México: o fim de um delicado equilíbrio
O fim de um delicado equilíbrio
A recente promessa da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, de ficar “ombro a ombro” com o México na sua guerra às drogas nos levou a lembrar de quando éramos crianças e nossa família se mudou dos subúrbios de Tel Aviv, Israel, para El Paso, no Texas.
Um israelense chamado Giora se tornou nosso guia e, naquela primeira semana, nos mostrou os arredores, chegando a cruzar a fronteira com Ciudad Juárez, no México.
Quando encostamos para estacionar, um policial mais velho, ligeiramente obeso, se aproximou. A julgar só pela roupa, suspeitar-se-ia que ele apenas fingia ser da polícia. Sua farda estava esfarrapada, a camisa ficava para fora da calça, e o quepe era velho e surrado. Ele se aproximou de mão estendida, educadamente esperando um pagamento.
“Mas estacionar nesta rua deveria ser grátis”, protestou nosso pai, um israelense consumado. Giora lhe dirigiu um olhar “cala a boca” e entregou dois dólares ao agente. “A taxa é para proteção”, explicou ele. “Você paga ao agente para ‘guardar’ o carro. Claro que, se não pagar, seu carro é misteriosamente vandalizado.”
Rapidamente percebemos que Ciudad Juárez funcionava sob regras diferentes. Policiais, políticos e traficantes formavam alianças e às vezes trocavam de papel. Mas, surpreendentemente, apesar de toda a corrupção, Ciudad Juárez era relativamente ordeira. Turistas norte-americanos lotavam as lojas durante o dia, e adolescentes de El Paso faziam festa à noite. Embora longe de ser um lugar idílico, Ciudad Juárez mantinha um certo equilíbrio.
Tal equilíbrio foi perturbado pela guerra dos Estados Unidos às drogas, e nos perguntamos se o governo dos EUA caiu na mesma armadilha que nós com o agente de trânsito: ver a situação pela lente americana, deixando de reconhecer que regras diferentes vigoravam.
Ao longo dos anos, Washington pressionou o México a reprimir os cartéis de drogas. Em 2006, quando o então presidente mexicano, Vicente Fox, propôs legalizar a posse de pequenas quantidades de narcóticos, o governo Bush o pressionou até que revertesse sua posição.
Quando o atual presidente, Felipe Calderón, tomou posse, imediatamente passou a reprimir as quadrilhas do tráfico. Como recompensa, o presidente Bush destinou US$ 1,4 bilhão para apoiar os esforços mexicanos.
Mas no momento em que Calderón colocou os cartéis na mira, o frágil equilíbrio do México se rompeu. A mera ilegalidade se transformou em violência. Os cartéis começaram a retaliar contra a polícia e o governo —e a lutar entre si. Além disso, para compensar a perda de faturamento, os cartéis passaram a se envolver com tráfico humano, extorsão e sequestros.
Desde que Calderón declarou guerra aos traficantes, mais de 8.000 pessoas já morreram. Recentemente, houve uma ameaça contra o chefe de polícia de Ciudad Juárez: renuncie ou começaremos a matar policiais, um a cada 48 horas. Após quatro dias e dois homicídios, ele renunciou e fugiu para os EUA. E as drogas estão sendo traficadas tão agressivamente quanto antes.
Assim como não podemos separar guardas de trânsito desonestos isoladamente do sistema em que operam, os EUA precisam entender que enfrentar os cartéis perturba um frágil equilíbrio. Certamente não devemos ser lenientes com eles, mas, se realmente pretendemos ficar ombro a ombro com o México, uma solução viável deve levar em conta o equilíbrio de poderes no sistema com o qual estamos lidando.
Ori Brafman e Rom Brafman são irmãos e coautores de “Sway: The Irresistible Pull of Irrational Behavior”. Envie seu comentário para brafmans@nytimes.com .
Texto do The New York Times, na Folha de São Paulo, de 06 de abril de 2009.
Marcadores: México, tráfico de drogas, violência, violência urbana
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