quinta-feira, abril 23, 2009

Entrevista: Demetrius Papademetriou, sobre migrações

DEMETRIUS PAPADEMETRIOU

Crise econômica ameaça era histórica de mobilidade

Para historiador, mundo vive momento mais desafiador em quatro décadas, mas uma desglobalização só é plausível se políticos "estúpidos" ignorarem 30 anos de abertura

ANDREA MURTA
DE NOVA YORK

As praias mediterrâneas da Líbia foram banhadas por dezenas de corpos dos mais de 200 africanos que naufragaram durante uma precária travessia ilegal em direção à Europa. A milhares de quilômetros dali, no Japão, o governo passou a pagar R$ 6.700 para imigrantes desempregados deixarem o país. Os dois movimentos, ocorridos na última semana, são reflexos distintos de um mesmo e crítico dilema: o que a crise econômica força hoje nos fluxos migratórios globais.
Para o historiador e cientista político Demetrius Papademetriou, apesar do desespero dos que ainda se arriscam, a crise está sufocando o apogeu histórico de mobilidade do século 21, lançando o mundo no "ambiente mais desafiador das últimas quatro décadas". Leia a seguir a entrevista que ele deu à Folha, por telefone, de Washington.

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FOLHA - A crise atual é diferente de outras em termos do efeito nos fluxos migratórios?
DEMETRIUS PAPADEMETRIOU
- Estudo imigração há quase 40 anos, mas nada do que vi na vida me preparou para o que vivemos hoje. Não só a crise é pior como os fluxos migratórios são muito superiores aos do passado: por isso, as consequências são muito mais importantes. Estamos certamente no ambiente mais desafiador das últimas quatro décadas.
Em 1982 o desemprego nos EUA, por exemplo, era mais alto, mas outros indicadores não estavam nem perto de ser tão ruins. Os choques do petróleo de 1973 não foram nem de longe tão ruins, e a migração nos anos 1970 para os EUA era insignificante. Mas ainda é cedo para ir mais além e fazer comparações com a Grande Depressão nos anos 1930.

FOLHA - Antes da crise, como a última década se encaixava na história dos fluxos migratórios globais?
PAPADEMETRIOU
- Estávamos vivendo um recorde. Não seria um exagero dizer que nos primeiros sete anos do século 21 deixávamos a era das migrações e entrávamos na era da mobilidade. É difícil comparar porque existem inúmeras variáveis, como o crescimento da população mundial. Mas, sem contar a imigração forçada, vivíamos o maior fluxo migratório de todos os tempos. Tanto a migração dos altamente qualificados quanto a dos ilegais estavam várias vezes acima do que jamais foram. O único fluxo de pessoas que caiu na última década foi o de refugiados.
A ONU calcula com base em estatísticas nacionais que ao final dos anos 1990 os imigrantes eram 3% da população mundial (cerca de 180 milhões de pessoas). Mas essas estatísticas são bastante inferiores ao número real, pois a maioria dos países nem tenta contabilizar os imigrantes ilegais. E a definição de imigrante de muitas formas é artificial. Na Alemanha, por exemplo, não é considerado imigrante um estrangeiro descendente de alemães.

FOLHA - O que causou esse recorde nos anos 90?
PAPADEMETRIOU
- Vários fatores. A demografia dos países ricos os deixou muito mais interessados na imigração, tanto legal quanto ilegal. Os países ricos estão "duplamente espremidos" pelo envelhecimento da população e pela queda na natalidade. Esses países também ficaram de certa forma "ricos demais" e começaram a desprezar certos tipos de trabalho, como a agricultura, que foram preenchidos por imigrantes.
Outro motivo é que a abertura comercial recente criou uma demanda por imigração de fato, principalmente a qualificada. E, por fim, o aumento na conscientização dos direitos humanos provocou redução nos esforços de remoção de ilegais.

FOLHA - O que já vemos de mudança com a crise atual?
PAPADEMETRIOU
- Apesar de os dados oficiais estarem pouco consolidados, não há dúvidas de que o fluxo diminuiu. As decisões de imigração são racionais; as pessoas fazem parte de redes sociais bem informadas, é claro que o fluxo acompanharia a queda das oportunidades.
Nos EUA, sabemos que o fluxo de imigração vem caindo desde 2007, mas não há dados que comprovem que o retorno aos países de origem aumentou. A crise vai afetar de forma muito dura os países de origem dos imigrantes ao longo deste ano, desencorajando a volta.
No Reino Unido, temos mais pistas, principalmente sobre imigrantes regularizados. O país tinha, em 2008, 6,6 milhões de imigrantes. Em 2007, 580 mil pessoas chegaram ao país, a maioria delas vinda do Leste Europeu e da Comunidade Britânica. Mas no último trimestre de 2008 houve queda substancial de pedidos de autorização de trabalho. O número de aprovações (cerca de 25 mil) foi 50% menor que no ano anterior e também foi o menor desde o alargamento da UE em 2004. Podemos dizer que há indícios de que não só a imigração já atingiu seu pico como os imigrantes estão mesmo voltando para casa.

FOLHA - Os efeitos da crise na migração serão distintos nos EUA e na Europa?
PAPADEMETRIOU
- Sim. Os EUA têm uma proporção muito maior de imigrantes ilegais [um terço]. E a imigração ilegal é a que mais responde ao ciclo econômico. Mas os imigrantes legais também podem ser afetados, pois têm pouco acesso ao sistema de apoio social do governo. Em contraste, em vários países europeus, a rede de proteção social é aplicada igualmente para todos.
É o caso da Espanha, cuja situação econômica é uma das piores entre os países ricos, mas cujo sistema de apoio social é um dos mais generosos do mundo. O governo está oferecendo até 40 mil euros, dependendo da situação, para que imigrantes deixem o país. E não está funcionando. No Reino Unido, a situação é um pouco diferente, porque grande parte dos imigrantes vêm da UE e têm trânsito livre. Eles podem sair sem medo de serem barrados depois.

FOLHA - Quais as consequências econômicas dessas mudanças, se a crise for prolongada?
PAPADEMETRIOU
- As novas circunstâncias seriam muito duras com os imigrantes. Se o fluxo de retorno aumentar muito, os países de origem vão sofrer, pois a imigração é sabidamente um forte redutor de pobreza para as famílias do Terceiro Mundo. Nos países de destino, temo que se chegue ao ponto em que imigrantes, particularmente ilegais, se tornarão alvos da população doméstica, como se fossem responsáveis pela falta de empregos. Além disso, quando a prosperidade retornar, a economia dos países ricos sofrerá se demorarem a reconquistar os imigrantes necessários. Os trabalhadores mais flexíveis são os imigrantes, e sua mobilidade geográfica é extremamente importante para os mercados de trabalho.

FOLHA - Então o sr. não crê que a diminuição dos fluxos possa ser permanente?
PAPADEMETRIOU
- Não. Esse negócio de "fim da bolha da imigração" é só uma frase de efeito. Não posso dizer que vamos restaurar os mesmos números dos últimos quatro ou cinco anos.
Mas quando a economia começar a se recuperar, o resultado mais provável é o retorno das tendências de antes da recessão. E os primeiros a voltar serão os ilegais, que são os que realmente se movem acoplados à situação econômica.
Conheço dados sobre comércio global, nacionalismo econômico e etc. que sustentam o argumento de uma retração da globalização. Mas daí a dizer que a "desglobalização" está começando a acontecer é prematuro. A chance de "desglobalização" é proporcional à estupidez dos políticos. Se começarem a cancelar acordos e ignorar 30 anos de aberturas, aí ela será possível.

Entrevista publicada na Folha de São Paulo, de 6 de abril de 2009.

Grego preside centro de política migratória

DE NOVA YORK

Demetrius Papademetriou, 63, é cofundador e presidente do Instituto de Políticas Migratórias (MPI, na sigla em inglês), think-tank independente de Washington. Ele conhece de perto o tema: nascido em Patras, na Grécia, Papademetriou foi para os EUA aos 18 anos, munido apenas de um inglês básico e uma bolsa de estudos para a Universidade Wilkes, na Pensilvânia.
Lavou pratos, foi balconista de cafeterias e garçom até terminar o doutorado em 1976 na Universidade de Maryland, onde estudou políticas comparativas e relações internacionais. Depois de anos como professor em universidades como Maryland e Duke, foi diretor executivo da revista "International Migration Review", pesquisador do Departamento do Trabalho dos EUA e diretor da comissão sobre migração da OCDE (Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento).
Ele fundou o MPI em 2001, quando deixou a codiretoria do Programa de Migração Internacional da organização Carnegie Endowment for International Peace. Hoje o MPI é financiado a partir de doações de, entre outros, Departamento de Estado dos EUA, Comissão Europeia, governos do México, Canadá, Finlândia, Grécia, Itália, Holanda e Reino Unido, ONU e Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Papademetriou é autor e coautor de vários livros sobre imigração, como "Still a Study in Ambiguity: Germany and its Immigrants" (Ainda um Estudo em Ambiguidade: Alemanha e seus Imigrantes, 2006) e "Immigration and America's Future: A New Chapter" (Imigração e o Futuro da América: um Novo Capítulo, 2008).

Perfil de Demetrius Papademetriou, na Folha de São Paulo.


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