sexta-feira, abril 17, 2009

Entrevista com Akiva Eldar, Jornalista do Haaretz, de Israel

Isolar Jerusalém vai opor Israel aos EUA, aponta analista


Para Akiva Eldar, meta do novo governo de expandir colônia na Cisjordânia representará o término do processo de paz

Pesquisador da história dos assentamentos defende pressão americana para coibir plano de Netanyahu

LUÍS FERRARI
DA REPORTAGEM LOCAL

Se implantado, o plano do novo governo israelense de expandir assentamentos na Cisjordânia, "ilhando" o setor árabe de Jerusalém, vai precipitar uma crise com Washington. O diagnóstico é de Akiva Eldar, autor de um livro sobre a história das colônias judaicas e editorialista do "Haaretz". Ele fala com autoridade de quem atuou dez anos como correspondente diplomático e mais três na chefia do escritório em Washington de um dos mais influentes jornais de Israel.

FOLHA - Como a colonização da área E1 afeta a ideia de instalar a capital palestina em Jerusalém Oriental?
AKIVA ELDAR
- O plano de cercar a Grande Jerusalém com comunidades judaicas remove qualquer chance de os palestinos conectarem Jerusalém a outras partes da Cisjordânia. Com a construção do muro, na E1 e outras colônias a Cisjordânia será cortada ao meio. A população palestina cresce rapidamente e eles não têm onde construir novas casas.

FOLHA - Pode ser imposto um isolamento como o da faixa de Gaza?
ELDAR
- Ao menos em Gaza há unidade territorial, sem assentamentos. Em Jerusalém, o plano de ampliar colônias não permitirá a separação entre israelenses e palestinos, em prol da solução dos dois Estados.

FOLHA - Colonizar E1 é ideia do premiê, Binyamin Netanyahu, ou do chanceler, Avigdor Liberman?
ELDAR
- É mais antiga. Desde 93, com o Acordo de Oslo, ficou claro que precisava ser congelada. O plano passou por comitês de planejamento e zoneamento. Todos os premiês sofrem pressão do prefeito de Maale Adumim, a segunda maior colônia na Cisjordânia, para expandir a E1. A meta é ter 3.500 famílias, criar hotéis e uma zona industrial.

FOLHA - Contempla palestinos?
ELDAR
- O governo dirá que, na área industrial, podem ser criados empregos para palestinos, não casas. Os assentamentos são só para judeus.

FOLHA - Onde viveriam os árabes trabalhadores do parque industrial?
ELDAR
- (Risos) Acha que Netanyahu e Liberman se importam? Talvez eles gostariam que o Brasil os recebesse...

FOLHA - Como seria a reação dos EUA à expansão dessa colônia?
ELDAR
- A rigor, a única razão para a E1 permanecer no papel é a pressão americana. Isso ilustra que, quando os americanos mandam uma mensagem clara a Israel de que não aceitam novos assentamentos, os israelenses evitam fazê-lo.
Aconteceu com Netanyahu entre 1996 e 1999, que só fez promessas mas não encostou na E1. Para os americanos, tal avanço representará o fim do processo de paz. Mostrar que o campo pragmático de Abu Mazen [Mahmoud Abbas] não serve e que o Hamas está 100% certo, que os israelenses não querem buscar a terceira via.

FOLHA - Como os EUA limitariam a ação de Israel?
ELDAR
- O presidente Bush pai, em 1992, disse aos israelenses que parassem as colônias, para manter o auxílio econômico. Israel quis contestar, acabou sem o dinheiro e o Likud perdeu a eleição. Os americanos têm muito poder: o povo israelense não aprova seu governo contrariar os EUA. O premiê que entrar em crise com os EUA está fadado ao fracasso.

FOLHA - O que precipitaria uma crise desse porte com os EUA?
ELDAR
- Se decidirem construir na E1, irá precipitar uma crise. Por isso ainda não foi feito. A mensagem até mesmo de Bush [filho], e mais ainda de Obama, sobre E1 é bem clara: para os EUA é uma linha vermelha.

Não existe mais o Partido Trabalhista, diz jornalista

Intelectual de esquerda avalia negativamente a presença cada vez mais expressiva de soldados ortodoxos no Exército de Israel

DA REPORTAGEM LOCAL

Considerado um intelectual de esquerda em seu país, Akiva Eldar diz que a nova coalizão governista do país ilustra a morte da esquerda israelense. Defensor da inclusão do Hamas nas tratativas de paz, ele avalia negativamente o fato de o Exército israelense estar se tornando mais e mais religioso. (LF)

FOLHA - Liberman refutando negociar com a Síria a devolução de Golã pode causar crise com os EUA?
ELDAR
- Liberman não é o premiê. Seu partido tem 15 cadeiras, de 120 do Knesset. Ele não tem poder de veto. Pela lei, acordos com a Síria sobre Golã demandam referendo popular.

FOLHA - Netanyahu quer a paz ou menções à ela são tática retórica?
ELDAR
- Todos querem paz. A questão é se estão dispostos a pagar o preço. Acredito que Netanyahu quer a paz, mas ele claramente não quer dar aos palestinos o que eles querem. Para ser honesto, o governo anterior, de Olmert e Livni, também não foi capaz de chegar a um acordo com os palestinos. Mais ainda: mesmo que tivessem conseguido, não basta um acordo com Abu Mazen, é preciso considerar o Hamas.

FOLHA - Então a solução passa por chamar o Hamas às negociações?
ELDAR
- Deveriam proporcionar um governo [palestino] de coalizão e não impor ao Hamas que reconheça Israel. Por que o Hamas deveria reconhecer o Estado judaico se o premiê de Israel não quer aceitar um Estado palestino? Esse deveria ser o resultado da negociação e não uma pré-condição para ela.

FOLHA - Qual o impacto da guerra deste ano no desfecho eleitoral?
ELDAR
- O público israelense tinha perdido a confiança nos árabes como parceiros pela paz. Queriam alguém mais duro que Olmert e Livni. A esquerda quase sumiu. Perdeu, porque a oferta de Ehud Barak a Arafat em 2000 não prosperou. A deterioração do processo de paz começou após Camp David. Não é um reflexo imediato, mas um processo mais longo.

FOLHA - Para entrar no governo, os trabalhistas impuseram a Netanyahu respeitar os pactos prévios. No 1º dia de mandato, Liberman disse que não honraria Annapolis. Como ficam os esquerdistas no governo? ELDAR - Na verdade, não existe mais um Partido Trabalhista. O grupo tem 13 assentos no Knesset. Só cinco não são ministros ou ministros-adjuntos. São os que não aprovaram o governo. Todos os outros, os que apoiaram, devem pensar que estão diante da última chance de serem ministros, pois talvez o Partido Trabalhista caminhe para o fim. Eles não se importam com o que Liberman diz. Quando decidiram entrar no governo, já sabiam o que o Liberman é e o que representa.

FOLHA - Como avalia o arquivamento do inquérito sobre infrações humanitárias na faixa de Gaza?
ELDAR
- Não poderia ter acontecido diferente. Logo que o "Haaretz" publicou as denúncias, o chefe do gabinete militar disse não ter acreditado. Se o comandante se posicionou assim, o que a Polícia Militar ia dizer? Que ele estava mentindo? É claro que precisamos de uma apuração externa.

FOLHA - Uma das denúncias era sobre a motivação dos soldados, orientados a lutar mais uma guerra religiosa que por razões políticas.
ELDAR
- Sim, metade dos aspirantes a oficiais é de ortodoxos. O Exército está ficando cada vez mais religioso, e os rabinos de lá mais e mais influentes, o que não é uma boa notícia.

FOLHA - Isso acontece por política ou é um fenômeno natural?
ELDAR
- Os jovens ortodoxos externam mais motivação dentro do Exército. Eles demonstram mais entusiasmo para o combate, se oferecem mais para operações especiais e costumam ser voluntários. Os demais, que muitas vezes não almejam a carreira militar, costumam ter mais dúvidas sobre a ocupação que os ortodoxos, que aparentam estar 100% comprometidos com isso.

Textos da Folha de São Paulo, de 5 de abril de 2009: 1 e 2.

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