segunda-feira, novembro 30, 2009

Os guerrilheiros da história

Os guerrilheiros da história

ESTÁ CHEGANDO às livrarias "Quem Escreverá Nossa História? - Emanuel Ringelblum, o Gueto de Varsóvia e o Arquivo Oyneg Shabes", do professor Samuel Kassow. É um livro excepcional, que conta um emocionante episódio de heroísmo.
Emanuel Ringelblum tinha 39 anos, mulher e filho, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Professor de história e militante da esquerda sionista, recusou-se a sair da cidade. Em outubro de 1941 foi para o gueto, onde os alemães confinaram 400 mil judeus (um terço da população da cidade) numa área murada de 2,5 km2 (o Leblon tem 2,3 km2). Lá o professor formou a Oyneg Shabes (Alegria do Sábado), uma organização clandestina que teve entre 50 e 60 militantes. Juntou empresários, poetas, economistas, professores e, a certa altura, até crianças. Seu objetivo era preservar a memória do que acontecia no gueto. Aquilo que ninguém imaginara não podia ser esquecido.
Durante dois anos os guerrilheiros da história fizeram uma centena de entrevistas, acumularam manuscritos e pesquisaram metodicamente o cotidiano do gueto. (Em janeiro de 1943 a Oyneg Shabes fez chegar a Londres um depoimento detalhado do início do extermínio dos judeus nos campos de concentração.)
Milhares de páginas, objetos e fotografias foram enterrados em pelo menos três lugares. Terminada a guerra, a organização tinha três sobreviventes. Em 1946, um deles achou o primeiro esconderijo, recuperando dez caixas de documentos. Quatro anos depois desenterraram dois latões de leite, repletos de papéis. O terceiro lote ainda não foi achado.
O Gueto de Varsóvia revoltou-se e foi arrasado. Ringelblum e sua família esconderam-se num porão da vizinhança até março de 1944, quando foram descobertos. Na prisão, o professor soube seria possível resgatá-lo da cadeia. Machucado pelas sessões de tortura, ele tinha o filho Uri no colo quando perguntou o que poderiam fazer pelo menino e pela mulher. Nada, disseram-lhe. "Morrer é difícil?", perguntou. Os três foram fuzilados em algum lugar das ruínas do que fora o gueto.
A grandeza do livro do professor Kassow está na apresentação seca e metódica de uma história que tem tudo para deslizar na direção dos sucessos de bilheteria. Sua narrativa chega a ser chata quando descreve as tendências da esquerda judaica na Polônia.
Quando o leitor entra no gueto, percebe que Kassow lhe impôs o seu ritmo, calibrou-lhe a curiosidade. Ele é levado ao cotidiano do gueto pelo historiador, não é o gueto que vem a ele como mais uma história da Segunda Guerra. Não há alemão bonzinho como n'O Pianista, nem a sensualidade da camiseta molhada de uma prisioneira da "Lista de Schindler". Fome, medo, malvadeza e miséria aparecem sem que Kassow levante a voz. A naturalidade com que os alemães matavam. A violência da polícia judaica e o terror imposto pelas suas incursões sanitárias, raspando a cabeça das mulheres e varejando suas casas.
Os guerrilheiros de Ringelblum registraram as oscilações dos preços e salários, redigiram ensaios sobre a economia do gueto e cumpriram os projetos da pesquisa como se estivessem numa centenária universidade europeia. Ringelblum e seus guerrilheiros documentavam o Holocausto no seu aspecto mais terrível, o monótono cotidiano da fome e da humilhação.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 25 de novembro de 2009.


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Seminário: Anistia, 30 Anos

quarta-feira, novembro 25, 2009

Guerra Fria entre nós: II - Voz da América, para difundir os valores dos Estados Unidos e semear divisão entre os latino americanos

Noticioso dos EUA mira bolivarianos

Voz da América, bancada por governo americano, amplia presença na região

Pelo menos 17 jornalistas latino-americanos já foram treinados para o serviço em Washington; porta-voz diz que ideia é "ampliar diálogo"

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A Voz da América, o serviço noticioso internacional bancado pelo governo americano, está ampliando sua presença nos chamados países bolivarianos, comandados por líderes de esquerda que fazem do discurso anti-EUA a base de sua política externa. A prioridade, segundo a direção do órgão, é a região andina (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela) e a América Central, principalmente Honduras e Nicarágua.
Nesse conjunto se encontram os críticos mais contundentes de Washington -o venezuelano Hugo Chávez, o boliviano Evo Morales, o equatoriano Rafael Correa e o nicaraguense Daniel Ortega- e os dois principais aliados dos EUA na região, o colombiano Álvaro Uribe e o peruano Alan García. Em Honduras, Manuel Zelaya vinha se distanciando dos americanos até ser deposto por golpe em junho.
A decisão de aumentar o alcance veio depois de três membros do conselho que regula o serviço terem visitado ambas as regiões no meio do ano. A Voz da América é controlada pelo Board of Broadcasting Governors (BBG), que comanda todos os serviços civis de transmissões internacionais do governo, como a Rádio e TV Martí, voltada para a população cubana, e a TV Al-Hurra, dirigida ao Oriente Médio.
Seus oito membros, quatro republicanos e quatro democratas, são indicados pelo presidente e tendem a ter um perfil mais conservador. Na semana passada, Barack Obama enviou sua lista de indicados para aprovação no Senado. Entre eles está a jornalista Dana Perino, a última porta-voz do republicano George W. Bush.
Parte já dos novos esforços de ampliação, 17 jornalistas freelancers latino-americanos foram levados a Washington no mês passado para treinamento. No próximo mês, outros jornalistas de Argentina, Bolívia, Panamá e Haiti começarão a ser treinados sobre como cobrir a epidemia da gripe A. "Temos de contribuir para ampliar o diálogo", disse a porta-voz Joan Mower, ao "El Nuevo Herald".
A divisão de fala espanhola da Voz da América conta hoje com 21 funcionários e um orçamento para 2009 de US$ 3,1 milhões. A audiência nos cinco países andinos mais Cuba, segundo Mower, é de 1,9 milhão de adultos.

Notícia da Folha de São Paulo, de 23 de novembro de 2009.


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Guerra Fria entre nós: I - Escola das Américas, a velha escola para ensinar a realizar golpes de estado e torturar adversários

Escola que formou golpistas é alvo de protestos

DE WASHINGTON

Centenas de pessoas protestaram no sábado em frente ao Instituto de Cooperação para a Segurança Hemisférica (Whinsec, na sigla em inglês), entidade de formação de militares latino-americanos subordinada ao Pentágono e baseada em Fort Benning, no Estado americano da Geórgia. A manifestação foi organizada pela SOA Watch e reuniu estudantes e sobreviventes de torturas de regimes militares da região.
A ocasião foram os 20 anos do massacre de seis padres jesuítas espanhóis por militares em El Salvador. No mesmo dia, foi divulgada a indicação da ONG e de seu fundador, padre Roy Bourgeois, para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz de 2010 -dezenas de personalidades e instituições são indicadas todos os anos por um grupo de pessoas escolhidas pelo Parlamento norueguês; o premiado de 2009 é Barack Obama.
A SOA Watch tira seu nome das iniciais da School of Americas, a Escola das Américas, que funcionou entre 1946 e 2001, antecessora do Whinsec que formou mais de 60 mil militares latino-americanos. Segundo a ONG, ali estudaram membros de pelo menos 11 regimes militares na América Latina, Brasil incluído.
Dois deles participaram do golpe que derrubou o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em 28 de junho último. São o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, general Romeo Vásquez, aluno em 1976 e em 1984, segundo a SOA, e o general Luis Prince Suazo, comandante da Força Aérea, que estudou lá em 1996.
Zelaya destituiu Vásquez do cargo dias antes de ser derrubado, porque o militar se recusou a cumprir ordem executiva para organização de enquete junto à população sobre mudança na Constituição hondurenha. O levantamento, segundo opositores de Zelaya, abriria caminho para sua reeleição, o que é proibido pela atual Carta do país. O militar foi restituído pelo Congresso após o golpe.
Bourgeois visitou Honduras recentemente e fez denúncias de casos de desrespeito a direitos humanos.
(SÉRGIO DÁVILA)

Notícia da Folha de São Paulo, de 23 de novembro de 2009.


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segunda-feira, novembro 23, 2009

Anistia Internacional intercede por busca de índios desaparecidos

MATO GROSSO DO SUL
ENTIDADE PEDE VIGOR EM BUSCA POR ÍNDIOS

A Anistia Internacional pediu às autoridades brasileiras e paraguaias que redobrem os esforços para encontrar dois indígenas desaparecidos desde 30 de outubro após a invasão de uma fazenda próxima a Paranhos (MS).

Notícia da Folha de São Paulo, de 17 de novembro de 2009.


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Caso de espionagem eleva tensão entre Chile e Peru

Caso de espionagem eleva tensão entre Chile e Peru

Militar peruano é preso sob acusação de vender dados sigilosos a governo chileno

Santiago nega participação no episódio; presidente do Peru, Alan García, critica ato de "republiqueta" e cobra explicações de vizinho


DA REDAÇÃO

Um suposto caso de espionagem militar desatou a pior crise diplomática entre Chile e Peru dos últimos anos, após a prisão de um oficial da Força Aérea peruana acusado de repassar dados sigilosos a Santiago.
Preso pela polícia peruana no último dia 30 em Lima, Víctor Ariza Mendoza, 45, é acusado pelo Ministério Público de ter recebido, em média, US$ 3.000 mensais desde setembro de 2005, em troca de informações confidenciais sobre o sistema de segurança do Peru.
O caso veio a público na quinta-feira passada. Em sinal de contrariedade pelo episódio, o presidente do Peru, Alan García, antecipou no final de semana sua volta do fórum da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico), em Cingapura, e cancelou encontro que manteria no local com a mandatária chilena, Michelle Bachelet.
Ontem, após reunião de segurança em Lima, García pediu "serenidade" no episódio, mas disse que o caso de espionagem, que descreveu como "próprio de uma republiqueta", deixa "muito ruim a imagem do Chile perante o mundo".
Considerado um dos presidentes à direita na América do Sul, ao lado de Álvaro Uribe, da Colômbia, García poupou a esquerdista Bachelet e atribuiu a suposta espionagem a setores conservadores, adeptos a costumes "ditatoriais e pinochetistas na relação com os vizinhos" -referência à ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990).
"Não afirmamos que a presidente Bachelet seja responsável", disse García, para em seguida cobrar explicações "qualquer que seja o nível dos funcionários envolvidos".
O Chile negou envolvimento no caso. "O governo do Chile não pratica espionagem, e não temos nenhuma informação disponível que permita nem sequer vislumbrar algum tipo de participação chilena", afirmou o ministro das Relações Exteriores, Mariano Fernández.
Segundo a imprensa do Peru, entre as informações vendidas por Mendoza estão um planejamento estratégico da Força Aérea peruana para 2021 e códigos criptografados do sistema de comunicação da Embaixada do Peru em Santiago -onde o suboficial trabalhou em 2002.
No Chile, políticos governistas e de oposição apontaram a existência de uma campanha para afetar a imagem do país. Questionaram ainda o fato de o caso ter sido divulgado na imprensa peruana no mesmo dia em que os EUA autorizaram uma possível venda de US$ 660 milhões em armas ao Chile.
O aumento da tensão bilateral ocorre justamente quando o governo García promove um tour pela região para promover o desarmamento. Em razão do episódio, o peruano suspendeu a visita de uma ministra ao Chile para tratar do tema, agendada para esta semana.
Rivais na Guerra do Pacífico, no final do século 19, Chile e Peru são unidos por laços comerciais e migratórios típicos de países vizinhos, mas têm um conflito de fronteira pendente -em 2008, o Peru apresentou à Corte Internacional de Haia uma demanda em que busca delimitar sua fronteira marítima com o Chile.

Com agências internacionais

Notícia publicada na Folha de São Paulo, de 17 de novembro de 2009.

Qual será o caroço embaixo desse angu?

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Israel & Palestina

Israel & Palestina

As agências vinculam a visita do presidente de Israel à do presidente do Irã.
E avaliam que "sublinha a ambição do Brasil de ter um papel mediador, parte da aspiração de um perfil internacional à altura de seu peso econômico crescente". Na cobertura israelense, o foco é outro. Na submanchete on-line do "Jerusalem Post", "Shimon Peres tenta cortejar velho amigo Mahmoud Abbas", o presidente da Autoridade Palestina que anunciou que não vai se candidatar à reeleição, reagindo à aceitação das colônias judaicas pelos EUA.
A submanchete on-line do "Haaretz" foi na mesma linha, mas ressaltando seu pedido de apoio da Síria. Abbas, destacam os sites, "visita o Brasil no fim do mês".
Ao fundo, na home do "Financial Times", a editora de Oriente Médio avisou que a recusa de Abbas é séria e "mostra como se extinguiu rápida e dramaticamente a esperança em Obama".

Trecho da coluna Toda Mídia, na Folha de São Paulo, de 11 de novembro de 2009. Grifo do blogueiro.


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OEA condena Brasil por morte de sem-terra

OEA condena Brasil por morte de sem-terra

Corte de Direitos Humanos diz que país não puniu responsáveis por assassinato de agricultor em 1998

DIMITRI DO VALLE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA

A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) considerou o Estado brasileiro culpado pela não responsabilização dos envolvidos no assassinato de Sétimo Garibaldi, 52, agricultor morto em novembro de 1998 numa tentativa de despejo feita por milícias armadas em um acampamento do MST em Querência do Norte, noroeste do Paraná.
A sentença, dada em setembro deste ano, foi publicada no último final de semana.
Para a organização, o caso expõe a parcialidade do Judiciário no tratamento da violência no campo e as falhas das autoridades brasileiras em combater as milícias privadas. É a terceira vez que o Estado brasileiro é condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos e a segunda em fatos envolvendo crimes contra trabalhadores rurais sem terra no Paraná.
Pela sentença da corte -da qual o Brasil é signatário e reconhece todas as suas decisões-, a família do trabalhador rural deve ser indenizada e a sentença, publicada em veículos da grande imprensa do país.

Parcialidade
"É um caso que demonstra claramente que o sistema de Justiça não funciona quando se trata de apurar crimes contra um trabalhador", disse Darci Frigo, advogado da ONG Terra de Direitos, que encaminhou o caso à corte da OEA em 2003, depois que o inquérito foi arquivado no Paraná.
O caso foi reaberto em abril e está na fase de depoimentos de todos os envolvidos. Segundo Frigo, o país poderá sofrer a pressão de órgãos internacionais se não cumprir a sentença.
Cristina Timponi, chefe da assessoria internacional da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência, disse que o governo ainda não foi informado oficialmente da sentença, mas a disposição é a de que a decisão da corte da OEA seja cumprida. O prazo é de um ano.

Notícia da Folha de São Paulo, de 10 de novembro de 2009.

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Duas crises financeiras, dois resultados

Duas crises financeiras, dois resultados

UM MALVADO devorador de números fez um exercício e comparou as iniciativas tomadas pelo tucanato durante a crise financeira internacional de 1997/1999 com as medidas postas em prática pelo atual governo desde o ano passado. Fechando o foco nas mudanças tributárias, resulta que os tucanos avançaram no bolso da patuleia, enquanto Nosso Guia botou dinheiro na mão da choldra.
Entre maio de 1997 e dezembro de 1998 o governo remarcou, para cima, as alíquotas de sete impostos, além de passar a cobrar um novo tributo.
A alíquota do Imposto de Renda do andar de cima passou de 25% para 27,5%. O IOF de créditos pessoais dobrou e aumentaram-se as dentadas nas aplicações. O IPI das bebidas ficou 10% mais caro, e a alíquota do Cofins passou de 2% para 3%. Tudo isso e mais a entrada em vigor da CPMF, que arrecadou R$ 7 bilhões em 1997.
A voracidade arrecadatória elevou a carga tributária de 28,6% para 31,1% do PIB. O produto interno fechou 1998 com um crescimento de 0,03% e a taxa de desemprego pulou de 10% para 13%. Em 1999, o salário mínimo encolheu 3,5% em termos reais.
A crise financeira mundial de 2008/ 2009 foi mais severa que as dos anos 90. Em vez de aumentar impostos, o governo desonerou setores industriais, baixou o IPI dos carros, geladeiras e fogões, deixando de arrecadar cerca de R$ 6 bilhões nos primeiros três meses do tratamento. Uma mudança na tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas, resolvida antes da crise, deixou cerca de R$ 5,5 bilhões na mão da choldra. A carga tributária caiu de 35,8% do PIB para 34,5%. Em 2009 o salário mínimo teve um ganho real de 6,4%.
O desemprego deu um rugido, mas voltou aos níveis anteriores à crise. Ao que tudo indica, a crise de 2008 sairá pelo mesmo preço que a de 1997/98: um ano de crescimento perdido.
As duas situações foram diferentes, mas o fantasma do populismo cambial praticado pela ekipekonômica de 1994 a 1998 acompanhará o tucanato até o fim de seus dias. O dólar-fantasia teve uma utilidade, ajudou a reeleger Fernando Henrique Cardoso. Ele derrotou Lula em outubro, e o real foi desvalorizado em janeiro.

O texto é parte da coluna de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 8 de novembro de 2009.

Para quem costuma achar que as políticas econômicas dos governos FHC e Lula forma iguais, o texto é uma refrescada na memória.

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quinta-feira, novembro 19, 2009

Seria isto racismo?

Seria isto racismo?


Visito a agência de um banco brasileiro aqui na Rua Sete de Setembro. A rua Sete de Setembro é cheia de bancos. Neste caso é o banco familiar brasileiro.


Digo familiar porque o controle acionário pertence a uma família. Há uns 20 anos atrás havia mais bancos familiares brasileiros: o Auxiliar, por exemplo, pertencia a uma família mas foi liquidado extra-judicialmente nos anos 1980, ainda no governo Figueiredo. Tivemos o Mercantil de São Paulo, que acho que foi vendido ao Bradesco. O Banco Real foi vendido ao holandês ABN, e daí passou para o espanhol Santander. O Bamerindus foi comprado pelo britânico HSBC. Aqui no Rio Grande do Sul já tivemos Sul Brasileiro, Habitasul, Maisonnave, Banco de Crédito Real do Rio Grande do Sul. Todos sumiram, liquidados como o Sul Brasileiro, ou comprados como o Crédito Real. Assim, eu acho que bancos pertencentes a famílias só ficaram o Safra, o Itaú e o Unibanco. E estes dois últimos estão se fundindo. Ou o Itaú adquiriu o controle do Unibanco, o que dá quase no mesmo no final das contas.


Mas voltemos ao início do texto. Eu dizia que visitava uma agência de um destes bancos na rua Sete de Setembro, aqui em Porto Alegre. A rua Sete de Setembro é cheia de bancos.


Enquanto aguardo para ser atendido dou uma olhada ao redor, contei uns oito ou nove funcionários, entre gerentes e auxiliares de gerência e caixas. Todos brancos.


Está certo que Porto Alegre não é a cidade brasileira com o maior percentual da população com a tez escura, mas fiquei me perguntando porquê não haveria entre os funcionários de frente do atendimento da agência ao menos um funcionário negro ou mulato. O sistema de seleção para contratações não conseguiu achar uma pessoa educada o suficiente para trabalhar ali? Ou será que tal sistema de seleção, mesmo que de forma algo inconsciente, descarta candidatos pela cor da pele?


Talvez o banco assuma que os clientes sejam em sua maioria de cútis clara e não gostariam de ser atendidos por pessoas de cútis escura? Sei lá!


Ou talvez eu seja muito paranóico!


Certo é que Ali Kamel, funcionário das Organizações Globo, se deu ao trabalho de escrever um livro para demonstrar que nós, brasileiros, não somos racistas.


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Em Goiânia não haverá feriado no Dia da Consciência Negra

Justiça de GO derruba feriado de amanhã em Goiânia

Para TJ, só lei federal torna Dia da Consciência Negra feriado

RENATA BAPTISTA
DA AGÊNCIA FOLHA

O Tribunal de Justiça de Goiás decidiu derrubar o feriado da Consciência Negra, que seria comemorado amanhã em Goiânia pela primeira vez.
O dia 20 de novembro lembra a morte do líder do Quilombo de Palmares, Zumbi, ocorrida em 1695. A data é comemorada nacionalmente desde 1978, mas apenas a partir de 1995 algumas prefeituras vêm instituindo feriado nesse dia.
Para o desembargador Ney Teles de Paula, que relatou o caso, os feriados civis só podem ser criados por lei federal, e os municípios apenas têm permissão para decretar feriados por motivos religiosos ou aniversário de fundação.
Ele disse também que, caso o feriado fosse mantido, diversos setores produtivos de Goiânia seriam prejudicados. A Câmara Municipal recorreu da decisão, mas a suspensão dos efeitos da lei 8.786/09, de 17 de abril deste ano, que estipulava o feriado municipal, foi mantida.
No Rio Grande do Sul, a Justiça estadual também vem adotando conduta semelhante desde 2003, quando o feriado foi suspenso em Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas.
Em Salvador, onde mais de 85% da população é formada por negros e mestiços, não foi instituído feriado, mas a data será marcada por caminhadas e eventos artísticos. A prefeitura disse que entraves legais não permitem a adoção de novos feriados além dos já existentes.
Mesmo com feriado decretado, em municípios como Cuiabá (MT) e Guarulhos (SP) o ponto no comércio será facultativo. Segundo a Federação do Comércio do Estado de Mato Grosso, cada dia de portas fechadas no comércio gera perda de 3% a 5% no faturamento mensal das empresas.
De acordo com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, ligada à Presidência da República, cerca de 750 municípios do país comemoram o dia da Consciência Negra. Destes, 388 decretaram feriados municipais, segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos).


Saiba quais cidades comemoram o Dia da Consciência Negra com feriado

www.folha.com.br/0932214

Notícia da Folha de São Paulo, de 19 de novembro de 2009. Destaque do blogueiro.

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Na Coreia do Norte, um déficit alimentar crônico

Na Coreia do Norte, um déficit alimentar crônico

Philippe Pons
Enviado especial a Pyongyang

Em carroças, em cestos nas costas de homens e mulheres, nas caçambas dos caminhões e até em um velho ônibus especialmente fretado, as acelgas e os nabos transitam sem descanso pela cidade para serem amontoados nas sacadas ou descarregados em pilhas nos pátios dos prédios. Na Coreia do Norte, novembro é a estação do kimchi - conserva à base de acelgas e nabos fermentados e macerados com pimenta - , símbolo da cozinha local. As mulheres, agachadas, desfolham as acelgas, descascam e cortam os nabos, que em seguida são misturados em uma bacia com sal, pimenta e alho antes de serem colocados em grandes jarros de cerâmica marrom para o inverno.

Em Pyongyang, vitrine do país, os mercados são abastecidos com alimentos e produtos vindos da China. Preocupado em controlar uma economia de mercado que prosperou há dez anos, o regime reprime essas atividades "capitalistas", sem, no entanto, suprimi-las. Mas, apesar da aparente estabilidade das condições de vida na capital, que tem prioridade em ser alimentada, a República Democrática Popular da Coreia vive neste ano mais uma escassez de alimentos, mais ou menos grave, dependendo da região, mas dramática para as mais isoladas, situadas no centro do país.

Oficialmente, a produção de grãos chegaria a 5 milhões de toneladas - ou seja, 7% a mais que em 2008 - , permitindo uma alimentação de subsistência aos 23 milhões de habitantes, que em meados dos anos 1990 foram trágicas vítimas da fome (que fez entre 600 mil e 1 milhão de mortos).

Mas os especialistas agrícolas estrangeiros presentes no local estão céticos: na ausência de uma avaliação independente - como a realizada em 2008 pelo Programa Alimentar Mundial (PAM) e pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), que concluiu haver um déficit de 800 mil toneladas - , eles só podem fazer conjecturas.

Em 2008, a Coreia do Norte foi beneficiada por fatores positivos: condições climáticas favoráveis e fertilizantes. Neste ano, o clima foi menos favorável e a Coreia do Sul não forneceu as 300 mil toneladas de fertilizantes esperadas, em razão do endurecimento de Seul, que exige progressos sobre a questão nuclear para continuar com sua assistência. Em 2009, o déficit alimentar deveria ser comparável ao de 2008. Mas o esgotamento da assistência internacional pode agravar a escassez.

Na primavera, o PAM "soou o alarme", pedindo por uma ajuda de US$ 500 milhões (R$ 855 milhões) destinados a alimentar um terço da população. Em novembro, ele só recebeu 20% do montante pedido. Enquanto a Somália, o Sudão ou Mianmar (antiga Birmânia) - cujas imagens no exterior não são muito mais positivas - recebem assistência internacional, a Coreia do Norte é tão demonizada que os doadores lhe dão as costas. Teoricamente, as sanções aplicadas contra ela, em junho, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, após seu segundo teste nuclear e seus tiros de mísseis, não afetariam a ajuda humanitária, mas é o que ocorre na realidade.

A Coreia do Norte se encontra, de fato, em uma lista negra do auxílio humanitário. Este chega, mas com parcimônia, e a população é a principal vítima. Em 2009, a assistência mais substancial veio da China, que aplica as sanções internacionais, mas conduz paralelamente uma política destinada a garantir a estabilidade do regime, mantendo-o dependente de subsídios. Há alguns meses Pequim não publica mais estatísticas sobre suas relações comerciais com a Coreia do Norte e não se sabe o montante de sua assistência.

Alguns especialistas estrangeiros ressaltam que a situação alimentar é preocupante, mas que não convém o alarmismo: uma parte das colheitas (cultivos nas encostas, hortas) escapa das estatísticas oficiais e aliviam até certo ponto a falta de alimentos, abastecendo os mercados paralelos.

Em um país montanhoso onde as terras cultiváveis são raras (elas representam 20% da superfície) e os invernos são siberianos, o esforço feito pela população é imenso. Nas regiões como o sul de Pyongyang, armazém de arroz do país, o tenro verde dos arrozais se estendia até perder de vista neste verão, alternando-se com os campos de milho. Uma parcela mínima de terra estava cultivada: a soja cresce nos diques dos arrozais e as plantações paravam na beira das estradas para tomar de assalto as colinas. O animal de tração compensa uma mecanização inexistente; as transplantações e as colheitas são feitas à mão.

Mais do que a quantidade da produção agrícola, é a situação nutricional da população que é preocupante, em especial pela falta de proteínas. Segundo estimativas das Nações Unidas, a desnutrição atinge 23% das crianças com menos de 5 anos; um terço das mulheres grávidas são subalimentadas (seu peso mal ultrapassa 45 kg) e dão à luz bebês com sistema imunológico enfraquecido.

Além disso, em razão da insuficiência dos fertilizantes químicos, há dois anos a agricultura norte-coreana recorre aos dejetos humanos e animais, com os riscos sanitários que isso comporta. "Estamos assistindo a um fenômeno cumulativo de subalimentação crônica há quinze ou vinte anos, que passa de uma geração para outra e se traduz em uma tragédia em câmera lenta", acredita Torben Due, representante do PAM em Pyongyang.

A escassez alimentar crônica da Coreia do Norte leva a uma deterioração do estado de saúde da população que o sistema hospitalar não consegue enfrentar, por estar hoje tragicamente destituído de meios: equipamentos, anti-sépticos, anestésicos, medicamentos...

Tradução: Lana Lim

Texto do Le Monde, reproduzido no UOL.


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Gaspari comenta FHC

FHC expôs o lado sombrio do poder petista

FERNANDO Henrique Cardoso está em grande forma. Num artigo intitulado "Para onde vamos?" mostrou que é a única voz articulada com coragem para acertar a testa de Nosso Guia. É um texto astucioso, chega a ter ginga. Apocalíptico e insinuante, tem a gravidade de uma Cassandra e a amnésia de personagem de novela barata.
Seu argumento central faz todo sentido: Lula está construindo uma teia de alianças e interesses que desembocará num "subperonismo". O que vem a ser essa praga, não se sabe, mas ela junta o PT, sindicatos de empregados e de patrões, fundos de pensão, BNDES e triunfalismo. Essas seriam as "estrelas novas" às quais se abraçam "nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas". O ex-presidente adverte para a formação de um novo "bloco de poder", interessado num continuísmo que deve ser contido, pelo voto, "antes que seja tarde".
As críticas pontuais do ex-presidente passam da dúzia e ele pode ter razão em quase todas. Em dois casos o professor chegou à verdade com o auxílio de lapsos da memória. Num, criticou a compra de caças pela Força Aérea. Logo ele, que comprou um porta-aviões. No outro, denunciou o poder dos fundos de pensão das empresas estatais e suas relações incestuosas com o governo e empresários-companheiros. Tem toda razão, mas quem deu forma a esse bicho foi ele, quando moldou e deixou que moldassem a engenharia financeira da privataria.
Em dois momentos o ex-presidente teve a infelicidade de comparar atitudes do atual governo com práticas do tempo do "autoritarismo militar". Lula, com seus "impropérios" é capaz de "matar moralmente empresários, políticos (e) jornalistas". O ex-presidente exagerou. Logo ele, que conheceu pessoas assassinadas sem advérbio. No seu esforço para tornar mais pesada a carga dos petistas, Fernando Henrique torna mais leve a mochila dos crimes da ditadura militar.
A alma dos receios de Fernando Henrique Cardoso está no que ele chama de "autoritarismo popular" (entre aspas no original, sem que se saiba por que). O que é isso, não se sabe. Trata-se de uma construção em cujo hermetismo está uma parte do seu significado. Referindo-se à democracia constitucional brasileira o ex-presidente informou que "esta supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente". Faltou a palavra voto, mas tudo bem pois o ex-presidente jamais teve o pé no golpismo. Ganha um livro de discursos de Fidel Castro quem souber como se distingue uma "deliberação consciente" de outra, inconsciente.
(Os liberais de 1945 imolaram suas biografias no altar da ditadura de 1964. Pode-se dizer que o golpismo da segunda metade do século passado nasceu no dia em que os liberais da redemocratização perderam a eleição de 1950 para o ex-ditador Getúlio Vargas.)
O artigo de Fernando Henrique Cardoso chama-se "Para onde vamos?", mas indica apenas para onde ele, com bons argumentos, acha que não se deve ir. Se o tucanato não souber dizer para onde se deve ir, o PT ganhará a eleição do ano que vem. Culpa de quem? De uma oposição que não se opõe? De um partido que não consegue ter candidato? Ou do povo, como em 1950?

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif


Tudo o que foi dito acima só vale alguma coisa para quem leu ou vier a ler o artigo do ex-presidente. Passando-se no Google "Fernando Henrique Cardoso" e "Para onde vamos?", chega-se a ele.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 4 de novembro de 2009. Grifos do blogueiro.


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O mundo corporativo está doente e as pessoas não podem mais ser elas mesmas

O mundo corporativo está doente e as pessoas não podem mais ser elas mesmas

Por Karin Sato - InfoMoney

O sacrifício em nome dos resultados e das metas da empresa sempre vale a pena, mesmo que isso envolva a família, os amigos e a saúde. Férias de 30 dias? Insanidade. Como a equipe vai sobreviver? O descanso deve ser picado ao longo do ano. Já o celular corporativo nunca pode ser desligado. E se o cliente ligar da Europa? No mundo globalizado, é necessário se adaptar a todos os fusos horários.

Verifica-se que não é mais permitido ser simplesmente você mesmo. Existem hoje cursos para se sair bem em entrevistas de emprego. As pessoas são treinadas para aparentarem super profissionais, de forma que comparecem a processos seletivos com respostas feitas e gestos pré-concebidos.

Mundo doente

Alguém já parou para pensar nos sacrifícios que estão sendo feitos pelo ser humano, em nome do emprego? "O mundo corporativo está doente", garante a psicanalista e diretora executiva da Lens & Minarelli, Mariá Giuliese, autora do livro "Será mesmo que você nasceu para ser empregado? - O mal estar no mundo corporativo", publicado pela Editora Gente.

Mariá lembra que o mercado de trabalho está cada vez mais desorganizado, focado predominantemente em resultados, metas e lucro. As questões humanas estão sendo abandonadas, aos poucos. "Existe uma competitividade dentro das empresas e também fora delas, no mercado de trabalho", diz. "Exige-se que as pessoas estejam sempre superando seus limites, sempre fazendo mais e melhor. Mas todos têm limites. É como se houvesse uma negação da questão humana. Isso causa sofrimento. O funcionário adoece e, com o tempo, a própria empresa adoece".

Segundo ela, quando a empresa fica "doente", acaba perdendo seus melhores talentos. "Somente depois dessas perdas, as organizações começam a fazer um esforço enorme para reter as pessoas. E esse grande esforço envolve estratégias de manipulação e sedução dos profissionais, no lugar de dar as condições reais para que estes se desenvolvam. O resultado é que a empresa perde produtividade e lucro".

Profissionais descrentes

Para Mariá, um dos principais problemas, atualmente, são os belos discursos das organizações, cada vez mais distantes da realidade. Mas as promessas são capazes de encher os funcionários de esperança. Surgem então as frustrações, os desapontamentos, e os discursos caem no vazio, a ponto de ninguém mais acreditar neles.

"Por exemplo, muitas empresas afirmam que acolhem e incentivam a diversidade. Mas, quando um funcionário diz algo que contraria seu gestor, ou mostra uma maneira diferente de ver as coisas, acaba sendo punido (de forma escancarada ou não). No fundo, as empresas preferem que todo mundo seja igual e pense igual, que todos funcionem da mesma forma e aceitem as concepções do principal executivo. As pessoas podem não aceitar tudo, mas espera-se que elas não demonstrem essa não-aceitação de forma contundente. É preciso obedecer", analisa.

A expectativa do outro

O mundo corporativo de hoje valoriza os profissionais com habilidades políticas. Não raro, as competências técnicas são deixadas de lado. Isso dá vazão à falsidade. Os profissionais correm o risco de perder sua identidade? Alguns podem estar indo por este caminho, já que, segundo a diretora da Lens & Minarelli, no trabalho, é evidente o esforço das pessoas para atender as expectativas de segundos ou terceiros, e não as suas próprias. "Por medo de perder o emprego, elas sentem a necessidade de atender os desejos dos outros e, se não o fazem, acabam excluídas pelo próprio grupo".

A avaliação de desempenho é um dos mecanismos que levam os profissionais a, conscientemente ou não, se esforçarem para atender a expectativa alheia. "É também uma ferramenta usada para manipular, tirar da frente quem incomoda e valorizar os que entram nas regras do jogo".

Essa seleção um tanto quanto darwinista começa já no processo seletivo, quando os gestores fazem um desenho do profissional desejado. "Eles esperam que o contratado seja de determinada universidade e tenha determinados conhecimentos e experiências, entre outras características", explica.


Dá para viver assim?

Quanto tempo uma pessoa suporta tamanha pressão? Quanto tempo ela consegue esconder sua verdadeira personalidade? Mariá não tem uma resposta, mas afirma que somente é possível sobreviver no mundo corporativo se as renúncias feitas pelos profissionais, em nome do emprego, não forem vitais a eles. "Creio que não dê para renunciar totalmente seu jeito de ser durante muito tempo".

A solução, em sua opinião, passa pela conscientização dos líderes. "Se a empresa começar a funcionar de acordo com seu discurso, já é meio caminho andado, porque os discursos são sempre bonitos. Além disso, os funcionários não podem ser punidos por expor ideias discordantes", afirma. "As organizações precisam ainda aprender a explorar o que cada um tem de melhor, no lugar de exigir o que as pessoas não têm. Não há nada mais cruel para o ser humano do que pretender dele algo que não possa dar. Cada um tem suas competências, vocações e interesses. Respeitando isso, haverá menos gente "doente" nas empresas".

Este texto foi visto no saite Administradores.

É surpreendente que um texto crítico como este seja publicado num saite com este nome.

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Reflexões de um ex-vira-lata

Reflexões de um ex-vira-lata

ANTONIO PATRIOTA , até recentemente embaixador brasileiro aqui em Washington, reclamou comigo: "Para de falar em complexo de vira-lata! O Brasil passou dessa fase". Talvez o nosso embaixador tenha razão. O Brasil vem ganhando autoconfiança com uma rapidez surpreendente.
Nas recentes reuniões do G20, em Londres e Pittsburgh, e na última reunião anual do FMI, em Istambul, o Brasil bateu um bolão. Somos subdesenvolvidos? Sim. Temos equipes pequenas? Sim, muito menores do que as dos países desenvolvidos. E, no entanto, as delegações brasileiras têm sido das mais atuantes e -correndo o risco de soar presunçoso- acrescento: das mais influentes.
A aliança Bric (Brasil, China, Índia e Rússia) vem sendo fundamental. Mas não é só isso. O Brasil, em si mesmo, tem tido um papel cada vez maior. Há um fator que nos ajuda enormemente: a imagem favorável do país no exterior. A cotação do Brasil está muito alta. Do Brasil como economia, do Brasil como ator na cena internacional, do Brasil como nação cultural.
Bem sei, leitor, que o brasileiro está longe de compartilhar uma visão tão positiva. Talvez porque esteja mais perto do Brasil e conheça melhor as nossas mazelas. Talvez porque o complexo de vira-lata ainda esteja mais vivo do que imagina o embaixador Patriota.
Faço ainda outra ressalva: existe provavelmente um certo economicismo na forma como os países são vistos internacionalmente. O chamado mercado (um dos codinomes da turma da bufunfa) só se interessa pelos indicadores econômicos e financeiros. Não quer nem saber da péssima distribuição de renda, dos problemas sociais, dos níveis ainda elevados de pobreza e de miséria.
Ora, os indicadores econômicos brasileiros têm ficado, em geral, acima do esperado. Até 2007-2008, os nossos detratores (quase sempre brasileiros) diziam: "O Brasil está navegando uma onda internacional favorável".
Veio então a maior crise internacional desde a Grande Depressão. A torcida adversária (brasileira, em geral) começou a salivar intensamente, aguardando o colapso. Não aconteceu. O Brasil sofreu os efeitos da crise, claro. Mas menos do que se esperava. A recuperação brasileira também começou mais cedo do que o previsto. Basta dizer uma coisa: no meio dessa crise mundial, o Brasil anunciou um empréstimo de US$ 10 bilhões ao FMI.
O meu complexo de vira-lata deu arrancos triunfais de cachorro atropelado (para combinar dois bordões do Nelson Rodrigues em uma única frase). Quis o destino ou o acaso que coubesse a mim, logo a mim -devedor nato, hereditário e até inadimplente-, ser o diretor-executivo pelo Brasil no Fundo exatamente nessa conjuntura. Qualquer um dos meus antecessores -Alexandre Kafka, Murilo Portugal ou Eduardo Loyo- desempenharia o papel de credor com mais categoria e convicção.
Só tenho uma coisa a dizer em meu favor: apesar de credor neófito, acho que preservo uma identificação autêntica com os devedores do FMI. Sei o que significa ser devedor dessa instituição e, dentro do que posso, empresto a minha voz aos países em crise, especialmente os pequenos e oprimidos (mesmo aos brancos de olhos azuis). Foi o que tentei fazer pela Islândia, por exemplo, que passou ontem pela Diretoria-Executiva do FMI.
Dizem que os mulatos podem ser os piores racistas. Que os cristãos-novos são os mais fervorosos. Que um credor neófito pode ser o mais linha-dura. Vamos tentar desmentir esses ditados.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 29 de outubro de 2009.


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terça-feira, novembro 17, 2009

Pesquisa revela oposição de jornais e revistas contra agenda da população negra



Em artigo na Carta Maior, Venício Lima apresenta resultados de uma pesquisa realizada pelo Observatório Brasileiro de Mídia que revela o posicionamento contrário de grandes revistas e jornais brasileiros em relação aos principais pontos da agenda de interesse da população afrodescendente (ações afirmativas, cotas, Estatuto da Igualdade Racial e demarcação de terras quilombolas). A pesquisa analisou 972 matérias publicadas nos jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e O Globo, e 121 nas revistas semanais Veja, Época e Isto É – 1093 matérias, no total – ao longo de oito anos.

No período compreendido entre 1º de janeiro de 2001 a 31 de dezembro de 2008, foi acompanhada a agenda da promoção da igualdade racial e das políticas de ações afirmativas em torno dos seguintes temas: cotas nas universidades, quilombolas, ação afirmativa, estatuto da igualdade racial, diversidade racial e religiões de matriz africana.

Com graus diferentes, os jornais observados se posicionaram contrariamente aos principais pontos da agenda de interesse da população afrodescendente. A argumentação central dos editoriais é de que esses instrumentos de reparação promovem racismo. Em relação à demarcação das terras quilombolas, os textos opinativos criticaram o Decreto n.º 4.887/2003 que regulamenta a demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O argumento principal foi o de que o critério da autodeclaração é falho e traz insegurança à propriedade privada.

A cobertura oferecida pelo jornal O Globo merece uma atenção especial no artigo:

O jornal dedicou 38 editoriais sobre os vários temas pesquisados, destes 25 ou 65,8% trataram especificamente de “cotas nas universidades”. Os três jornais publicaram 32 editoriais sobre o mesmo assunto. O Globo foi, portanto, responsável por 78% deles. Ainda que os principais argumentos contrários – as cotas e ações afirmativas iriam promover racismo (32%) ou os alunos cotistas iriam baixar o nível dos cursos (16%) – não tenham se confirmado nas instituições que implementaram as cotas, a posição editorial de O Globo não se alterou nos 8 anos pesquisados.

A pesquisa aponta ainda que, embora a maioria dos estudos e pesquisas realizadas por instituições como IBGE, IPEA, SEADE, OIT, UNESCO, ONU, UFRJ, IBOPE e DATAFOLHA, no período analisado, confirmem o acerto das políticas de ação afirmativa, apenas 5,8% dos textos publicados nos jornais noticiaram e debateram os dados revelados.

Visto no RS Urgente.

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Sociólogo avalia que Lula concluiu "legado reacionário" de Vargas

Sociólogo avalia que Lula concluiu "legado reacionário" de Vargas

Luiz Werneck Vianna diz que sucessos do governo não podem deixar em segundo plano justiça social

CLAUDIA ANTUNES
ENVIADA A CAXAMBU (MG)

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva concluiu a "modernização reacionária" do Brasil iniciada por Getúlio Vargas nos anos 30, quando o projeto de industrialização não foi acompanhado por reformas na estrutura agrária. O diagnóstico foi feito ontem pelo sociólogo Luiz Werneck Vianna, um dos principais nomes das ciências sociais brasileiras, na abertura do 33º encontro anual da Anpocs (Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), em Caxambu (MG).
Para Werneck Vianna, o presidente lidera uma "comunidade fraterna sob comando grão-burguês", em que ele "cimenta a unidade de contrários", mas com a hegemonia concedida ao grande capital rural e urbano.
Numa seção da qual também participaram o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcio Pochmann, e o cientista político tucano Antonio Lavareda, Werneck Vianna deixou claro que não estava desqualificando o governo Lula - "sei das coisas boas que aconteceram e precisam ser valorizadas"-, mas fazendo um alerta para o futuro.
Ele avalia que o Brasil se tornou um "global player" e vive a "hora da virada". "Vamos para uma escala de desenvolvimento que vai reiterar as mais doces expectativas que acalentamos nos anos 50 e 60", disse o professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio).
O problema, continuou, é que todos os setores "se aninharam no interior do Estado", do agronegócio aos sindicatos, passando pela indústria paulista. Esse Estado "verticalizado e centralizado", por sua vez, se diz "representante de todos", o que esvaziaria o debate público.
"A arca do tesouro vai servir a quem?", perguntou, referindo-se ao petróleo do pré-sal e às antigas demandas por justiça social. "Vamos organizar o capitalismo numa social-democracia avançada. Sim ao Estado forte, mas sob controle da sociedade, não sobreposto assimetricamente a ela", pregou.
O presidente do Ipea se referiu ao mesmo impasse. Pochmann disse que há agora "uma maioria política" capaz de deixar para trás o projeto de "integração passiva e subordinada" do Brasil ao mundo. Mas, para ele, ainda está em jogo que tipo de desenvolvimento o Brasil terá. "Teremos a mesma dinâmica do século passado, baseada em casas, carros, bens de consumo duráveis? Ou um desenvolvimento ambientalmente sustentável?", perguntou.
Pochmann defendeu que a disputa entre PT e PSDB pela "condução do atraso brasileiro" na eleição de 2010 definirá a continuidade do projeto de "capitalismo organizado" ou a volta à "financeirização" não produtiva. Os possíveis candidatos tucanos "têm menor possibilidade de se aliar às forças do produtivismo", disse.
Werneck Vianna minimiza. "Mesmo o Serra vai manter esse projeto, com modulações próprias", disse sobre o governador paulista, possível candidato do PSDB à Presidência.

Notícia da Folha de São Paulo, de 28 de outubro de 2009.

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De Frances.Perkins@org para D.Rousseff@gov - ou a Ministra do Trabalho de F.D. Roosevelt aconselha a Chefe da Casa Civil de Lula

De Frances.Perkins@org para D.Rousseff@gov

PREZADA MINISTRA Dilma Rousseff,
Quase certamente a senhora nunca ouviu falar de mim. Chamei-me Frances Perkins e fui a primeira mulher a ocupar um ministério no governo americano. Fui secretária do Trabalho de 1933 a 1945, entrei com Franklin Roosevelt e saí quando ele morreu.
Escrevo-lhe porque meu chefe pediu. Ele tem muito interesse pelo trabalho do seu presidente e soube que vocês trabalham numa Consolidação das Leis Sociais. Também acredito que posso lhe dar algumas sugestões.
Vá fundo ministra. Faça logo tudo o que se quer fazer. Quando eu cheguei à Casa Branca, as vendedoras do Bloomingdale's cumpriam jornadas de 14 a 16 horas. Os Estados Unidos não tinham salário mínimo, Previdência pública, seguro-desemprego nem plano de saúde universal. Quando saí, a jornada era de oito horas, os trabalhadores tinham aposentadoria e proteção no desemprego. Deixamos o plano de saúde para depois e deu no que deu.
Essas coisas não saíram a preço de custo. A Corte Suprema se tornara um estábulo do patronato. A Previdência era coisa de socialista e o vice-presidente quis mandar o Exército acabar com uma greve a bala. Diziam que não era Frances Perkins, mas Mathilda Watsky, nem seria americana e protestante, mas judia e russa.
Dona Dilma, minha militância social começou na tarde de 25 de março de 1911. Eu estava tomando chá no palacete de uma amiga e ouvimos a sirene dos bombeiros. Fomos ver incêndio e presenciamos a tragédia da Fábrica Triângulo. Morreram 146 operárias, quase todas italianas ou judias. As moças se atiravam do nono andar. Eu vi.
Passei a vida negociando com empresários e líderes sindicais. Sempre tive um fraco por gente rica. Minhas amigas progressistas eram chamadas de "Brigada do Vison". Nesse sentido, acho que a senhora circula pouco na área atapetada. Erro. Eu consegui que o empresariado aceitasse a sindicalização dos trabalhadores e quem me ajudou foi o presidente da US Steel. Depois ele foi nomeado embaixador no Vaticano. Quero lhe confessar que nunca gostei de sindicalistas, mas negociei umas 200 greves, algumas das quais com mortos, e uma delas com dinamite.
Sei que acusam a senhora de mal-humorada. É coisa de homem. Pegue mais pesado. Quando fui assumir a secretaria, o meu antecessor disse que eu deveria esperar, pois ele tinha um compromisso para o almoço. Respondi que estava muito bem, pois assim teríamos tempo para tirar as coisas dele da sala. Tenho horror a jornalistas e acho que vivi melhor assim. Eu adorava mentir para eles. (Aliás, meu nome não era Frances, mas Fannie.)
Faça a Consolidação das Leis Sociais ampliando os programas que já existem e crie outros. O Getúlio Vargas, que é amigo do meu chefe e detesta o seu, diz que o Bolsa Família é demagogia, mas gosta do ProUni. Eu gosto de todos.
Sei que a senhora é candidata a presidente da República e que está sendo acusada de buscar alianças com larápios. Faz muito bem. Quando o corrupto vem para o nosso lado, podemos confiar na sua lealdade. Eles nunca me decepcionaram.
Finalmente, um conselho: procure economizar. Eu conheço o seu patrimônio. É menor que o meu quando fui para o governo. Pois até vir para cá, em 1965, aos 85 anos, eu morava de favor na Universidade de Cornell.
Muito cordialmente,
Frances Perkins

Texto de Elio Gaspari, publicado na Folha de São Paulo, de 28 de outubro de 2009. Alguns destes textos do Gaspari são ótimos.

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Fora FMI!

FORA FMI, AMEAÇA "WSJ"

O "Wall Street Journal" se voltou em editorial contra conceder mais poder aos "políticos de Pequim e Brasília" no Fundo, como vem negociando o G20.
Questiona não serem "credores de longo prazo" no FMI, como os EUA. Diz que o Fundo "não é uma democracia" e, "se for para virar um banco da ONU, os contribuintes americanos devem parar de pagar por ele". Afinal, "com o FMI de antigamente pelo menos se podia contar na hora de apoiar os interesses geopolíticos do Ocidente".

Trecho da coluna Toda Mídia, na Folha de São Paulo, de 27 de outubro de 2009. Destaques do blogueiro. Uma palavra exemplar sobre o motivo da existência do FMI.

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A desordem das coisas

A desordem das coisas

A DISPUTA verbal de Lula e Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, é uma confrontação de personalidades que se consideram cada qual detentora de poder maior que o da outra, na ordem institucional. Lula é o do "quem decide sou eu e mais ninguém". Gilmar Mendes é o do "eu sou o presidente de um dos Poderes", aquele Poder que julga e pode anular decisões dos outros dois. Mas a disputa reflete, sobretudo, a desordem em que anda a ordem, a ponto de tornar difícil caracterizar o regime político atual (mas não de hoje, propriamente).
Ninguém esperaria que Lula confirmasse estar fazendo, nos incontáveis comícios e solenidades com a ministra Dilma Rousseff a reboque, a apresentação eleitoreira de sua (até agora) candidata presidencial. De nada valem, portanto, as suas negativas. A quantidade de atos em que a ministra está presente pelo país afora, sem razão para isso, tanto desmente Lula quanto a apelação ridícula da própria, de que as críticas a respeito provêm de discriminação por ser mulher.
Apesar da transgressão das leis eleitorais, a sem-cerimônia com que o presidente do Supremo se põe a criticar a conduta de Lula, publicamente, não está na ordem das coisas.
Começa por haver nisso um sentido político implícito, senão mesmo partidário. Além disso, é assunto passível de julgamentos pelo Supremo, sobre o qual o presidente do tribunal emite pré-voto. O que não é incomum na sedução microfônica e televisiva que mobiliza Gilmar Mendes, mas não está na ordem das coisas.
O Legislativo, coitado (ou coitados de nós), está reduzido a uma secretaria abagunçada do Executivo. Lula o entope de medidas provisórias que contrariam as exigências constitucionais para sua emissão. Faz o próprio Congresso introduzir contrabandos nas medidas a serem votadas, depois dos congressistas terem decidido, várias vezes, proibir tal truque. Decide até o destino dos escândalos da Casa, ao determinar a conduta da "base aliada" diante deles. O Congresso está aberto, como queríamos, mas sua condição subalterna não está na ordem das coisas.
Logo no seu segundo artigo, componente "Dos princípios fundamentais" do regime e da ordem institucional, a Constituição diz que "são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". O preceito não coincide com a realidade, em que o Legislativo perdeu para o Executivo a independência e o poder de iniciativa, o Executivo dispensa sem problemas a estrutura legal, e o Judiciário transborda seus limites ético-constitucionais e até legisla em matéria eleitoral, em matéria indígena e em matéria penal.
Agora também não sei nem em que regime vivemos. E o que não sabia já muito era sufocante.

Este texto é parte da coluna de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 27 de outubro de 2009.


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TV deixa de ser item mais importante entre os jovens

TV deixa de ser item mais importante entre os jovens

A TV, o eletrodoméstico de maior penetração no país, já não é considerado o item mais importante do dia a dia para a população jovem (de até 34 anos), segundo resultado de pesquisa feita pelo Ibope sobre hábitos de consumo de meios de comunicação.
Para a faixa etária de dez a 17 anos,o computador com acesso a internet é o aparelho mais relevante (com 82% no ranking de prioridade), seguido pela TV (65%) e telefone celular (60%). Dos 18 aos 24 nos, o líder do ranking passa a ser o telefone celular (78%), com computador ligado à rede (72%) e TV (69%) em sequência, o que tem pequenas diferenças em relação ao próximo grupo, dos 25 aos 34: celular (81%), TV (73%) e computador (65%). Na média geral da população, a TV fica na liderança da pesquisa, com77% de preferência.
Para Dora Câmara, diretora comercial do Ibope, os resultados também são explicados por um processo de convergência: quanto mais jovem a população, maior é a capacidade de acomodar os meios de comunicação de forma simultânea.
"Metade dos jovens de 12 a 19 anos costuma acessar a internet enquanto veem TV ou ouvem rádio", diz.
Apesar disso, 82% dos 800 entrevistados preferem consumir um meio de cada vez. Dora brinca que, apesar da evolução dos meios, "o homem ainda é versão 1.0", o que de certa forma explica essa preferência. "Estamos cada vez mais midiáticos, mas isso não significa que abandonaremos os meios mais antigos. Apenas incorporamos os novos em nossa rotina", diz Dora.


Trecho da coluna Toda Mídia, na Folha de São Paulo, de 26 de outubro de 2009.


As emissoras de TV deveriam ficar preocupadas.


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Privatizem as secretarias da saúde

Que privatizem as secretarias da Saúde

CID CARVALHAES

A TERCEIRIZAÇÃO da saúde por meio das OSS (organizações sociais de saúde) é uma proposta antidemocrática e antissocial. Desde que foi implementada, tem demonstrado dificuldades em apresentar o controle do destino de verbas do dinheiro público para o privado.
Na realidade, tem acumulado dívidas orçamentárias grandiosas. Veja como exemplo o caso da Fundação Zerbini, com dívida de R$ 260 milhões, sem falar de Sanatorinhos (Carapicuíba e Itu), Hospital Francisco Morato, maternidade de Cotia, entre outros.
Os governos estadual e municipal alegam que o custo de internação nos hospitais administrados pelas OSS é baixo. Mas o problema é que nesses hospitais não são atendidos pacientes com doenças de alta complexidade.
Não há unidades de hemodiálise para tratamento de doentes renais crônicos, por exemplo. Quem precisa de internações prolongadas encontra as portas fechadas, e os atendimentos e internações são seletivos. Os politraumatizados também não são atendidos. Além disso, os hospitais não fazem transplante de órgãos nem oferecem medicação de alto custo.
Os pacientes com problemas complexos são enviados para outros hospitais ou prontos-socorros da rede pública sem a certeza da agilidade no atendimento.
A alegação de que as OSS não têm fins lucrativos é usada como desculpa para o pagamento de "polpudos" salários a seus diretores. Os cargos em comissão são preenchidos de acordo com os interesses circunstanciais dos gestores privados, levantando a hipótese de benefícios imediatistas de quem os promove.
Quem perde é a população, principalmente a mais carente. Em São Paulo, o assunto não chegou sequer a ser discutido no Conselho Municipal de Saúde. O Ministério Público já denunciou que é uma maneira de burlar, de uma só vez, o controle público, a lei de licitações, os limites para gastos com pessoal e a responsabilidade fiscal, ultrajando o SUS.
As OSS podem contratar serviços e funcionários e usar bens municipais sem recorrer a licitações ou concursos públicos, bastando apenas a assinatura de convênios. Tais métodos são contrários aos princípios consagrados da administração pública.
Fica claro que o convênio transfere para a iniciativa privada importante segmento do patrimônio público, sem nenhum controle do Tribunal de Contas. Funcionários capacitados e experientes, que dedicaram suas vidas ao serviço público, podem ser trocados como se trocam computadores.
A defesa intransigente das OSS pelo governo do Estado de São Paulo representa uma desculpa burocrática, uma confissão de completa inoperância do governo para justificar sua ineficiência gerencial. Querem um governo mínimo com alta carga tributária e transferência de recursos para atender a interesses mercantilistas da iniciativa privada. Isso é uma fuga da responsabilidade.
Houve inversão na maneira de interpretar a legislação, que diz que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado. A Constituição diz que a iniciativa privada pode atuar como complementar aos serviços de saúde. Na prática, os defensores das OSS deixam o Estado como atividade complementar, invertendo a lógica da lei e prejudicando a população que depende da saúde estatal.
A lei das OSS se assemelha a outra experiência rechaçada pela população de São Paulo, ou seja, o PAS, do ex-prefeito Paulo Maluf. Trata-se, na verdade, de um PAS de casaca.
Portanto, desafio a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e o governo do Estado a abrir as contas dos hospitais e unidades de saúde administradas por OSS para que a verdade seja levada ao conhecimento da opinião pública. Que venha a privatização. Mas por que eles não privatizam antes a própria Secretaria da Saúde e, também, as chefias dos Executivos?


CID CARVALHAES médico e advogado, é presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo.

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 26 de outubro de 2009.

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Volta por cima

VOLTA POR CIMA

O novo ministro de Assuntos Estratégicos, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, passou sete anos debaixo de chumbo na Secretaria-Geral do Itamaraty. Para que não se coma lebre por gato, é bom lembrar que ele foi o único diplomata com coragem suficiente para denunciar a arapuca da Alca. Ela criaria uma zona de livre comércio do Alasca à Patagônia, e o tucanato gostava da ideia. A ousadia custou-lhe uma repreensão e o cargo de diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais do Itamaraty, mas a Alca morreu. Com a ida do embaixador para um ministério fabricado para receber o professor Roberto Mangabeira, talvez ele vire coisa séria.

Trecho da coluna de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 25 de outubro de 2009.

Por este texto, Elio Gaspari tem simpatias pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, e não tem muitas simpatias pela ALCA. Muitos dos colegas de Gaspari faziam / fazem justamente o contrário, chamam Samuel Pinheiro de "radical", "petista", "terceiro-mundista", "anti-americano", por aí... E tecem loas à ALCA, ao livre-mercadismo, e ao atrelamento da política externa e do comércio externo brasileiros, de forma ainda mais extensa, aos Estados Unidos.

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sexta-feira, novembro 13, 2009

Macaco Simão na Sexta-Feira 13: 2) Apagão

ITAIFU Urgente! Tarso Genro disse que o apagão foi um microacidente. Na casa dele só deve ter queimado o micro-ondas! E o Lobão diz que a causa do apagão foi um raio! RAIO? Engulo sapo, mas não engulo raio! Avisa o ministro que, em caso de tempestades e temporais, o lugar mais seguro é perto da sogra. Porque não há raio que a parta!
E as duas verdadeiras causas do apagão. Primeira: a Madonna deixou o vibrador ligado. E apagou o Brasil. Aliás, a Madonna não sofreu com o apagão. Porque ela namora o Jesus Pinto da Luz. Pinto da Luz? Então ela namora uma lanterna. Perfeito.
Segunda causa: o Hugo Chávez puxou um gato pra tomar um banho. E apagou o Brasil. Aliás, em Aracaju tem um chaveiro chamado Hugo e o nome do estabelecimento é Hugo Chaves. E celular no apagão que não funcionava? Celular virou molecular. Manda o moleque dar o recado.
E o site Eramos6: "Ministro Lobão diz que apagão foi tão grande que até a casa dos Três Porquinhos ficou sem luz". E o que a Dilma falou pro Lobão? "Pra que esse apagão tããão grande?" "Pra te comer, Chapeuzinho." Adorei a charge do Pelicano com o Lula: "Mantega, temos que incluir um item na linha branca: vela".

Na Folha de São Paulo, de 13 de novembro de 2009.

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Macaco Simão na Sexta-Feira 13: 1) Uniban

E a Uniban proibiu o Twitter porque o texto é muito curto!

Na coluna dele na Folha de São Paulo, nesta sexta-feira, 13 de novembro de 2009.


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quarta-feira, novembro 11, 2009

A visita de Peres, no alvo errado

A visita de Peres, no alvo errado

O presidente de Israel, Shimon Peres, inicia hoje sua visita ao Brasil (e, depois, à Argentina) preocupado com o que se deu por chamar como "infiltração iraniana".

É uma preocupação fora de foco. Não que Israel não tenha que se preocupar com o Irã. Todo o mundo tem mesmo que inquietar-se com ditaduras, ainda mais de fundo teológico. Costumam ser perigosas.

Mas não é no Brasil e menos ainda na Argentina que se vai encontrar "infiltração iraniana". Os atentados contra a embaixada de Israel, primeiro, e contra a sede de uma entidade assistencialista judaica depois, ambos em Buenos Aires, atribuídos a agentes iranianos (inclusive a um ministro do atual governo), tornam impraticável qualquer hipótese de colaboração entre o governo Cristina Kirchner e o Irã.

No Brasil, é de fato lamentável que o presidente Lula tenha sido condescendente com a negação do Holocausto feita, uma e outra vez, pelo presidente Ahmadinejad. Mas daí a suspeitar de "infiltração vai um abismo intransponível.

O foco da visita de Peres, o último grande patriarca do Estado judeu, deveria estar, isto sim, na infiltração israelense em territórios palestinos.

Não creio que, como presidente, Peres possa abrir seu coraçãozinho no Brasil. Mas não custa lembrar que ele foi o principal parceiro de Yitzhak Rabin, o primeiro-ministro assassinado por extremistas judeus exatamente por ter sido o que abriu o caminho para um acordo com os palestinos. Acordo, que, com Ehud Barak, colega de partido de Peres e Rabin (o Partido Trabalhista), ficou a passos de ser sacramentado.

Por isso, Peres, como Rabin, era chamado de "irmão" por Iasser Arafat, o primeiro presidente da Autoridade Palestina.

Não é o caso de rememorar aqui todos os eventos que levaram da iminência de um acordo à iminência da destruição dos territórios palestinos.

O fato relevante a propósito da visita de Peres é a ameaça real de extinção da Autoridade Palestina, a única que Israel e todo o Ocidente considera capaz de negociar a paz. Se estão certos em perseguir e marginalizar o Hamas, é outra discussão. O fato é que o país que Peres preside está sufocando Mahmud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, a tal ponto que ele afirmou que não disputará a reeleição no pleito em princípio convocado para janeiro.

Pode ser mera tática para extrair concessões, mas faz todo o sentido a avaliação de Saeb Erekat, o principal negociador palestino, para o "New York Times". Diz Erekat que Abbas está se dando conta de que "fez todo o caminho com o processo de paz de forma a criar um Estado palestino, mas o Estado não está à vista".

Nessa situação, fecha o raciocínio com impecável lógica: "Não há necessidade de um presidente ou de haver uma Autoridade [Palestina]".

Tudo somado, é a Palestina, não o Irã, que deveria ser o foco da visita de Peres.

Texto de Clóvis Rossi, na Folha Online.

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terça-feira, novembro 10, 2009

Os riscos do vice-presidencialismo

Os riscos do vice-presidencialismo


LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO

TÊM SIDO bastante debatidas as convergências e as complementaridades das políticas econômicas e sociais dos governos FHC e Lula.
Pouco se disse, entretanto, sobre a estabilidade institucional assegurada pelo sistema de dois turnos e pela reeleição dos dois presidentes.
A introdução dos dois turnos ofereceu vitórias incontestes aos presidentes eleitos desde 1989. Ainda quando foi decidida no primeiro turno, como em 1994 e 1998, a eleição garantiu a maioria absoluta dos votos válidos a FHC. Nem sempre foi assim: a vitória de Juscelino Kubitschek em 1955, com apenas 36% dos votos válidos, desencadeou uma campanha golpista e uma grave crise política.
Votada no Congresso sob suspeita de corrupção, em vez de ser submetida à legitimidade de um referendo nacional -como defendia, entre outros, Franco Montoro-, a emenda da reeleição superou seu aleijão de nascença e demonstrou sua viabilidade. O abandono dos projetos sobre terceiro mandato ajudou a firmar a reeleição simples no edifício político do país.
Outro ponto importante da normalização política foi a transformação do estatuto do vice-presidente. De saída, é preciso atentar para o fato de que o Brasil parece ser o único país do mundo dotado de um sistema presidencialista multipartidário, com eleição direta de dois turnos, em que são eleitos conjuntamente o presidente e o vice-presidente.
No período 1946-1964, com eleições num turno único, seguia-se no Brasil a prática americana. A escolha do vice-presidente concretizava a aliança que potencializava o alcance eleitoral do candidato a presidente.
Quando o vice -eleito diretamente- tinha voo próprio, como no caso de Jango, vice-presidente de Kubitschek e de Jânio, o quadro se complicava.
Com os dois turnos, as regras do jogo mudaram. Como escreveu um autor, depois do primeiro turno, o candidato a vice-presidente é como uma bananeira que já deu cacho. Tendo atraído a maioria dos votos que poderia puxar para seu companheiro de chapa, sua atuação não ajuda a campanha do segundo turno. Mas pode atrapalhar os entendimentos com candidatos derrotados no primeiro.
Por esse motivo, a escolha do candidato a vice-presidente transformou-se numa operação delicada para os presidenciáveis. Parte do sucesso dos dois mandatos de FHC e de Lula repousa, aliás, na escolha de vice-presidentes que cumpriram suas funções com relativa discrição e total fidelidade aos dois presidentes, antes e depois das eleições. Por caminhos tortuosos, desenhou-se uma prática política e constitucional que vem assegurando a democracia e o crescimento econômico.
A aliança entre o PT e o PMDB apresenta outra relação de forças. Caso o deputado Michel Temer venha a ser o candidato a vice-presidente na chapa da ministra Dilma Rousseff, configura-se uma situação paradoxal.
Uma presidenciável desprovida de voo próprio na esfera nacional, sem nunca ter tido um voto na vida, estará coligada a um vice que maneja todas as alavancas do Congresso e da máquina partidária peemedebista. Deputado federal há 22 anos seguidos, constituinte, presidente da Câmara por duas vezes (1997-2000 e 2009-2010), presidente do PMDB há oito anos, Michel Temer vivenciou os episódios que marcaram as grandezas e as misérias da política brasileira.
O partido sob sua direção registra uma curiosidade histórica. Sendo há mais de duas décadas o maior partido político brasileiro, jamais logrou eleger o presidente da República. Daí a sede com que vai ao pote ditando regras ao PT e a sua candidata à Presidência. Já preveniu que quer participar da organização da campanha presidencial, disso e daquilo. No horizonte, desenha-se um primeiro impasse.
O peso do PMDB e a presença de Temer na candidatura a vice irão entravar, no segundo turno, a aliança de Dilma com Marina Silva, Plínio Arruda Sampaio (candidato do PSOL) e as correntes de esquerda que tiverem sido derrotadas ou optado pelo voto em branco e voto nulo no primeiro turno.
Levado adiante, o impasse poderá transformar a ocupante do Alvorada em refém do morador do Palácio do Jaburu. Talvez, então, Temer tire do colete uma proposta que avançou alguns anos atrás. O voto, num Congresso aos seus pés, de uma emenda constitucional instaurando o parlamentarismo. Em outras palavras, complicada no governo Lula, a aliança PT-PMDB pode se tornar desastrosa num governo Dilma em que Michel Temer venha a ocupar o cargo de vice-presidente.
A declaração de Lula sobre a eventual aliança de Jesus e Judas deu lugar a um extravagante debate teológico. Mas a questão essencial é mais terra a terra. E só o futuro dirá se a frase de Lula terá sido uma simples metáfora ou uma funesta premonição.


LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO , 63, é professor titular de história do Brasil da Universidade de Paris - Sorbonne, autor de "O Trato dos Viventes" e editor do blog sequenciasparisienses.blogspot.com .

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 25 de outubro de 2009.

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Judas - A charge da Folha de São Paulo - 25/10/2009



A charge da Folha de São Paulo.

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Elio Gaspari: A Guerra do Rio

A guerra do Rio é uma metáfora cavilosa

O RIO GANHOU um novo problema, a blindagem dos helicópteros da polícia. (E por que só os da polícia?) Os três jovens mortos na entrada do morro dos Macacos são uma nota de pé de página. Três dias de desordens nas estações da Supervia já são coisa do passado. De uma hora para outra, o carioca sente-se num cenário de "Tropa de Elite".
Primeiro, ele parou de caminhar pelas ruas do bairro depois do jantar. Um país com a taxa de fecundidade de 6,3 filhos por casal não podia ir para a frente. Depois, faz tempo, surgiram as grades nos jardins do recuo dos edifícios. Do Leblon ao Leme há algo como 10 mil metros de calçadas gradeadas, mas não poderia ser diferente: nessa época a população favelada do Rio dobrara de 335 mil pessoas para 722 mil.
Isso acontecia numa cidade em que, até 1983, pareceu irrelevante o fato de os ônibus não passarem pelo túnel Rebouças, inaugurado em 1966. Parecia natural que a choldra da zona norte não tivesse acesso fácil a Copacabana e Ipanema.
Na virada do século foi preciso blindar o carro. Pensando bem, era uma impropriedade estatística. A taxa de fecundidade das brasileiras caíra para 2,9 filhos por casal. Estavam nascendo menos pobres, portanto, não fazia sentido que a população favelada chegasse a 722 mil almas, quase 15% da população da cidade.
Aos perigos e transtornos impostos ao carioca somou-se a cenografia de uma guerra. A crise da segurança pública do Rio não é uma guerra. Pode ser pior, mas não é guerra. Os quatro anos da ocupação alemã em Paris foram menos cruentos que quaisquer quatro anos do Rio, desde 1980. A ideia de uma guerra pressupõe um inimigo perfeitamente identificado e a disposição de se utilizar todas as forças disponíveis para submetê-lo. Guerra pressupõe tentar devolver o Vietnã do Norte à Idade da Pedra.
Não há guerra no Rio, o que há é uma metáfora de conveniência. Ela cria o cenário da emergência, mas não pode dar o passo seguinte, que seria o reconhecimento de que uma parte da cidade está em guerra com outra, como aconteceu na Argélia, ou na África do Sul da fase mais agressiva do "apartheid".
Esse passo não é dado porque, apesar dos surtos demofóbicos, a sociedade brasileira nunca se associou a um projeto desse tipo. Colocando a coisa de outro modo: o pedaço da sociedade que seria capaz de apoiar uma política de violência segregacionista levando-a a consequências extremas, ainda não tem coragem para vocalizar suas propostas e não haverá de tê-la nos próximos anos. Pensar que essa linha de pensamento não existe é colocar a ingenuidade a serviço das boas maneiras.
A metáfora da guerra não define o inimigo mas, cavilosamente, deixa-o subentendido. Ele está na favela ("fábrica de marginais", na definição do governador Sérgio Cabral). Essa guerra sem inimigo produz cenários, cenas de batalha, vítimas e juras de vingança, nada mais. Tudo fica parecido com "Tropa de Elite". Uma metáfora pode sustentar um filme, mas não resolve as questões da segurança de uma cidade.
Se o clima de guerra sair da agenda do Rio, não há qualquer garantia de que as coisas melhorem, mas pelo menos será retirada a cortina de fantasia que mascara políticas públicas fracassadas.

Coluna de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 21 de outubro de 2009.

Em tempo: Segundo o Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa, cavilosa significa algo como fraudulenta, ou sofismática, ou capciosa.


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Indignação com as Laranjeiras

Indignação com as laranjeiras

HÁ UMA semana, duas queridas amigas disseram-me da sua indignação contra os invasores de uma fazenda e a destruição de pés de laranja. Uma delas perguntou-me antes de qualquer outra palavra: "E as laranjeiras?" -como se na pergunta tudo estivesse dito.
Essa reação foi provavelmente repetida por muitos brasileiros que viram na TV aquelas cenas. Não vou defender o MST pela ação, embora esteja claro para mim que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é uma das únicas organizações a, de fato, defender os pobres no Brasil. Mas não vou também condená-lo ao fogo do inferno. Não aceito a transformação das laranjeiras em novos cordeiros imolados pela "fúria de militantes irracionais".
Quando ouvi o relato indignado, perguntei à amiga por que o MST havia feito aquilo. Sua resposta foi o que ouvira na TV de uma das mulheres que participara da invasão: "Para plantar feijão". Não tinha outra resposta porque o noticiário televisivo omitiu as razões: primeiro, que a fazenda é fruto de grilagem contestada pelo Incra; segundo, que, conforme a frase igualmente indignada de um dos dirigentes do MST publicada nesta Folha em 11 deste mês, "transformaram suco de laranja em seres humanos, como se nós tivéssemos destruído uma geração; o que o MST quis demonstrar foi que somos contra a monocultura".
Talvez os dois argumentos não sejam suficientes para justificar a ação, mas não devemos esquecer que a lógica dos movimentos populares implica sempre algum desrespeito à lei. Não deixa de ser surpreendente indignação tão grande contra ofensa tão pequena se a comparamos, por exemplo, com o pagamento, pelo Estado brasileiro, de bilhões de reais em juros calculados segundo taxas injustificáveis ou com a formação de cartéis para ganhar concorrências públicas ou com remunerações a funcionários públicos que nada têm a ver com o valor de seu trabalho.
Por que não nos indignarmos com o fenômeno mais amplo da captura ou privatização do patrimônio público que ocorre todos os dias no país? Uma resposta a essa pergunta seria a de que os espíritos conservadores estão preocupados em resguardar seu valor maior -o princípio da ordem-, que estaria sendo ameaçado pelo desrespeito à propriedade.
Enquanto o leitor pensa nessa questão, que talvez favoreça o MST, tenho outra pergunta igualmente incômoda, mas, desta vez, incômoda para o outro lado: por que os economistas que criticam a suposta superioridade da grande exploração agrícola e defendem a agricultura familiar com os argumentos de que ela diminui a desigualdade social, aumenta o emprego e é compatível com a eficiência na produção de um número importante de alimentos não realizam estudos que demonstrem esse fato?
A resposta a essa pergunta pode estar no Censo Agropecuário de 2006: embora ocupe apenas um quarto da área cultivada, a agricultura familiar responde por 38% do valor da produção e emprega quase três quartos da mão de obra no campo.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, nesta Folha listou esses fatos e afirmou que uma "longa jornada de lutas sociais" levou o Estado brasileiro a reconhecer a importância econômica e social da agricultura familiar. Pode ser, mas ainda não entendo por que bons economistas agrícolas não demonstram esse fato com mais clareza. Essa demonstração não seria tão difícil -e talvez ajudasse minhas queridas amigas a não se indignarem tanto com as laranjeiras.

Texto de Luiz Carlos Bresser-Pereira, na Folha de São Paulo, de 19 de outubro de 2009.


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Mestiços, graças a Deus

Mestiços, graças a Deus

EM 1985, QUANDO falei como presidente nas Nações Unidas, tive uma pequena divergência com o Itamaraty. Eu mesmo trabalhara o meu discurso e tinha escrito: "Malsinado o homem que tiver vergonha de pensar na terra sem a companhia de Deus" e "o Brasil é um grande país mestiço que se orgulha de sua identidade".
Eles me advertiram que a referência a Deus não era diplomática, uma vez que a ONU era uma instituição laica e tinha países de vários credos ou mesmo ateus ou agnósticos. A outra observação era que eu não podia falar em país mestiço. Não era de bom tom.
Recusei as duas observações e mantive meu texto. Sobre ser mestiço, ressaltei que várias das mais altas expressões criadoras da nossa cultura provieram da mescla racial, da mútua fertilização das etnias.
Citei Machado, o Aleijadinho, gênio do barroco, e Villa-Lobos, incorporado à música universal. E quanto o Brasil deve, na sua cultura popular, ao gênio negro e ao espírito ameríndio.
Agora, lendo os novos dados do IBGE, vejo que o número de pardos, negros e índios passou o de brancos. O sonho racista do século 19 do branqueamento da população cede ao forte sangue da miscigenação, cada vez mais presente no brasileiro.
Isso faz com que a discriminação racial, que aqui é crime, e não só ilegítima, não tenha campo para expansão em nosso país. Relembro Gilberto Amado, que, como argumento de que no Brasil não havia discriminação, invocava um motivo semântico: aqui o mais carinhoso tratamento que se podia fazer a uma mulher era chamá-la de minha neguinha.
O IBGE diz que a população brasileira hoje possui 48,4% (menos de metade) de brancos, 43,8% de pardos, 6,8% de negros e 0,9% de índios. Estes números revelam que cada vez mais construímos uma identidade própria e ultrapassamos a polêmica do passado entre os sociólogos, principalmente aqueles que nos julgavam vítimas de aspectos negativos das "raças inferiores".
É bom lembrar que Darwin, em "A Descendência do Homem", após analisar a grande quantidade de classificação de raças, dizia que estas não eram um conceito biológico, e sim sociológico. O IBGE traz mais notícias boas, como a diminuição da pobreza, onde milhões de brasileiros deixaram a faixa da miséria. E já entramos na modernidade em nossas casas, com 1/4 delas conectadas à internet e 18 milhões já possuindo computador.
O Brasil alcançou um novo patamar internacional, e no mundo já foi o tempo de sermos chamados de cucarachos. Foi assim que li em Juan Arias que o brasileiro se distingue de todos pela sua "vocação inata à felicidade". É a nossa alegria. E veio da África. Vamos esquecer o empate com a Venezuela.

Texto do Senador José Sarney, na Folha de São Paulo, de 16 de outubro de 2009.


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