100 minutos entre a esperança e a decepção, ou a angústia para entrar em Portugal
100 minutos entre a esperança e a decepção
Eduardo Tessler
De Lisboa
A angústia de ultrapassar o Muro de Lisboa dura agora intermináveis 100 minutos. Não que a capital portuguesa tenha construído uma barreira de pedras e tijolos, como a que dividiu as Alemanhas por 28 anos, ou como a que separa os Estados Unidos do México ou Israel da Palestina. O Muro de Lisboa é o controle de passaporte no Aeroporto da Portela. Agentes da Polícia avaliam se o estrangeiro tem ou não condições de entrar no país - e na Europa. Manuseia o passaporte, checa dados em um computador e dá o veredito: entra ou volta ao país de origem.
A situação de enfrentar o porto de entrada do maior contingente de brasileiros na Europa é constrangedor e dá medo. Um suposto mau humor do agente pode significar a volta ao Brasil, para milhares de imigrantes, que sonham com um trabalho honesto e um salário mais digno. Em euros. Na mesma fila misturam-se turistas e potenciais imigrantes, brancos e negros, africanos e orientais. Todos passam pela mesma triagem, exceto os europeus, que têm direito a rápidos guichês exclusivos.
A agonia de passar a fronteira tem agora um problema a mais em Lisboa. A demora. Domingo, dia 05 de abril, foram exatos 100 minutos para chegar aos agentes. As filas enormes foram provocadas pelo acúmulo de vôos oriundos do Brasil e de países africanos, bem como pelo pouco caso da polícia portuguesa. No domingo, entre 06h e 09h, eram apenas dois agentes nos guichês para todos os estrangeiros. O casal de atores Paulo Goulart e Nicete Bruno, ambos com 76 anos, que seguiram a Lisboa desde São Paulo pelo vôo Tap TP 196, foram duas das vítimas dos caprichos do controle de estrangeiros de Portugal. Uma hora e quarenta minutos em uma fila.
Para Nicete, Paulo e a maioria dos brasileiros, essa espera significa apenas quase duas horas a menos de tempo em Portugal, bem como algumas dores nas pernas, de tanto tempo em pé. Mas para os que sonham com a vida em Portugal são minutos de profunda angústia. O medo de não entrar no país, o discurso ensaiado para os agentes repassado na mente, os papéis arranjados com algum endereço, carta de quem promete trabalho, seguro-viagem. Os tempos duros no Brasil, a falta de esperanças, a vida modesta, o fim de um sonho, tudo isso passa várias vezes no filme da vida, que teima em repetir-se nos 100 minutos de espera. O riso nervoso, o suor frio, a enésima revisão dos documentos e do passaporte novo, sem qualquer carimbo. Os 100 minutos são mais de 1000 na cabeça do candidato a imigrante.
Os 100 minutos de fila fazem de Lisboa hoje o pior lugar para se chegar na Europa para turistas brasileiros sem riscos de serem barrados. A polícia do aeroporto de Madri tem sido dura com brasileiros, mas só complica quando há algum motivo aparente. Londres, que não está no acordo de Schengen (as fronteiras abertas da Europa), é cruel com quem tem perfil de imigrante. Paris é rápido e com poucas perguntas. Zurique é na Suíça, funciona como um relógio. Mas a inexplicável espera de Lisboa é uma tortura desnecessária. "Me sinto como um touro em direção ao abate", comparou uma brasileira na fila, com a filha dormindo no colo.
Em 100 minutos é possível assistir a um filme inteiro no cinema. É mais que um jogo de futebol. Pode-se ir de avião de São Paulo ao Rio e ainda tomar um táxi até Copacabana. E sobra tempo. Dá para sair do centro de São Paulo de carro e chegar em Campinas. Os 100 minutos da fila de Lisboa é uma perda de tempo sem precedentes. Mesmo no rigoroso sistema de imigração dos Estados Unidos, onde o turista deve deixar as digitais gravadas e uma imagem no vídeo, o tempo para se passar a fronteira é bem menor. Nada explica o absurdo dos 100 minutos de Lisboa.
Mas para tudo que está mal, há uma perspectiva. Nesse caso ainda pior. Segundo um dos agentes da Polícia de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, não há nenhum plano em mudar essa lógica. O atendimento será reduzido, com as longas filas e os 100 minutos de espera, até segunda ordem. "Quem quer vir, que venha. Quem não quer esperar que fique em casa", disse, com uma ponta de sadismo e arrogância, o agente domingo.
Para fugir da espera, o melhor agora é entrar na Europa por outro aeroporto.
Texto do Terra Magazine.
Marcadores: chauvinismo, migrações, migrantes, Portugal, turismo, xenofobia
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