quarta-feira, junho 24, 2009

A paz sinistra do Sri Lanka

A paz sinistra do Sri Lanka

Suketu Mehta

Fim da guerra não significou o fim das perseguições políticas

No Sri Lanka, a paz poderá afinal ser pior do que a guerra civil que acaba de terminar -e não apenas para os rebeldes dos Tigres Tâmeis, que saíram perdedores. O governo está em um clima de triunfo, e há medo nas ruas de Colombo. Jornalistas, ativistas de direitos humanos e acadêmicos críticos ao governo estão sendo mortos, atacados ou ameaçados.
O Sri Lanka desafia os estereótipos religiosos, com homens-bombas hindus e católicos e esquadrões da morte budistas; os muçulmanos são os menos violentos de seus povos. É o país mais belo que já vi e também o mais sangrento; a guerra custou 100 mil vidas.
Visitei os rebeldes em um acampamento remoto na selva no início de 2002, pouco depois que um cessar-fogo foi declarado. No território dominado pelos tâmeis, eles viviam em condições péssimas, graças a um bloqueio do governo. Quando eu queria ouvir o noticiário da BBC, alguém montava em uma bicicleta e pedalava para acionar um gerador que fornecia eletricidade ao rádio.
Tudo o que eles tinham para se sustentar era uma crença inabalável em uma pátria independente. Por isso enfrentaram o governo durante um quarto de século -até que o Ocidente os designou como terroristas e os chineses entraram com dinheiro. No ano passado a China deu US$ 1 bilhão para o Sri Lanka lutar a guerra, o que virou a maré contra os rebeldes. Em troca, a China conseguiu acesso a um porto profundo na ilha-país.
No Sri Lanka, assim como em outros lugares, a China tem conduzido uma política externa amoral. A China não é uma potência colonial; ela não tem interesse em adquirir terras ou em aumentar sua população. O que ela quer são recursos. Até 2020 a China só terá reservas domésticas suficientes para se abastecer de 6 de 45 minérios estratégicos. Antecipando essa carência, o governo chinês apoia alguns dos piores tiranos do planeta: Robert Mugabe, do Zimbábue, a junta bizarra de Mianmar, Kim Jong-il, da Coreia do Norte, Omar al Bashir, do Sudão.
Pequim não se importa, desde que consiga manganês ou bauxita. Sua política oficial é a não interferência nos assuntos internos desses países. Mas ela interfere por seus governos no Conselho de Segurança da ONU, onde veta qualquer ação contra seus clientes.
A dissidência é tão perigosa em Colombo quanto em Pequim. Uma amiga do Sri Lanka bem relacionada nos círculos sociais e políticos de Colombo me disse: "As pessoas que estão sendo mais atingidas no momento são os jornalistas e as ONGs internacionais. Tenho amigos que tiveram vistos revogados depois de viver aqui 20 anos e são expulsos ou presos por causa de informação aparentemente inofensiva". Então, temendo quem poderia estar monitorando sua ligação, ela acrescentou: "Acredito que você esteja ouvindo minha mensagem alto e claro". Catorze jornalistas críticos do governo foram assassinados desde 2006.
Nas ruas, há uma orgia de nacionalismo que poderá se inverter e alimentar-se de si própria. O que a maioria dos estrangeiros não percebe é que houve outra guerra civil no país na década de 1980, uma rebelião estudantil maoísta que custou quase tantas vidas quanto a guerra com os tâmeis.
Os Tigres foram ruins para o Sri Lanka e piores para os tâmeis que eles alegavam representar. Começaram com um movimento de libertação nacional e se transformaram em um bando assassino.
Mas não há desculpa para o governo matar dezenas de milhares de civis ou prender em massa a população tâmil do norte. O Sri Lanka deve implementar um mecanismo constitucional para compartilhar o poder com os tâmeis. Um país que protege suas minorias também protege por extensão os direitos de cada pessoa da maioria.


Suketu Mehta é autor de "Maximum City: Bombay Lost and Found"

Texto do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 15 de junho de 2009.

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Lei antipirataria francesa é considerada inconstitucional

Lei antipirataria francesa é considerada inconstitucional


DA REDAÇÃO


O Conselho Constitucional da França considerou inválido o principal dispositivo da nova lei sobre internet que pretendia banir da rede quem fosse acusado de fazer downloads ilegais. De acordo com a maioria dos membros do conselho, apenas um juiz -e não uma autoridade administrativa- pode determinar a exclusão de uma pessoa da internet.
Com essa decisão, a lei, que se afigurava como uma das mais rígidas da Europa na defesa dos direitos autorais, fica bastante enfraquecida. O governo ainda não decidiu se vai submeter uma nova proposta para tentar disciplinar o vácuo criado pelo veto.
O conselho considerou que o acesso à internet é um direito fundamental, que não pode ser limitado senão por decisão judicial, sob pena de pôr a perder o princípio de presunção da inocência. Segundo o órgão, "o papel da Hadopi [a polícia cibernética prevista pela lei] é o de advertir o internauta, mas não puni-lo".
O Conselho Constitucional exerce controle constitucional sobre as leis, mas não faz parte do Poder Judiciário. Três de seus membros são indicados pelo presidente da República, três pelo presidente da Assembleia Nacional e três pelo presidente do Senado. Ex-presidentes da República que o desejarem se tornam membros vitalícios.
O conselho só pode revisar leis quando provocado e entre a aprovação pelo Legislativo e a sanção presidencial. No caso, o pedido de veto partiu do Partido Socialista, de oposição.

Notícia da Folha de São Paulo, de 11 de junho de 2009.

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O blog da Petrobrás

PETROBRAS E O BLOG


Em seu blog, Cláudio Weber Abramo, da Transparência Brasil, questionou "a reclamação de que a Petrobras teria rompido compromisso de confidencialidade" ao vazar perguntas, pois ele só existe para o jornalista, não a fonte. Como não pode "prescindir da grande imprensa, é provável que a empresa recue". Mas "deveria continuar, após os veículos terem publicado suas histórias".
Já o blog da estatal se defendeu dizendo ser formatado como "mídia social", não imprensa.

Trecho da coluna Toda Mídia, na Folha de São Paulo, de 10 de junho de 2009.


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Acerca de nomes de logradouros públicos

Uma patrulha ideológico-rodoviária

UM DEPUTADO estadual paulista apresentou um projeto de lei que poderá abrir o caminho para a cassação de nomes de ruas, avenidas e estradas. A rodovia Castello Branco, que liga São Paulo ao oeste do Estado, seria renomeada, trocando-se o nome do marechal eleito pelo Congresso depois da deposição de João Goulart pelo de um baluarte da democracia, como d. Helder Câmara, por exemplo. A designação de logradouros passaria pela peneira de um Conselho de Direitos Humanos.
O projeto dificilmente será aprovado. Se virar lei, não haverá de funcionar, a menos que se consiga uma justificativa politicamente correta para as ruas e avenidas que homenageiam escravocratas do Império. Mesmo assim, ele tem a virtude de provocar um bom debate, daqueles em que se entra com uma certeza e sai-se melhor, com algumas dúvidas.
Tudo bem, o marechal Castello Branco, titular de uma ditadura envergonhada, presidiu o país de 1964 a 1967 e, pelos crimes praticados em seu governo, não poderia ser nome de rodovia. E o que se vai fazer com as avenidas Presidente Vargas espalhadas por todo o Brasil? A ditadura de Castello durou três anos. A de Getúlio Vargas, oito.
Nesse caso, não se poderia mexer nos nomes dados às ruas? Aí surge o problema da rua Sérgio Fleury, localizada na cidade de São Carlos. O chefe dos janízaros (civis) da ditadura, sócio-fundador do Esquadrão da Morte, foi homenageado em 1980 pela Câmara Municipal da cidade. Há um mês, a mesma Câmara, por unanimidade, cassou a denominação e uma pesquisa informa que 75% dos moradores apoiam a mudança.
Às vezes esses troca-trocas acabam em palhaçada. Em 1897, a imprensa que cobria o terceiro ataque ao Arraial de Canudos contou, emocionada, a história do cabo Roque, que morreu protegendo o corpo do comandante da expedição. Rebatizaram com seu nome a travessa do Ouvidor, até que o cabo Roque apareceu no Rio, vivo. Em outros casos, as paixões prevalecem e acabam confundidas com a paisagem. Raros são os cariocas que se dão conta de uma dissonância quando chegam à praça Tiradentes.
Lá está a linda estátua equestre de d. Pedro 1º, neto da maluca Maria, em cujo reinado enforcaram o alferes. A praça chamava-se "Constituição", e o nome foi trocado nas celebrações do golpe republicano. Obrigaram o neto a ocupar o chão de uma vítima da avó.
Quando os moradores de uma rua declaram-se ofendidos pelo nome que meia dúzia de vereadores lhes impuseram, é razoável que o pleito seja atendido. Fora daí, a história ao país pertence. Não há como fugir dela sem o recurso ao autoritarismo político.
Em Montgomery, capital do Alabama e da confederação rebelde durante a Guerra da Secessão, há um cruzamento que resolve controvérsias desse tipo. Passada a Guerra Civil, os brancos se acertaram e impuseram aos negros um regime de segregação. Nessa nova harmonia, deu-se a uma avenida da cidade o nome de Jefferson Davis, presidente do Sul rebelado. Passou o tempo e uma comerciária negra recusou-se a dar o lugar para um branco num ônibus da cidade. Foi presa, desencadeou um boicote e o mundo soube da existência de um pastor chamado Martin Luther King. Ela se chamava Rosa Parks e morreu em 2005. Uma das avenidas de Montgomery recebeu o seu nome. Ela cruza a Jeff Davis, criando quatro gloriosas esquinas.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 10 de junho de 2009.


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09/06/2009: Peru em crise política - confrontos e mortes da Amazônia Peruana

Troca de acusações reforça tensão entre Lima e índios

Principal central sindical peruana convoca para quinta marcha contra governo García, após conflito que deixou ao menos 50 mortos

DA REDAÇÃO

A dura troca de acusações entre o governo direitista de Alan García e lideranças indígenas e a convocatória de uma marcha sindical em Lima para quinta-feira compuseram ontem o quadro de tensão no Peru, três dias após confronto entre policiais e manifestantes que deixou ao menos 50 mortos no norte do país.
Governo e movimento indígena, que reivindica a revogação de leis pró-investimento na Amazônia peruana, divergem sobre o número de vítimas. Para a Adeisp (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana), corroborada por fontes médicas da região na sexta, ao menos 30 indígenas morreram. O governo fala em 9 manifestantes e 24 policiais mortos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), condenou "energicamente" a violência que se desatou durante ação de desbloqueio de uma estrada próxima à cidade de Bagua, a 1.400 km de Lima. A CIDH instou o Estado peruano a "esclarecer judicialmente os episódios" e alertou quanto ao uso desproporcional das forças de segurança.
Hoje, o Conselho Permanente da OEA, em Washington, fará uma sessão extraordinária sobre o confronto peruano.
A oposição e ONGs locais e internacionais acusaram o governo de estar promovendo uma "limpeza" de corpos na região, ainda sob toque de recolher. Lima negou, e os opositores não apresentaram provas.
Segundo o presidente do Conselho de Ministros (premiê) Yehude Simon, o principal líder da Adeisp, Alberto Pizango, refugiou-se na Embaixada da Nicarágua em Lima após ser acusado pelo governo de incitar a violência.
Walter Categari, diretor da Adeisp, disse à Folha que a orientação da associação, que representa 450 mil pessoas de 65 povos indígenas na Amazônia peruana, é seguir a mobilização que completa dois meses hoje, com bloqueios de estradas e ocupações de instalações petrolíferas. "Se pararmos agora, seremos derrotados."
Ontem, a principal central sindical peruana, a CGTP, convocou para quinta uma "Jornada Nacional de Luta", em resposta à violência na Amazônia, acentuando a pressão sobre o governo Alan García, que completa três anos em julho.

Negociação no Congresso
No Congresso, o Partido Nacionalista -de Ollanta Humala, derrotado por García nas eleições de 2006-, anunciou que convocará uma sessão extraordinária para debater o decreto 1.090, chamado de lei florestal.
O adiamento do debate sobre o decreto 1.090 foi um estopim da violência da sexta. No dia anterior, a maioria governista aprovara projeto para congelar o tema no Parlamento até que a mesa de diálogo -formada pelo Executivo e lideranças indígenas, neste momento já em impasse-, chegasse a um acordo.
A norma é um dos pilares do conflito no Peru porque reduz a área de proteção florestal no país e esboça um amplo plano de regulação do investimento na Amazônia.
Ativistas indígenas dizem que estarão disponíveis para atividade econômica mais 45 milhões de hectares, ou 60% da floresta, e que, contrariando legislação internacional adotada pelo Peru, as comunidades indígenas não foram consultadas.
Nos últimos dez anos, cresceu enormemente a ocupação da floresta peruana por empresas mineradoras e petrolíferas. A subsidiária da Petrobras no país explora um lote, com produção de 16 mil barris/dia, e detém concessão de outros cinco lotes ainda em prospecção.


Com agências internacionais.

Notícia da Folha de São Paulo, de 9 de junho de 2009.

Opositor pede investigação internacional

DA SUCURSAL DO RIO

Colunista do jornal "La República", Javier Diez Canseco é antigo militante da esquerda peruana. A partir da democratização do país, em 1978, foi constituinte, senador e congressista por vários mandatos até ser derrotado ao disputar a Presidência em 2006.
Em entrevista por telefone, de Lima, ele defende investigação internacional sobre as mortes em Bagua e diz que parte da solução do conflito está no Peru se reconhecer como Estado plurinacional. Abaixo, trechos da entrevista. (CLAUDIA ANTUNES)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif

FOLHA - Ao lançar a repressão contra os indígenas, o governo sabia que poderia desencadear reação também violenta?
JAVIER DIEZ CANSECO
- Na região onde ocorreram os conflitos estão ex-combatentes da guerra com o Equador [1995], nativos das etnias awajum e ashaninka que têm experiência com uso de armas. Há também as rondas camponesas, que derrotaram o [grupo maoísta] Sendero Luminoso em várias zonas e às vezes se confundem com a delinquência.
Além disso, o governo sabia que havia 38 policiais armados retidos pelos nativos numa base de bombeamento de petróleo. Há vídeos da ofensiva da polícia e da reação dos nativos. A polícia usou franco-atiradores em Bagua. Um dos dirigentes indígenas, Santiago Manuin, tem oito balas no corpo.
Isso não é bala perdida.

FOLHA - O governo diz que parte dos policiais foi degolada.
DIEZ CANSECO
- Essa versão parece vir do fato de a etnia awajum ser uma etnia guerreira. Não descarto que tenha ocorrido. Não justifico nem aceito. Mas não sei a versão exata, por isso creio que é necessária uma investigação internacional.

FOLHA - Que grupos formam a Associação Interétnica pelo Desenvolvimento da Selva Peruana, que lidera os protestos?
DIEZ CANSECO
- A Aidesep agrupa cerca de 60 etnias em oito regiões da Amazônia peruana. Existe há 30 anos e é encarregada da educação bilíngue. Recebeu prêmios internacionais. Não é um grupo de loucos.

FOLHA - O Peru sempre teve uma divisão forte entre a costa e o interior. Qual é a solução?
DIEZ CANSECO
- Os grupos que comandaram o Estado no Peru nunca reconheceram o caráter plurinacional do país. O Peru não é um país homogêneo, é diverso. Essa plurinacionalidade implica direitos culturais, judiciais, políticos e territoriais.
É uma ideia que está sendo formalizada hoje nas Constituições do Equador, da Bolívia. Até na Colômbia o tema das etnias amazônicas foi reconhecido. No Peru isso não aconteceu. A isso se soma a batalha que o governo trava para abrir a exploração dos recursos naturais às transnacionais.

Entrevista na Folha de São Paulo, de 9 de junho de 2009.


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ONU rejeita estatísticas do governo brasileiro apontando queda no índice de homicídios

ONU rejeita dados sobre queda de homicídios no Brasil

http://n.i.uol.com.br/ultnot/home/agencia_estado.gif

Em São Paulo

A Organização das Nações Unidas rejeitou os números apresentados pelo governo brasileiro que indicam queda nos índices de homicídios no país. Ontem, o relator da ONU contra assassinatos sumários, Phillip Alston, afirmou ter "sérias dúvidas sobre a credibilidade" das informações. A Anistia Internacional denunciou ontem o fato de que a polícia continua a matar e não há qualquer mudança para lidar com a impunidade. O Conselho de Direitos Humanos da ONU ouviu o relato de Alston, que, em 2007, fez uma viagem pelo Brasil.

Os dados apresentados pelo governo apontam que, entre 2002 e 2007, o número de homicídios caiu 20%. "Tenho sérios motivos para colocar em dúvida essa queda", disse Alston. "O que acreditamos que está ocorrendo é apenas uma nova classificação dessas mortes para que não haja o perigo de elas serem registradas como homicídios". Segundo ele, uma das "aberrações" no Brasil é a possibilidade de PMs classificarem mortes como "autos de resistência". "Policiais alegam que podem atirar caso um suspeito resista a uma prisão. Os casos são simplesmente fechados e não há investigação", disse.

"Não temos nenhuma confirmação de fontes independentes de que essa queda de fato esteja ocorrendo. Muito pelo contrário." Em relatório de 2008, a ONU alertou que parte da polícia no Brasil está envolvida com o crime organizado, é corrupta e os abusos não são punidos. "O Brasil tem um dos mais elevados índices de homicídios do mundo, com mais de 48 mil mortes a cada ano", alertou o documento, baseado em dados de 2007.

A constatação é de que as políticas de segurança não dão resultados. Para piorar, Alston constatou que a política está intimamente envolvida com o crime. Outra conclusão do documento é que viver sob o julgo das milícias formadas por policiais é tão perigoso como viver diante do crime organizado. Alston ainda deixou claro que a classe política, em busca de votos, também adota uma postura dúbia. "Muitos políticos, ávidos por agradar um eleitorado amedrontado, falham ao demonstrar a vontade política necessária para refrear as execuções praticadas pela polícia." As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".

Visto no UOL Notícias. Grifos do blogueiro.


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As cotas desmentiram as urucubacas

As cotas desmentiram as urucubacas

QUEM ACOMPANHASSE os debates na Câmara dos Deputados em 1884 poderia ouvir a leitura de uma moção de fazendeiros do Rio de Janeiro:
"Ninguém no Brasil sustenta a escravidão pela escravidão, mas não há um só brasileiro que não se oponha aos perigos da desorganização do atual sistema de trabalho."
Livres os negros, as cidades seriam invadidas por "turbas ignaras", "gente refratária ao trabalho e ávida de ociosidade". A produção seria destruída e a segurança das famílias estaria ameaçada.
Veio a Abolição, o Apocalipse ficou para depois e o Brasil melhorou (ou será que alguém duvida?).
Passados dez anos do início do debate em torno das ações afirmativas e do recurso às cotas para facilitar o acesso dos negros às universidades públicas brasileiras, felizmente é possível conferir a consistência dos argumentos apresentados contra essa iniciativa.
De saída, veio a advertência de que as cotas exacerbariam a questão racial. Essa ameaça vai completar 18 anos e não se registraram casos significativos de exacerbação. Há cerca de 500 mandados de segurança no Judiciário, mas isso nada mais é que a livre disputa pelo direito.
Num curso paralelo veio a mandinga do não-vai-pegar. Hoje há em torno de 60 universidades públicas com sistemas de acesso orientados por cotas e nos últimos cinco anos já se diplomaram cerca de 10 mil jovens beneficiados pela iniciativa.
Havia outro argumento: sem preparo e sem recursos para se manter, os negros entrariam nas universidades, não conseguiriam acompanhar as aulas, desorganizariam os cursos e acabariam deixando as escolas.
Entre 2003 e 2007 a evasão entre os cotistas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro foi de 13%. No universo dos não cotistas, esse índice foi de 17%.
Quanto ao aproveitamento, na Uerj, os estudantes que entraram pelas cotas em 2003 conseguiram um desempenho pouco superior aos demais. Na Federal da Bahia, em 2005, os cotistas conseguiram rendimento igual ou melhor que os não cotistas em 32 dos 57 cursos. Em 11 dos 18 cursos de maior concorrência, os cotistas desempenharam-se melhor em 61 % das áreas.
De todas as mandingas lançadas contra as cotas, a mais cruel foi a que levantou o perigo da discriminação, pelos colegas, contra os cotistas.
Caso de pura transferência de preconceito. Não há notícia de tensões nos campus. Mesmo assim, seria ingenuidade acreditar que os negros não receberam olhares atravessados. Tudo bem, mas entraram para as universidades sustentadas pelo dinheiro público.
Tanto Michelle Obama quanto Sonia Sotomayor, uma filha de imigrantes portorriquenhos nomeada para a Suprema Corte, lembram até hoje dos olhares atravessados que receberam ao entrar na Universidade de Princeton. Michelle tratou do assunto em seu trabalho de conclusão do curso. Ela não conseguiu a matrícula por conta de cotas, mas pela prática de ações afirmativas, iniciada em 1964. Logo na universidade onde, em 1939, Radcliffe Heermance, seu poderoso diretor de admissões de 1922 a 1950, disse a um estudante negro admitido acidentalmente que aquela escola não era lugar para ele, pois "um estudante de cor será mais feliz num ambiente com outros de sua raça". Na carta em que escreveu isso, o doutor explicou que nem ele nem a universidade eram racistas.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 3 de junho de 2009.

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02/06/2009: Sobre os assentamento ilegais de Israel na Cisjordânia

"Congelar vida de colonos não é razoável", afirma Netanyahu

Frase de israelense é novo desafio a EUA, que cobram fim de expansão de assentamentos

Israel estuda a remoção de postos avançados e o alívio ao bloqueio a Gaza como contrapartida; EUA avaliam punição simbólica, diz jornal


DA REDAÇÃO

O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, reafirmou ontem que Israel continuará a expandir os assentamentos judaicos no território ocupado da Cisjordânia -num desafio ao governo aliado dos EUA, que defende o congelamento das colônias.
"Congelar a vida [nos assentamentos] não seria razoável", disse Netanyahu ao Parlamento israelense, defendendo que as colônias existentes devem expandir para acomodar as famílias em crescimento.
A tensão entre EUA e Israel vem crescendo desde a semana passada, quando, na véspera de Barack Obama receber o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, a secretária de Estado, Hillary Clinton, resumiu a posição do novo governo americano: "Não a alguns assentamentos, não a postos avançados, sem exceção ao crescimento natural".
Ontem, Obama disse que "houve momentos em que não fomos honestos como deveríamos com [com Israel] a respeito de que atual trajetória [no Oriente Médio] é profundamente negativa, para interesses americanos e israelenses. E isso é parte do novo diálogo que quero que seja estimulado".
Há quase 500 mil pessoas vivendo nos assentamentos. Num exemplo das tensões relacionadas ao tema, dezenas de assentados judeus na Cisjordânia bloquearam ontem o acesso a Jerusalém e atearam fogo a plantios palestinos em resposta à remoção de postos avançados no local pela polícia israelense.
Em outra discordância com Obama, Netanyahu resiste à criação de um Estado palestino, ideia-base das negociações de paz no Oriente Médio desde os Acordos de Oslo (1993).
Segundo o "New York Times", o governo Obama está estudando medidas -em sua maioria simbólicas- em punição a Israel caso o país mantenha sua política. As medidas incluiriam, segundo funcionários do governo que não quiseram se identificar, a revisão do apoio irrestrito a Israel na ONU e seu tradicional veto a resoluções críticas ao Estado israelense no Conselho de Segurança do órgão. No entanto, agregou um dos funcionários, "Israel é um aliado crucial dos EUA, e ninguém neste governo espera que isso mude".
Em resposta, um funcionário-sênior do lado israelense disse à agência Reuters (também em condição de anonimato) que "o governo de Netanyahu está agindo da mesma forma que seus antecessores. O que mudou foi a política dos EUA. O novo governo está tentando sair de entendimentos feitos [entre os dois países] durante o governo [de George W.] Bush".
No mesmo dia em que Obama decolará rumo à Arábia Saudita e ao Egito, o ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, vai hoje a Washington buscar apoio para a posição de Israel, provavelmente oferecendo em troca a remoção de postos avançados na Cisjordânia e o alívio no bloqueio à Gaza.
Autoridades ocidentais e israelenses dizem que Netanyahu avalia um pedido da ONU para aliviar as restrições a Gaza e permitir a entrada de materiais para a reconstrução do território, alvo de ofensiva de 22 dias que deixou 1.400 palestinos e 13 israelenses mortos.

Investigação em Gaza
O conflito será investigado por um comitê do Conselho de Direitos Humanos da ONU, liderado pelo juiz sul-africano Richard Goldstone, que chegou ontem à Cidade de Gaza.
O governo israelense repetiu ontem que, por considerar a investigação da ONU "tendenciosa", não deve colaborar com ela. Segundo Barak, os investigadores não conseguirão "penetrar as operações terroristas do Hamas" -grupo radical palestino que governa Gaza- para interrogar os responsáveis por disparar foguetes contra Israel, o que motivou a ofensiva.


Com agências internacionais

Texto da Folha de São Paulo, de 2 de junho de 2009.

Nova geração nos assentamentos acirra confronto

DO "FINANCIAL TIMES", EM MAOZ ESTHER

Daniel Landesberg está reconstruindo sua casa em Maoz Esther, um pequeno assentamento judaico bem no interior da Cisjordânia. Quando concluir o trabalho, em tempo para o seu casamento marcado para este mês, a estrutura de madeira terá três cômodos, eletricidade e uma bela vista das colinas da Judeia.
Cada prego que Landesberg, 20, martela nas vigas de madeira áspera é mais um golpe contra os planos de Barack Obama, a quem ele só se refere pelo seu segundo nome, Hussein, para uma nova paz no Oriente Médio.
Uma ala extremista do movimento de colonização vai além da expansão constante para tornar impossível a vida dos aldeões palestinos -com atos de violência e destruição de plantações.
Até o momento, a pressão dos EUA não obteve resultados concretos. Mesmo as ações do governo israelense contra os assentamentos irregulares parecem fúteis.
Menos de duas semanas atrás, o Exército e a polícia de Israel foram a Maoz Esther bem cedo pela manhã, expulsaram os colonos e derrubaram suas edificações.
Mas, como em muitas ocasiões no passado, os colonos retornaram horas mais tarde e recomeçaram a construir. Ninguém lhes disse que não voltassem, diz Landesberg.
Animados por uma crença de que Deus deu a terra de Israel apenas aos judeus, os jovens colonos dos assentamentos se veem como a vanguarda de um movimento.
Mais agressivos que a geração precedente de colonos, que ocasionalmente reluta em desafiar o governo, eles desempenham papel crucial na defesa da empreitada de colonização como um todo.
O jogo de gato e rato entre os jovens colonos e o governo, a constante evacuação e reconstrução de assentamentos, mantém a atenção do Estado afastada das colônias de maior porte. "É como no futebol, o ataque é a melhor defesa", diz Landesberg.

Outro texto da Folha de São Paulo, de 2 de junho de 2009.


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terça-feira, junho 23, 2009

Irã proibiu funeral aberto para jovem morta durante protesto

O noivo de uma jovem iraniana de 26 anos morta a tiros durante uma manifestação anti-governo em Teerã, no sábado, disse à BBC que as autoridades do país proibiram sua família de realizar um funeral público.

Um vídeo que mostra o momento da morte Neda Agha Soltani foi colocado em blogs e sites como YouTube, Twitter e Facebook, e assistido por milhares de pessoas. Uma foto de seu rosto ensanguentado foi usada em protestos realizados na capital iraniana em várias cidades do mundo.

Segundo o noivo de Neda, Caspian Makan, as autoridades religiosas e a milícia Basij, pró-governo, impediram a família de realizar uma cerimônia religiosa dedicada à jovem em uma mesquita por temer que ela se torne um símbolo dos protestos.

"As autoridades estão cientes de que todos no Irã e em várias partes do mundo sabem o que aconteceu com Neda", afirmou Makan, que se identificou como fotojornalista. "Eles temiam que muita gente fosse à cerimônia religiosa, e eles não querem mais confusão."

"Então, por enquanto, não termos permissão para realizar nenhuma reunião ou ato público de homenagem a Neda", explicou ele, na entrevista ao canal de TV BBC Persian.

"Covas prontas"
A jovem foi enterrada no domingo, no cemitério Behesht-e-Zahra, na zona sul de Teerã.

"Eles nos pediram para sepultá-la numa parte do cemitério que, aparentemente, tinha sido separada pelas autoridades para fazer as covas para as pessoas mortas durante os protestos da semana passada", afirmou Makan.

Ele ainda reclamou do fato de as autoridades terem demorado para liberar o corpo de Neda.

"Ela foi levada para um necrotério fora de Teerã, e os funcionários perguntaram se poderiam retirar partes de seu corpo para transplantes médicos. A família concordou porque queriam enterrá-la imediatamente", disse Makan.

"Tiro deliberado"
Segundo ele, Neda não estava participando diretamente dos protestos.

"Ela estava em um carro, com seu professor de música, a alguns quarteirões de distância, presa no congestionamento. Ela estava cansada e com muito calor, então saiu do carro por alguns minutos", disse o noivo.

"Foi aí que aconteceu. As testemunhas disseram e o vídeo mostra claramente que prováveis paramilitares Basij à paisana atiraram nela deliberadamente. Ela foi atingida no peito."

"Ela perdeu os sentidos poucos minutos depois. As pessoas ainda tentaram levá-la para o hospital mais próximo, mas já era tarde mais", descreveu.

Notícia da BBC Brasil, no Terra.

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Moradores do Moinhos de Vento mobilizados contra destruição do patrimônio do bairro

Moradores do Moinhos de Vento, em Porto Alegre, denunciam que alterações propostas no Plano Diretor estão ameaçando um vasto patrimônio histórico, cultural e ambiental da cidade. “O bairro Moinhos de Vento, um dos mais tradicionais de Porto Alegre, vem passando por transformações que irão, certamente, afetar de forma adversa a sua fisionomia paisagística, histórica, cultural e ambiental, impondo implacável perda das valiosas qualidades materiais e imateriais, deste que é considerado um dos mais prezados conjuntos patrimoniais de nossa cidade”, diz a associação Moinhos Vive. Entre outras coisas, denunciam a política de destruição de antigos casarios e sua substituição por edifícios novos que desfiguram o bairro.

Na sexta-feira (19), Paulo Vencato e Raul Agostini, da associação de moradores do bairro, participaram de uma reunião com representantes da Secretaria Municipal de Cultura e da Secretaria de Planejamento, para discutir artigos e propostas que constam da revisão do Plano Diretor. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente também foi convidada, mas não enviou representantes. Vencato e Agostini defenderam a necessidade de preservação da identidade cultural do bairro, ameaçada por projetos que destruiriam grande parte dos casarios e prédios históricos da região. Vencato citou um estudo feito na UniRitter sobre áreas de interesse cultural e o laudo assinado pelo arquiteto Carlos Fernando de Moura Delfin, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), afirmando que o bairro deveria seria tombado, pela sua peculiaridade.

A associação de moradores do Moinhos diz que já solicitou diversas audiências com o prefeito José Fogaça (PMDB) e com o vice José Fortunatti (PDT), todas sem sucesso. “Se a maior sumidade no assunto assina esse laudo e dez mil pessoas participam de um abaixo-assinado manifestando-se contra o que está sendo pleiteado e projetado para o bairro, não entendemos por que o poder público se nega a enxergar”, disse Vencato, cobrando da prefeitura a abertura de diálogo com a comunidade.

Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gino Gehling criticou a posição da presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural, Rita Chang, que procurou desqualificar a pesquisa da Uniritte, por se tratar de um “trabalho acadêmico”. Além disso, criticou a postura do vereador João Antônio Dib (PP), presidente da Comissão, que teria agradecido a Rita Chang por ela “ter esclarecido a todos que o estudo da Uniritter é um trabalho acadêmico”. “Quer dizer então que o que produzimos na academia não tem valor?”, perguntou Márcio D’Ávila, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

O resumo da obra é bem conhecido: as construtoras salivam pelo potencial do bairro e querem “modernizá-lo” com novos edifícios. Para isso, contam com muitos aliados na prefeitura e na Câmara de Vereadores. A forma de evitar que isso que ocorra também é bem conhecida: só a mobilização dos moradores da área poderá barrar esse projeto que, aliás, já está em curso.

Texto do blog do Marco Weissheimer.

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segunda-feira, junho 22, 2009

Silêncio no Alemão

Silêncio no Alemão

RIO DE JANEIRO - Na última sexta-feira, o presidente Lula e o governador do Rio, Sérgio Cabral, se abraçaram muito carinhosamente no complexo de favelas de Manguinhos e, à tarde, foram ao Complexo do Alemão. Entregaram 56 apartamentos para moradores removidos de suas casas em razão das obras do PAC.
Na véspera, o governo federal também marcara presença no Rio. O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, lançou na Biblioteca Nacional o livro "Brasil - Direitos Humanos", um conjunto de artigos, entrevistas e reportagens.
Na página 264, recorda-se o que aconteceu no Alemão em 27 de junho de 2007: 1.350 homens das Polícias Civil e Militar (de Cabral) e da Força Nacional de Segurança (de Lula) entraram na área da Grota e mataram 19 pessoas. É possível que a maioria fosse traficante e estivesse em confronto, mas não há como ter certeza: não houve perícia no local e, de acordo com o livro, provas foram destruídas pela polícia.
Três peritos examinaram os corpos na época e produziram para a Secretaria dos Direitos Humanos um relatório. Apresentaram "argumentos para embasar a afirmação de existência de execução sumária e arbitrária", entre eles o "grande número de orifícios de entrada na região posterior do corpo, numerosos ferimentos em regiões letais, elevada média de disparos por vítima, proximidade de disparos, sequência de disparos em rajada e armas diferentes utilizadas numa mesma vítima". Dos 78 tiros encontrados nos 19 corpos, 32 foram pelas costas.
Sempre que Lula e Cabral fossem ao Alemão, deveriam explicar como aquela operação contribuiu para dar paz às favelas. As crianças da Grota que ainda falam dos momentos de pavor que viveram naquele 27 de junho gostariam de ouvi-los.

Texto de Luiz Fernando Vianna, na Folha de São Paulo, de 2 de junho de 2009.


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Como funciona a imprensa brasileira, ILUSTRADO!!!

quarta-feira, junho 17, 2009

Jimmy Carter diz que palestinos de Gaza são tratados "como animais"

Jimmy Carter diz que palestinos de Gaza são tratados "como animais"

da Folha Online

Os palestinos da faixa de Gaza são "tratados mais como animais do que como seres humanos", disse nesta terça-feira o ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, em visita à região.

Em visita ao território palestino controlado pelo movimento islâmico radical Hamas, Carter condenou a operação militar de Israel em janeiro passado (que deixou cerca de 1.400 mortos) e o bloqueio imposto ao território.

"Eu entendo que até mesmo papel e giz-de-cera são tidos como um perigo à segurança", ele disse à população em um gabinete das Nações Unidas. "Eu procurei uma explicação para isto quando eu me encontrei com as autoridades israelenses e não recebi nenhuma porque não há explicação."

Israel estreitou um bloqueio em Gaza em 2007, quando o Hamas tomou o controle após a derrota do rival Fatah, do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas --favorável a um acordo de paz com Israel.

Em dezembro do ano passado, as forças israelenses bombardearam e depois invadiram Gaza, devastando sua já precária infraestrutura. Desde então, Israel bloqueou importações de combustíveis, cimento e outras mercadorias à população de 1,5 milhão de palestinos, dizendo que o Hamas poderia utilizar muitos itens para propósitos militares.

Carter, um democrata, disse que o que ele mesmo pôde observar é que quase não há reconstrução em Gaza em cinco meses. "Nunca antes na história houve uma ampla comunidade como esta sendo atacada brutalmente por bombas e mísseis para depois ser privada de reparos", ele disse.

"Isso é muito angustiante para mim", declarou aos jornalistas enquanto observava uma escola destruída durante a guerra de 22 dias que Israel lançou em Gaza em resposta ao lançamento de foguetes contra a fronteira israelense.

"Preciso conter as lágrimas quando vejo a destruição deliberada que foi lançada contra esse povo", acrescentou. "Essa escola foi destruída deliberadamente por bombas de F16 fabricados em meu país", admitiu ainda.

"A única forma de evitar que esta tragédia se repita é conseguir que os palestinos e Israel acertem uma paz genuína", destacou o ex-presidente, que conduziu o histórico acordo de paz de 1979 entre o Estado hebreu e o Egito.

Carter, 84, passou mais tempo como ativista de direitos humanos do que na Casa Branca, onde esteve de 1977 a 1981. Ele ficou conhecido como o presidente americano mais franco sobre o conflito no Oriente Médio, visto por muitos israelenses como um crítico severo.

Colisão

No fim de semana, Carter afirmou que Israel está no caminho para um confronto com seu principal aliado, os Estados Unidos, se não acabar com a expansão das colônias na Cisjordânia, segundo declarações divulgadas pelo jornal israelense "Haaretz".

Questionado sobre se Israel se dirige para uma "colisão frontal" com os EUA neste tema, Carter respondeu afirmativamente.

O princípio de "dois Estados é insignificante comparado [ao das] colônias", acrescentou, em referência à proposta acordada em Anápolis (EUA), em 2007, que prevê a criação de um Estado palestino para a obtenção da paz entre israelenses e palestinos.

Estado palestino

O chefe de governo do Hamas em Gaza, Ismail Haniyeh, disse a Carter que o movimento islâmico aceita a criação de um Estado palestino nos territórios ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias, que aconteceu em 1967.

O dirigente palestino, que se reuniu com Carter em Gaza, afirmou que "se existe um projeto realista para resolver a causa palestina com o estabelecimento de um estado nos territórios ocupados em 1967 e com plena soberania, nós o apoiaremos".

"Estamos tentando fazer avançar o sonho de ter nosso próprio estado independente, com Jerusalém como capital", afirmou Haniyeh, em entrevista coletiva junto ao ex-presidente americano.

As declarações de Haniyeh foram feitas depois que o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, disse neste domingo, pela primeira vez desde que assumiu o cargo, no final de março, que aceitaria a criação de um Estado palestino. Netanyahu condicionou, no entanto, o estabelecimento desse Estado a uma série de requisitos, como a que obriga que o território seja "desmilitarizado" e reconheça "Israel como um Estado judaico".

Notícia da Folha Online.


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sexta-feira, junho 12, 2009

10/06/2009: Continua a crise na Amazônia Peruana

Anúncio acusando índios acirra crise no Peru

Propaganda que fala em "selvageria e ferocidade" de indígenas no confronto com a polícia leva ministra do governo García a renunciar

Líder dos protestos contra exploração da Amazônia obtém asilo na Embaixada da Nicarágua; Congresso deve discutir tema hoje

DA REPORTAGEM LOCAL

O governo conservador de Alan García provocou controvérsia e polarizou ainda mais o clima político no Peru ao lançar propaganda na TV na qual acusa indígenas de assassinarem com "selvageria e ferocidade" 25 policiais durante confronto no norte, na sexta-feira.
A rejeição ao anúncio, que não menciona os indígenas que morreram no episódio -9, segundo o governo, e ao menos 30, segundo lideranças das manifestações-, levou Carmen Vildoso, titular do Ministério da Mulher, a pedir demissão ainda anteontem.
O presidente do Conselho de Ministros (premiê),Yehude Simon, criticou Vildoso: "Uma coisa é sentir dor e dizer que lamentamos. Mas não somos culpados [pelo ocorrido]".
Segundo a agência France Presse, a pressão sobre o governo fez com que a propaganda, no ar desde domingo, deixasse de ser exibida ontem.
O vídeo de pouco mais de um minuto exibe fotos de corpos de policiais sob o título "Assim atua o extremismo contra o Peru". Repisando o discurso do presidente García, a propaganda diz que os manifestantes querem impedir que o país se beneficie das reservas de gás e de petróleo sob a floresta. "Não houve enfrentamentos. Houve assassinato ", diz o vídeo.
Na sexta, forças de segurança do governo agiram para liberar uma estrada no norte do Peru, próxima à cidade de Bagua, a 1.400 km de Lima, bloqueada por indígenas. Durante a operação e arredores, ao menos 25 policiais morreram -10, de um grupo de 38 que havia sido feito refém, foram assinados pelos manifestantes.
Ontem, a delegação peruana na OEA (Organização dos Estados Americanos) defendeu a ação em uma sessão extraordinária do Conselho Permanente para tratar do tema, em Washington. A embaixadora Maria Zavala disse que o país atuou contra uma "conspiração" que ameaçava o abastecimento do país e que policiais foram "torturados e mortos".
Os manifestantes afirmam que houve ataque deliberado contra o bloqueio e contra lideranças. Afirmam que o toque de recolher na região ajudou o governo a "limpar" corpos.
Ontem foi mais um dia em que ONGs e organizações de direitos humanos pediram investigação independente do episódio, o mais sangrento do arrastado conflito entre o governo Alan García, que assumiu em 2006, e os indígenas.
Luis Benavente, diretor do Grupo de Opinião Pública da Universidade de Lima, está entre os analistas políticos que acusam o governo de alimentar a polarização com a propaganda. "O governo só faz piorar as coisas. A morte dos policiais é um crime, mas não apaga os erros do governo", disse à Folha.

Asilo e tensão regional
Se a situação na região de Bagua acalmou, com a volta dos indígenas a suas comunidades, os analistas temem que discursos como o do anúncio insuflem a mobilização em curso em regiões como Tarapoto e Loreto, no nordeste peruano.
Os indígenas agrupados na Aidesep (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana) protestam há dois meses exigindo a revogação de uma série de decretos que facilitam a exploração econômica em 60% da Amazônia peruana. Argumentam que, contrariando convênios internacionais adotados pelo país, não foram consultados sobre as leis.
Hoje, o Congresso debaterá a validade de um dos decretos, o 1090, da Lei Florestal. Segundo o jornal peruano "El Comércio", até o bloco governista, que bloqueou o tema na semana passada, aceitou tratá-lo em plenário ontem.
O premiê Yehude Simon tentava ontem ressuscitar uma mesa de diálogo com os indígenas, com a mediação da Igreja Católica. O discurso duro do presidente e o pedido de asilo político na Nicarágua por Alberto Pizango, a principal liderança indígena, tornam improvável que isso ocorra logo.
O asilo de Pizango, acusado de sedição por Lima, também contribui para aumentar a reverberação regional da crise. Ontem, o Peru evitou criticar a Nicarágua do esquerdista Daniel Ortega, uma vez que recentemente concedeu asilo político a oponentes dos governos Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia).
O governo García insinua que os protestos têm influência dos governos vizinhos esquerdistas e ontem vazou que -EUA, França e Bolívia- rejeitaram o pedido de Pizango.
Os dois primeiros países consideraram, segundo disse uma fonte da Chancelaria peruana à agência Efe, que ele tem garantias para ser julgado no Peru. A Bolívia, segundo a mesma fonte, decidiu não conceder asilo para não piorar as relações com Lima. (FLÁVIA MARREIRO)

Com agências internacionais


NA INTERNET - Veja o vídeo http://www.youtube.com/watch?v=JDVgw4pbHEk

Texto da Folha de São Paulo, de 10 de junho de 2009.

Funai identifica movimento de indígenas peruanos rumo ao Acre

LUCAS FERRAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A crise no Peru já provoca, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), movimentação de grupos de diversas etnias indígenas rumo ao Brasil, especificamente para o Acre.
A Funai já identificou pelo menos dois grupos indígenas peruanos que, atipicamente, começaram a frequentar as matas brasileiras, nas cabeceiras de rios da fronteira.
Apesar da distância -Bagua fica a mais de 3.000 km de Assis Brasil (AC)-, o motivo para a fuga, segundo a Funai, é o mesmo que originou os conflitos que deixaram ao menos 34 mortos: a lei pró-investimentos na Amazônia peruana, editada pelo governo Alan García.
A ação de empresas petrolíferas, garimpeiros e madeireiras, além da constante presença de narcotraficantes, tem afugentado índios, principalmente isolados, afirma o sertanista brasileiro José Carlos Meirelles, coordenador da Frente de Proteção Etno-Ambiental do rio Envira, no Acre. Inexiste também, conta ele, fiscalização por parte de autoridades peruanas nas reservas indígenas já demarcadas no país.
Meirelles, que é do Departamento de Índios Isolados da Funai, órgão onde trabalha desde 1971, frequentemente percorre as matas da Amazônia peruana e brasileira.
Foi o sertanista quem registrou a presença de grupos indígenas do Peru no Brasil. Eram índios isolados, que não têm contato com brancos ou índios aculturados. No ano passado, ele localizou num sobrevoo duas malocas na cabeceira do rio Envira, no Acre, de um grupo apelidado de Mascko-Piro. Na sua conta, eram cerca de cem integrantes.
Um segundo grupo, este maior, entre 300 e 400 indígenas, também foi avistado nas cabeceiras dos rios.
Embora sejam índios com características nômades, a constatação de que têm presença cada vez maior no Brasil decorre do fato de terem sido avistados no país no verão e inverno amazônicos. "Como a temporada de caça ao índio no Peru está aberta, é óbvio que vão buscar o lado mais seguro."

Texto também da Folha de São Paulo, de 10 de junho de 2009. O grifo é do blogueiro.

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quarta-feira, junho 10, 2009

As fixações de parte da mídia

A revista CartaCapital desta semana (edição 549, de 10 de junho de 2009) comenta a transferência do jogador Kaká, do Milan da Itália, para o espanhol Real Madrid. Na sua página 28 informa que a transferência custará ao Real Madrid 65 milhões de euros e que Kaká receberá 9,5 milhões de euros por um contrato de cinco anos. A revista conclui a informação com a seguinte frase: “Os fundadores da Igreja Renascer devem estar exultantes”. A informação sobre Kaká pelo jeito não é importante em si mesma, deve ser só pela ligação do jogador com a referida igreja. A Igreja Renascer é uma das fixações da CartaCapital.

O jornal Folha de São Paulo, de hoje, 9 de junho de 2009, em meio a cobertura sobre recente acidente aéreo com o vôo AF447 da Air France que vitimou mais de 200 pessoas, resolve falar sobre um certo sensor da aeronave que serve para que os computadores de bordo confiram a velocidade. A fabricante Airbus está recomendando a troca destes sensores. Segundo a Folha, a TAM é a única companhia de aviação brasileira que opera com aviões da Airbus, e a empresa informou que já trocou todos os sensores de sua frota de 125 aviões Airbus. Então a Folha informa que a TAM é também a responsável pela manutenção do avião presidencial. Na frase da Folha: “Ela é também responsável pela manutenção do avião presidencial, o Aerolula.”. Uma das fixações do pessoal da Folha é chamar o avião presidencial de Aerolula. Provavelmente acham que o presidente não legará o avião ao próximo mandatário (a) eleito (a).


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Pacto Luliano

China, Bolsa Família, BC e o real

É MAIS DIFÍCIL isolar um Banco Central de pressões políticas de origem popular em democracias pobres. Altas de juros degradam as condições de vida, o que pode suscitar protesto político. Em economias mais arrumadas, o impacto do aperto monetário pode ser menor. Menor ainda se houver um amortecedor, um colchão social.
Programas de transferências sociais de renda, muito incrementados no governo Lula, providenciaram tal colchão. Assim, de certo modo e talvez inadvertidamente, comprou-se o relativo isolamento do BC, também chamado de autonomia.
Note-se que políticas dessa natureza eram recomendações do esquecido "Consenso de Washington", o decálogo do "perfeito idiota neoliberal", diriam petistas, que hoje comem nesse prato em que cuspiam.
Há decerto mortos, feridos, queixas teóricas e a crítica da indústria, por exemplo. Mas esse caldo não engrossa "nas bases" e, assim, não induz políticos com poder de decisão ou pressão a intervir de modo significativo na ilha tecnocrática do BC. Ou no grosso da política econômica.
Este é só um aspecto do pacto de estabilidade luliano. Lula logrou ainda tanto reduzir a dívida pública (fez superávits fiscais primários suficientes) como elevar a despesa do governo, em parte destinada à compra do colchão social. A alta do gasto público, do consumo privado e até do investimento não acabou em inflação e/ou déficit externo desagradáveis ou em suspeitas a respeito da solvência externa do país devido: a) ao crescimento sino-asiático, que incrementou nossas exportações; b) à política de redução da dívida externa e/ou acumulação de reservas.
O "modo de produção asiático", digamos, com seus trabalhadores mal pagos, ainda barateou bens de consumo pelo mundo e por aqui. Juros baixos e a louca expansão do crédito mundial também ajudaram. O conjunto dessa obra (a atitude do BC "alemão" do Brasil, a alta das commodities e o capital sobrante no mundo) valorizou o real, o que significou um aumento adicional do poder de compra da população.
Então chegamos a meados de 2008, quando o BC elevava os juros devido ao excesso no gozo dessa dita bonança. Haveria então redução no crescimento, menor talvez que a hoje imposta pela crise. Como nem a recessão tem suscitado revolta, menos ainda o faria a contenção do PIB ditada pelos juros. Mas não foi possível testar a retomada do "business as usual" no Brasil, pois veio a crise.
A despiora na economia mundial, porém, criou uma situação que replica, de modo caricato, os dias finais do período de bonança de 2008, de alta especulação. Há discreta melhora na China. Cai o medo de novo desastre financeiro (há "apetite por risco"). Há excesso de dinheiro barato (juro zero no mundo rico), mas EUA e cia. não consomem. O tsunami de dinheiro então sobrante derruba o dólar, encarece o real, infla commodities: desembestam os capitais à procura de rentabilidade.
Não se sabe se tal bolhinha vai estourar. Mas o resumo da ópera é que o Brasil segue flutuando nessas marés, anestesiado pelo pacto luliano e pela dependência da China. Mudar tal situação (e pois a "armadilha cambial") implica mudar um pacto político interno e a relação com o resto do mundo. Nada simples.

Texto de Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo, de 31 de maio de 2009.

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29/05/2009: Notícias de um Paquistão em chamas

Taleban ameaça novos atentados em grandes cidades paquistanesas

Em retaliação à ofensiva no Swat, grupo assume autoria de ataque contra base do serviço secreto e promete mais terror antes de explosões em série matarem 13

DA REDAÇÃO

No mesmo dia em que assumiu a autoria do atentado contra o complexo de segurança de Lahore, que deixou 30 mortos anteontem, o Taleban ameaçou atacar grandes cidades paquistanesas em retaliação à ofensiva do Exército na região do vale do Swat.
Horas depois, explosões sequenciais mataram 13 paquistaneses e feriram cerca de cem pessoas em dois pontos do país.
Um líder regional do Taleban exortou moradores de quatro cidades, entre elas Lahore (segunda maior do país) e a capital, Islamabad, a abandonarem suas casas, como fizeram os habitantes do Swat e distritos vizinhos. Desde o início do mês, quando foi deflagrada a operação contra o Taleban, 2,4 milhões de civis fugiram da região, segundo estimativa da ONU.
"Queremos que o povo de Lahore, Rawalpindi, Islamabad e Multan deixe essas cidades, pois planejamos grandes ataques nos próximos dias", ameaçou Hakimullah Mehsud, um dos líderes da facção paquistanesa do Taleban, à Reuters.
"Nosso alvo são as Forças de Segurança, que estão matando inocentes no Swat e em áreas vizinhas", afirmou Mehsud, que disse lamentar a morte de civis no atentado de Lahore.
A ofensiva contra o Taleban, lançada em resposta ao avanço do grupo nas cercanias da capital paquistanesa, já provocou 1.190 baixas entre os insurgentes, estima o Exército. Não há dados sobre as vítimas civis.
Apesar da promessa de poupar civis feita por Mehsud, duas bombas explodiram no final da tarde em um mercado de Peshawar, capital da conflagrada Província da Fronteira Noroeste, vizinha ao Afeganistão. Foi o atentado mais violento do dia, que matou ao menos seis pessoas e feriu cerca de 70.
"Foi um estouro repentino. Tudo em volta pegou fogo, e uma nuvem de fumaça tomou o céu", descreveu o lojista Khair Uddin, atingido nas mãos e peito por estilhaços. Dois suspeitos de planejar o atentado morreram baleados por policiais, e outro foi detido no local.
Menos de meia hora depois do ataque ao mercado, um homem-bomba explodiu um posto de controle na entrada da cidade, matando quatro policiais.
Em Dera Ismail Khan, um ataque ao posto próximo à prefeitura matou um policial, dois civis e deixou 16 feridos.
As ameaças não vão barrar o cerco ao Taleban no Swat, segundo o Exército paquistanês. O governo provincial anunciou ontem que 90 mil alunos do Swat, Dir e Bunner passarão de ano na escola sem realizar os exames finais, indicando que não há previsão para o fim dos combates.
Os militares têm planos de expandir operações até o Waziristão, também tomado por insurgentes pashtuns, grupo étnico que habita o cinturão tribal paquistanês e é majoritário no vizinho Afeganistão.
A ofensiva tem respaldo da Casa Branca, que considera a estabilização do Paquistão vital para a segurança afegã.
Removido do poder no Afeganistão com a invasão dos EUA de 2001, o Taleban tem se expandido no Paquistão, onde atua como rede de milícias semiautônomas, chefiadas por líderes tribais pashtuns.


Com agências internacionais

Notícia da Folha de São Paulo, de 29 de maio de 2009.

Risco Paquistão é medido em escala nuclear

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Em conversa com a Folha em Davos, há um ano e meio, o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, jurava que todos os problemas de seu país estão além-fronteiras, mais exatamente "nos países vizinhos" (ele evidentemente se referia ao Paquistão).
Na época parecia uma maneira simplória de tirar dos ombros o fardo do fracasso em estabilizar o país depois da ocupação por tropas da coalizão liderada pelos EUA.
Continua parecendo escapismo, mas bem menos depois que a guerra permanente na região tornou-se mais intensa no Paquistão. E menos ainda depois do atentado de anteontem em Lahore, cidade-ícone do que há de liberal na cultura paquistanesa e centro de sua comunidade cinematográfica.
É eloquente que Imran Khan, repórter da rede qatariana Al Jazeera, com a experiência da cobertura de 13 atentados na mesma área, diga agora que "o ataque em Lahore tem todas as indicações de algo mais organizado e mais letal".
Combina à perfeição com a avaliação de Karzai à Folha, segundo a qual nem mesmo o Taleban afegão é um problema feito em casa. "A versão nativa dos membros do Taleban não é extremista. São estudantes de escolas religiosas" (o que passa por cima do fato de que as madrassas, as escolas religiosas, são muitas vezes centros de formação de extremistas).
Seja como for, a comunidade acadêmica e diplomática internacional já assumiu uma nova designação para aquele ponto que é o mais explosivo do planeta hoje: Afe-Paqui, para designar o fato de que a crise no Afeganistão é inseparável da crise no Paquistão, mais ou menos nos termos da avaliação do presidente afegão.
Daria até para dizer que a estabilização do Afeganistão depende da estabilização do Paquistão, mas o inverso não é necessariamente verdadeiro. O Paquistão, não o Afeganistão, passou a ser (ou sempre foi, se Karzai tiver razão) a chave da estabilidade no subcontinente indiano.
O repórter da Al Jazeera dá uma ideia do tamanho da encrenca: "O medo agora entre muitos amigos, particularmente aqueles com os quais falei em Lahore, é que, mesmo que o Exército paquistanês vença a batalha pelo vale do Swat, o próprio Paquistão estará em risco".
O Paquistão tem 170 milhões de habitantes -é o sétimo país mais povoado do planeta. Tem pouco menos de 1 milhão de homens nas Forças Armadas, a sétima maior potência militar do mundo. Como se não bastasse, possui armas atômicas.

Comentário na Folha de São Paulo (29/05/2009), sobre o mesmo assunto.


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Assentamentos expõem tensão EUA-Israel

Assentamentos expõem tensão EUA-Israel

Obama cobra congelamento da expansão de colônias na Cisjordânia; governo Netanyahu diz que "crescimento natural" continuará

Americano recebeu ontem na Casa Branca o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, e reafirmou seu compromisso com solução de dois Estados

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

As relações entre o governo dos EUA e o gabinete israelense atingiram ontem seu patamar mais baixo desde a posse do democrata Barack Obama, em janeiro, e da volta do linha-dura Binyamin Netanyahu ao posto de premiê, em março.
A Casa Branca obamista vem pedindo com vigor o congelamento da expansão dos assentamentos judaicos em territórios palestinos e a solução de dois Estados, Israel e Palestina, como condições básicas para que as negociações de paz sejam retomadas com um mínimo de chance de sucesso, ambos argumentos rejeitados pelo governo de Netanyahu.
Ontem, em entrevista conjunta após encontro com o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, em Washington, Obama voltou a defender essas posições, explicitadas quando da visita do líder israelense, dez dias antes. O plano de paz, disse, prevê "o fim dos assentamentos e a garantia de que haja um Estado palestino viável".
No dia anterior, a secretária de Estado, Hillary Clinton, havia sido ainda mais direta, no que analistas consideraram a retórica mais dura entre os dois aliados em mais de duas décadas. O presidente foi "muito claro", afirmou a chanceler então, sobre o congelamento geral e irrestrito: "Não alguns assentamentos, não postos avançados, sem exceção para crescimento natural".
Há hoje quase 500 mil pessoas vivendo nesses encraves, considerados um obstáculo para o estabelecimento de um futuro Estado palestino. Netanyahu prometeu a remoção de 26 dos 121 assentamentos, localizados na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, mas afirmou que há que se respeitar a expansão natural dos já existentes.
"Israel vai respeitar seu compromisso de não construir novos assentamentos e destruir postos avançados", disse o porta-voz do governo israelense, Mark Regev. "Quanto aos já existentes, seu destino vai ser determinado nas negociações finais entre Israel e os palestinos. Neste ínterim, deve-se permitir que a vida normal siga nessas comunidades."
Desde que assumiu a Casa Branca, em janeiro, Obama se empenha na solução do conflito israelo-palestino como uma das bases para seu plano de estabilização do Oriente Médio e de contenção da influência iraniana na região. Ontem, voltou a dizer que não pretende criar um "cronograma artificial" para a criação de um Estado palestino, mas que também não quer desperdiçar tempo.
Obama embarca na semana que vem para o Egito, de onde fará seu primeiro discurso dirigido inteiramente aos muçulmanos, cumprindo uma promessa de campanha. Ele terá lugar provavelmente na Universidade do Cairo, num momento simbolicamente importante na relação dos EUA com o mundo islâmico pós-ataque de 11 de Setembro.

Sem margem de manobra
No encontro com Abbas, Obama disse que os palestinos também deveriam fazer sua parte, garantindo segurança na Cisjordânia e diminuindo o sentimento anti-israelense reinante em mesquitas e escolas. O presidente da ANP concordou com ambos os pedidos.
O problema é que ele promete o que provavelmente não poderá cumprir: o líder palestino não tem comando sobre Gaza, há dois anos governada pelo grupo radical Hamas, que não reconhece sua autoridade e que chegou ao poder após vencer eleições legislativas.
Com população de 1,5 milhão de pessoas, a maioria vivendo em condições abaixo da linha de pobreza, aquela porção litorânea de terra foi palco de ofensiva das tropas de Israel quatro meses atrás, em retaliação pelo lançamento de foguetes patrocinado pelo Hamas.
É esse ciclo vicioso que Obama busca romper, algo que seus antecessores tentaram sem sucesso. A diferença é a retórica. "A surpresa não é a posição de Israel, mas a assertividade da americana", disse Robert Maley, assistente especial para assuntos árabe-israelenses sob Bill Clinton (1993-2001).
"Raramente nós vimos esse ritmo, com essa intensidade e clareza", afirmou. "Os EUA tomaram uma posição que não deixa muita margem de manobra para o governo de Israel."

Notícia da Folha de São Paulo, de 29 de maio de 2009.


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A paz não interessa a Israel

A paz não interessa a Israel

Atualizado e Publicado em 11 de maio de 2009 às 19:38

A paz não interessa a Israel

11/5/2009, Amira Hass, Haaretz, Telavive

http://www.haaretz.com/hasen/spages/1084656.html


Sucessivos governos israelenses, desde 1993, com certeza sabiam o que faziam cada vez que não fizeram a paz com os palestinos. Representantes da sociedade israelense, aqueles governos sempre entenderam que a paz implicaria graves prejuízos aos interesses nacionais israelenses.
Prejuízo econômico

A indústria da segurança é importante item na pauta de exportações de Israel – armas, munições e refinamentos que são diariamente testados em Gaza e na Cisjordânia.

O processo de Oslo – negociações que jamais se previu que algum dia levassem a alguma paz – permitiu que Israel se livrasse do status de potência ocupante (obrigada a zelar pelo bem-estar da população residente em território ocupado) e passasse a tratar os territórios palestinos como entidades separadas. Isso significa: autorização para usar armas e munições em quantidade que Israel jamais pudera usar contra palestinos, depois de 1967.

Proteger as colônias também exige desenvolvimento ininterrupto da indústria da segurança, vigilância e contenção (muros, cercas, bloqueios, vigilância eletrônica, câmeras, robôs). São itens considerados "top de linha" no mundo desenvolvido, importantes para bancos, empresas e para os condomínios de luxo vizinhos de favelas e enclaves étnicos cujas rebeliões tenham de ser contidas.

A criatividade coletiva dos israelenses em matéria de segurança é fertilizada pelo estado de constante atrito entre muitos israelenses e uma população definida como hostil. O estado de combate mantido em fogo baixo, e às vezes sob fogo muito alto, implica estimular, na população de Israel, uma variedade de temperamentos belicosos: 'rambos', obsessivos por computador, os inventivos, os mais hábeis em trabalhos manuais. Em situação de paz, dificilmente tantos se reuniriam tão frequentemente.

Prejuízo profissional

Manter a ocupação e o estado de beligerância cria empregos para milhares de israelenses. Cerca de 70 mil pessoas são empregadas na indústria da segurança. A cada ano, dezenas de milhares concluem o serviço militar obrigatório, do qual saem treinados para usar algum talento especial, ou já profissionalizados. Para milhares, esse treinamento é o início de sua carreira profissional: soldados profissionais, agentes de espionagem, consultores, soldados mercenários, comerciantes de armas. A paz portanto, faria sumir muitas carreiras e encurtaria muitos futuros profissionais, para um importante estrato social de israelenses – estrato social que tem enorme influência no governo.
Prejuízo à qualidade de vida

Um acordo de paz exigiria distribuição equitativa dos recursos hídricos em todo o país (do rio ao mar) entre judeus e palestinos, com dessalinização de água salgada e técnicas de economizar água doce igualmente distribuídas para todos. Hoje, já é difícil que os israelenses acostumem-se a economizar água. Não é difícil avaliar o trauma social que seria gerado, se os israelenses fossem obrigados a economizar ainda mais água para que a pouca água existente fosse distribuída com justiça para todos.

Prejuízo para o bem-estar social

Como os últimos 30 anos já mostraram, as colônias florescem ao ritmo em que o Estado de bem-estar se contrai no resto do país. As colônias oferecem a pessoas comuns o que jamais teriam se dependessem, para viver, dos salários que poderiam ganhar em território israelense dentro das fronteiras legais de 4/6/1967: terra barata, casas confortáveis, benefícios, subsídios, espaços abertos, belas paisagens, sistema de estradas exclusivas de excepcional qualidade e educação pública de primeira. Mesmo para os israelenses que não vivam nas colônias, as colônias lá estão, à vista, iluminando o horizonte de todos como opção para ascensão social e econômica, a qualquer momento. São possibilidade muito mais real do que qualquer possível melhora que advenha com a paz, porque a paz é situação que ninguém conhece.

A paz também reduzirá, se não apagar completamente, o pretexto 'de segurança' que justifica a segregação contra os árabes-israelenses – seja na distribuição de terras, dos recursos de desenvolvimento, educacionais, de atendimento médico ou dos direitos humanos (como o direito à cidadania ou ao casamento). Gente que se tenha habituado aos privilégios inerentes à discriminação étnica vê qualquer justa distribuição de direitos como assalto a seus direitos adquiridos e ao seu próprio bem-estar.

Texto visto no Vi o Mundo.

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sexta-feira, junho 05, 2009

Polícia Federal investiga Merrill Lynch no Brasil

PF investiga Merrill Lynch por suspeita de lavagem

Polícia apura se doleiros eram usados para movimentar dinheiro; empresa nega

Registros das operações financeiras da Merrill eram feitos à mão no país, recurso proibido por dificultar a fiscalização das autoridades

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O setor de "private banking" da Merrill Lynch está sob investigação da Polícia Federal brasileira sob suspeita de lavagem de dinheiro e de operar um banco voltado para grandes fortunas sem ter autorização do Banco Central.
O Brasil era o maior mercado de "private banking" da Merrill Lynch na América Latina, segundo documentos que a própria instituição distribuía entre seus executivos há dois anos. Um desses informativos dizia que o setor havia acumulado contas que somavam US$ 1,2 bilhão (R$ 2,4 bilhões) no Estado de São Paulo e US$ 5 bilhões (R$ 10 bilhões) no país.
A Merrill Lynch quase foi à bancarrota com a crise financeira internacional do ano passado, mas foi comprada pelo Bank of America e se intitula a maior corretora do mundo: diz administrar ativos de US$ 2,5 trilhões (R$ 5 trilhões). Para quem gosta de comparações: todas as riquezas produzidas no Brasil no ano passado, o PIB (Produto Interno Bruto), somam R$ 2,9 trilhões.

Sundown
A Polícia Federal encontrou indícios de que a Merrill Lynch cometia crimes no Brasil ao investigar a Sundown, empresa de bicicletas e motos, cujos donos foram condenados por formação de quadrilha, contrabando e lavagem de dinheiro.
Ao monitorar o telefone de um dos sócios da Sundown, a PF descobriu que a Merrill Lynch abrira a partir de Curitiba uma conta em Miami, que recebeu US$ 1,2 milhão (R$ 2,4 milhões). Nessa operação, em 2006, um executivo da Merrill Lynch, Alexandre Caiado, foi preso e a PF fez buscas no escritório do banco em São Paulo.
Uma das suspeitas da PF era que o dinheiro de brasileiros chegava à Merrill Lynch por meio de doleiros -o que a empresa sempre negou.
A investigação da PF encontrou não uma muralha, mas um vazio, porque a Merrill Lynch tinha transferido para o exterior seu sistema de computação, e os executivos não podiam gravar nada nas máquinas, segundo contaram à Folha dois executivos que trabalharam no banco (eles falaram sob a condição de que seus nomes não fossem revelados, por temer retaliações).
O esvaziamento do escritório brasileiro foi feito depois que a PF fez buscas no Credit Suisse, que funcionava no mesmo prédio, na avenida Faria Lima (zona oeste), ainda de acordo com os executivos da Merrill Lynch. A operação no Credit aconteceu dois meses antes de a polícia vasculhar a Merrill Lynch.
Com a prisão de um de seus consultores, a Merrill Lynch decidiu transferir as operações de "private banking" de clientes brasileiros para o Uruguai, os EUA e a Suíça, segundo os dois executivos.
Os registros e sistemas foram transferidos para Montevidéu, de acordo com os ex-funcionários, o mesmo destino dos doleiros brasileiros após prisões efetuadas pela PF. O Uruguai foi escolhido porque é um paraíso fiscal e tem uma legislação flexível sobre recursos sem origem.
Como não podiam registrar nada em computadores, as operações financeiras eram registradas manualmente. As legislações brasileira e americana proíbem esse tipo de registro porque ele impede que o Banco Central, por exemplo, saiba onde o banco está colocando os seus recursos e qual é o risco que oferece.


Acusação nos EUA
A mesma acusação contra a Merrill Lynch -a de que não mantinha registros de suas operações no Brasil- é feita numa disputa judicial entre a instituição e o banqueiro Ezequiel Nasser, que foi dono do Excel Econômico.
Nasser foi processado pela Merrill Lynch, que o acusa de dever US$ 78 milhões para a instituição, e ele respondeu com uma ação em que pede US$ 612 milhões de indenização. Nessa ação, que tramita na Suprema Corte de Nova York, Nasser diz que uma das razões do que chama de perdas é a falta de transparência nos registros da Merrill Lynch.
Três e-mails de executivos da Merrill Lynch, obtidos pela Folha, mostram que eles próprios diziam no ano passado que havia operações no Brasil escrituradas à mão. Um desses e-mails é de Darcie Burk, diretora de "private banking" para a América Latina à época.

Notícia da Folha de São Paulo, de 3 de junho de 2009. Destaque do blogueiro.

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quinta-feira, junho 04, 2009

O "contador de mortos" de Recife

O "contador de mortos" de Recife

Le Monde
Jean-Pierre Langellier

Em pleno coração de Recife, a grande cidade do Nordeste brasileiro, no cruzamento das ruas Joaquim Nabuco com Guilherme Pinto, o "contador de mortos" chama a atenção de motoristas e pedestres. Mas esse grande mostrador circular não tem nada a ver com os estragos da insegurança das estradas. Seus números contam os homicídios cometidos no Estado de Pernambuco, cuja capital é Recife. Ou melhor, "contavam", pois desde 1º de maio o contador está desligado, por falta de dinheiro para sua manutenção.

Para continuar a ser informado em tempo real sobre a mortalidade de origem criminal no Pernambuco, é preciso ir até a página inicial do site PEbodycount, onde se encontra o mesmo contador. Três números registram os homicídios cometidos nas últimas 24 horas, no mês e no ano em curso. Em 31 de maio, já se contavam 1.806 vítimas desde o início do ano, sendo que a grande maioria era na cidade de Recife. Nesse ritmo, serão quase 4.500 homicídios em 2009.

O PEbodycount foi lançado em março de 2007 por quatro jovens jornalistas de Recife: Rodrigo Carvalho, Eduardo Machado, Carlos Eduardo Santos e João Valadares. Todas as manhãs, inclusive aos domingos, um ou vários deles fazem cerca de 50 telefonemas às delegacias, aos hospitais e aos necrotérios de Pernambuco. Ao meio-dia, eles atualizam o contador.

Com a ajuda de um modesto subsídio - o equivalente a cerca de € 500 (R$ 1.385) -, eles instalaram o famoso mostrador e lançou o PEbodycount, "o blog da segurança pública". Eduardo Machado explica o sentido dessa iniciativa "de protesto", independente e sem fins lucrativos: "Ao contabilizar os cadáveres, chamamos a atenção da população e do poder público para a violência de Pernambuco. Mas além da preocupação e da perplexidade passiva, contribuímos para a busca de soluções coletivas. É difícil, mas é possível".

Na ocasião do lançamento de seu blog, os jornalistas quiseram causar uma comoção, conduzindo nas ruas, durante um mês, uma operação chamada "As marcas da violência".

Assim que ficava sabendo de um assassinato, a equipe, vestida de camiseta preta, ia até os lugares de carro, enchendo o porta-malas com material de pintura. Depois de obter informações junto às testemunhas do drama ou à família, ela estendia no chão um boneco de pano de forma humana, no lugar exato, às vezes ainda manchado de sangue, onde havia caído a vítima. Ela desenhava com um pincel os contornos do cadáver antes de pintá-lo com rolo em tinta vermelha, e de escrever sua mensagem em letras brancas: "Basta".

Isso se passava em um beco, em uma calçada ou às vezes no meio da rua, sob o olhar surpreso dos passantes. Às vezes um parente do morto ajudava a equipe, como esse pai que acabara de perder, pela segunda vez, um filho, morto a tiros. Algumas dessas intervenções simbólicas foram filmadas. Elas podem ser vistas no site PEbodycount.

"Essas pessoas assassinadas não são simples números", ressalta Eduardo Machado. Além da data e do local do homicídio, o blog fornece alguns detalhes sobre a vítima e as circunstâncias de sua morte. É o que mostram alguns desses exemplos pegos meio ao acaso, nos últimos dias.

Gleibson Augusto de Amorim, 29, foi morto a tiros em Olinda, quando ele saía de sua casa com sua esposa e um sobrinho. Roberto Teixeira dos Santos, pescador em Itapissuma, 20, foi assassinado em sua casa com seu cunhado. Maria Helena dos Santos, 57, mãe de família, foi vítima de um acerto de contas certamente ligado ao tráfico de drogas em Santa Cruz do Capibaribe. Sandro Ricardo da Silva, 22, morto em Recife, havia cometido no passado alguns pequenos furtos. Ávila Naiara Santos do Nascimento, um bebê de 7 meses, teve a cabeça esmagada com um pedaço de pau por seu tio materno, um borracheiro, que havia brigado com seus pais.

No blog também há declarações dos parentes das vítimas. Um médico e sua mulher, cujo filho Igor acabara de ser assassinado, dirigiu uma carta ao governador do Estado, Eduardo Campos: "Proteja bem seus filhos para não sentir um dia a nossa indescritível dor (...). E não se esqueça de incluir o Igor em suas estatísticas oficiais".

Os organizadores do PEbodycount interpelam as autoridades, que se apressam em publicar as "boas" cifras e em dissimular as "más", lembrando-os o tempo todo de seu dever de transparência: "Para combater um fenômeno", eles observam, "é preciso primeiro poder medi-lo com precisão". Recife tem uma tradição antiga de violência. Os homens sempre adoraram possuir uma arma, branca ou de fogo, e muitas vezes se massacram por bobagens. Hoje a cidade detém o triste recorde nacional da criminalidade de vítimas entre 15 e 24 anos.

Na favela Ayrton Senna, conta o jornalista João Valadares, garotos passeiam com seus "buldogues" (revólver de cano curto), ou suas "espadas" (um calibre 38). "Lá", diz nosso colega, "o destino dos adolescentes está praticamente traçado: a prisão ou o cemitério".

Tradução: Lana Lim

Texto do Le Monde, no UOL Notícias.

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Construção de nova usina nuclear que seria modelo enfrenta problemas na Finlândia The New York Times

Construção de nova usina nuclear que seria modelo enfrenta problemas na Finlândia

The New York Times

James Kanter
Em Olkiluoto (Finlândia)

A imensa usina elétrica em construção em um terreno lamacento aqui era para ser um modelo da renascença nuclear.

O reator mais poderoso já construído, seu design modular visava permitir que fosse construído rapidamente e com maior certeza em relação aos custos, a tempo de atender ao clamor por fontes mais limpas de energia para combater o aquecimento global. A usina seria a primeira de uma leva de usinas nucleares mais simples e mais seguras.

Mas as coisas não estão saindo como planejado.

Após quatro anos de construção e milhares de defeitos e deficiências registrados, o preço original de 3 bilhões de euros do reator de Olkiluoto aumentou pelo menos 50%. O reator supostamente seria concluído na metade deste ano, mas o trabalho está tão atrasado que a Areva, a empresa francesa que está construindo a instalação, e a Teollisuuden Voima, a companhia elétrica que a encomendou, não estão mais dispostas a prever com certeza quando começará a funcionar.

"As coisas transcorreram facilmente aqui", disse Jouni Silvennoinen, o diretor do projeto em Olkiluoto. Pelo menos é um local geologicamente estável: os riscos de terremoto em locais como a China e Estados Unidos, ou mesmo a ameaça de tempestades, significam que a construção destes novos reatores seria ainda mais difícil em outros lugares, ele disse.

A história provavelmente se repetirá no restante da Europa e nos Estados Unidos, à medida que os governos reabrem a porta para a energia nuclear.

A Areva e aqueles que a apoiam defendem que a nova série de reatores, conhecidos como EPRs, será padronizada até "o carpete e o papel de parede", resultando em benefícios de custo significativos, segundo Michael J. Wallace, o presidente da UniStar Nuclear Energy, um joint venture entre a Constellation Energy, a empresa de energia da costa leste americana, e a Areva.

Mas apesar das aprovações facilitadas, garantias de empréstimo pelos governos e outros incentivos para as companhias elétricas, a experiência inicial sugere que os novos reatores não serão mais fáceis ou mais baratos de construir do que aqueles de um quarto de século atrás, quando grandes estouros de custo -assim como os acidentes em Three Mile Island e Chernobyl- colocaram um fim ao boom de construção.

Um clone do reator finlandês atualmente em construção em Flamanville, França, também está atrasado e estourou seu orçamento, provocando dúvidas sobre o argumento do setor de que a padronização dos projetos levaria a redução de custos à medida que mais reatores fossem construídos.

Nos Estados Unidos, a Flórida e a Geórgia mudaram as leis estaduais para permitir um aumento nas contas da eletricidade, para que os consumidores bancassem parte do preço das novas usinas nucleares antes mesmo da construção delas começar.

"Eu sei que várias empresas americanas olham com trepidação para a situação na Finlândia e para a magnitude do investimento feito lá", disse Paul L. Joskow, um professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusets, que é coautor de um relatório influente de 2003 sobre o futuro da energia nuclear. "A introdução de novos reatores nucleares será bem mais lenta do que muita gente presumia nos últimos anos."

Para a energia nuclear ter um alto impacto no atendimento da crescente demanda por eletricidade e redução dos gases do efeito estufa, a Agência de Energia Nuclear da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Ocde), em Paris, estima que uma média de 12 novos reatores precisariam ser construídos a cada ano até 2030, chegando a 54 reatores por ano em 2030-2050. Mas não há reatores suficientes em construção para substituir aqueles que estão chegando ao fim de suas vidas úteis.

Dos 45 reatores sendo construídos ao redor do mundo, 22 tiveram atrasos na construção e nove não têm data oficial para começarem a ser construídos, segundo uma análise preparada neste ano para o governo alemão por Mycle Schneider, um analista de energia e crítico do setor nuclear.

Grande parte da construção está ocorrendo em países como a China e a Rússia, onde governos centrais fortes tornaram a energia nuclear uma prioridade nacional. A Índia também considera a energia nuclear como parte de sua busca pela autossuficiência e está procurando novas tecnologias nucleares para reduzir sua dependência de urânio importado.

Em comparação, "o Estado está por toda parte nos Estados Unidos e na Europa em energia nuclear", disse Joskow.

Os Estados Unidos geram cerca de um quinto de sua eletricidade por meio de 104 reatores, a maioria construída nos anos 60 e 70. O carvão ainda fornece cerca da metade da energia elétrica do país.

Para facilitar as novas construções, a Comissão Reguladora Nuclear em Washington tem trabalhado com a indústria para fornecer um punhado de projetos aprovados. Mesmo assim, a certificação para o modelo mais avançado da Westinghouse, uma unidade da Toshiba do Japão, não foi obtida durante uma revisão de sua capacidade de suportar o impacto de um avião. A comissão disse que adiará a revisão do local de construção do mais recente reator da Areva até que sua certificação para o mercado americano esteja completa.

Neste mês, o Departamento de Energia dos Estados Unidos produziu uma lista curta de quatro projetos de reator com direito a algumas garantias de empréstimo. Mas a esperança do setor de obter US$ 50 bilhões em garantias de empréstimo evaporou quando o dinheiro foi retirado do pacote de estímulo econômico do presidente Obama, em fevereiro.

A indústria teve mais sucesso pressionando os Estados a ajudarem a levantar dinheiro. Neste ano, as autoridades permitiram que a Florida Power & Light começasse a cobrar de milhões de usuários vários dólares por mês para financiar quatro novos reatores. Os usuários da Georgia Power, uma subsidiária da Southern Company, pagarão em média US$ 1,30 por mês a mais em 2011, subindo para US$ 9,10 até 2017, para ajudar a pagar por dois reatores que deverão entrar em operação no mínimo em 2016.

Mas a resistência está começando a se materializar. Em abril, os legisladores do Missouri recuaram diante de um aumento na conta para financiar a construção, levando a maior empresa elétrica do Estado, a Ameren UE, a suspender os planos para uma cópia do reator da Areva na Finlândia, no valor de US$ 6 bilhões.

A Areva, um conglomerado em grande parte de propriedade do Estado francês, é herdeira da grande experiência francesa na construção de usinas nucleares. A França foi o país que foi mais longe na geração de eletricidade a partir de usinas nucleares, obtendo cerca de 80% de sua eletricidade de 58 reatores, a maioria construída nos anos 70 e 80.

Mas mesmo na França, nenhum novo reator nuclear foi concluído desde 1999.

Após projetar uma usina atualizada chamada originalmente de Reator Europeu Pressurizado (EPR, na sigla em inglês) com participação alemã, durante os anos 90, os franceses tiveram problema em vendê-la em casa devido ao mercado saturado de energia assim como por oposição dos membros do Partido Verde, que então integravam a coalizão de governo.

Assim a Areva se voltou para a Finlândia, onde as companhias elétricas e setores intensivos em energia como papel e celulose fazem lobby há 15 anos por mais energia nuclear, assim como pela redução da dependência do gás natural da Rússia. Elas apoiaram fortemente o projeto, que inicialmente foi orçado em US$ 4 bilhões.

Os executivos da Teollisuuden Voima prometeram que ela ficaria pronta a tempo de ajudar o governo finlandês a atingir suas metas de redução dos gases do efeito estufa segundo o tratado de Kyoto, que vai até 2012.

Por sua vez, a Areva disse que a eletricidade de seu reator poderia ser gerada de forma mais barata do que por usinas de gás natural. A Areva também disse que seu modelo forneceria 1.600 megawatts, ou cerca de um terço a mais do que muitos reatores construídos nos anos 70 e 80, cobrindo 10% das necessidades de energia finlandesas.

Em 2001, o Parlamento finlandês aprovou por margem estreita a construção de um reator em Olkiluoto, uma ilha no Mar Báltico.

A construção teve início quatro anos depois. Hoje, o local ainda conta com 4 mil operários que trabalham dia e noite. Bandeiras de dezenas de empresas de toda a Europa flutuam ao vento acima dos escritórios temporários e cantinas improvisadas. Cerca de 10 mil pessoas falando pelo menos oito línguas diferentes trabalham no canteiro desde que as obras começaram. Cerca de 30% da força de trabalho é polonesa, e a comunicação representa desafios significativos.

Problemas sérios surgiram quando a vasta base de concreto da fundação do reator estava sendo construída. Quando a Areva mudou a composição do concreto para auxiliar seu despejo, a laje se tornou mais porosa e propensa a corrosão do que a Autoridade de Segurança Nuclear e Radiação finlandesa dizia ser aceitável.

De lá, a autoridade de segurança culpou a Areva por permitir que empresas subcontratadas inexperientes perfurassem buracos nos locais errados em uma vasta contenção de aço que sela o reator.

O prazo estabelecido pela companhia elétrica finlandesa - e então aceita pela Areva - "era irreal desde o início", escreveu a autoridade em um relatório há dois anos. Em dezembro, a autoridade alertou Anne Lauvergeon, a presidente-executiva da Areva, que a "postura ou falta de conhecimento profissional por parte de algumas pessoas" na Areva estava atrapalhando o trabalho nos sistemas de segurança.

A Areva reconheceu que o custo de um novo reator hoje seria de até 6 bilhões de euros, o dobro do preço oferecido aos finlandeses. Mas a Areva disse não estar fazendo economia imprópria na Finlândia. Os dois lados concordaram em uma arbitragem, onde cada lado busca mais de 1 bilhão de euros em danos.

A Areva anunciou uma queda acentuada nos ganhos no ano passado, que atribuiu aos crescentes prejuízos no projeto. O problema também é potencialmente oneroso para os contribuintes franceses - a derrota na arbitragem "poderia levar a redução de dividendos" para o Estado, reconheceu uma porta-voz da Areva.

Além disso, os inspetores de segurança nuclear na França encontraram rachaduras na base de concreto e reforços de aço nos locais errados nas obras em Flamanville. Eles também alertaram a Électricité de France, a empresa que está construindo o reator, que os soldadores trabalhando na contenção de aço não eram devidamente qualificados.

Somando-se a estes problemas estão a recessão, a menor demanda por energia, o arrocho de crédito e a incerteza em torno das futuras políticas, disse Caren Byrd, uma diretora executiva do grupo de energia elétrica global do Morgan Stanley, em Nova York.

"As luzes de alerta estão piscando mais intensamente agora do que há um ano em relação ao custo da nova energia nuclear", ela disse.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Texto do The New York Times, no UOL Notícias.


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Israel rejeita pedido dos EUA para congelar assentamentos

Israel rejeita pedido dos EUA para congelar assentamentos

Israel rejeitou os pedidos americanos para o congelamento dos assentamentos judaicos na Cisjordânia e vai permitir a continuidade de obras nesses locais, segundo afirmou nesta quinta-feira um porta-voz do governo israelense.

Segundo o porta-voz Mark Regev, o futuro dos assentamentos judaicos na Cisjordânia deverá ser decidido somente quando forem feitas negociações de paz com os palestinos.

"Enquanto isso não acontece, temos que permitir que a vida normal continue nessas comunidades", afirmou.

As declarações israelenses são uma resposta ao pedido da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, que disse na quarta-feira que não deve haver exceções sobre os pedidos do presidente Barack Obama para a interrupção da ampliação dos assentamentos.

Em declarações após um encontro com o ministro das Relações Exteriores do Egito, Hillary Clinton disse que Obama foi "muito claro" durante seu recente encontro com o premiê israelense Binyamin Netanyahu ao dizer que Israel deve congelar todos os assentamentos.

"Não alguns assentamentos, não postos avançados, não a exceções para o crescimento natural. Acreditamos que é do melhor interesse para os esforços de paz que nos comprometamos à interrupção da expansão dos assentamentos", afirmou a secretária de Estado.

Esta foi a primeira vez em vários anos que autoridades americanas expressam um pedido tão firme para o congelamento dos assentamentos nos territórios palestinos.

Os comentários de Hillary Clinton foram feitos poucas horas antes do encontro entre Obama e o presidente palestino, Mahmoud Abbas, nesta quinta-feira na Casa Branca.

Crescimento natural

A rejeição ao congelamento dos assentamentos já havia sido expressa no domingo pelo próprio premiê israelense. Segundo Netanyahu, novos assentamentos estão proibidos, mas o governo deve permitir o crescimento natural das colônias já existentes.

"Não temos como dizer às pessoas que não tenham filhos ou que forcem os jovens a se mudar para longe de suas famílias", disse ele durante reunião de gabinete no domingo.

Netanyahu prometeu, porém, desativar postos avançados na Cisjordânia - pequenas colônias, algumas com poucas pessoas - que o próprio governo israelense considera ilegal.

"Cuidaremos deles, se possível por meio do diálogo", disse ele. "Não há dúvidas de que nos comprometemos a lidar com eles."

Obstáculos

A questão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia é um dos maiores obstáculos que o presidente Barack Obama encontra para o reinício do processo de paz no Oriente Médio.

A Autoridade Nacional Palestina diz que descarta a retomada do diálogo com Israel a menos que o país congele as atividades nos assentamentos e remova todos os bloqueios nas entradas à Cisjordânia.

Abbas deve reiterar essas condições em seu encontro com Obama nesta quinta-feira.

Cerca de 500 mil colonos judeus vivem em mais de cem assentamentos construídos por Israel desde a ocupação da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, em 1967.

Os assentamentos são considerados ilegais pela comunidade internacional, mas Israel rejeita essa determinação.

De acordo com o plano de paz para a região apresentado pelos Estados Unidos em 2003, Israel é obrigado a interromper todas as atividades relacionadas aos assentamentos, incluindo o crescimento natural.

O plano também exige que a Autoridade Nacional Palestina controle os militantes que promovem ataques contra israelenses.

Notícia da BBC Brasil.

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