sábado, janeiro 27, 2007

Capa da Veja

Não dá para escapar. A capa da revista Veja desta semana é muito fofa! Muito meiga!
Na semana em que houve um acidente monumental na cidade de São Paulo, eles dão capa para a amizade entre seres humanos e cães. Comovente.
O Mino Carta, no seu blog comenta a capa. Comenta também a capa da revista Época (que evoca a Filosofia para alcançar a felicidade). A outra revista semanal do Brasil, a Isto É, dá capa para as ameaças aos brasileiros (o buraco do metrô incluído).
Mas certamente mostra a posição da revista Veja. No interior da revista, ela aborda o acidente, mas diz que mais do que procurar culpados, o importante é buscar maneiras para evitar que um acidente de tais proporções se repita. Certo.
E como a Veja é uma revista de política, travestida de revista de informações, também dentro, há críticas fortes, para usar um eufemismo, aos presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, da Bolívia, Evo Morales, Argentina, Nestor Kirchner, e do Equador, Rafael Correa. Todos estes devem ter se tornado desafetos da Editora Abril, por comungarem das mesmas crenças no mercado da família Civita.

Tortura Brasileira no Haiti?

José Simão Exaltando São Paulo! - Folha de São Paulo, 26/01/2007

"O bom de São Paulo, isso eu repito sempre, é que tem 879 peças, 420 filmes, 80 shows e você grita: "OBA! Vou ficar em casa!".
Ou seja, você fica em casa por opção. E não por falta de opção!"

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2601200703.htm

A Miriam Leitão Não se Convenceu

Um texto muito divertido de Paulo Henrique Amorim, onde ele comenta que a Miriam Leitão, comentarista do telejornal matutino "Bom Dia, Brasil", não se convenceu do novo programa do governo Lula, apelidado de PAC.

Buraco

"Eu vi nesse episódio do túnel, eu observei, no desabamento do túnel, com muito interesse, o comportamento da mídia e a reação das pessoas. As pessoas se amoldam ao que a mídia propõe, à interpretação do fato. Elas, sofregamente, elas buscam... ali há uma forma de dominação que é impressionante. Isso se faz muito em cima, por exemplo, da classe média brasileira. Ela é muito suscetível, ela repete, reproduz o que... isso é um problema de um sistema de informação que nós sabemos qual é o peso a influência dele na formação do chamado imaginário social. Então é possível que..."

Luiz Gonzaga Beluzzo, economista e professor, em entrevista a Paulo Henrique Amorim, no sítio deste último.

José Simão - Folha de São Paulo, 25/01/2007

"E hoje é aniversário da cidade. São Paulo foi fundada há mais de 400 anos e AFUNDADA pelo buraco."

Mercosul Terá Programa Conjunto de Combate à Aftosa

Outra notícia em economia na Folha de São Paulo. O Mercosul terá um programa comum de combate à aftosa. Para isso, o governo brasileiro está aportando US$ 16 milhões em um fundo com vistas à implementação deste programa. Segundo a mesma notícia, os quatro países juntos, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, comercializam 42% da produção mundial de carne.
Já comentei no meu outro blog sobre a amizade Brasil-Argentina. E basta haver qualquer desentendimento entre membros do bloco, para algum comentarista afoito atacar com frases de efeito como "tal incidente mostra o fim do Mercosul", ou "tal incidente demonstra a irrelevância do Mercosul". Talvez com uma notícia destas, do programa conjunto de combate à aftosa, devesse ser brindado com frases como "o programa demonstra a pujança do Mercosul", ou "o programa conjunto de combate à aftosa demonstra a força do Mercosul".
Esperemos que o tal plano realmente se concretize.
É comum se ouvir falar da maravilha que são os cortes de carne vindos da Argentina, mas é bom lembrar que o foco de aftosa que abateu o Rio Grande do Sul, no governo Olívio Dutra, possivelmente teve origem na Argentina, e no governo Lula, um foco de aftosa em Mato Grosso do Sul, possivelmente teve origem no Paraguai.


Bradesco Adquire Banco BMC

E o Bradesco adquiriu o banco BMC, um banco pequeno que vinha atuando fortemente na área de empréstimos consignados. A notícia é a da Folha de São Paulo de hoje, 25 de janeiro. O Bradesco informa que manterá a marca BMC.
É mais um passo na sedimentação do oligopólio bancário brasileiro. Em tese, isto significa menos competição, e menos benefícios aos clientes.

Lá e Cá - Folha de São Paulo, 25/01/2007

Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, comenta acusações contra políticos.

"Lá e cá
Acusado de estupro e de outros delitos sexuais, praticados desde que era ministro do Turismo, o presidente de Israel, Moshe Katsav, afasta-se do governo para responder na Justiça. E a provável processo de impeachment.
Ariel Sharon, quando adoeceu, ainda não se livrara plenamente, apesar do uso do poder político, da acusação de delito financeiro e eleitoral. Acusado no mesmo processo, seu filho recebeu a primeira condenação.
O primeiro-ministro Ehud Olmert foi há pouco acusado de corrupção financeira.
Apesar desse esbanjamento de impropriedades, o sistema institucional e o regime político em Israel não estão abalados, nem a imprensa está em carnaval histérico, como acontece, por muito menos, em países nossos conhecidos."

Banespa

A Folha de São Paulo informa hoje, 24 de janeiro de 2007, que o Banco Santander pretende desativar a marca Banespa, num período que poderá se estender até 2010. Banespa, ou Banco do Estado de São Paulo, é uma marca com mais de 80 anos.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Socialismo e Clientelismo em Hugo Chávez

--Como o senhor analisa o governo Chávez?
--É um governo que se encontra nos limites da revolução burguesa e dos direitos do homem. Fala em regime socialista mas não propõe, de fato, o socialismo. Preserva a propriedade privada e os direitos dos empresários. Chávez fala que todos os venezuelanos são iguais mas nós sabemos desde a revolução francesa que não é assim. Uns sempre serão mais iguais do que os outros.
--Mas existem empresas privadas que estão passando às mãos do Estado, na Venezuela.
--Nos sabemos que isso não é socialismo. A nacionalização mais importante da historia da Venezuela, que é a do petróleo, não foi feita por Chávez, mas antes dele. Esse teria sido mesmo um desafio formidável para seu governo. Mas ele recebeu a PDVSA já nas mãos do Estado e, com a alta dos preços do petróleo, conseguiu recursos para sua política."


Trecho do blog do Paulo Moreira Leite, n'O Estado de São Paulo. O "post" completo em http://blog.estadao.com.br/blog/index.php?blog=22

terça-feira, janeiro 23, 2007

Cobertura da Mídia e Capas de Revista

Curiosamente, no final da semana passada, este blog especulou sobre uma "realidade hipotética", onde o senador Aloísio Mercadante houvesse ganho o governo do estado de São Paulo, e de como seria a capa da revista Veja, com o acidente da linha 4 do metrô paulista, sob governo petista.
Pois veja a minha realidade hipotética e a capa da revista CartaCapital desta semana.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Cobertura da Mídia

Algumas pessoas dizem que a grande mídia brasileira (Veja, O Globo, Folha de São Paulo, TV Globo, etc.) atua como atua, muitas vezes desinformando, e oferecendo opinião mistura com notícia, por um interesse de classe. Como os donos de veículos de comunicação são patrões, se identificam com os interesses dos outros patrões, e com esta mistura de notícia com opinião, assumem o papel de representante político do patronato brasileiro em geral, diante da falta de um autêntico partido conservador. É uma interpretação possível e válida.
Há uma outra interpretação possível. O "causo" que pretendo relatar a seguir, estou escrevendo de memória, o que dará margem para equívocos, mas é mais ou menos o seguinte. Quando o Dr. Roberto Marinho estava por completar 90 anos, a TV Globo estava com uma programação laudatória ao fundador e presidente da emissora, e, entre muitos testemunhos fornecidos, um foi o do cartunista Chico Caruso, do jornal O Globo. Lá pelas tantas, entre palavras de louvor ao Dr. Roberto, ele informou que em certo momento, devido a algum problema com um produto, o Caruso havia feito uma charge criticando um fabricante de refrigerantes. O Dr. Roberto informou que a charge era muito boa, e dirigia-se ao incidente relatado nas notícias, mas... o jornal O Globo não deveria produzir charges que pudessem afastar os anunciantes, como seria o caso daquele fabricante de refrigerantes.
Contado o causo, vamos lembrar que a grande mídia foi veemente em suas opiniões com o Governo Federal, quando aconteceram problemas com os controladores de vôo gerando atrasos e cancelamentos nos aeroportos. Já quando os problemas vieram de uma companhia de aviação vender mais passagens do que a capacidade que tinha de carregar passageiros, a veemência diminuiu.
Agora, quando uma cratera se abre às margens do rio Pinheiros, causada por um consórcio de empreiteiras, talvez isto explique também porquê a mídia cobra providências do Governo de São Paulo, e pouco das empreiteiras responsáveis pela obra, e também, porquê, como diz um dos textos do Paulo Henrique Amorim, o Jornal Nacional mostrou mais indignação com as fotos da montanha de dinheiro do dossiê anti-Serra, do que com o desastre.
Se o Governo erra, é mais fácil criticar, pois ele nunca corta verbas publicitárias das empresas de comunicação. E se por acaso viesse a cortar, se diria que é censura, autoritarismo, retaliação, politicagem, etc...

Uma Pergunta Que Não Quer Calar e uma Realidade Hipotética

A pergunta que não quer calar, e já aventada em outros saites é "Como estaria sendo noticiada na Veja, Folha de São Paulo, no Jornal Nacional, n'O Globo, a cratera decorrente do acidente com a linha 4 do metrô de São Paulo se Aloísio Mercadante tivesse ganho o governo do estado?".
E a realidade hipotética é que, após um bombardeio sobre o fictício governo Mercadante por parte da imprensa, dizendo que o novo governo deveria "cumprir os contratos" feitos no governo anterior. E a Veja fictícia desta semana, suspenderia a capa sobre o novo gadget da Apple, o Iphone, para estampar na capa, uma foto de vista aérea da cratera com uma legenda em letras garrafais: "Imprevidência do PT causa Tragédia em São Paulo".

Delfim Netto: "Marxistas" - Folha de São Paulo, 18/01/2007

ANTONIO DELFIM NETTO

Somos todos marxistas

MARC BLOCH, o grande historiador, disse a um amigo pouco antes de ser fuzilado pelos nazistas em junho de 1944: "Eu também sou marxista, mas não tenho nenhuma necessidade de dizê-lo; sou marxista como sou cartesiano". Este é o ponto.
Hoje (62 anos depois de Bloch), somos todos "marxistas", exatamente como somos cartesianos, como somos humeanos, como somos espinosianos, como somos kantianos, como somos weberianos, como somos neoliberais, como somos keynesianos, como somos freudianos, como somos einsteinianos, como fingimos saber do que trata a física dos quanta e assim por diante...
Para qualquer animal inteligente, Marx continua necessário, ainda que não seja suficiente. Os dois gigantes que o habitavam, o teórico e o revolucionário, foram pouco a pouco tomando distância entre si.
O pensamento do velho Karl é uma máquina diabólica: seqüestra o leitor que não encontra saída fácil. Precisa de muito esforço para livrar-se das suas engrenagens lógicas e não o faz sem levar marcas indeléveis. De sua obra teórica ficaram sólidos resíduos, incorporados definitivamente à consciência da humanidade, mas que vão perdendo a sua identidade ao submergirem no que se supõe ser o estoque das "verdades" que conhecemos. O seu "socialismo científico", ao contrário, empalidecerá cada vez mais.
As tentativas de implementá-lo (justificadas ou não pelas condições materiais) terminaram, invariavelmente, em enormes desastres econômicos e sociais.
O grande potencial da hipótese do materialismo histórico acabou aprisionando numa órbita em torno de Marx quase todos os construtores da sociologia (Weber, Durkheim e Pareto). Estes tentaram fugir à força de atração de Mefisto negociando com ele. E como se pode entender de outra forma a obra de Aron, de Mannhein, de Wright Mills ou de Schumpeter? A obra de Marx só não conheceu ainda a mais completa absorção pela corrente do pensamento universal porque, falsificada, transformou-se numa espécie de religião oficial do império soviético. Em lugar de uma sociedade sem classes e livre, construíram um mundo fantástico de opressão e de obscurantismo, como só intelectuais são capazes de fazer. A "Igreja" matriz faliu. Seus altos sacerdotes, que, no Brasil, faziam "charme" com a carteirinha escondida do Partidão, perderam o encanto: são agora pobres "social-democratas"! Portanto, ainda que alguns lamentem, hoje todos podemos ser marxistas "sem medo de ser feliz"...

quarta-feira, janeiro 17, 2007

"Ortodoxia Convencional " - Folha de São Paulo, 15/01/2007

História da corrupção e ineficiência

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

O BRASIL não está quase estagnado desde 1991 porque a taxa de juros é alta e a taxa de câmbio não é competitiva. A ortodoxia convencional tem uma tese que atrai nossa classe média porque parece coerente com eventos recentes na política brasileira: a culpa do baixo crescimento é da carga tributária excessiva; e a culpa dessa é dos políticos, que são populistas e corruptos, e dos burocratas, que são ineficientes. Ou, em outras palavras, a culpa é do Estado e de seus agentes!
Maravilhosa teoria. Mantra do pensamento hegemônico desde que se tornou dominante no Brasil, no segundo semestre de 1991, repetida agora pelo FMI em um estudo de dezembro de 2006 buscando desvendar o "quebra-cabeça" da falta de crescimento. Embora esteja no título do estudo, não há quebra-cabeça para eles: o que falta são reformas para acabar com a corrupção e a ineficiência. E também não há para quem percebe a natureza competitiva da globalização: com histórias desse tipo, mantêm-se os juros e o câmbio em um nível incompatível com o crescimento -o que muito interessa aos concorrentes do Brasil.
O movimento de classe média "Quero mais Brasil" tem como lema: "Menos impostos, mais cuidado com o gasto público, mais investimento nos brasileiros, menos corrupção". De fato, a carga tributária é alta no Brasil e, ao lado do câmbio e dos juros, é um empecilho real ao desenvolvimento. Mas é alta porque os juros pagos pelo governo, que giravam em torno de 1% nos início dos anos 90, correspondem hoje a 8%. E porque, na transição democrática, os brasileiros se comprometeram a aumentar o gasto social em educação, saúde e assistência social, e isso foi feito: o aumento foi de quase dez pontos percentuais do PIB. Esse aumento de gastos certamente não foi feito de forma eficiente -por isso é tão importante a Reforma da Gestão Pública, de 1995-, mas não o foi de forma mais ineficiente do que em outros países de renda semelhante.
O aumento do gasto social produziu resultados: nos últimos 22 anos, o analfabetismo foi reduzido em quase um terço, a taxa de mortalidade baixou para menos da metade, a esperança de vida aumentou oito anos, a pobreza diminuiu.
A estratégia para reduzir os juros e tornar o câmbio competitivo (compatível com o desenvolvimento de atividades com alto valor agregado per capita) implica um forte ajuste fiscal, que permitirá reduzir a carga tributária, mas essa diminuição será limitada. Dado o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro, baseado em impostos indiretos, quem paga mais impostos no Brasil são os pobres, que, assim, financiam eles próprios seu salário indireto representado pelo gasto social.
Mas e a corrupção? Não é pior no Brasil do que nos outros países de igual nível de desenvolvimento. O custo da corrupção em que se envolveram o PT e outros partidos em 2005 foi altíssimo do ponto de vista moral e político, mas representou nada do ponto de vista econômico.
Esses acontecimentos atingiram uma minoria. Acusar indiscriminadamente os políticos brasileiros de corruptos e os altos servidores do Estado de incapazes é um absurdo que nos desmoraliza.
O Brasil está sendo deixado para trás na corrida do desenvolvimento porque lhe falta uma estratégia nacional de competição. Nos anos 1980, essa estratégia entrou em crise; em 1991, foi abandonada. Poderá ressurgir, mas, para a ortodoxia convencional, que representa os interesses dos países ricos, não há melhor forma de neutralizar a capacidade de crescimento do país do que dividir os três grupos-chave na formação de qualquer coalizão política nacional: os empresários, os trabalhadores e os políticos e altos burocratas do Estado. Transformando os últimos nos "verdadeiros culpados" da quase estagnação, a ortodoxia convencional usa uma velha estratégia: dividir para governar. Já há sinais, porém, de que a classe média, na qual se inclui a maioria dos empresários, está deixando de acreditar nesse diagnóstico. É uma questão de tempo para descobrir que está sendo enganada.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 72, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60". Internet: http://www.bresserpereira.org.br lcbresser@uol.com.br

Página do Paulo Henrique Amorim

A propósito do Paulo Henrique Amorim, quem ainda não conhece, deveria conhecer a página dele no IG (http://conversa-afiada.ig.com.br/), onde ele publica textos inteligentes e com um humor mordaz e refinado.
Paulo Henrique Amorim no IG: http://conversa-afiada.ig.com.br/

Paulo Henrique Amorim: Lula e o Frango com Polenta

LULA E O FRANGO COM POLENTA

08/01/2007 16:54h

Paulo Henrique Amorim

Máximas e Mínimas 78

. Muito se escreve sobre a ideologia do presidente Lula.

. É de esquerda? Da esquerda católica? Popular mas não populista. Petista ou ex-petista? Centro-esquerda? Pragmático.

. É uma discussão sem-fim.

. Pretendo contribuir com um testemunho pessoal.

. Fui jantar sábado à noite no restaurante São Judas Tadeu – Demarchi, “o mais tradicional frango com polenta do Brasil”, em São Bernardo do Campo.

. Laerte Demarchi, o líder do clã que chegou ao Brasil em 1889, passou o Réveillon com o Presidente Lula.

. No jantar do domingo do segundo turno, logo depois de votar e antes que a apuração começasse, Lula pediu um delivery ao Laerte: frango à passarinho com polenta, leitãozinho à puruca, torresmo e bolinhos de carne.

. Foi no São Judas Tadeu, no segundo andar, que o PT se fundou.

. Foi ali, ao lado do palco, junto a uma fonte iluminada, que o Presidente Lula conheceu Dona Marisa, segundo a revisto IstoÉ.

. O restaurante compra 4,8 mil quilos de frango por semana e 2,4 mil quilos de polenta por semana.

. Entre 30 mil e 35 mil pessoas freqüentam o restaurante por mês. Isso dá uma media de 7,5 mil a 8,7 mil pessoas por fim de semana.

. O restaurante é self-service.

. À la carte, o frango a passarinho, no alho e óleo, com polenta custa R$ 22 e serve duas pessoas.

. (Para não haver duvidas, paguei a minha parte).

. Cabem 4,2 mil pessoas no restaurante.

. Sábado passado se realizaram 5 casamentos, em salões de festas diferentes, no segundo andar.

. No andar térreo, no sábado, música ao vivo, o tempo todo.

. Se você der sorte, pode assistir a um show de Fabio Junior, Beth Carvalho, Zezé di Camargo e Luciano, Leonardo, Daniel.

. Qual é a ideologia do presidente Lula?

. Na minha modestíssima opinião, é fazer com que todo brasileiro possa ir comer o frango com polenta do Laerte.


http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/408501-409000/408923/408923_1.html

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Acerca de Hugo Chávez

Com relação ao "post" anterior, que é uma reprodução do ex-deputado Almino Afonso, publicada na Folha de São Paulo de hoje, dia 15 de janeiro, não é que eu seja primariamente contra o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Pelo contrário, nutro simpatias por ele. Achei uma loucura tentarem depô-lo num golpe de estado há 4 anos atrás.
Contudo, o modus operandi de Chávez está se tornando mais e mais como os nossos típicos ditadores latino-americanos, com a ressalva de que ele não pode ser chamado ditador até o momento pois venceu três eleições, que estiveram sob observação internacional, bem como um plebiscito que pretendia tirá-lo do cargo. Além disso, ao contrário dos nossos ditadores típicos (ditadores típicos: Stroessner, Trujillo, Somoza, Pinochet, ...), ele está aplicando os lucros das vendas de petróleo em melhorias para as populações de mais baixa renda da Venezuela, com programas de saúde e alfabetização.
Mas assusta ele ficar nomeando e demitindo ministros aparentemente ao seu bel prazer, e todos terem que ficar obedecendo "ao chefe", para se manterem em suas funções. Me assustou principalmente nos últimos dias a demissão do vice-presidente Vicente Rangel, um homem que fez junto com ele a travessia desde o golpe fracassado de 2002. Também me assusta o encaminhamento para que ele possa se reeleger indefinidamente. Chávez está se colocando em tentação. Concordo com os "pais fundadores" dos Estados Unidos, "o poder corrompe, e o poder absoluto, corrompe absolutamente". E não será por uma falha de caráter de Chávez, mas sabe-se como o poder é sedutor: alguém para anotar o que você diz, alguém para lhe abrir a porta, alguém para lhe ler as correspondências, tapetes vermelhos, coquetéis, ... Quem não gosta disso?
Até agora o presidente Chávez tem se comportado como um democrata, mas ele está se colocando em tentação. A missão de tornar a Venezuela um país melhor para a maioria dos venezuelanos é uma tarefa grande demais, para ser deixada para apenas um homem.

Porfiriato? - Folha de São Paulo, 15/01/2007

Porfiriato à vista?

ALMINO AFFONSO

A VITÓRIA do presidente Hugo Chávez, pela terceira vez presidente da Venezuela, trouxe consigo o projeto de uma revisão constitucional que assegure o direito à reeleição sem norma limitadora.
Agora, ao assumir o mandato, com redobrada ênfase, a proposição foi reiterada. Se a hipótese se confirmar, receio que estejamos remontando à Constituição do México nas últimas décadas do século 19, que propiciou a Porfírio Diaz a permanência no poder ao longo de 35 anos consecutivos.
É verdade que não lhe podiam argüir uma ditadura formalizada. Mas, na prática, os mandatos reiterados tolhiam o princípio da renovação democrática, levando o país a um autoritarismo incontornável. Os historiadores, ao referirem-se a essa quadra obscurantista, costumam chamá-la de "porfiriato", a rigor tão asfixiante que, para superá-la, Francisco Madeiro levantou-se em armas, liderando a revolução de 1910.
Como decorrência, a Constituição do México de 1917 tornou para sempre inelegíveis os presidentes da República. A lógica do veto, apesar da radicalidade, é defensável: franqueada a porta das reeleições, os mandatários, valendo-se dos mecanismos do poder, em nome de razões pretensamente nobres, nele se enlaçam tão envolventes como os cipós do apuizeiro. Depois, como cortá-lo sem recorrer à violência?
Os exemplos, embora em escalas diversas, multiplicam-se. Também Franklin Delano Roosevelt, invocando a crise social e os desafios da Segunda Guerra Mundial, reelegeu-se presidente dos Estados Unidos quatro vezes. A Constituição americana lhe permitia a ambição. Mas os "federalistas", seguramente, ao elaborá-la, não haviam imaginado que a brecha institucional pudesse ser usada e abusada. Não é, pois, sem razão que, após a morte de Roosevelt, tenha sido incorporada à Constituição a emenda nº 22, limitando a apenas uma vez o direito à reeleição.
Até entre nós houve um fato similar. A Constituição do Rio Grande do Sul de 1891, amparando-se no exercício de sua autonomia federativa, assegurava o direito à reeleição para a presidência do Estado. Navegando nessas águas, Borges Medeiros foi reeleito cinco vezes, até ser deposto pela revolução de 1923, comandada por Assis Brasil. Não me estendo por ser desnecessário. Mas vale lembrar que, não por acaso, nossos doutrinadores, em 1891, sempre defenderam a tese de um mandato de curta duração e a vedação à reeleição.
Para Thomas Jefferson, a reelegibilidade ilimitada equivale à vitaliciedade. A despeito do próprio mandatário, criam-se interesses que em torno dele se consolidam e forçosamente tratam de mantê-lo -até porque, uma vez apeado, vão-se com ele os beneficiários de seu poder. É uma casta que se forma e que se expande a todos os níveis. A rigor, todos se transformam em comensais da mesa farta.
Sou um intransigente defensor da renovação dos atores que encarnam o poder. Nada agride a concepção democrática de maneira mais corruptora do que o poder enfeixado nas mãos de um só contemplado.
Por isso mesmo, há alguns anos, quando o Congresso votou emenda à Constituição Federal instituindo o direito à reeleição do presidente da República, a ela me opus, no exercício do mandato de Deputado Federal, com justificada intransigência.
Dou nova dimensão ao que pensava: se o direito à reeleição, limitado a uma vez, empobrece a vida democrática, alimenta a corrupção, subordina a administração pública ao continuísmo, a reeleição, como um direito ilimitado, leva de modo inevitável à ditadura -com ou sem disfarces.
O presidente Hugo Chávez, em seu discurso de posse, assumiu o compromisso de implantar o socialismo na pátria de Simón Bolívar. Aplaudo a força com que renova a utopia de minha geração. Mas não vejo por que limitar a prática democrática, sufocando a ascensão de outras lideranças que venham com ele a dar continuidade à semeadura de sua mensagem.
Guardo a lembrança das lições de Salvador Allende, que, devotado à transição socialista no Chile, sustentou a via pluralista e respeitou as instituições democráticas como alicerces da sociedade que emergia.
Tomara que o Chávez, ao lado da audácia que o caracteriza, tenha sempre a sabedoria a limitá-la.


ALMINO AFFONSO , 77, é advogado. Foi deputado federal pelo PSB-SP, ministro do Trabalho e da Previdência Social (governo João Goulart) e vice-governador do Estado de São Paulo (1983-85).

sábado, janeiro 13, 2007

Do Observatório da Imprensa: Desinformação, ou A importância de Cada Notícia

Edição 414 de 2/1/2007
www.observatoriodaimprensa.com.br
URL do artigo: www.observatoriodaimprensa.com.br

DESINFORMAÇÃO PROFUNDA
Usina de incertezas a todo vapor

Muniz Sodré

A teoria dos atos de fala, velha conhecida de lingüistas e analistas de discurso, é responsável por muito chamar a atenção dos analistas de textos para a importância do lugar de onde se fala ou se observa a linguagem. A observação da imprensa é igualmente afetada pela mudança de posição institucional dos críticos. Por exemplo, pode-se experimentar, em certos casos, abandonar o lugar do jornalista para ocupar outro tipo de posicionamento na trama institucional.

Impõe-se, antes de mais nada, a preliminar de esclarecimento (aliás, bastante reiterado por nós próprios em vários textos para este Observatório) de que a imagem - e não o conteúdo ou o discurso argumentativo dos textos jornalísticos - é o elemento cada vez mais posto em primeiro plano pela mídia, como conseqüência do primado da eletrônica na midiatização, isto é, da articulação visceral da mídia com as instituições da sociedade tradicional.

O que significa esse primado? Em termos imediatos, que a sociedade midiatizada se move preferencialmente na atmosfera emocional dos costumes e das formas sensíveis ou imagísticas de percepção - o reino dos fins estéticos e morais, ao invés da contextualização histórica das questões de interesse público. A mídia cria os seus próprios contextos afetivos, que não passam, em última análise, de "cenários" oferecidos à participação coletiva.

Numa estrutura dessas, cabe perguntar sobre que tipo de conhecimento pode ter a população a respeito das questões que conformam a cidadania ou que interessam diretamente ao desenvolvimento econômico e institucional do país. Ora, ao longo do ano de 2006, tivemos a oportunidade de acompanhar, de dentro de uma instituição afeta aos livros e à leitura, o relacionamento da mídia com a administração pública de um modo geral. São curiosos os resultados.

Realidade irreversível

Uma primeira conclusão é a de que o público-leitor ou espectador não se põe devidamente a par da realidade das ações de Estado e governo, especialmente no nível federal. Quando se trata de município ou de unidade federada, o estado geral das coisas pode ser seguido, tanto pelo noticiário local quanto pela própria observação direta. Assim, a crise da gestão pública num estado como o Rio de Janeiro é aferida por meio da mídia, mas principalmente por meio da difícil, senão perigosa experiência do cotidiano, arrostada por todo e qualquer cidadão.

No âmbito do poder central, a desinformação pode ser profunda. E não se trata de informação de alto nível ou de detalhamento da complexidade de decisões estratégicas. Trata-se, sim, do conhecimento mais comezinho sobre fatos correntes relativos à gestão cotidiana da vida comum.

Vamos exemplificar com um pequeno fato, atinente à área em que nos movimentamos ao longo de todo este ano.

No início de dezembro, realizou-se em Paris, no espaço institucional da Unesco, uma reunião de representantes das bibliotecas nacionais oriundos dos Estados Unidos, Europa, Ásia, África, Oriente Médio e América Latina, para discutir o protótipo de uma biblioteca mundial digital, proposta pela Biblioteca do Congresso (EUA). O foco do projeto é a digitalização de material único e raro (manuscritos, mapas, livros, filmes, fotografias, registros arquitetônicos, peças musicais, etc.), com vistas ao livre acesso público na internet. Sem qualquer pano de fundo comercial, a iniciativa centra-se no interculturalismo, visando a expandir os conteúdos "não-ocidentais" na internet.

No quadro do desenvolvimento atual das tecnologias eletrônicas, a informatização das bibliotecas é uma realidade irreversível. Para os especialistas, o conceito de "biblioteca digital" se investe, porém, de alguma dubiedade. Se por um lado, pode ser visto como uma evolução do conceito de biblioteca tradicional - que mantém e expande todos os serviços anteriormente existentes -, por outro, implica um novo tipo de biblioteca que, basicamente, oferece seus acervos na forma digital. Neste ângulo, esse novo tipo é mais limitado do que o clássico, mas ao mesmo tempo oferece oportunidades de compreensão intercultural inéditas na História.

Ignorância induzida

O protótipo agora discutido pretende ser um repositório de conhecimento de todas as culturas e em todas as línguas. Os idiomas de partida do projeto seriam inglês, francês, espanhol, russo, árabe e chinês. Acrescentou-se o português: aliás, o Brasil, representado pela Fundação Biblioteca Nacional, foi o único país sul-americano a participar do encontro.

Pois bem, o evento da reunião, a presença da língua portuguesa, o fato por inteiro de uma biblioteca mundial digital - tudo isto se reveste de indiscutível importância pública em qualquer nação letrada. Mas é provável que ninguém, nem mesmo gente diretamente interessada, tenha tomado conhecimento do assunto, porque simplesmente nada se noticiou. A mídia se debruça preferencialmente sobre as rupturas violentas ou escandalosas do cotidiano ou sobre o show nosso de cada dia. Como bem disse um ferino autor norte-americano, a mídia nos levar a morrer (mentalmente) de tanta diversão.

O exemplo arrolado é uma gota no oceano de fatos importantes em andamento na esfera pública. A sua ocultação sistemática em favor do que se presta ao velho conceito jornalístico de notícia (o paradigma do "homem mordeu o cachorro") é uma contribuição para que se intensifique a situação de incerteza em que nos mergulha a informação pública contemporânea, unidirecionada para o "espetacular". A perspectiva habitual do jornalista é a de que, quanto mais informação (seja de que natureza for), maior o conhecimento. É preciso rever esse paradigma que aposta no caos das práticas comunicativas norteadas apenas pelos índices de audiência e que nos dá apenas incerteza visceral sobre a realidade da História. Incerteza implica dúvidas, indeterminação e insegurança. Mas pode também significar ignorância induzida.


América Latina, Perspectivas Históricas

Quem ainda não leu o texto do lingüista norte-americano Noam Chomsky, traduzido pelo César Schirmer dos Santos, no sítio da Agência Carta Maior sobre as atuais perspectivas de desenvolvimento na América Latina, não deve perdê-lo:

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Do Observatório da Imprensa: Entrevista com Muniz Sodré - Questão Racial

Blog Em Cima da Mídia de Mauro Malin em 26/12/2006
URL do BLOG :www.observatoriodaimprensa.com.br/blogs/blogs.asp?id_blog=4
URL do post: www.observatoriodaimprensa.com.br/blogs/blogs.asp?id_blog=4&id_ident={1211B1D1-1834-4487-BB70-88863FC6EABC}


Abaixo o texto enviado:

Em Cima da Mídia -
Muniz Sodré: questão racial deve ser vista sem subterfúgios

O professor da Escola de Comunicação da UFRJ Muniz Sodré, presidente da Biblioteca Nacional, diz que o Brasil não é dividido por linhas raciais, mas afirma que existe um mal-estar da raça, que não é um problema brasileiro, mas da civilização do Ocidente, onde se trabalha bem com razão e sentido, categorias ligadas à escrita, mas se trabalha mal com a questão do território: o território da pele clara precisaria ser preservado de uma invasão por pessoas de pele escura. Muniz Sodré pede que a questão racial seja vista de frente na mídia, sem subterfúgios:

- Quando a questão racial é levantada, imediatamente se forma uma reação, em jornais, que não é aberta, mas consiste em dizer "Meu Deus, que conversa é essa, é um papo racista dizer que tem separação entre negros e brancos no Brasil". Tem separação. Não tem é segregação, como houve na África do Sul e nos Estados Unidos.

Eis a entrevista do presidente da Biblioteca Nacional.

Qual é sua percepção da emergência recente da questão do negro no Brasil?

Muniz Sodré - Os sociólogos, os antropólogos, os analistas da sociedade brasileira, de modo geral, sempre levantaram que a grande questão social do Brasil é a terra. E realmente a terra, desde o início do século, tem mobilizado o pensamento social, tem ensejado movimentos de protesto. Mas de quinze anos para cá a questão racial se tornou também uma questão social de primeiro plano. Não porque o país seja dividido por questões raciais. Eu realmente não acredito, e estou de acordo com os que dizem isso. Mas a raça é um mal-estar. Ela causa mal-estar porque nunca foi resolvida, efetivamente, em lugar nenhum. Os Estados Unidos, por exemplo, guetificaram a questão da raça. Os negros adquiriram direitos, mas eles estão "em seu lugar". Mas os imigrantes, também. O grego está ali, é uma sociedade quadricularizada. Cada um com direitos, mas divididos, separados.

Qual seria a peculiaridade brasileira?

M.S. - O que sempre se falou e se elogiou aqui no Brasil é que não havia essa divisão, por causa da miscigenação. Mas a miscigenação, que é biológica, portanto é o cruzamento de fenotipias diferentes, de gente de cor diferente, não significa necessariamente o entrecruzamento cultural. Existe até a miscigenação de culturas, existe um sincretismo cultural. Mas esse sincretismo do fenômeno cultural não é o sincretismo das cores na pele. Porque a cor da pele é um mal-estar para a civilização do Ocidente, não é apenas do Brasil.

Em que o Ocidente avançou e onde se deteve?

M.S. - Todo o pensamento filosófico sofisticado, o pensamento alemão, europeu, de respeito à diferença, fala de um respeito intelectual. Diz assim: Eu admito o outro, o negro, o índio, admito o diferente de mim, e eu tenho que respeitá-lo, mas ele diz conceitualmente. O problema é quando o diferente se aproxima. É uma coisa mais prática, mais comezinha.

Todo o ódio racista, em países como a Alemanha, ou quando aparece em outros países europeus, não é pelo diferente, em si mesmo. É pela multiplicação desses diferentes se aproximando. O problema com os turcos: é porque tem muito turco. E não é nem porque dispute o mercado de trabalho. Só na cabeça do racista é que disputa o mercado de trabalho. Em geral eles realizam tarefas subalternas, que os próprios nacionais não querem fazer. O problema é a multiplicação dessa outra cor, dessa cor escura, que imaginariamente divide o lugar de onde o sujeito fala. E esse mal-estar não é muito bem resolvido porque o Ocidente pode pensar bem a razão, o sentido, que são categorias no Ocidente ligadas à escrita, mas pensa mal a questão do território, pensa mal a questão da proximidade. Só entende território como fronteiras, quando os territórios não são apenas físicos nem se definem apenas por fronteiras. Os territórios podem ser também emocionais, corporais. É a territorialidade da cor branca, da pele branca, que tem um problema com a territorialidade da outra cor.

Não dá para trabalhar apenas com conceitos socioeconômicos.

M.S. - Reduzir essa questão cultural funda da diferença a classe social, portanto a questão econômica, é não querer efetivamente enxergar o fenômeno, é não querer ver a profundidade do fenômeno. Por isso eu acho que, se está biologicamente provado, e está, realmente está, que a raça não existe, a única raça existente é a raça humana, a espécie humana é única - existem raças diferentes de cachorros, de animais, mas de gente só tem uma -, as cores são diferentes, a coloração da pele é diferente. Porque, dependendo do clima de onde cada um ficava, cada um precisava de maiores doses de melanina para se defender das radiações ultravioleta do sol. Quem tem menos melanina é branco, é claro, quem tem mais melanina é negro. A raça é única. Então, não há raça. Mas o que eu digo é o seguinte: se não há raça, existe a relação racial. É uma relação social construída por aqueles que vivem no imaginário de que as raças existem e de que cada raça tem características, uma pode ser superior às outras. Essa relação racial atravessa também a sociedade brasileira. E ela não pode ser tocada com argumentos econômicos, nem com argumentos puramente sociológicos, porque ela envolve a totalidade do existir. Ela é psicológica, é psíquica, portanto, é inconsciente, e também é, claro, econômica, social.

E no fundo a diferença de cor é uma vantagem patrimonial, num país patrimonialista. Aquele que já nasce com uma cor clara pode ser pobre, mas ele tem uma vantagem patrimonial, porque sabe que não será excluído por aquilo. É o descendente de africanos, descendente de escravos, são os afro-descendentes que carregam, além da condição de cidadania de segunda classe, essa dificuldade inerente à própria cor, que só pode saber, às vezes, ou quem tem empatia, simpatia, ou quem tem aquela cor. Para quem está de fora é difícil saber, porque as fronteiras do preconceito são sutis, são tênues.

Em que terreno deve ser travada a luta contra a desvalorização do negro?

M.S. - Esse problema tem que ser enfrentado não com partido político. Não adianta para isso. Nem com radicalismos, que também não adiantam. Nem com guerra, nem enfrentamento de ódios, é realmente uma divisão pela raça que nós devemos afastar da sociedade brasileira. Não é esse tipo de enfrentamento. Mas nós devemos olhar de frente a questão. Reconhecer que ela existe, que ela é real. E só assim podemos contribuir para superá-la.

De que maneira?

M.S. - Eu diria que com instrumentos da própria cultura do povo, o amor, a alegria, a ironia objetiva e coletiva das massas, e com políticas culturais de valorização do que vem da cultura negra, que ajudou a construir este país. É daí, é a partir dessas raízes que nós podemos dar fio terra para as antenas de aproximação real das diferenças, e não aproximação na cabeça, no livro, não aproximação puramente intelectual, não aproximação de papel.

Como o senhor vê o tratamento dado à questão na mídia?

M.S. - Quando a questão racial é levantada, imediatamente se forma uma reação, em jornais, que não é aberta, mas consiste em dizer "Meu Deus, que conversa é essa, é um papo racista dizer que tem separação entre negros e brancos no Brasil". Tem separação. Não tem segregação. Não tem, como tinha o apartheid africano, ou a segregação como houve nos Estados Unidos, mas existe uma separação dominadora em que aquele que tem o patrimônio da pele clara considera a pele clara como se fosse o paradigma por excelência do ser humano. Isso só pode ser vencido, só pode ser ultrapassado culturalmente. Cultura, eu digo, visceralmente, fundo, incluindo o trabalho psíquico, o trabalho psicológico, e o trabalho educacional.

Trafigura

Junto à foto, que mostra manifestantes em greve de fome, na Costa do Marfim, na costa ocidental da África, porque toneladas de lixo tóxico foram deixadas em locais abertos naquele país, causando algumas mortes e centenas de doentes. Infelizmente, o UOL não informa mais nada a respeito.
Felizmente agora temos a Internet que é este manancial inesgotável de informações.
Pois a Wikipédia em inglês (http://en.wikipedia.org/wiki/Trafigura) conta algo: em 2006, a Trafigura, uma companhia com sede em Amsterdã, que negocia metais e petróleo, tentou descarregar uma carga de lixo tóxico em Roterdã. A autoridade portuária de Roterdã, depois de ter analisado a carga e chegado à conclusão que o lixo era muito mais tóxico do que a empresa havia declarado, aumentou a taxa portuária de U$ 15.000 para U$ 300.000 . Diante disso, a companhia resolveu retomar o lixo, e processá-lo em outro lugar. Este lugar acabou sendo Abidjã, capital da Costa do Marfim. E em Abidjã, um companhia chamada Tommy foi contratada para tratar os resíduos. Mas não os tratou adequadamente, e deixou os resíduos tóxicos a céu aberto. O que acabou resultando em mortes e doenças para parte da população marfinense.
Mais informações em reportagens, em francês, do jornal Libération:


Do Observatório da Imprensa: Conexões Verde-Amarelas com a Ditadura Chilena

Edição 412 de 19/12/2006
www.observatoriodaimprensa.com.br
URL do artigo: www.observatoriodaimprensa.com.br

AUGUSTO PINOCHET UGARTE (1915-2006)
A conexão verde-amarela do bom velhinho

Luiz Cláudio Cunha

As últimas imagens de Augusto Pinochet, vivo, enganam. Mostram um velhinho simpático de 90 anos, sorridente, gentil, rosto inchado de um Papai Noel sem barbas, rodeado de crianças, recebendo ursinho de presente, movimentando-se penosamente em cadeiras de rodas, amparado em bengalas e nos braços rijos de seus encorpados seguranças.

Mas era apenas o outono do patriarca da mais feroz, sangrenta ditadura da América Latina dos anos 70, quando os generais de todas as bandeiras do Cone Sul formavam, ombro a ombro, a trincheira de ferro contra o comunismo, a "baderna", a "subversão". O Pinochet que vai ficar na história tem uma imagem bem mais sinistra. A que melhor retrata - para sempre - o general de voz esganiçada, aguda, quase feminina, é aquela em que ele aparece sentado, dias após o golpe, de óculos escuros, carranca de malvado, braços cruzados, boca de nojo, olhar arrogante, emoldurado por militares igualmente carrancudos.

O modelito do ditador que se prenunciava ganhava mais efeitos cenográficos com a longa capa cinza-ditadura que só deixava os sapatos negros à mostra e lembrava uma sinistra personagem da Transilvânia, um Nosferatu fardado prestes a exibir os dentes sedentos de sangue.

Este é o Pinochet que vai ficar cravado na jugular da História, menos pelo figurino das roupas lúgubres, mais pela obra concreta de repressão, que torturou e matou mais de 3.000 chilenos, confinou 40 mil em campos de concentração, exilou outros tantos, assombrou milhões, dentro e fora do Chile. Promulgando auto-anistia, esculpindo cargo de senador vitalício, inventando atestado médico para rebater depoimentos e juízos criminais, Pinochet passou os últimos meses de sua existência escafedendo-se da justiça, da lei, da humanidade. Morreu impune, mas devidamente julgado e condenado pela História como um de seus algozes mais emblemáticos, com vaga eterna no panteão dos carrascos que integram a galeria mais negra dos verdugos de todos os tempos.

Além da tortura e dos assassinatos, Pinochet passou pelo constrangimento de ser denunciado pelo uso de passaportes falsos, posse de dezenas de contas clandestinas nos Estados Unidos, com saldo estimado em mais de US$ 25 milhões, e acusações até de tráfico de cocaína.

"Há três fontes de poder no Chile: Pinochet, Deus e a DINA", informava ao Pentágono o adido aeronáutico da Embaixada americana em Buenos Aires, em fevereiro de 1974, cinco meses depois do golpe. Dias antes, Pinochet havia criado a terceira ponta da Santíssima Trindade chilena: a Dirección de Inteligência Nacional (DINA), sob as ordens de um obscuro e rechonchudo coronel da Engenharia do Exército, de fala mansa e gentil, chamado Manuel Contreras, um católico fervoroso que os íntimos tratavam por "Mamo". Nem Deus, nem general algum se intrometiam entre Pinochet e Contreras. DINA começou rasgando: em seu primeiro ano de vida passaram por seus calabouços cerca de 4 mil pessoas. Destas, 421 morreram.

Em março, Contreras peregrinou à Terra Santa: foi à sede da CIA em Langley, na Virgínia, para uma conversa com o vice-diretor, general Vernon Walters, que nos idos de março de 1964 conspirara com os generais brasileiros quando adido militar do embaixador Lincoln Gordon no Rio de Janeiro. Meses depois da conversa com Contreras, oito especialistas da CIA desembarcaram em Santiago para um curso, encerrado em meados de agosto de 1974, que treinou os agentes da DINA recrutados entre os melhores oficiais das Forças Armadas chilenas. A revelação foi feita pelo próprio Contreras em 2002 ao jornalista chileno Amaro Gómez-Pablo e publicada pelo ex-correspondente do The Washington Post, John Dinges, em seu livro Os Anos do Condor.

Não se sabe bem onde o próprio Contreras afiou as garras, mas o FBI desconfia. Um amigo pessoal do coronel, o americano Robert Scherrer, que cuidava do escritório do Bureau em Buenos Aires, dizia que Contreras treinou no Brasil e um relatório da CIA, de 6 de setembro de 1974, informava: "Sabe-se que os serviços de segurança têm mandado oficiais ao Brasil para receber treinamento de Inteligência e que alguns oficiais brasileiros estavam no Chile como conselheiros durante os primeiros meses do governo da Junta (de Pinochet)".

O Brasil dá uma mãozinha

Os agentes do SNI foram ao Chile depois do golpe para interrogar esquerdistas brasileiros, enquanto oficiais chilenos vinham ao Brasil para treinamento na ESNI, Escola Nacional de Informações - que serviu de inspiração a Contreras na formatação de sua DINA. Comandava o SNI um grande amigo do chileno: o general João Batista Figueiredo, que cinco anos depois realizaria em Brasília o sonho que o amigo Contreras nunca realizou em Santiago - arrebatar a presidência da República.

Na batelada de 24 mil documentos secretos da Inteligência americana sobre o Chile, desclassificados do sigilo no Governo Clinton, foi pescado um memorando secreto que Walters, o vice da CIA, mandou em 25 de julho de 1975 ao assessor de Segurança Nacional do presidente Ford, Brent Scowcroft. Ele retransmitia um apelo de Pinochet para a Casa Branca vetar qualquer tentativa de expulsar o Chile da ONU, por conta das torturas, e no Item 3 explicitava: "Os chilenos sabem que não conseguem obter ajuda direta por causa da oposição do Congresso (americano). Querem saber se há algum modo de conseguir essa ajuda indiretamente, via Espanha, Taiwan, Brasil ou República da Coréia".

Por coincidência, todos os países sob ditaduras anticomunistas. Dois meses depois, em setembro, Pinochet e o vice-diretor da DINA, o coronel da Força Aérea Mario Jahn, discutiram a expansão internacional da repressão chilena. Na conversa na sala de jantar do general, presenciada por um civil amigo de Pinochet, Jahn pedia mais verbas: "Os americanos estão ajudando por meio do Brasil. Este é o momento de se mover, avançar e levar a luta para o nível mundial", disse o coronel, segundo a fonte civil, que ouviu o Brasil ser definido como o "canal de treinamento" de técnicas de interrogatório e tortura pelos agentes da DINA.

Em meados do mês, 16 de setembro, Contreras mandou a Pinochet um memorando pedindo US$ 600 mil dólares adicionais no orçamento do ano que se encerrava, a serem usados no pagamento de 10 agentes infiltrados em embaixadas chilenas de sete países: Itália, Bélgica, Costa Rica, Venezuela, Argentina, Peru - e Brasil, a quem caberiam mais dois agentes. O outro motivo da mordida extra era claro no documento: "Despesas adicionais para neutralização dos principais adversários" no exterior, especialmente México, Argentina, Costa Rica, Estados Unidos, França e Itália. Estava lançada a semente da transnacional do terror, a Operação Condor. Sempre com a digital brasileira.

Em 1999, os repórteres José Meirelles Passos, Florência Costa e Sandra Boccia revelaram, no jornal O Globo, uma destinação adicional ao pedido de verbas: o custeio dos oficiais da DINA que faziam um curso no Comando de Operações na Selva e Ações Antiguerrilha (COSAG) do Exército, em Manaus.

Operação Condor

O Brasil era um dos membros seletos do restrito clube de seis países criadores da Operação Condor, fundada em 26 de novembro de 1975, numa manhã amena de primavera na capital chilena. O próprio Pinochet abriu a reunião secreta de quatro dias numa elegante mansão decadente da Avenida Alameda, a mais larga de Santiago, onde funcionava a Academia de Guerra do Exército. Eram 15 oficiais - entre coronéis, majores e capitães -, a nata dos arapongas das ditaduras do Cone Sul, reunidos sob o pomposo nome de I Encontro Interamericano de Inteligência Nacional, dirigido por Contreras.

O documento final, devidamente firmado pelos chefes da arapongagem continental, era uma das jóias que acabou preservada na incrível descoberta de 1992 no Paraguai: o "Arquivo do Terror", um tesouro de mais de 60 mil documentos, pesando quatro toneladas e totalizando 593 mil páginas micro filmadas, que um descuidado agente paraguaio amontoou numa sala de um abandonado prédio policial da cidade de Lambaré, nas proximidades de Assunção. Estavam lá, intactos, diários, arquivos, fotos, fichas, correspondência e a rotina da Operação Condor e seus seis sócios fundadores.

No ato inaugural de 1975, Contreras explicou que a Condor teria três etapas. A Fase 1 seria a criação de um arquivo comum para troca de informações. A Fase 2 saía da teoria para a prática, prevendo seqüestros e troca de prisioneiros entre os países do clube. A Fase 3, mais ousada, assustou até os veteranos da repressão: Contreras previa vigilância e assassinatos fora da América Latina. "O Chile propôs operações para eliminar inimigos em todo o mundo", revelou ao jornalista americano Dinges um dos chefes presente, o coronel de Exército José Fons, que firmou o documento final pela comitiva do Uruguai. O capitão da Marinha Jorge Casas assinou pela Argentina, o major de Exército Carlos Mena pela Bolívia, o coronel do Exército Benito Guanes pelo Paraguai e o próprio Contreras pelo Chile.

A comitiva do SNI, esperta, não assinou o documento e não deixou nomes para a história porque disse estar o Brasil ali como "observador", segundo relatório da CIA citado por Dinges. O próprio Figueiredo deveria estar lá, mas ele recusou o convite de Contreras, entregue em mãos em Brasília, e preferiu mandar um representante pessoal. O SNI de Figueiredo só ingressou formalmente na Condor na segunda reunião, realizado em junho do ano seguinte, 1976, também em Santiago.

O anônimo subchefe da delegação uruguaia, um coronel da Força Aérea, acabou sugerindo o nome do grande carniceiro dos Andes, abutre típico do país-sede, para batizar a operação multinacional do terror. Condor foi aprovado por unanimidade.

No segundo encontro plenário da Operação Condor, em 1976, uma trânsfuga da guerrilha chilena, Luz Arce, que agora trabalhava para a DINA, conseguiu identificar a nacionalidade dos participantes de três países: Argentina, Uruguai e Brasil.

Numa palestra na USP, em junho do ano passado, o jornalista John Dinges ressaltou a esperteza brasileira na Operação Condor: "O Brasil foi sutil e diplomático. Atuou especialmente na troca de informações, sem participação na Fase 3, que envolvia assassinatos".

Prova da importância que ele dedicava ao Brasil, Contreras indicou seu braço direito, o tenente-coronel Pedro Espinoza, futuro chefe de operações da DINA, para ser o elo de ligação com o SNI em Brasília. Um ano depois, num sábado de junho de 1976, Espinoza teria um encontro numa estrada deserta da periferia de Santiago com o agente Michael Townley, o chileno-americano que, em 21 de setembro, nas barbas da CIA, grudou uma bomba de plástico sob o banco do carro dirigido por Orlando Letelier nas ruas de Washington.

A explosão que matou o ex-chanceler de Allende e sua secretária foi a mais ousada operação da Fase 3 da Condor. A tecnologia unia cada vez mais o grupo. Um sistema de telex cifrado, chamado "Condortel", passou a dar mais segurança na comunicação do bando. Chile, a sede, era Condor 1. Os aliados eram Condor 2 (Argentina), 3 (Uruguai), 4 (Paraguai) e 5 (Bolívia). O Brasil era Condor 6. Um agente da segurança boliviano, Juan Carlos Fortun, ouviu a explicação de seu chefe sobre a máquina que codificava as mensagens: "Ela foi especialmente fabricada para o Sistema Condor pelo Departamento de Logística da CIA".

A ousadia americana da Condor já estava sendo rastreada pelo Governo americano - e a conivência brasileira, também. Quase sete semanas antes da explosão em Washington, o secretário de América Latina do Departamento de Estado, Harry Shlaudeman, mandou um relatório perturbador ao secretário Henry Kissinger, em 3 de agosto. Com base na avaliação de seus embaixadores na área, Shlaudeman alertava que os governos militares estavam se coordenando para operar "mutuamente" no território de seus países. E escrevia: "Estabeleceram a Operação Condor para descobrir e matar os terroristas da Junta Coordenadora Revolucionária (JCR) em seus próprios países e na Europa. À exceção das operações de assassinato, o Brasil está cooperando".

O americano esclarecia que o inimigo era tão vagamente definido que poderia incluir "quase todo mundo que se opõe à política do governo". Shlaudeman alertava em agosto de 1976: "Estão planejando as próprias operações antiterroristas na Europa. A Argentina, o Chile e o Uruguai são os líderes; o Brasil é cauteloso, mas está fornecendo algum apoio técnico". Na segunda semana de agosto, três novos relatórios da CIA mostram que a Condor começava a levantar vôo. Os americanos descobrem que Argentina, Chile e Uruguai treinavam em Buenos Aires uma equipe de assassinos para operar na Europa, a partir da França, santuário dos exilados. O SNI tomou conhecimento dos planos, mas decidiu não tomar parte na aventura européia. O Brasil saiu à francesa da confusão no Velho Mundo.

Mas, aqui por perto, não havia muito constrangimento. Um documento da CIA de 19 de julho de 1976, obtido pelo jornalista Dinges, flagra uma operação conjunta entre o Brasil de Geisel e a Argentina de Videla: "Uma fonte confiável brasileira descreveu um acordo Brasil-Argentina através do qual os dois países caçam e eliminam terroristas que tentam fugir da Argentina para o Brasil". A parceria Brasil-Chile funcionava também. No "Arquivo do Terror" do Paraguai brotou uma correspondência fraterna entre os amigos Figueiredo e Contreras.

O brasileiro escreveu no dia 21 de agosto de 1975 e o chileno respondeu uma semana depois. Agradece as informações recebidas e se mostra preocupado com a iminente vitória de Jimmy Carter nas eleições presidenciais, lembrando que dois inimigos comuns se beneficiariam da vitória democrata: o chileno Orlando Letelier e o brasileiro Juscelino Kubitschek. Um ano depois, JK morre em acidente de automóvel. Um mês mais tarde, Letelier morre na explosão de seu automóvel. Eram tempos perigosos, aqueles.

A carta do coronel ao general acabou engrossando a papelada do juiz espanhol Baltazar Garzón, que investiga a Operação Condor e um bando de generais - os argentinos Videla e Galtieri, o uruguaio Gregório Alvarez, o boliviano Hugo Banzer e, graças aos correios, o brasileiro Figueiredo. O emissário da carta pode ter sido o próprio adido militar chileno em Brasília na época: o coronel Sérgio Arredondo Gonzalez tinha sido braço direito de Contreras e chefe da seção internacional da DINA. Envolvido na "caravana da morte", que matou 73 pessoas no Chile dias após o golpe, acabou em prisão domiciliar enquanto responde na Justiça.

O Brasil não participava da Fase 3, mas se esbaldava nas etapas 1 e 2, com troca de informações e de prisioneiros na fronteira. Em dezembro de 1975, a pedido do general Stroessner, do outro lado da fronteira, agentes (sem uniforme) do CIEx, Centro de Informação do Exército, seqüestraram quatro paraguaios que viviam em Foz do Iguaçu. Ali mesmo, no Parque Nacional do Iguaçu, foram presos, torturados e mortos seis integrantes da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), que vieram da Argentina e entraram no Brasil em julho de 1974 sob a liderança de Onofre Pinto, o homem que recrutara Carlos Lamarca para a guerrilha.

O grupo foi atraído para uma emboscada do Exército a partir das informações de um agente infiltrado, o ex-sargento da Brigada gaúcha Alberi Vieira dos Santos, que atuava em Buenos Aires sob as asas da Condor. O jornalista e exilado Aluízio Palmar, que esclareceu a história no livro "Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?", ainda levantou novos documentos mostrando a cumplicidade na época entre o SNI e o Exército com os órgãos de repressão do Paraguai e Argentina.

Ao longo de cinco anos, entre 1975 e 1980, a Condor abriu suas asas negras sobre centenas de operações clandestinas, prendendo, torturando e levando à morte milhares de opositores às ditaduras do Cone Sul, num sobrevôo que ultrapassou os Andes e chegou aos Estados Unidos e à Europa. O único flagrante da Condor, com testemunhas, acabou acontecendo justamente no Brasil, em novembro de 1978, quando dois jornalistas brasileiros surpreenderam um comando do Exército uruguaio em Porto Alegre, sob a cumplicidade do DOPS gaúcho, armando uma ratoeira para exilados no apartamento de Lílian Celiberti. A operação havia sido combinada entre o Departamento 2 do Estado-Maior do Exército uruguaio, comandado pelo coronel Calixto de Armas, e o CIEx brasileiro, então chefiado pelo general José Luís Coelho Netto.

O fiasco do seqüestro, que evitou que Lílian, seus dois filhos e Universindo Dias fossem mortos, obrigou a uma operação de emergência para proteger os seqüestradores. O chefe do SNI, Figueiredo, já indicado para suceder Geisel como presidente, mandou seu braço-direito, general Octávio Medeiros, duas vezes ao sul para uma operação de blindagem dos seqüestradores acuados pela imprensa e pela Justiça. Foi a primeira e única incursão da Condor uruguaia no Brasil. E continua sendo seu fracasso internacional mais retumbante. O velho Pinochet devia ter ficado ainda mais carrancudo.


terça-feira, janeiro 09, 2007

Do Observatório da Imprensa: Será Que Vale a Pena Ser Jornalista? E Fatos e Versões

Edição 413 de 26/12/2006
www.observatoriodaimprensa.com.br
URL do artigo: www.observatoriodaimprensa.com.br

FRONTEIRAS PROIBIDAS
Vale a pena ser jornalista?

Fernando Evangelista

Vale a pena ser jornalista? Eu me fazia essa pergunta enquanto soldados norte-americanos me arremessavam dentro de um carro na fronteira do Iraque. Dois militares me pegaram pelos braços, outros dois pelas pernas e, sem gritar, como se fosse um trabalho de rotina, como se fossem educados, disseram: "Desaparece". Era junho de 2003 e essa era a minha segunda tentativa frustrada de entrar no país, em menos de três dias.

Havia esperado por horas, no meio do deserto, sob um calor de mais de 40 graus, lutando contra a ansiedade e as moscas, com o intuito de chegar a Bagdá. Só na terceira tentativa, alguns dias depois, consegui entrar no Iraque. Entre as crateras das bombas que marcavam o caminho até a capital, tentava responder qual era, afinal de contas, a utilidade dessa profissão.

Quando adolescente, acreditava que o jornalismo seria um dos caminhos para mudar, radicalmente, o mundo. Mas nasci depois dos anos 60 e cresci com a imagem do Muro de Berlim sendo destruído e essa coisa de revolução foi ficando fora de moda, apesar de as injustiças sociais - de norte a sul - terem se agravado. Dizem por aí que a ditadura caiu, que vivemos numa democracia e que tudo, a partir de então, deve ser feito de "maneira mais madura e civilizada". A ditadura se foi, é certo, mas isto que a substitui está longe de ser uma democracia (no sentido original) e muitos dos que mandavam antes continuam mandando agora, sempre sem nenhuma "civilidade".

Fatos e versões

Comecei a pensar sobre "civilidades e democracias" quando pisei pela primeira vez num acampamento do MST. Só então, naquela visita, percebi o poder de manipulação da grande mídia. Pouco do que via e percebia daquela realidade correspondia à imagem midiática do Movimento. A mesma distorção dos fatos, em menor ou maior escala, testemunhei como repórter em 2001, na maior manifestação contra a globalização já vista, que reuniu mais de 200 mil pessoas em Gênova. Igualmente em Ramallah, 2002, durante a operação militar israelense "Escudo Defensivo", que culminaria com o massacre de Jenin - fato silenciado pelos meios de comunicação. Assim também, em 2003, no Iraque ocupado, e, recentemente, na guerra do Líbano. Era sempre muito inquietante perceber que as notícias do dia - em muitíssimos casos - não correspondiam aos fatos que eu havia presenciado na véspera.

Parte dessa distorção reside num dado bastante simples: alguns jornalistas ainda não descobriram que o lado mais fascinante da história não acontece nos palácios ou nos discursos oficiais. Acontece principalmente nas ruas. Ao cobrir um conflito armado, por exemplo, o ideal seria estar em todos os fronts, ouvindo todas as versões, como se aprende na primeira lição de jornalismo na universidade. É, todo mundo aprende, mas muitos esquecem e escolhem apaixonadamente um único front e ali permanecem grudados como o marisco na rocha. É o front do poder, o mais cômodo e mais seguro.

Eu não teria testemunhado o assassinato de uma senhora palestina, uma civil, por um soldado israelense, se estivesse acomodado num confortável hotel em Jerusalém, lendo e reproduzindo os releases enviados pelo governo de Israel. Ela foi executada na minha frente, quando saía de um hospital em Ramallah. Levou dois tiros, um na testa e outro no peito. Isso acontece com freqüência naquela região, não é novidade, mas é espantoso como alguns colegas insistem em reproduzir as versões oficiais sem qualquer investigação séria. Isso que chamam de "imparcialidade jornalística", muitas vezes, nada mais é do que cumplicidade com o poder.

Silêncio militante

Além de ter posição e deixar isso claro ao leitor, o jornalismo em que acredito deve saber costurar os fios de uma história, descrevê-la da forma mais objetiva possível e contextualizá-la. Por que quando se fala sobre o MST se omitem dados importantes para entender a questão da luta pela terra? Por que quase nunca se menciona que, dos 5 milhões de proprietários rurais, apenas 26.000 -menos de um por cento do total - são donos de 46% de todas as terras do Brasil? Por que nunca se diz que o acesso à terra era livre no Brasil até 1850, quando foi elaborada uma lei com o objetivo preciso de impedir o acesso a ela dos trabalhadores pobres? Por que quase nunca se menciona que o MST já alfabetizou 22 mil pessoas e mantém 2.000 escolas que empregam 4.000 educadores? A quem interessa esse silêncio militante?

Então, chegamos a uma das raízes desse silêncio e ela diz respeito à nossa concepção de democracia. O jornalista norte-americano Walter Lippmann, autor do livro Public Opinion, escrito em 1922, tinha uma concepção de democracia bastante atual. Lippmann foi um dos mestres das relações públicas e figura proeminente da primeira grande ação de propaganda de um governo moderno, coisa que levou o povo norte-americano a apoiar a I Guerra Mundial. Para Lippmann, a democracia é um regime deficiente porque o povo, basicamente uma "horda primitiva", não tem condições de saber o que é melhor para o bem comum. Por isso, é preciso que essa "horda" seja conduzida por uma elite de homens racionais. Essa elite - e apenas ela - tem condições de julgar o que deve ser permitido ou rejeitado.

Para que isso funcione, em uma democracia, é preciso fabricar consenso, construir idéias e valores que sejam assimilados, aceitos e seguidos. E o consenso é criado por meio da propaganda que, na maior parte das vezes, não se apresenta como tal, mas como informação, por meio do jornalismo. Enquanto isso, a "horda" deve ser entretida e deve pensar, assistindo a eleições e outros truques, que possui alguma importância. A concepção de democracia de Lippmann é a que existe no Brasil e em muitos outros países.

O norte-americano Noam Chomsky aborda esse tema no livro A Manipulação dos Media - Os Efeitos Extraordinários da Propaganda (Editorial Inquérito, 2003) e traz uma definição lapidar: "A propaganda está para uma democracia como o cassetete está para um Estado totalitário." Mas, quando a "horda primitiva", quando esse "rebanho tolo", por um motivo ou outro, se organiza e se rebela, é preciso revitalizar o Estado policial, utilizar o cassetete e criminalizar o rebanho. Para o poder não existe nada pior do que a junção de pobreza, consciência política e disposição para a luta. É o que acontece com o MST e, em muitos aspectos, é o que ocorre nos movimentos contra a globalização e na questão palestina.

Outras fronteiras

O problema de fundo, como constatou o incansável Fausto Wolff, é que "os novos jornalistas passaram a ver a realidade sob a sua perspectiva burguesa de classe média. O povo deixou de ser importante, deixou de ser o ator principal para tornar-se figura, coadjuvante, presunto. Em compensação, o jornalista deixou de ser o herói marginal para tornar-se uma espécie de poodle de divã, uma espécie de office-boy do poder..." Ou seja, chegamos a tal ponto que boa parte dos jornalistas já não precisa ser seduzida pelo poder. É cúmplice do poder sem ter consciência porque faz parte do rebanho tolo.

Para completar, vivemos num país onde a informação é controlada por meia dúzia de famílias. Essa concentração se torna ainda mais dramática pelo fato de que, segundo pesquisa divulgada pelo Ibope em setembro de 2005, 68% da população brasileira é considerada analfabeta funcional. E, se não bastasse, ainda temos um Poder Judiciário acostumado a separar a lei da justiça, a transformar vítimas em réus e vice-versa. A censura imposta à revista Observatório Social, a condenação do jornalista Lúcio Flávio Pinto e do cientista social Emir Sader mostram que ainda é muito arriscado contrariar, em alta voz, os interesses da nossa elite. Conforme estudo da organização Repórteres Sem Fronteira (RSF), "a imprensa brasileira, sobretudo a local, continua sofrendo graves represálias quando se mostra curiosa demais". É por isso que o Brasil ocupa a 75ª posição no ranking que mede a liberdade de imprensa.

Ainda assim, vale a pena ser jornalista? Vale, se tivermos ânimo para ultrapassar as fronteiras proibidas, fronteiras bloqueadas pela censura, pela ignorância, pela mentira. Vale, se tivermos os olhos bem atentos, para ver o delicado, o diferente, o invisível. É preciso coragem para se comprometer, para dizer o que se vê e o que se sente, sem medos nem manuais. Só vale a pena ser jornalista se for - como cantou Torquato Neto - para "desafinar o coro dos contentes".


Do Observatório da Imprensa: Liberdade para Poucos

Edição 411 de 12/12/2006
www.observatoriodaimprensa.com.br
URL do artigo: www.observatoriodaimprensa.com.br

A GAZETA DE VITÓRIA
Liberdade de quem? Resposta a um editorial

Flavio Gonçalves

Tentativa de censura e ataque à liberdade de imprensa. É assim que as grandes redes de comunicação classificarão este texto, da mesma maneira superficial que o fizeram com tantos outros textos e pronunciamentos públicos feitos recentemente. Mas a nossa intenção aqui é defender a democratização dos meios de comunicação, a efetivação do direito humano à comunicação e a necessidade de mecanismos de controle público da mídia brasileira, pois é justamente a grande mídia, que se autoproclama defensora da democracia, a que opta por não realizar debate algum sobre sua área. E quando o faz, apenas ela é quem fala. Quem, então, defende a democracia, considerado o regime de condições iguais para os indivíduos e os grupos diversos da sociedade?

O Brasil não será um país de fato democrático enquanto mantiver a concentração (horizontal, vertical e cruzada) da propriedade dos meios de comunicação nas mãos de poucas empresas privadas, provocando uma redução da liberdade de expressão da sociedade. A Constituição Federal prevê em seu artigo 220 - § 5º - "Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio". Quanto maior a concentração da propriedade dos meios de comunicação, menor a quantidade de grupos diferentes e divergentes que se expressam através destes meios.

Num país com mais de 180 milhões de cidadãos, apenas seis redes privadas nacionais de televisão aberta e seus 138 grupos regionais controlam 667 veículos de comunicação. São 294 canais de televisão VHF, que abrangem mais de 90% das emissoras nacionais. Somam-se a elas mais 15 emissoras UHF, 122 emissoras de rádio AM, 184 emissoras FM e 50 jornais diários [de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação, em 2002]. A concentração da comunicação no Espírito Santo, capitaneada pelas Rede Gazeta e Rede Tribuna, não foge à regra.

Concessão e avaliação

Toda e qualquer opinião ou iniciativa de tentar criar mecanismos de democratização desse quadro da comunicação no país é taxada imediatamente de censura e ataque à liberdade de imprensa (ou seria a liberdade das poucas empresas?). É assim que os poucos detentores do poder midiático do país e do Espírito Santo defendem seus interesses, econômicos e políticos. O momento eleitoral trouxe à tona o debate sobre a importância de criarmos mecanismos de democratização da comunicação e de controle público da mídia. Na eleição presidencial, o caso mais explícito foi a utilização dos veículos de comunicação para o apoio a um dos candidatos [pesquisa realizada pelo Observatório da Mídia http://www.observatoriodemidia.org.br/ com base na cobertura eleitoral da Folha de S.Paulo, O Globo, Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil e Correio Braziliense e das revistas Veja, Época, IstoÉ e CartaCapital].

Regionalmente, o caso mais gritante foi a eleição no estado do Paraná, onde o governador reeleito foi alvo de uma campanha contra seu governo e sua candidatura. E tudo isso com o discurso de neutralidade e imparcialidade das grandes redes. Mas, conforme disse o próprio governador reeleito em entrevista coletiva aos jornalistas, "quem ainda leva a sério esse discurso"? [Para ouvir a entrevista coletiva do governador Roberto Requião analisando a mídia durante a eleição, clique aqui; para ver o pronunciamento do governador na TVE do Paraná contra a Rede Globo, aqui].

Nesse ponto, um detalhe que as emissoras literalmente omitem do cidadão brasileiro: toda e qualquer emissora de rádio e TV neste país é detentora de uma concessão pública do Estado, ou seja, possui uma autorização momentânea do povo brasileiro pelo prazo de 10 e 15 anos, respectivamente. A concessão de rádio e TV, assim como toda e qualquer outra, não poderia ser obrigatoriamente renovada e deveria, sim, passar pela avaliação de entidades e instituições da sociedade, a quem realmente pertence o bem público que é o espaço eletromagnético.

Defesa da concentração

Imaginemos o momento de renovação da concessão da Concessionária Rodosol para a cobrança do pedágio na 3ª Ponte (Vitória-Vila Velha): as TVs e rádios produzirão matérias referentes ao assunto, correto? Caso a ponte esteja cheia de buracos e com o pedágio muito caro, a imprensa mostrará esta situação e o cidadão poderá concluir que a concessão pública não deverá ser renovada para a atual empresa já que o serviço prestado não lhe agrada e nem cumpre com as obrigações previstas na legislação. E caso uma rede de comunicação complete 30 anos e necessariamente precise ter sua concessão renovada pelo Congresso Nacional, isso também é pauta de suas matérias jornalísticas?

Qual é o dia exato em que vence a atual concessão pública daquela rede? Tal informação é de interesse (e de direito) público? Ou ficamos apenas com matérias que dizem respeito às festividades da empresa? O Estado, através de suas instituições executivas, legislativas e judiciárias, promove espaços onde o cidadão pode avaliar os últimos 15 anos da programação desta TV, com base no que já consta na Constituição, e pode sugerir a sua não renovação? Ou a renovação é feita à revelia da sociedade e sem um debate democrático?

Segundo dados do Ibope, Globo e SBT controlam 75% da audiência nacional e o restante é dividido entre a Igreja Universal do Reino de Deus (controladora da Record, Rede Mulher e Rede Família), a TV Bandeirantes e a Rede TV!. O programa de Governo do candidato Lula citava a possibilidade de criação de uma Secretaria para Democratização da Comunicação. A quem interessa então não debater a fundo a proposta e, de antemão, rechaçá-la? Em que se baseia o discurso das grandes redes de que a opinião pública não admite tais propostas? Afinal, quem defende a concentração antidemocrática da comunicação? A opinião pública?

Excessos e omissões

Hoje, uma única empresa, as Organizações Globo, com seus diversos veículos concentra 75% da verba publicitária do país. Grande parte desses recursos são públicos, já que prefeituras, governos estaduais, governo federal e suas respectivas estatais, são grandes anunciantes. Quanto, anualmente, o governo federal, Banco do Brasil, Petrobras, Caixa Econômica e Eletrobrás gastam com publicidade? Certamente muitos milhões de reais. Dinheiro público. Por que a proposta de que as verbas públicas de publicidade sejam melhor divididas entre os veículos de comunicação é tão criticada?

O argumento de A Gazeta: esses recursos públicos serviriam para financiar veículos pró-governos. Isso significa, então, que o valor depositado mensalmente pelo governo do Estado do Espírito Santo (secretarias, Banestes, Cesan etc.) nas contas das principais redes de comunicação do estado comprova o atrelamento político e ideológico dessas redes com o atual governo? Ou parcialidade atrelada às verbas publicitárias só é possível caso envolvam veículos alternativos? As grandes redes de comunicação precisam se definir: o jornalismo é imparcial ou atrelado aos grupos e instituições que o financiam? Afinal, o jornalismo em si, seja praticado em um veículo alternativo ou na grande rede de comunicação, é tudo a mesma coisa, ou não? Ou somente o que é feito por essas grandes redes pode ser considerado, no caso por elas próprias, jornalismo?

O editorial do jornal A Gazeta comprova a parcialidade da mídia [leia abaixo]. O texto cita a denúncia de Veja de que seus jornalistas teriam sido intimidados pela Polícia Federal durante um depoimento. Mas ele omite a nota pública enviada à imprensa pela procuradora da República Elizabeth Kobayashi - controladora externa da PF e integrante de uma instituição considerada comumente como de alta credibilidade pelos veículos de comunicação - que acompanhou o depoimento e desmentiu as informações publicadas que tentavam criar um clima de repressão sobre a imprensa.

Dois pesos e duas medidas

Reconhecido o poder da mídia em nossa sociedade, por que ela não pode submeter-se a investigações assim como se submetem todos os outros poderes? Afinal, jornalistas não podem ser investigados assim como são todos os outros cidadãos durante exercício profissional? Sendo os veículos de comunicação objeto de interesse público e sendo as emissoras de rádio e TV, especificamente, concessões públicas (ou seja, propriedade de todos os cidadãos), por que o alarde contra qualquer iniciativa de investigação a respeito das emissoras ou jornalistas?

Com relação à divulgação do dinheiro que seria usado para a compra de um dossiê no período eleitoral (o que afinal existe nesse dossiê ninguém sabe), o que a Rede Globo e suas afiliadas não publicaram, mas a revista CartaCapital e sites na internet sim, foi o áudio da conversa do delegado com os quatro jornalistas e toda a relação promíscua estabelecida entre o delegado, investigado pela instituição, e os jornalistas. Por que não publicar o áudio da conversa assim como fez com as fotos? Em alguns casos, as emissoras não divulgam o processo em que se deu a construção da notícia, publicando por exemplo que "a reportagem viajou a convite de tal instituição"?

Com relação à questão da escuta da Rede Gazeta, o editorial, nesse momento, não aponta nenhum governo ou instituição como o responsável por tomar providências para a solução do caso. Na época, um secretário de Estado foi demitido por conta de tal fato. Seria então um indício de que o governo do estado teria alguma relação com a escuta? Por que não associar nominalmente o governo do estado como quando é feito com as propostas de políticas públicas na comunicação de "setores" de algum partido ou outro governo, sempre taxados de "autoritários"? A prática seria então dois pesos e duas medidas diante dos governos?

Verbas públicas

As propostas de alteração no cenário da comunicação, como de criação do Conselho Federal de Jornalismo e a Ancinav, são caracterizadas no editorial de A Gazeta como "aberrações". Mais dois exemplos de que quando a proposta é mexer em assuntos que lhes interessam diretamente, as grandes redes de comunicação cumprem de forma autoritária o papel de cercear o debate de idéias, o acesso à informação, o direito à comunicação, e misturam muito bem o que é informação do que é opinião empresarial. O caso mais recente foi a escolha do padrão de TV Digital, quando faziam lobby público pelo padrão japonês através das poucas matérias parciais veiculadas e lobby privado, dentro das salas do Congresso Nacional, do Ministro das Comunicações Hélio Costa e do Palácio do Planalto. Nas matérias publicadas falava apenas quem a direção da empresa autorizava. Desafio a Rede Globo e suas afiliadas a apresentarem matérias produzidas onde os setores da sociedade que defendiam a proposta de um Sistema Brasileiro de TV Digital tenham voz. Onde ficou o outro lado, princípio básico do jornalismo defendido pelas grandes redes?

E foi a mesma postura autoritária da grande mídia que impediu um debate plural acerca do CFJ. Em nome da democracia e da liberdade, utilizou os espaços de sua propriedade de maneira conservadora e reacionária, inviabilizando um debate franco sobre o conteúdo da proposta enviada ao Congresso Nacional. O principal objetivo do CFJ era o processo de certificação dos jornalistas, não o controle de conteúdo. Os proponentes do projeto queriam colocar sob sua guarda a autoridade para estabelecer quem pode ou não exercer a profissão. Na prática, tenta-se resolver o debate da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão sem que esse debate tenha se esgotado na sociedade. Não tenho interesse algum em defender a proposta tal qual, mas citá-la como mais um exemplo de que quando os interesses das grandes redes está em jogo elas sabem construir um discurso e ainda chamá-lo de opinião pública.

Não há um grande filme neste país que não tenha recursos públicos. Seja diretamente através de patrocínio das empresas públicas e governos, seja através dos incentivos fiscais em que as empresas deixam de pagar impostos e os remetem diretamente aos realizadores ou ainda através das seleções públicas do BNDES, Ministério da Cultura e outras instituições. Todas essas verbas públicas. A proposta de Lei Geral do Audiovisual, onde estaria entre outras ações a proposta de criação da Ancinav, apresentada pelo Ministério da Cultura, representou uma importante iniciativa ao propor uma regulação para uma área atualmente sujeita a pouquíssimas regras. O anteprojeto buscava o fortalecimento da produção independente, a afirmação da diversidade cultural e criação de barreiras para a exploração irrestrita do mercado brasileiro pela indústria estrangeira.

Verdade relativa

Mais uma vez uma gritaria orquestrada pelas grandes redes, utilizando os seus "grandes" cineastas como representantes de toda classe de produção audiovisual nacional. O fato é que os milhões de reais públicos sempre foram entregues aos mesmos realizadores, a maior parte dentro do rol da Globo Filmes, associada às grandes distribuidoras internacionais, como Columbia e Fox. E a atual gestão do ministério conseguiu tornar esse processo um pouco mais democrático, ampliando o espaço de participação daqueles que não têm contratos com as grandes produtoras e distribuidoras e enfrentando, de certa forma, os interesses dos poderosos do setor audiovisual. Mais uma vez, propostas de tornar o espaço da comunicação e os milhões de reais de verbas públicas mais democráticos são rechaçadas, sem discussão.

Com relação às matérias nacionais veiculadas a respeito do futuro da Radiobrás no próximo governo, o editorial supõe que a empresa pública poderia passar a ser comandada por uma "ditadura" a partir das pressões de determinado grupo político [ver entrevista Eugenio Bucci ao OI]. O jornal A Gazeta deixa a entender então que reconhece o avanço realizado nos últimos anos pela atual administração da Radiobrás, que não é mais uma empresa de promoção do governante que ocupa o poder, veiculando matérias onde setores críticos ao próprio governo têm voz e destaque. Espera-se também que haja uma preocupação com relação às estruturas de comunicação estatal estaduais, como a TVE e a Rádio ES, em especial com relação a gestão, programação e também sobre a cobertura dada as propostas, a administração e as vozes críticas ao governo do estado. Ou não seria preocupação da Gazeta acompanhar as estruturas estatais estaduais de comunicação, ficando apenas com as nacionais, como é o caso da Radiobrás?

O editorial afirma que a premissa do jornalismo é a verdade, mas não cita que a construção do discurso jornalístico é realizada com base, por exemplo, em procedimentos de definição da pauta, apuração e edição, de que as notícias são construções simbólicas em que nem o jornalista, nem o jornal, serão absolutamente neutros, o que não os exime de buscarem uma exatidão com base nos fatos. Ao trabalhar dessa forma com esse conceito, o jornal abre mão de aprofundá-lo na tentativa de mais uma vez autoproclamar-se imparcial e independente dos interesses sociais e disputas sempre presentes na sociedade.

Assuntos proibidos?

Esse editorial só se faz necessário nesse momento porque os grandes veículos de comunicação estão incomodados com a mobilização cada vez maior da sociedade brasileira pelo controle público da mídia e pela democratização da comunicação, e com as possibilidades abertas de produção e acesso à informação disponível pela Internet. Além de incomodar, a internet tem feito circular informações que colocam em cheque a credibilidade do jornalismo praticado atualmente, interferindo na venda de jornais e revistas e na audiência de determinados programas [Dados da Associação Mundial de Jornais indicam que a circulação dos jornais brasileiros está em queda contínua desde 2001. Os jornais brasileiros vendiam diariamente 7,88 milhões de exemplares em 2000 e passaram a vender 6,47 milhões em 2003 (www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsman/om0606200401.htm)]. Isso traz impactos também na parte comercial das redes. Ou seja, de um modo geral, impactos negativos na receita das grandes redes de comunicação.

Uma das formas utilizadas para acompanhar e avaliar as matérias produzidas pelos jornais, emissoras de TV e rádio, que se preocupam com o processo de produção diária e de crítica e autocrítica, é a contratação de um funcionário conhecido como ombudsman - palavra sueca que significa representante do cidadão. A iniciativa, existente em poucos jornais do Brasil e do mundo, garante por determinado tempo o emprego e um espaço nos veículos para que o profissional possa receber, investigar e encaminhar as queixas dos leitores e realizar uma crítica ao jornal.

Há pouco mais de um ano, A Gazeta fez ampla divulgação de um processo para a criação de um Conselho de Leitores do jornal, a serem divididos por cada editoria. Os interessados deveriam se manifestar diretamente ao jornal, onde contribuiriam, esperava-se, com sugestões e críticas, além dos elogios. Onde estão os conselhos? Como atuam? Onde estão as notícias sobre o seu trabalho? E por que não um ombudsman para democratizar o espaço de críticas do cidadão ao jornal? Por que os jornais e as concessionárias públicas de Rádio e TV não abrem espaço para programas sobre comunicação e jornalismo, assim como fazem com tantos outros assuntos considerados de interesse público, como agricultura, economia, saúde, educação e esporte? Políticas públicas de comunicação e cultura são sinônimos de assuntos proibidos?

Para os poucos de sempre

Pessoas e entidades da sociedade civil que querem exercer o seu direito à comunicação e defendem uma pluralidade maior na estrutura da comunicação do país são chamados de cerceadores. Qualquer crítica, como por exemplo, sobre a forma como os veículos de comunicação se mantiveram durante o processo eleitoral é chamado pejorativamente de ataque. A mídia é a única capaz de produzir críticas e não ataques. As entidades e pessoas da sociedade civil são as que atacam e não criticam. O ataque é construído simbolicamente como algo destrutivo e autoritário, enquanto a crítica como construtiva. Esse texto então será adjetivado de ataque e não crítica? Por que razão?

A função do Estado é promover políticas públicas que assegurem os direitos aos cidadãos. É sobre as suas propostas e opções que os setores e grupos sociais disputam quais serão seus direitos e deveres. O problema é que qualquer iniciativa, como a criação de Conselhos de Comunicação Social, é vista como algo autoritário ficando apenas os grupos privados emitindo sua opinião para o conjunto da sociedade através de seus próprios veículos. Portanto, é papel do Estado promover políticas públicas na área da comunicação e da cultura que sejam capazes de democratizar o acesso a produção audiovisual, cultural e informativa do país.

Nesse sentido, cabe aos setores que colocam os direitos humanos acima da perversa lógica do lucro ampliarem essa discussão junto ao poder público e participar ativamente do movimento pela democratização da comunicação e pelo controle público da mídia para efetivar o direito humano à comunicação. Enquanto isso, do outro lado do embate, teremos as grandes redes tradicionais que trabalham com a comunicação dentro da lógica da mercadoria e da manutenção do poder e dos privilégios, para os poucos de sempre.



***

Liberdade a preservar

Editorial # A Gazeta (19/11/2006)

Os arrogantes do poder e seus simpatizantes não se cansam de agir visando a sufocar a liberdade de imprensa Paradoxalmente ao regime democrático, fatos deploráveis mostram que há intolerância à liberdade de imprensa no país por parte de setores do governo federal e de facções aliadas ao poder.

Por isso, produzem-se agressões em série contra os veículos de comunicação e seus profissionais.

Em setembro, houve tentativa de censurar e restringir o trabalho da imprensa. O Partido dos Trabalhadores (PT) entrou com ação no Tribunal Superior Eleitoral para que o Grupo Estado suspendesse a divulgação de imagens da montanha de dinheiro, que somava R$ 1,75 milhão, apreendida pela Polícia Federal no caso do dossiê Vedoin. A Justiça rejeitou essa proposta de regresso aos moldes da ditadura. E as fotos foram disseminadas pela imprensa no Brasil inteiro e no exterior. Aquele dinheirão todo não pagou a vergonha nacional. Mas o ressentimento dos cerceadores fora reprimido. Tanto que o fechamento das urnas eleitorais pareceu uma senha liberando-os, sequiosos, para atacar.

Quatro fatos gravíssimos vieram à tona somente neste mês. Logo no dia 1º, a revista "Veja" denunciou a intimidação de três dos seus repórteres pela Polícia Federal, durante depoimento sobre a operação abafa que estaria sendo feita para desvincular o assessor da Presidência da República, Fred Godoy, da operação de compra do dossiê Vedoin. Poucos dias depois, descobre-se novo procedimento arbitrário, típico de Estado policial. Era a escuta telefônica clandestina à "Folha de S.Paulo", sabe-se lá com que finalidade. Reproduziu-se, assim, idêntico ato infame praticado contra veículos da Rede Gazeta no ano passado. E que, até hoje, está sem responsabilização criminal, premiando com a impunidade os que infringiram a Carta Magna.

A seguir, o incômodo com a imparcialidade jornalística e a ânsia de manipular o trabalho dos meios de comunicação voltam-se contra o sistema noticioso do governo federal, a Radiobras. Conforme amplamente denunciado, setores do PT estariam manobrando para partidarizar o complexo estatal - composto de quatro emissoras de rádio, três de televisão e duas agências de distribuição de notícias -, tornando-o difusor de atos oficiais. Sob controle ditatorial, a Radiobras não voltaria a dar espaço para escândalos como o mensalão, a máfia dos sanguessugas, os vampiros da saúde, o dossiê Vedoin, etc. Por aí se tira o que os arrogantes do poder pretendiam que fosse o natimorto Conselho Federal de Jornalismo, que fiscalizaria a atividade. E, também, a Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), que seria criada para tutelar o setor. São aberrações. Sob a luz da democracia, o Estado não deve, sob pretexto algum, intervir na liberdade de expressão.

Na seqüência da trama para cercear os meios de comunicação, tramita no Congresso o abominável Projeto nº 257/05, de autoria do senador Marcelo Crivella. É uma tentativa de piorar a Lei de Imprensa (nº 5.250/67), feita sob a alegação de coibir supostas veiculações irresponsáveis que possam ser negativas à reputação de alguém. Ora, isso é absolutamente desnecessário. O compromisso com a verdade é premissa essencial do jornalismo. Doa a quem doer. O que está sendo proposto é um biombo para quem a transparência desnuda a indignidade ou a prática de atos ilícitos.

Que seja montada uma articulação vigilante para impedir a aprovação desse projeto. E que continuem a ser repelidas todas a manobras contra a liberdade de imprensa.