sexta-feira, abril 24, 2009

A sombra de Lassance

A sombra de Lassance

BRASÍLIA - Quando o médico Carlos Chagas concluiu seu magnífico feito científico, ao determinar o ciclo do mal que leva seu nome, o brasileiro médio não tinha esperança de viver mais que 30 e poucos anos. Cem anos depois, a expectativa de vida mais que dobrou.
É pessimismo inconsequente ignorar que, se não atinge níveis escandinavos de conforto social, o Brasil passou por um processo brutal de modernização do século 20 para cá. O quadro fica um pouco menos róseo, contudo, quando você lê uma reportagem como a que esta Folha publicou ontem, revisitando a cidade em que Chagas fez o seu trabalho.
Lassance, um rincão perdido em Minas Gerais, ainda registra casos do mal de Chagas. Insetos vetores da doença infestam casas construídas de modo análogo às feitas em 1909. Parece inacreditável, mas é perfeitamente explicável.
Por ser doença de pobre, o mal de Chagas nunca atraiu recursos suficientes dos grandes laboratórios para aprimorar seu tratamento. A melhor prevenção ainda é matar os barbeiros, insetos hematófagos que carregam o protozoário causador da doença. Para piorar tudo, a doença está se propagando por regiões da América Latina em que não ocorria, como relata a revista "The Economist" desta semana.
Qual a saída? Investimento em pesquisa. Fazer com que o Brasil saia de sua posição vexatória de país que investe pouco em pesquisa e desenvolvimento -algo mais que 1% do PIB, incluindo na conta os investimentos públicos e privados.
Hoje o país tem um desempenho pífio no registro de patentes, perdendo feio não só para o ricos mas para nações que investiram pesadamente em educação, como a Coreia do Sul. Não é fortuito, pois, que tenhamos tão poucos Carlos Chagas para celebrar. E tantas Lassances a jogar sombras sobre a justa comemoração.

Texto de Igor Gielow, na Folha de São Paulo, de 13 de abril de 2009.


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