao Império, mas que havia caído em desuso.

Fernando de Barros e Silva, na Folha de São Paulo, de 24 de março de 2008 (para assinantes).


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terça-feira, março 25, 2008

O jornalista de 2008 não é mais o de 1968


O jornalista de 2008 não é mais o de 1968

Por Celso Lungaretti em 18/3/2008


A direita brasileira não se notabiliza por produzir quadros intelectualmente brilhantes (os Robertos Campos são raros!). Quem melhor a serve, defendendo o status quo com argumentos menos primários, costumam ser pessoas formadas pela esquerda que, em qualquer ponto da trajetória, passam a remar a favor da corrente.

Há uma legião de escribas produzindo textos convenientes para a direita e sendo recebida de braços abertos pelos sites e correntes de e-mails das viúvas da ditadura. Gente que começa dissecando o conformismo da opinião pública e acaba colocando seu talento a serviço de quem tudo faz para manter bovinizada a opinião pública.

Torçamos para que não seja esse o novo rumo de Elio Gaspari. Seria um triste epílogo para uma carreira que, garante-me o excelente articulista Laerte Braga, começou na órbita do PCB.

"Não identificado"

"Em 2008 remunera-se o terrorista de 1968", publicado na Folha de S.Paulo de quarta-feira (12/3) é, seguramente, um dos escritos mais inoportunos e infelizes da carreira de Gaspari. Parece mais uma peça complementar da campanha da extrema-direita contra o programa de anistia do Ministério da Justiça do que uma análise do autor de A Ditadura Escancarada.

Contrapõe, utilizando uma narração piegas e folhetinesca no mau sentido, as trajetórias de um militante da Vanguarda Popular Revolucionária (Diógenes Carvalho Oliveira) e de um jovem piloto que perdeu a perna quando da explosão de um petardo diante do consulado estadunidense em São Paulo. Compara, de forma simplista e demagógica, os valores de reparações concedidas pela União a ambos.

Segundo ele, tal atentado teria sido cometido pela VPR e seus autores seriam Diógenes e os "arquitetos Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre, além de Dulce Maia e uma pessoa que não foi identificada". Esquece-se, entretanto, de citar as fontes que amparam sua convicção – lapso imperdoável num historiador!

A referência a "uma pessoa que não foi identificada" denuncia, entretanto, a origem de sua suposição (até prova em contrário, não a considerarei uma informação): os inquéritos policiais-militares da ditadura. Se algum(ns) dos quatro apontados houvesse(m) admitido publicamente sua(s) culpa(s), não teria(m) por que ocultar o nome do quinto participante.

Entulho autoritário

O que são os IPMs do regime militar, do ponto-de-vista jurídico? Nada. Uma ignomínia que pertence à lata de lixo da História, já que tudo neles contido tem origem viciada: foram informações arrancadas mediante torturas as mais brutais, que várias vezes causaram a morte dos supliciados, como no caso de Vladimir Herzog.

E era muito comum os torturados simplesmente admitirem o que os torturadores pensavam ser verdade, ganhando, assim, uma pausa para respirar. Então, ao ler a versão dos algozes, eu sempre noto que, em cada ação da resistência, são relacionados muito mais autores do que os necessários para tal operação.

Para alguém que estava pendurado num pau-de-arara, recebendo choques insuportáveis, é desculpável que respondesse "sim" quando os carrascos perguntavam se fulano ou sicrano participara de determinado assalto a banco. Fazíamos o humanamente possível para evitar a prisão e/ou morte dos companheiros, mas não estávamos nem aí para o enquadramento penal nos julgamentos de cartas marcadas da ditadura.

O Projeto Orvil, o chamado "livro negro da repressão" (síntese do acervo ensangüentado dos IPMs), cita-me como um dos três juízes no julgamento de um militante caído em desgraça com a VPR; no entanto, além de não haver jamais julgado companheiro nenhum, nem mesmo tomei conhecimento da convocação desse tribunal, se é que ele realmente existiu.

Daí a impropriedade, a imoralidade e, até, a ilegalidade de se utilizar esse entulho autoritário como argumento contra quem quer que seja.

Revisão necessária

Gaspari parece colocar em planos diferentes as ações armadas cometidas pela resistência antes e depois da promulgação do AI-5, como se o país não estivesse sob ditadura.

O exercício do direito de resistência à tirania independe da intensidade da tirania. Não existe meia-virgem: ou era democracia ou era ditadura. O Brasil estava desde 1964 submetido ao arbítrio de usurpadores do poder que já haviam praticado um sem-número de barbaridades, como a humilhação, tortura e quase enforcamento, em público, do lendário Gregório Bezerra.

Então, todo aquele que, por resistir à tirania, foi preso e torturado como Diógenes, merece, sim, uma reparação, à luz do Direito das nações civilizadas e segundo as recomendações da ONU.

E, se tudo o que Gaspari supõe fosse provado, o justo seria o Estado indenizar Diógenes pelos direitos atingidos e condená-lo à prisão pelas matanças cometidas. As reparações da Comissão de Anistia não são prêmio de boa conduta, de forma que uma coisa não invalidaria a outra.

Esta possibilidade, infelizmente, inexiste por causa da Lei da Anistia de 1979, que, ao conceder um habeas-corpus preventivo para os verdugos, acabou inviabilizando também a apuração de excessos cometidos pelos resistentes. É urgente e necessária sua revisão, doa a quem doer.

Quanto à linha de raciocínio de Gaspari, se levada às últimas conseqüências, desembocará na conclusão de que assassinos podem ser torturados pelos agentes do Estado. Então, repito: torço sinceramente para que ele não esteja aderindo às tropas de elite do autoritarismo redivivo.

***

P.S.: Antes mesmo do que eu esperava, a Folha de S.Paulo foi obrigada a reconhecer a impropriedade de se utilizar o "entulho autoritário como argumento contra quem quer que seja", publicando na edição de sábado (15/3) um "erramos" no qual admite que, tanto na coluna do Elio Gaspari quanto no noticiário, acusara falsamente Dulce Maia de participação no atentado ao consulado dos EUA.


Do Vi o Mundo.

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domingo, março 23, 2008

Feliz Páscoa!

Este blog lhes deseja uma Feliz Páscoa!

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sábado, março 22, 2008

Racismo em Israel ganha força, diz relatório

Racismo em Israel ganha força, diz relatório

Um relatório divulgado por uma ONG em Israel diz que as manifestações de racismo na sociedade israelense se tornaram mais freqüentes no último ano.

No documento, divulgado nessa quarta-feira, a ONG Mossawa, que defende direitos de cidadãos árabes em Israel, acusa líderes políticos de criarem um clima de “legitimação ao racismo” contra os cidadãos árabes, que representam 20% da população do país.

De acordo com a pesquisa da Associação pelos Direitos Civis mencionada no relatório, 75% dos cidadãos judeus israelenses não estão dispostos a morar no mesmo prédio com um vizinho árabe e 61% não receberiam uma visita de árabes em sua casa.

A pesquisa também indica que 55% defendem a separação entre judeus e árabes nos lugares de lazer e 69% dos estudantes secundários acham que os árabes “não são inteligentes”.

O relatório atribui esse fenômeno, em parte, ao agravamento do conflito entre israelenses e palestinos, mas também aponta o papel de líderes políticos no incitamento contra os cidadãos árabes.

No documento são citados ministros e parlamentares que “baseiam sua força em posições de ódio e incitam ao racismo”.

O político mais citado é Avigdor Liberman, líder do partido de direita Israel Beiteinu e ex-ministro para Assuntos Estratégicos.

Liberman defende a “troca de territórios e populações” como solução para o conflito.

“Os árabes israelenses são um problema ainda maior do que os palestinos e a separação entre os dois povos deverá incluir também os árabes de Israel... por mim eles podem pegar a baklawa (doce árabe típico) deles e ir para o inferno”, afirmou.

Para Liberman, Israel deve “trocar” as aldeias árabes israelenses pelos assentamentos nos territórios ocupados, ou seja, as aldeias árabes passariam a fazer parte de um estado palestino e os assentamentos seriam anexados a Israel.

Outro parlamentar citado é Yehiel Hazan, do partido Likud, que chamou os árabes de “vermes”.

O atual ministro da Habitação e Construção, Zeev Boim, do partido Kadima, disse que o “terrorismo islâmico poderia ter razões genéticas”.

O deputado do partido de direita Ihud Leumi, Efi Eitam, defendeu a expulsão dos palestinos da Cisjordânia e a exclusão dos cidadãos árabes israelenses da política do país. “Eles (os cidadãos árabes) são uma quinta coluna, traidores, não podemos permitir a permanência dessa presença hostil nas instituições de Israel”, declarou.

Segundo a Mossawa, as autoridades israelenses não aplicam as leis anti-racismo existentes no país e se cria uma situação de impunidade na maioria dos casos em que essas leis são violadas.

Figuras públicas que manifestam posições racistas continuam em seus cargos sem que haja qualquer tipo de investigação contra elas, diz o relatório.

O clima político de “legitimação do racismo” leva a uma maior aceitação de idéias favoráveis à segregação e expulsão dos cidadãos árabes israelenses, acrescenta a ONG.

No mesmo dia da publicação do relatório da Mossawa, a imprensa israelense publicou um decreto do rabino Dov Lior, dos assentamentos de Hebron e Kiriat Arba, proibindo seus seguidores de alugar casas a árabes ou de empregar funcionários árabes.

A advogada Einat Horowitz, do Centro de Pluralismo Judaico, criticou o decreto do rabino e o “fenômeno crescente de incitamento racista”.

Segundo a advogada, “o incitamento distorce o judaismo e é proibido por lei”.

“Dirigimos um apelo ao procurador-geral da Justiça, para que acorde e aja pela implementação da lei contra esse tipo de pronunciamentos”, disse a advogada.

O rabino Gilad Kariv, vice-diretor do Centro de Ação Religiosa, também condenou o decreto do rabino Lior.

“É alarmante que rabinos, que recebem seus salários do orçamento do Estado, falem contra o aluguel de apartamentos a árabes e enviem inspetores para procurar trabalhadores árabes em lojas”, afirmou Kariv.

“Como rabino, estou preocupado com o envolvimento de personalidades religiosas em incitamento”, acrescentou.


Texto da BBC Brasil.


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Terrorismo internacional: a lista dos mais procurados


Terrorismo internacional: a lista dos mais procurados

Os apologistas mais vulgares dos crimes dos EUA e Israel explicam com solenidade digna de melhor causa que, enquanto os árabes têm o propósito de matar pessoas, os EUA e Israel não têm a menor intenção de fazê-lo. Seus mortos são, simplesmente, acidentais e não podem ser comparados com os de seus adversários.

No dia 13 de fevereiro passado, foi assassinado em Damasco Imad Moughniyeh, um veterano dirigente do Hezbollah. “O mundo é um lugar melhor sem este homem”, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McComarck, e acrescentou que “de um modo ou de outro, foi feita justiça”. E Mike McConnell, Diretor da Inteligência Nacional, acrescentou que Moughniyeh “foi o terrorista responsável pelo maior número de mortes de norte-americanos e israelenses depois de Osama bin Laden”. Israel também deu vazão à sua alegria: “um dos homens mais procurados pelos EUA e por Israel” teria sido justiçado, segundo informou o Financial Times. Com o título de “Um militante procurado em todo o mundo”, foi publicado um relatório segundo o qual Moughniyeh vinha logo após Osama bin Laden na lista dos mais procurados após o 11/9 e, portanto, era o segundo entre os “militantes mais procurados no mundo”.

A terminologia é suficientemente precisa, de acordo com as regras do discurso anglo-americano, que entende por “mundo” a classe política de Washington e Londres (e todos aqueles que concordem com eles em determinados assuntos). Assim, por exemplo, é freqüente ler que todo “o mundo” apoiou George Bush quando ele ordenou o bombardeio do Afeganistão. E isto pode ser verdade para “o mundo”, mas dificilmente para o mundo, como teve boa ocasião de revelar a agência internacional de pesquisa Gallup logo após o anúncio do bombardeio. O apoio mundial foi mínimo. A porcentagem de aceitação em uma América Latina com ampla experiência nas condutas dos EUA oscilou entre os 2% do México e os 16% do Panamá, e inclusive esse minúsculo apoio estava condicionado à prévia identificação dos suspeitos (segundo o FBI, eles ainda estavam sem identificar oito meses depois), e a que os alvos civis estivessem a salvo, coisa que não ocorreu. O mundo mostrava uma esmagadora preferência pela via diplomático-jurídica, mas “o mundo” descartou isso completamente.

Atrás do rastro do terror
No caso presente, se “o mundo” fosse todo o mundo, poderíamos encontrar outros candidatos dignos de honra como arquiinimigos mais odiados. E é instrutivo que nos perguntemos por quê.

O Financial Times informou que a maioria das acusações contra Moughniyeh não estavam provadas, mas “uma das poucas vezes em que é possível afirmar com certeza sua participação [é no] seqüestro do avião da companhia TWA, em 1985, quando foi assassinado um mergulhador da armada norte-americana”. Esta foi uma das duas atrocidades terroristas que, segundo uma pesquisa entre diretores de jornais, fez com que o terrorismo no Oriente Médio se transformasse na notícia mais importante de 1985; a outra foi o seqüestro do navio de linha Archille Lauro, no qual resultou brutalmente assassinado Leon Klinghoffer, um inválido norte-americano. Isto reflete o julgamento do “mundo”. É possível que o mundo visse as coisas de outra maneira.

O seqüestro do Achille Lauro foi a represália pelo bombardeio da Tunísia, ordenado uma semana antes pelo Primeiro-Ministro israelense Simón Peres. Sua força aérea assassinou setenta e cinco tunisianos e palestinos com bombas inteligentes que os deixaram em mil pedaços, entre outras atrocidades narradas de maneira vívida pelo destacado jornalista israelense Amnon Kapeliouk. Washington colaborou, uma vez que omitiu advertir seu aliado tunisino de que as bombas estavam a caminho, e é impossível que a Sexta Frota e a inteligência norte-americana não soubessem do iminente ataque. George Schultz, então Secretário de Estado, comunicou ao Ministro israelense de Assuntos Exteriores, Yitzhak Shamir, que em Washington “a ação israelense despertou uma enorme simpatia”, e qualificou essa ação –com o aplauso geral— como uma “resposta legítima” aos “ataques terroristas”.

Poucos dias depois, o Conselho de Segurança da ONU denunciou de forma unânime (com a abstenção dos EUA) os bombardeios como um “ato de agressão armada”. Sobra dizer que “agressão” é um crime muito mais grave que terrorismo internacional. Mas, concedendo o beneficio da dúvida aos EUA e a Israel, vamos deixar que recaia sobre os responsáveis apenas a acusação menos grave.

Poucos dias antes, Peres foi a Washington para consultar com o principal terrorista internacional do momento, Ronald Reagan, que denunciou “o terrível flagelo do terrorismo”, novamente com o aplauso geral do “mundo”.

Os “ataques terroristas” que Shultz e Peres pretextaram para bombardear a Tunísia foram os assassinatos de três israelenses em Larnaca, Chipre. Os assassinos, como admitiu Israel, não tinham nenhuma relação com a Tunísia, mas talvez tivessem conexões com a Síria. Contudo, a Tunísia era um alvo bem melhor: estava inerme, diferente de Damasco. Além disso, proporcionava um prazer adicional: ali podiam ser assassinados mais palestinos exilados.

Por sua vez, os assassinatos de Larnaca foram considerados uma represália de seus perpetradores: uma resposta aos sistemáticos seqüestros israelenses em águas internacionais, que resultaram nos assassinatos de muitas pessoas e no seqüestro e conseguinte encarceramento de muitas outras, retidas sem acusações por longos períodos em cárceres israelenses. A mais famosa destas foi a prisão/câmara-de-tortura 1391. Há muita informação sobre isso na imprensa israelense e estrangeira. Esses crimes sistemáticos, é claro, são conhecidos pelas redações dos jornais dos EUA e, de vez em quando, são mencionados quase de passagem.

O assassinato de Klinghoffer's foi vivenciado com uma verdadeira sensação de horror e é muito célebre. Transformou-se em tema de uma ópera aclamada e em roteiro de um filme feito para a televisão. Mas também causaram horror os assombrosos comentários condenando a selvageria dos palestinos: “bestas bicéfalas” (segundo o Primeiro-Ministro Menachen Begin), “baratas drogadas debatendo-se em uma garrafa” (segundo o Chefe da Equipe Raful Eitan), “como grilos, comparados a nós”, seres cujas cabeças deveriam ser “transformadas em picadinho batendo-as contra o canto rodado das paredes” (disse o Primeiro-Ministro Yitzhak Shamir). Ou, simplesmente, chamados de araboushim, o equivalente ao nosso “judeu” ou ao nosso “negro”.

Assim, depois de uma exibição particularmente depravada de terror militar e de uma intencionada humilhação na cidade de Halhul, na Ribeira Ocidental, em dezembro de 1982 (deixou incomodados até os falcões israelenses!), o conhecido analista militar e político Yoram Peri escreveu consternado: “hoje, um dos objetivos do nosso exército [é] demolir os direitos de pessoas inocentes simplesmente porque são araboushim que vivem em territórios que Deus prometeu a nós”, tarefa, esta, cada vez mais urgente, e que se realiza com crescente brutalidade desde que os araboushim começaram a “levantar a cabeça” uns anos atrás.

Não é difícil averiguar se os sentimentos expressados com motivo do assassinato de Klinghoffer foram sinceros. Basta investigar a reação diante dos crimes israelenses respaldados pelos EUA. Vamos pensar, por exemplo, no assassinato de dois inválidos palestinos em abril de 2002, Kemal Zughayer e Jamal Rashid, pelas mãos das forças israelenses em incursão no campo de refugiados de Jenin, na Ribeira Ocidental. Os jornalistas britânicos encontraram o corpo esmagado de Zughayer e os restos da sua cadeira de rodas, junto com o que restava de uma bandeira branca que ele segurava no momento de ser assassinado, quando tentava fugir dos tanques israelenses que foram lançados sobre ele partindo seu rosto em dois pedaços e amputando braços e pernas. Jamal Rashid terminou esmagado em sua cadeira de rodas quando uma das enormes pás escavadoras fornecidas pelos EUA destruiu sua casa em Jenin, com toda sua família dentro. A diferente reação, ou por melhor dizer, a falta absoluta de reação, é a rotina, e é tão fácil de explicar que não precisa de maiores comentários.

Carro-Bomba
Simplesmente, o bombardeio da Tunísia em 1985 foi um crime terrorista infinitamente mais grave do que o seqüestro do Achille Lauro, ou que o crime ocorrido nesse mesmo ano em que a participação de Moughniyeh`s “podia ser estabelecida com certeza”. Mas mesmo o bombardeio tunisiano tem competidores para o prêmio no concurso das maiores atrocidades terroristas no Oriente Médio desse ano ímpar que foi 1985.

Um dos aspirantes foi o carro-bomba colocado em Beirute na saída de uma Mesquita e programado para explodir quando os devotos se retiravam depois de suas orações de sexta-feira. A bomba matou 80 pessoas e feriu outras 256. A maioria dos mortos eram meninas e mulheres que saíam da Mesquita, apesar de que a ferocidade da onda expansiva “carbonizou bebês em seus berços”, “matou uma noiva que estava comprando seu enxoval”, e “fez voar pelos ares três crianças que voltavam para casa vindas da Mesquita”. Também devastou a rua principal do subúrbio densamente povoado de Beirute oeste, como informou há três anos Nora Boustany no Washington Post.

O alvo pretendido era o clérigo Shiita Sheikh Mohammad Hussein Fadlallah, que conseguiu escapar com vida. O atentando foi perpetrado pela CIA de Reagan e seus aliados sauditas, com ajuda britânica, e autorizado especificamente pelo Diretor da CIA, William Casey, segundo o relato do jornalista do Washington Post, Bob Woodward, em seu livro "O Véu: as guerras secretas da CIA 1981-1987". Muito pouco se conhece além dos meros fatos, graças à escrupulosa aceitação da doutrina, segundo a qual não se deve investigar nossos próprios crimes (a menos que fiquem conhecidos demais para que possamos negá-los e a investigação fique limitada ao círculo de umas poucas “maçãs podres” subalternas que, todo o mundo já sabe, agem de modo “descontrolado”).

“Aldeões terroristas”
O terceiro candidato ao prêmio do terrorismo no Oriente Médio de 1985 foram as operações “Iron Fist” [Punho de Ferro] do Primeiro-Ministro Peres nos territórios do sudeste do Líbano, ocupados nesse momento por Israel, violando as ordens do Conselho de Segurança da ONU. O objetivo, segundo os altos mandos israelenses, eram os chamados “terroristas aldeões”. Neste caso, os crimes de Peres derraparam pelos novos caminhos da “brutalidade calculada” e do “assassinato arbitrário”, segundo palavras de um diplomata ocidental entendido nestes temas, afirmações posteriormente corroboradas pelas filmagens ao vivo dos fatos. Mas como nada disso interessava ao “mundo”, não foram investigados. Como de costume. Seria legítimo perguntar se esses crimes se enquadram sob a categoria de terrorismo internacional ou sob a categoria, bem mais grave, de crime de agressão. Mas vamos conceder, mais uma vez, o beneficio da dúvida a Israel e seus sequazes de Washington, e vamos nos conformar com a acusação menos grave de terrorismo.

Essas são algumas das idéias que podem passar pela cabeça das pessoas de qualquer lugar do mundo – que não nas do “mundo”—, quando pensam naquela “ocasião”, “uma das poucas” em que Imad Moughniyeh esteve claramente envolvido em um crime terrorista.

Os EUA acusam-no, também, de ter sido responsável pelos ataques arrasadores contra a marinha dos EUA e os barracões de pára-quedistas franceses no Líbano, em 1983, ataques perpetrados com um caminhão bomba e dois suicidas e que resultaram na morte de 241 marines e 58 pára-quedistas. E também de um ataque anterior contra a Embaixada dos EUA em Beirute, que matou sessenta e três pessoas e foi particularmente grave, porque nesse momento estava sendo realizada uma reunião em que participavam funcionários da CIA.

Contudo, o Financial Times atribuiu o ataque contra os barracões à Jihad islâmica e não ao Hezbollah. Fawz Gerges, um dos acadêmicos destacados no estudo dos movimentos Jihad e do Líbano, escreveu que um “grupo desconhecido denominado Jihad islâmica” assumiu a responsabilidade. Uma voz que falava em árabe clássico instou todos os norte-americanos a deixarem o Líbano, ou enfrentariam a morte. Tem sido dito que Moughniyeh era, nesse momento, o cabeça da Jihad islâmica, mas, até onde alcança meu conhecimento, há escassas provas disso.

Não existem sondagens da opinião mundial a esse respeito, mas é bem provável que se deva chamar de “ataque terrorista” o ataque a uma base militar radicada em um país estrangeiro, especialmente porque as forças dos EUA e da França estavam desenvolvendo vigorosos bombardeios navais e aéreos no Líbano pouco depois que os EUA prestassem um apoio decisivo à invasão israelense do Líbano em 1982, que acabou com a vida de umas 20.000 pessoas e devastou o sul, deixando grande parte de Beirute em ruínas. Finalmente, o Presidente Reagan suspendeu os ataques quando o protesto internacional após os massacres de Sabra-Shtila subiu de tom a tal ponto, que não pôde mais ser ignorado.

Geralmente, nos EUA, a invasão israelense do Líbano é descrita como uma reação aos ataques terroristas no norte de Israel, a partir de bases libanesas, por parte da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), explicação que torna compreensível nossa crucial contribuição para esses crimes de guerra maiores. No mundo real, a fronteira libanesa esteve quieta durante um ano, apesar de repetidos ataques israelenses, muitos deles sangrentos, tendentes provocar alguma resposta da OLP que servisse como pretexto para uma invasão já decidida e planejada. Os comentaristas e líderes israelenses não confessaram seu verdadeiro propósito nesse momento: salvaguardar o poder israelense na zona ocupada da Margem Ocidental.

Não carece de interesse o fato de que o único erro grave do livro de Jimmy Carter ("Palestina: Paz ou Apartheid") seja a reiteração deste coquetel propagandístico, segundo o qual os ataques da OLP a partir do Líbano foram a causa da invasão por parte de Israel. Sobre o livro choveram ataques e têm sido feitos esforços desesperados para encontrar alguma frase que pudesse ser mal interpretada, mas este erro flagrante, o único, foi ignorado. E com razão, porque assim se cumpre com o critério de respeitar as falsificações doutrinárias úteis.

Matar sem querer
Outra das acusações contra Moughniyeh: foi transformado no “cérebro” da bomba na Embaixada de Israel em Buenos Aires que, no dia 17 de março de 1992, matou vinte e nove pessoas. Foi uma resposta – como disse o Financial Times — ao assassinato por parte de Israel do antigo chefe do Hezbollah, Abbas Al-Mussawi no transcurso de um ataque aéreo no sul do Líbano”. Sobre o assassinato não são necessárias maiores provas, porque Israel assumiu com orgulho o mérito. Mas o mundo poderia ter um certo interesse no resto da história. Al-Mussawi foi assassinado com um helicóptero fornecido pelos EUA em uma zona muito ao norte da “zona de segurança” ilegalmente afixada por Israel no sul do Líbano. Estava a caminho de Sidon vindo de Jibshit, depois de dissertar em um ato em memória de outro imã assassinado pelas forças israelenses. O ataque do helicóptero também acabou com sua esposa e seu filho de cinco anos. Após o ataque, Israel serviu-se de outros helicópteros, também fornecidos pelos EUA, para atacar um caminhão que transportava os sobreviventes do primeiro ataque para um hospital.

Depois do assassinato da família, o Hezbollah “mudou as regras do jogo”, informou o Primeiro-Ministro Rabin perante o Parlamento israelense. Nunca antes tinham sido lançados mísseis contra Israel. Até aquele momento, as regras do jogo eram que Israel podia lançar ataques mortíferos onde quisesse e segundo seu arbítrio, e o Hezbollah tinha que se limitar a responder dentro do território libanês ocupado por Israel.

Após o assassinato de seu líder (e de sua família), o Hezbollah começou a responder os crimes de Israel no Líbano atacando o norte de Israel. Isto é, evidentemente, terror intolerável, ou seja que Rabin lançou uma invasão que expulsou de seus lares 500.000 pessoas e matou mais de 100. Os inclementes ataques israelenses chegaram até o norte do Líbano.

No Sul, 80% da cidade de Tiro fugiu e Nabatiye ficou reduzida a uma “cidade fantasma”. Segundo um porta-voz do exército israelense, Jibshit foi destruída em 70%, e ele acrescentou que o objetivo era “destruir a cidade por completo, dada sua importância para a população shiita do sul do Líbano”. O objetivo era “apagar as cidades da face da terra e semear destruição em seu entorno”, segundo descreveu essa operação um veterano oficial do comando norte israelense.

É possível que Jibshit tenha sido um objetivo cobiçado porque foi a terra do Sheik Abdul Karim Obeid, seqüestrado e levado para Israel vários anos antes. A pátria de Obeid “recebeu o impacto direto de um míssil”, informou o jornalista britânico Robert Fisk, “ainda que o mais provável é que os israelenses estivessem atirando contra sua mulher e seus três filhos”. Mark Nicholson escreveu no Financial Times que aqueles que não escaparam esconderam-se aterrorizados, “porque era possível que qualquer movimento dentro ou fora de suas casas atraísse a atenção da artilharia israelense, a qual estava disparando seus projéteis repetida e arrasadoramente sobre objetivos selecionados”. Por momentos, os projéteis da artilharia alvejavam algumas aldeias a um ritmo de mais de dez disparos por minuto.

Todos estes fatos contaram com o firme aval do Presidente Bill Clinton, que entendeu a necessidade de instruir com severidade os araboushim sobre “as regras do jogo”. E Rabin apareceu como o outro grande herói, como o homem da paz, muito diferente das “bestas bicéfalas”, “dos grilos” e das “baratas drogadas”. Esta é, simplesmente, uma pequena amostra dos fatos que poderiam ter interesse para o mundo, uma vez relacionados com a suposta responsabilidade de Moughniyeh no ato de vingança terrorista em Buenos Aires.

Outra das acusações é que Moughniyeh ajudou a preparar as defesas do Hezbollah contra a invasão israelense do Líbano, em 2006, um crime terrorista intolerável, conforme os critérios do “mundo”, convencido de que nada deve cruzar-se no caminho do justo terror e da agressão praticados pelos EUA e seus clientes.

Os apologistas mais vulgares dos crimes dos EUA e Israel explicam com solenidade digna de melhor causa que, enquanto os árabes têm o propósito de matar pessoas, os EUA e Israel – sendo, como são, sociedades democráticas— não têm a menor intenção de fazê-lo. Seus mortos são, simplesmente, acidentais, e por isso seus assassinatos não podem ser comparados, no ponto da depravação moral, com os de seus adversários. Esta foi, por exemplo, a posição do Tribunal Supremo de Israel quando recentemente autorizou um severo corretivo coletivo contra o povo de Gaza, privando-o de eletricidade (e de água, de eliminação de resíduos e águas servidas e de outros elementos básicos da vida civilizada).

Uma linha de defesa, esta, que é recorrente na hora de enfrentar outros velhos pecadilhos de Washington. Por exemplo, a destruição da Planta Farmacêutica ao-Shifa no Sudão, em 1998. Aparentemente, o ataque custou dez mil vidas, mas não houve qualquer intenção de matá-las; daí que não fosse um crime resultante de uma ordem com expressa intenção de matar. Assim nos ensinam esses moralistas sistematicamente empenhados em apagar toda réplica efetiva a essas vulgares tentativas de autojustificação. Vamos dizer mais uma vez: é possível distinguir três categorias de crimes: assassinato intencional, morte acidental e assassinato premeditado mas sem uma intenção específica. As atrocidades dos EUA e Israel são um caso típico da terceira categoria.

Assim, quando Israel destruiu o fornecimento de energia em Gaza ou colocou obstáculos para viajar para a Ribeira Oriental, não teve a intenção específica de assassinar as pessoas que morreriam pela contaminação da água, ou em ambulâncias que não podiam chegar até os hospitais. E quando Bill Clinton ordenou o bombardeio da planta ao-Shifa, era óbvio que isso poderia terminar em uma catástrofe humana. O Observatório de Direitos Humanos deu a ele essa informação imediatamente, facilitando todo tipo de detalhes, mas nem Clinton nem seus assessores quiseram matar pessoas concretas entre aqueles que inevitavelmente morreriam quando a metade das instalações da planta farmacêutica foram destruídas em um país africano pobre que não poderia reconstruí-la.

Ocorre, na verdade, que eles e seus apologistas olham para os africanos sentindo o que nós sentiríamos ao esmagar uma formiga quando caminhamos pela rua. Somos conscientes de que é possível que ocorra (se nos incomodarmos em pensar sobre isso), mas não queremos matá-las, porque não são dignas nem dessa consideração. Não é necessário dizer que ataques similares perpetrados por araboushim em áreas habitadas por seres humanos seriam considerados de maneira muito diferente.

Se por um momento fôssemos capazes de adotar a perspectiva do mundo, poderíamos nos perguntar quem são os criminosos “mais procurados no mundo inteiro”.

Noam Chomsky é professor emérito de lingüística no Instituto de Tecnologia de Massachussets.

Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores

Texto da Agência Carta Maior.

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sexta-feira, março 21, 2008

Pausa para a sexta-feira da Paixão

Aguarde o sábado.

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Das Crônicas do Heuser: A cana no Brasão

A cana no Brasão


Por Paulo Heuser


A leitura matinal do jornal tornou-se enfadonha. Cartões, cartões e cartões. Tudo gira em torno dos cartões de crédito. Apenas uma notícia chama a atenção, destoando entre as denúncias de mau uso dos cartões. O deputado Clodovil Hernandes apresentou o Projeto de Lei 2310/07, para modificar o Brasão das Armas Nacionais. Sugere a troca das folhas de fumo que fazem parte do brasão por galho de cana-de-açúcar.

O deputado alega que o fumo causa doenças e que já não representa a mesma riqueza que representava em 1889. O projeto não é inédito, tendo sido apensado a outros dois, o 1345/1999 e o 4149/1998, este já acendendo velinhas. Confesso que eu não sabia que aquelas folhas eram de fumo. Se os nobres deputados não apresentassem esses projetos de lei importantíssimos, eu talvez nunca viesse a sabê-lo. Eles devem acreditar que muitas pessoas deixarão de fumar, prolongando suas vidas, se o galho de cana substituir as folhas de fumo. É aquela história, o sujeito perde a vontade de fumar ao olhar para o Brasão de Armas Nacionais sem folhas de fumo. Não seria o caso também de retirarem as folhas de café, que lá estão? Café em demasia pode causar problemas de saúde.

Algo me preocupa nesses projetos de lei. Se a retirada das folhas de fumo reduz a vontade de fumar, a presença do galho de cana-de-açúcar não aumentará a vontade de tomarem pinga? O deputado alega que a cana-de-açúcar é matéria prima para a fabricação de açúcar e do álcool combustível. Entretanto, esquece-se de mencionar o álcool que também serve de combustível para a queima das frustrações do cotidiano. Temo que o novo brasão vá se parecer com um rótulo de garrafa de pinga.

Porém, o que mais me preocupa é a reforma estética de um símbolo da Nação como se fosse logotipo de empresa, que deve ser atualizado periodicamente. O Brasão de Armas da Inglaterra existe desde o Século XII, durante o reinado de Ricardo I. Apesar de ostentar três leões passantes com garras azuis e línguas de fora, aparentemente ninguém tentou alterar aquele brasão. Convenhamos que os leões nunca foram uma riqueza da Inglaterra, mostrando-se piores para a saúde humana do que o fumo, conforme foi provado no Coliseu de Roma. Leões de língua de fora parecem debochar dos súditos do reino. Claro, digo isso porque não entendo nada de heráldica, a ciência que estuda essas coisas. Talvez consigam explicar também por que os leões ingleses têm garras azuis.

Caso venham a se tornar lei, esses projetos poderão movimentar a economia. A começar pelo concurso para a escolha do novo Brasão das Armas Nacionais. Poderão escolher algo mais moderno, com estrelas estilizadas. As plantas poderão simbolizar melhor o momento político nacional. Pepinos a abacaxis traduziriam bem este momento.

Uma alteração do Brasão das Armas Nacionais implicará alterações em todos locais onde é utilizado, incluindo as placas em todos os prédios públicos e os timbres dos documentos oficiais federais. Todas essas alterações envolvem custos. Ainda bem que poderão ser cobertos pelos cartões de crédito corporativos.

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Informalidade perversa

Informalidade perversa

EM RECENTE simpósio internacional sobre o tráfico de drogas, uma das afirmações mais esclarecedoras sobre a questão veio do economista colombiano Francisco Thoumi, considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto.
Disse ele que, na produção de heroína e cocaína, há uma enorme concentração em poucos países, enquanto centenas de outros reúnem as mesmas condições ambientais de produzi-las. E principalmente que a concentração não se explica nem pela alta rentabilidade da mercadoria ilegal, nem pela existência da demanda.
Tais produtos não são produzidos onde são mais consumidos. Na verdade, são produzidos de forma concentrada onde é mais fácil fazer coisas ilegais.
A história de fracionamento político e a falta de governo central com controle de todo o território nos países sul-americanos que fabricam a cocaína explica a ilegalidade. Para Thoumi, é a oferta abundante que reduz o preço e cria a demanda. Portanto, a fácil explicação de que o usuário é o culpado deve ser revista.
No Brasil, as ilhas da informalidade-ilegalidade e o oscilar entre centralização e independência local criaram as condições para que o tráfico se espalhasse pelo território nacional. Nas cidades, o varejo do tráfico pode até mesmo, como acontece no Rio de Janeiro, controlar militarmente territórios urbanos classificados pelo IBGE como "subnormais". Isso quer dizer, locais onde a ocupação não obedece às posturas urbanas e onde pode vir a se desenvolver a lei do mais forte ou lei da selva, tanto no acesso à moradia nesses locais, como na resolução de conflitos e na distribuição de benefícios.
Portanto, de nada adianta dotar tais locais de infra-estrutura urbana e serviços públicos decentes se não se termina com a "subnormalidade". Com a experiência adquirida pelo projeto Favela-Bairro, já sabemos que o nó está na propriedade do solo e da habitação. A lentidão, por conta dos inúmeros problemas jurídicos envolvidos, na distribuição de títulos de propriedade aos moradores das favelas vem a realimentar a lei do mais forte, ainda mais que os investimentos públicos aumentam o valor dos imóveis subnormais.
A situação caótica na propriedade do solo urbano faz com que continuem a agir grileiros que "vendem" lotes que não lhes pertencem, transformando em invasores os que pagaram prestações para obtê-los. E a informalidade nas invasões de favelas transformou associações de moradores em poderosas agências imobiliárias e eleitorais, aproveitadas pelos homens armados que se impõem militarmente, sejam eles traficantes, sejam paramilitares.

Texto de Alba Zaluar, na Folha de São Paulo, de 17 de março de 2008 (para assinantes).

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