segunda-feira, agosto 31, 2009

Revoltada, Islândia se arrasta para fora da dívida (ou, depois do vendaval)

Revoltada, Islândia se arrasta para fora da dívida

Por LANDON THOMAS Jr.

REYKJAVIK, Islândia - Poucos meses depois que um colapso bancário épico empurrou a Islândia para os braços do Fundo Monetário Internacional, essa nação-ilha está envolvida em um ferrenho debate sobre como pagar seus credores sem ceder demais sua prezada independência.
O equilíbrio que a Islândia conseguir para satisfazer as exigências políticas da comunidade financeira global e os desejos de sua população (300 mil habitantes) cada vez mais revoltada será observado de perto enquanto os programas do FMI para economias arrasadas -como Lituânia, Ucrânia, Hungria e Romênia- entram em uma fase crucial.
"Quando se impõe austeridade, [o processo] torna-se muito doloroso e cobra um preço", disse Simon Johnson, ex-economista do FMI que hoje é professor no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA. Mas muitos islandeses estão culpando o FMI neste caso, ele diz, e isso não se justifica.
"A Islândia é um país rico que se comportou descuidadamente e ajudou a desestabilizar o sistema financeiro mundial", disse Johnson. "Eles terão de engolir o remédio."
Enquanto o governo islandês, de inclinação esquerdista, não põe a coisa de modo tão claro, essa é em geral a tese que defende.
A primeira população a derrubar seu governo em consequência da crise financeira global, os islandeses puderam ver o governo que o substituiu cair também, deixando o país sem timoneiro -a menos que consiga aprovar no futuro próximo um acordo para pagar ao Reino Unido e à Holanda o empréstimo de US$ 5,7 bilhões que usou para compensar os depositários estrangeiros por prejuízos nos bancos da Islândia.
"Isso é um ataque à nossa soberania", disse o ministro da Saúde, Ogmundur Jonasson. "Lembra-me dos velhos tempos coloniais. Gordon Brown não teve palavras duras para os Estados Unidos quando o Lehman Brothers caiu e bilhões de libras foram para os EUA. Isso foi amizade -aqui é 'Peguem o sujeitinho e o encostem na parede'."
Não aprovar a lei, segundo o governo (a maior parte dele, pelo menos), levaria o FMI e outros credores externos a retirar os fundos, ameaçando ainda mais a frágil situação do país.
Mas os críticos dizem que aprová-la aumentará o peso da dívida da Islândia para 200% do PIB, tornando-a um dos países mais alavancados do mundo. Em última instância, eles dizem, poderá levar a Islândia à moratória.
No centro desse debate está o Icesave (ou "Iceslave" como é chamado na Islândia). As contas do Icesave eram uma aposta exclusiva do Landsbanki, o mais agressivo dos bancos falidos do país, para aumentar o caixa estendendo sua rede de filiais da pequena Reykjavik para Londres. A reação ao acordo para bancar essas contas envolve a crescente raiva que os islandeses têm hoje de banqueiros, credores estrangeiros e tecnocratas do FMI -não necessariamente nessa ordem.
Lilja Mosesdottir é economista e membro do Parlamento pelo Partido Verde, no governo. Mas diz que, se fosse votar hoje, votaria contra a proposta do governo. Mosesdottir, que é nova na política, chegou ao poder recentemente, quando o Partido Conservador foi derrubado pela "revolução das panelas".
"É como depois de uma guerra, e você é o perdedor", ela disse, em um rápido intervalo para o café durante as negociações sobre o acordo. "Este é um acordo que levará à moratória da soberania, e não queremos que isso aconteça."
Se ela tem razão ou não sobre a moratória, a analogia da guerra é válida. A Islândia perdeu bilhões, e hoje outros países ditam os termos de sua recuperação.
O ressentimento dos habitantes tem origem na crença de que a principal virtude da Islândia, uma autoconfiança inflexível, foi ameaçada por seus banqueiros e os credores estrangeiros.
Enquanto a retórica cresce, o ministro das Finanças da Islândia, Steingrimur J. Sigfusson, um antigo esquerdista, se encontra na estranha posição de defender o Icesave, assim como as severas restrições econômicas que o país foi obrigado a suportar para se qualificar para mais dinheiro do FMI e de credores nórdicos. Essas medidas incluem grandes cortes nos gastos de saúde e o aumento dos preços do combustível. As taxas de juros mais altas empurraram o desemprego de 1% para cerca de 8% em pouco mais de um ano.
Sigfusson rejeita qualquer ideia de moratória e afirma que o acordo para pagar os credores foi o melhor que se poderia alcançar. Com um prazo de 15 anos, baixa taxa de juros e um período de sete anos de carência, o acordo é flexível o suficiente para permitir que a Islândia o pague, ele diz, especialmente se a economia se recuperar e o governo conseguir vender os ativos estrangeiros do Landsbanki.
"Essa é a maior tragédia de todas, mas tem de ser feita", ele disse. Quanto à crença de que é o FMI, e não o governo, quem dita as políticas, Sigfusson admite que está em contato com o representante do FMI no país.
Essas amenidades são de pouco consolo para muitos islandeses cujas dívidas pessoais dispararam no rastro da queda vertiginosa da moeda local, a krona.
Gunnar Sigurdsson, diretor de teatro, diz que o empréstimo para seu carro duplicou desde o início da crise; os pagamentos de sua hipoteca aumentaram cerca de 35%.
A falência pessoal é inevitável, ele diz. Sigurdsson agora tenta fazer um documentário -voltando sua câmera para os principais políticos e banqueiros da Islândia e, se tiver sorte, para Dominique Strauss-Kahn, o diretor do FMI. "Estou cansado dessa idiotice", ele disse. "Quero apenas respostas."

Texto do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 3 de agosto de 2009.


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Reforma da Saúde nos Estados Unidos (III)

Mudança no sistema abre "guerra santa"


DE NOVA YORK


Movimentos religiosos da esquerda e da direita estão fazendo da aprovação da reforma de saúde praticamente uma guerra santa, com campanhas a favor e contra a proposta.
Em encontro por telefone com pastores, rabinos e líderes, que reuniu 140 mil pessoas nesta semana, o presidente dos EUA, Barack Obama, afirmou que a aprovação é uma "questão moral".
O evento começou com prece da pastora Cynthia Hale: "Deus, acreditamos que é da sua vontade que cada homem, mulher, menino ou menina tenha serviços de saúde acessíveis e de qualidade na América", disse.
Já a presidente da Christian Coalition of America, Roberta Combs, disse à Folha que o conteúdo da reforma é contra os "planos de Deus".
Na página do grupo, há instruções sobre como protestar e assinar petições. Combs avalia que os números citados pelo governo -47 milhões de pessoas sem cobertura- são inflados, e que a reforma dá pouca atenção aos idosos, os que mais necessitam de serviços de saúde. "Por vir de um ambiente onde se respeita a Bíblia e com valores familiares, sei que temos de cuidar dos mais velhos", argumenta.
Segundo ela, com a mudança o governo assumirá o setor. "O Estado não é bom administrador e nós seríamos prejudicados", disse. (JL)

Texto da Folha de São Paulo, de 23 de agosto de 2009.

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Reforma da Saúde dos Estados Unidos (II)

"Indústria promove campanha de medo"


Ex-porta-voz de seguradora diz que grupos independentes são pagos para opinar e patrocinar propagandas contra a reforma

Potter vê repetição de tática usada com sucesso contra Clinton, que mostra plano público como "socialista" e cerceador de liberdades


DE NOVA YORK


As seguradoras estão usando táticas de medo para impedir a aprovação da reforma de saúde, repetindo um padrão já usado durante a tentativa de aprovação da reforma no governo de Bill Clinton (1993-2001). A afirmação é de Wendell Potter, ex-executivo e porta-voz da Cigna, uma das maiores seguradoras de saúde dos EUA. Ele depôs na Comissão de Comércio, Ciência e Transporte do Senado americano em junho e afirmou que, desde os anos 90, as seguradoras ganharam fôlego e poder para dominar o mercado. "O que temos é um sistema de saúde subordinado a Wall Street", disse. (JANAINA LAGE)


FOLHA - Por que o sr. abandonou a carreira nas seguradoras de saúde?
WENDELL POTTER - Percebi que as práticas adotadas estavam quebrando o sistema de saúde. As leis não protegem o consumidor o suficiente. Deixei meu emprego em maio de 2008, não queria mais ser um porta-voz da indústria. Decidi falar sobre o tema em junho deste ano.

FOLHA - O que são as táticas de medo das seguradoras?
POTTER - A indústria financia "grupos independentes". Oferece dinheiro para que eles atuem e assustem as pessoas espalhando que o governo vai assumir o sistema de saúde, que a reforma significa socializar o serviço de saúde e a medicina. Isso já aconteceu.

FOLHA - Quando?
POTTER - Em 2007, a indústria se mobilizou para desacreditar o filme "Sicko", de Michael Moore. Usou um grupo chamado Health Care America. A ideia era mostrar que os problemas apresentados não eram verdadeiros. Lançaram ainda a Health Benefits Coalition que, no início da década, tentava desviar a atenção de projetos de leis para direitos dos pacientes.

FOLHA - Qual é a diferença entre a ação agora e no governo Clinton?
POTTER - A estratégia é a mesma: usar aliados em negócios, na mídia conservadora e no Congresso para espalhar desinformação. Uma das diferenças é que eles têm atuado de forma mais covarde. Em 1993, eles assumiam que financiavam parte da campanha de "Harry e Louise" [propaganda que ajudou a afundar a proposta de reforma de Clinton, em que um casal de classe média se desesperava com a burocracia do plano e encorajava o povo a ligar para os representantes no Congresso].

FOLHA - Quem tem interesse em vetar ou interferir na reforma?
POTTER - Fabricantes de remédios, de equipamentos, membros da comunidade médica, seguradoras. Quem ganha dinheiro com o sistema atual.

FOLHA - Mas há propaganda a favor paga pelas farmacêuticas...
POTTER - Porque de um lado eles pagam pelos anúncios para passar uma imagem de que apoiam a reforma. De outro, atuam por meio de lobistas e grupos "independentes" para influenciar a opinião pública.

Entrevista na Folha de São Paulo, de 23 e agosto de 2009.

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Reforma na Saúde dos Estados Unidos (I)

Lobby emperra projeto de Obama de reforma na saúde


Presidente recua da ideia de seguro público e dilui apoio democrata sem adesão opositora

Seguradoras, médicos e hospitais têm estimado em US$ 1,4 milhão por dia gasto para bancar ação de mais de 350 lobistas no Congresso

JANAINA LAGE
DE NOVA YORK


A forte campanha realizada por seguradoras, hospitais e associações de médicos resultou na mudança de um dos principais pontos da reforma do sistema de saúde: a inclusão de um plano público. O que era mencionado como um dos pontos essenciais do projeto é citado agora como uma mera possibilidade pelo presidente.
Ao ceder à principal reivindicação dos grupos de lobby no Congresso, o presidente Barack Obama viu seu apoio diluído entre os democratas e continuou sem avanços expressivos nas negociações com republicanos. Alguns analistas dizem que a mudança ameaça o êxito da reforma, principal item da agenda doméstica de Obama.
Na prática, a reforma não satisfaz as reivindicações dos republicanos e ficaria aquém das expectativas dos democratas mais à esquerda, que amargaram o fracasso da tentativa de reforma no governo de Bill Clinton (1993-2001).
Obama diz que os republicanos estão tentando repetir a estratégia que resultou, à época, na perda da maioria na Câmara dos Representantes (deputados) na eleição subsequente.
As companhias temem que, ao oferecer um plano público subsidiado ao menos em parte com impostos pagos pelos contribuintes, o governo ofereça prêmios de seguros com valor tão baixo que afete a concorrência e as margens de lucro. O governo dizia que a medida estimularia melhores serviços.
As maiores empresas já contrataram mais de 350 ex-membros do governo e do Congresso para atuar junto a deputados e senadores. Estimativas dão conta de que o gasto em lobby chega a US$ 1,4 milhão por dia.
O setor de saúde americano funciona hoje como uma espécie de bomba relógio, com previsão de gastos equivalente a um quinto do PIB em dez anos. Mesmo quem é contra a proposta original de Obama diz ser favorável a uma reforma.
Em uma economia em crise onde a maior parte da população obtém o plano de saúde via empregador, aumenta o número de pessoas sem cobertura. Dados do instituto Gallup indicam que 16,2% dos americanos não têm plano. Há receio de que a reforma leve a uma explosão do deficit público -e que parte dos custos tenha de ser compensada com impostos.
"O sistema é uma bagunça por ser baseado em uma política de reembolsos. Hospitais e médicos recebem valores que não refletem o seu custo real. Quando você mexe nisso, está tirando dinheiro desses grupos. Começa a briga política, nem sempre limpa", disse à Folha Amitabh Chandra, especialista em política de saúde da Universidade Harvard.
Além dos 47 milhões sem plano, outros 25 milhões têm cobertura insuficiente.

Guerra psicológica
Um dos temas mais assustadores para o eleitorado americano é o aumento da presença do Estado, considerado mau administrador, na economia.
As campanhas contra o projeto jogam com o imaginário de uma América "socialista" em que a população enfrentaria racionamento, não poderia mais escolher seu plano ou manter seu médico, hipóteses negadas pelo governo.
"Obama perdeu o controle sobre a discussão", diz Wendell Potter, ex-executivo de uma grande seguradora. Antes de entrar em férias, Obama disse ontem que o debate não deveria ser dominado por "distorções" e "deturpações". Ele voltou a negar rumores como financiamento para aborto e estímulo à eutanásia, levantadas por grupos de extrema direita.
Tanta exposição não resultou somente em perda de apoio político, mas também popular. Pesquisa do "Washington Post" afirma que 50% dos entrevistados desaprovam a maneira como ele conduz a reforma da saúde, o maior patamar de rejeição desde que foi eleito.
A reforma é hoje a maior preocupação para 1 em cada 4 americanos.
Só perde para a economia.

Notícia da Folha de São Paulo, de 23 de agosto de 2009.

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quarta-feira, agosto 26, 2009

Documentos mostram regras rígidas para os interrogatórios da CIA

Scott Shane e Mark Mazzetti
Em Washington (EUA)

Duas lâmpadas fluorescentes de 17 watts - não mais e nem menos - iluminavam cada cela, 24 horas por dia. O ruído tocado constantemente nunca poderia ultrapassar 79 decibéis. Um prisioneiro podia ser banhado com água a 5ºC, mas por apenas 20 minutos de cada vez.

O programa secreto de interrogatórios da CIA operava sob regras rígidas, que foram ditadas por Washington com detalhes meticulosos, como do agrado de qualquer burocracia.

As primeiras notícias nesta semana sobre as centenas de páginas de documentos recém divulgados sobre o programa da CIA, se concentravam nas aberrações no campo: ameaças de execução com armas de mão ou ataque com furadeira elétrica; um prisioneiro erguido do chão pelos braços, que estavam atados nas costas; outro detido desmaiava repetidamente por pressão aplicada na artéria carótida.

Mas a impressão mais forte que surge dos documentos, muitos com longas passagens censuradas, está longe a de ser agentes excessivamente entusiasmados agindo fora de controle. É o retrato do amplo controle exercido pelo quartel-general da CIA e pelo Departamento de Justiça -controle que funcionários do governo Bush dizem que visava assegurar que o programa fosse seguro e legal.

Administradores, médicos e advogados não apenas estabeleceram os parâmetros do programa, mas ditaram cada faceta da rotina diária dos detidos, monitorando os interrogatórios hora a hora. De seus gabinetes em Washington, eles eram obcecados pelos menores detalhes: o número de calorias que um prisioneiro consumia diariamente (1.500); o número de horas que podiam ser mantidos dentro de uma caixa (oito horas em uma caixa grande, duas horas em uma pequena); o momento apropriado em que a nudez forçada devia terminar e suas roupas serem devolvidas.

O detido "se encontra sob controle completo dos americanos; os procedimentos aos quais está sujeito são precisos, discretos e quase clínicos", notava um documento.

Os documentos sugerem um dilema que os promotores enfrentarão ao iniciarem uma investigação do programa da CIA, parte de uma investigação maior dos casos de abuso ordenada na segunda-feira pelo secretário de Justiça, Eric H. Holder Jr. Qualquer processo que se concentre estreitamente nos interrogadores de baixo escalão, que em algumas poucas ocasiões quebraram as regras, poderá parecer injusto, já que grande parte do tratamento brutal foi autorizado pela Casa Branca.

"Os documentos ressaltam quão estreitamente supervisionado foi o programa pelas autoridades em Washington", disse Jameel Jaffer, da União pelas Liberdades Civis Americanas, cujo processo baseado na Lei de Liberdade de Informação forçou a divulgação dos documentos. "Qualquer investigação que comece e termine nos chamados interrogadores desgarrados seria completamente inadequada."

Um documento de 2004 que a CIA enviou ao Departamento de Justiça, dá o relato mais completo até o momento da supervisão em cada passo após a captura de um homem suspeito de ser um alto membro da Al Qaeda - no jargão da agência, um detido de alto valor (HVD, na sigla em inglês).

Levado de fralda a um "black site" (local negro), diz o documento, a barba e cabelo do prisioneiro foram cortados, ele foi despido, fotografado, sofreu privação de sono e teve uma dieta limitada a Ensure Plus, uma bebida dietética.

"O objetivo dos interrogadores", diz o documento, "é conduzir o HVD a um ponto em que participe de forma previsível, confiável e sustentável". A política era usar "a medida menos coerciva" para atingir a meta. O tratamento duro tinha início com o "tapa de atenção" e, para três dos quase 100 prisioneiros que foram submetidos ao programa, o final era a simulação de afogamento.

A simulação de afogamento pode ser um procedimento excruciante, com raízes profundas na história da tortura, mas para o Escritório de Serviços Médicos da CIA, a manutenção de registros para cada sessão de quase afogamento era crítica. "Visando melhor informar futuros julgamentos médicos e recomendações, é importante que cada aplicação da simulação de afogamento seja amplamente documentada", diziam diretrizes médicas preparadas pelos interrogadores em dezembro de 2004.

Os dados exigidos, disseram supervisores médicos, incluíam "por quanto tempo cada aplicação (e o procedimento inteiro) durou, quanta água foi utilizada no processo (percebendo que grande parte espirra para fora), como exatamente a água foi aplicada, se o selar foi conseguido, se a naso ou orofaringe foram preenchidas, que volume foi expelido, quão longo foi o intervalo entre as aplicações, qual era a aparência do sujeito entre cada tratamento".

Quando os médicos avaliaram o que encharcar uma pessoa em uma cela fria poderia fazer a um prisioneiro, eles realizaram sua pesquisa, consultando um manual intitulado "Wilderness Medicine" (medicina do meio selvagem), em particular o capítulo 6 sobre "hipotermia acidental", assim como um panfleto do governo canadense, "Sobrevivência em Águas Frias", segundo notas de rodapé.

Advogados do Escritório de Advocacia do Departamento de Justiça, da mesma forma, estavam imersos nos detalhes das investigações.

Uma semana antes de concluir seu primeiro grande parecer legal autorizando o uso de pressão física, John C. Yoo, o especialista em segurança nacional da advocacia geral, recebeu por fax uma "Avaliação Psicológica" de seis páginas da CIA do primeiro homem no qual seriam usados os métodos brutais, Abu Zubaydah ("o sujeito é um indivíduo altamente autônomo, que preza sua independência").

Em 2004, quando Daniel B. Levin, o então chefe do escritório de advocacia, enviou uma carta à CIA reautorizando a simulação de afogamento, ele ditou os termos: não mais do que duas sessões de duas horas cada por dia, com tanto um médico quanto um psicólogo presentes. Em 2007, Steven G. Bradbury, o então chefe do escritório, escreveu uma carta de duas páginas simplesmente para estender a autorização para uso de uma técnica em particular - seu nome está censurado - por um dia adicional, até as "17h00 horário da Costa Leste, de 8 de novembro de 2007".

Tom Parker, diretor de política de contraterrorismo e direitos humanos da Anistia Internacional EUA, disse que os documentos eram "assustadores".

"Eles mostram quão profundamente enraizada se tornou essa cultura de maus-tratos", ele disse.

Mas os defensores do programa disseram que as regras rígidas mostram a tentativa do governo de manter o programa dentro da lei. "Um cuidado elaborado foi dedicado a determinar as gradações precisas da coerção", disse David B. Rivkin Jr., um advogado que serviu nos governos Reagan e George H.W. Bush. "Sim, é chocante. Mas mostra como tanto advogados quanto não-advogados buscaram fazer a coisa certa."

À medida que os vazamentos sobre o programa levaram a acusações públicas de tortura, decisões de Justiça e uma ação no Congresso, o fluxo de papelada entre membros nervosos da CIA e do Departamento de Justiça cresceu constantemente.

Em junho de 2006, a Suprema Corte decidiu que os prisioneiros da Al Qaeda tinham direito às proteções da Convenção de Genebra contra tratamento humilhante e degradante, e "ultrajes à dignidade pessoal". John A. Rizzo, o principal advogado da CIA, perguntou ao Departamento de Justiça se o tratamento nas prisões secretas da agência passava nesse teste.

Bradbury, do Escritório de Advocacia, escreveu uma resposta de 14 páginas, assegurando à agência que nenhuma das condições - vendar e prender a ferros os prisioneiros, corte involuntário de barba e cabelo e o ruído- violavam a Convenção de Genebra.

"Não são condições pelas quais os seres humanos anseiam", escreveu Bradbury. "Mas elas refletem as realidades da detenção, realidades que a Convenção de Genebra acomoda, nas quais as pessoas terão que sacrificar certo grau de privacidade e liberdade enquanto estão sob detenção."

Logo as garantias deixaram de ser necessárias. A preocupação com a legalidade do programa da CIA chegou às esferas mais altas do governo Bush. Duas semanas após Bradbury enviar sua carta, o presidente Bush esvaziou as prisões, ordenando que os 14 presos restantes da CIA fossem transferidos para o centro de detenção das forças armadas americanas em Guantánamo, Cuba.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Texto do The New York Times, no UOL.

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OEA condena Brasil por usar escuta ilegal

OEA condena Brasil por usar escuta ilegal

Decisão foi da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por gravações feitas pela PM do Paraná em 99

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, braço da OEA (Organização dos Estados Americanos), pela realização de escutas ilegais feitas pela Polícia Militar do Paraná, em 1999, contra representantes de entidades ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
A condenação é por violação ao direito a privacidade e honra, difamação, liberdade de associação e garantias judiciais, diz Andressa Caldas, diretora executiva da Justiça Global, organização não governamental que encaminhou a denúncia à comissão.
O país terá que pagar, em um ano, indenizações às vitimas, publicar o resultado do julgamento em jornal de grande circulação. Não cabe recurso.
Os grampos foram autorizados pela juíza Elizabeth Kharter, sem a necessária justificativa, sustentavam os autores da ação. Além disso, a Polícia Militar não tem competência para fazer essa solicitação, diz a lei vigente.
A Folha não localizou a juíza na noite de ontem para que ela comentasse a decisão.
A PM investigava à época um suposto desvio de dinheiro e um assassinato. Os grampos vazaram para a imprensa, o que prejudicou os representantes do movimento social, segundo os autores da ação.
Um motivo para ir à corte é a demora injustificada de ações na Justiça do país -o que ocorreu, diz a Justiça Global.
De acordo com o ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), a condenação do país pode servir como um aprendizado nacional, evitando o abuso de escutas telefônicas, mesmo que com autorização judicial, e a criminalização de movimentos sociais.
Segundo ele, o Brasil terá que pagar U$ 20 mil a cada um dos cinco peticionários da ação.
Para Caldas, a decisão da corte representa um "marco histórico para o país" e vai funcionar para ampliar o debate sobre quem julga os juízes.
A assessoria de imprensa do Itamaraty confirmou que o embaixador do Brasil na Costa Rica, sede da corte, recebeu a condenação, mas que a secretaria-geral não havia sido oficialmente comunicada.

Notícia da Folha de São Paulo, de 7 de agosto de 2009.

Eu acho ótimo que movimentos sociais possam recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos, e consigam condenação no Brasil naquela corte. Sinal que pode haver limites para a criminalização dos movimentos sociais.

Pena que a Folha de São Paulo não foi ouvir o Ministro Gilmar Mendes a respeito do assunto. Ele já “chamou o presidente da república” às falas por um grampo telefônico até hoje nunca demonstrado, e afirmou que vivíamos sob um estado policial, não foi chamado a comentar o fato da polícia militar do Paraná extrapolar suas funções, com a conivência de uma juíza. Mas o Ministro já manifestou sua contrariedade com o MST, quando quatro jagunços de uma fazenda foram assassinados, supostamente por trabalhadores sem terra em Pernambuco em março deste ano.

A sentença da Corte Interamericana, em tese, ajuda a construir o tão almejado pelo Ministro “estado democrático de direito”.


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Latifúndios do Paquistão

Autor traz a público feudalismo paquistanês

Por SABRINA TAVERNISE

MUEENABAD, Paquistão - Em meio ao calor da região central do Paquistão, há um mundo oculto de servos, senhores feudais, pobreza e corrupção. Essas vidas, escondidas por trás de grandes propriedades ou aldeias com casas de barro, raramente são vistas por estrangeiros. Mas Daniyal Mueenuddin, escritor paquistanês-americano que vive ali, as trouxe à tona na coletânea de contos "In Other Rooms, Other Wonders" ("Em outros quartos, outras maravilhas").
São retratos intimistas que despertam algumas das maiores questões do Paquistão atual. Por que uma pequena elite ainda controla enormes pedaços de terra, mais de 60 anos depois da independência do país?
Por quanto tempo os latifundiários continuarão controlando a vida de camponeses do mesmo modo que os colonizadores britânicos faziam?
Mueenuddin, 46, oferece uma paisagem ricamente observada. A propriedade onde ele vive com a sua esposa, no sul do Punjab, pertenceu a seu pai, um funcionário público paquistanês, e ele costumava ir ao local quando criança.
Seus pais se conheceram na década de 1950, nos EUA. O pai dele negociava um tratado, e a mãe era uma jovem repórter do "Washington Post". Eles se mudaram para o Paquistão, mas ela logo levou os filhos de volta para os EUA, quando Mueenuddin tinha 13 anos. Ele voltou ao Paquistão depois da faculdade, em 1987, como aspirante a escritor. Deparou-se com um decadente sistema da era colonial, ao qual os proprietários -sua família- havia muito já não prestavam atenção. Administradores estavam se apropriando das terras e cultivando suas próprias lavouras.
Mueenuddin rapidamente se tornou parte do Paquistão em mutação que ele queria captar na ficção. Os administradores da propriedade eram poderosos quando ele chegou, e tirá-los da gestão da fazenda seria um procedimento delicado. Ele dormia com uma arma e temia que sua comida fosse envenenada. "Ocorreu-me que eles poderiam me matar", afirmou.
Lentamente, ele recuperou a fazenda, que atualmente prospera com a produção de manga, cana-de-açúcar e algodão.
Os personagens da sua ficção são convincentemente locais: administradores rurais corruptos, filhos mimados de latifundiários ricos e criadas desesperadas para melhorar sua posição na vida.
Os contos exploram a dinâmica de poder entre servos e seus senhores. Mueenuddin argumenta que sua atividade rural prospera porque ele trata seus trabalhadores com justiça. Paga-lhes US$ 84 por mês, mais que o triplo do valor corrente.
No Paquistão, os latifundiários raramente se envolvem detalhadamente nos negócios de suas fazendas, e os trabalhadores recebem em média US$ 25 por mês. "Eles não entendem sua própria gente", disse Mueenuddin, referindo-se à classe ruralista. "A hierarquia está tão introjetada neles que eles se comportam como superiores."
Mas o elenco de personagens está mudando, algo que a prosa de Mueenuddin capta. Os administradores rurais, que são os funcionários mais poderosos, agora participam da política em alguns lugares. Mas, em vez de tornar o sistema mais justo, diz o escritor, eles aproveitam a chance para lucrar.
Enquanto isso, a pobreza se torna mais pronunciada. E os mulás da escola fundamentalista Deobandi se tornaram poderosos no sul do Punjab, difundindo uma mensagem antixiita e anti-Estado.
Tal difusão atingiu Mueenuddin. Um grupo religioso estava construindo uma mesquita ao lado de sua propriedade, e um dia um jovem gritou para ele: "A primeira coisa que você vai perceber é uma bala atingindo-o na testa".
Ele mandou que um muro fosse construído no limite da propriedade. "As pessoas estão cada vez mais desesperadas", disse.

Texto do The New York Times, publicado na Folha de São Paulo, de 10 de agosto de 2009.


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Com presença na Colômbia, EUA visam rotas do petróleo

Com presença na Colômbia, EUA visam rotas do petróleo


Aumento da presença militar no país aliado segue roteiro gestado há pelo menos cinco anos, ainda sob Bush; estratégia altera cenário de segurança na Amazônia

LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O projeto de instalar e ampliar as instalações militares dos EUA no território da Colômbia foi elaborado durante o governo do presidente George W. Bush, diante da perspectiva de fechamento da Forward Operating Location (FOL), isto é, da base militar instalada em Manta, no Equador, previsto para 2009.
Desde que o presidente Rafael Correa anunciou que não renovaria o acordo com os EUA, o Comando Sul das Forças Armadas americanas passou a excogitar a transferência da FOL, instalada em Manta, para a base aérea de Palanquero, em Puerto Salgar, cerca de 190 km ao norte de Bogotá.
Essa base aérea pode albergar mais de 2.000 homens e possui uma série de radares, além de cassinos, restaurantes, supermercados, hospital e teatro. E a pista do aeroporto, a mais longa da Colômbia, tem 3.500 metros de longitude, 600 metros maior que a de Manta, e permite a partida simultânea de até três aviões.
Os EUA terão assim um ponto de apoio, no centro da Colômbia, ainda melhor que o de Manta, com o Forward Operating Location, com a instalação de três bases militares nas localidades de Malambo, na costa do Caribe, Palanquero, próxima a Bogotá, e de Apiay, na Amazônia, na região fronteiriça com o Brasil e conhecida como Cabeça de Cachorro.

Novo componente
Em 2004, com a Iniciativa Andina Antidrogas, Bush já havia expandido o Plano Colômbia como um dos aspectos da estratégia dos EUA para assegurar sua presença militar na América do Sul e, em particular, na Amazônia. E o Congresso americano aprovou a duplicação do número de soldados estacionados na Colômbia, que subiu de 400 para 800; o de mercenários (ex-militares) empregados pelas companhias militares, mediante as quais o Pentágono terceiriza as funções militares, aumentou de 400 para 600.
Esses militares e mercenários americanos adestram e apoiam os cerca de 17 mil soldados que executaram o Plano Patriota, ampla ofensiva de contrainsurgência nas selvas no sul da Colômbia. Com razão, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em sua obra "Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes", apontou "a crescente presença de assessores militares americanos e a venda de equipamentos sofisticados às Forças Armadas colombianas, pretensamente para apoiar os programas de erradicação das drogas, mas que podem ser, fácil e eventualmente, utilizados no combate às Farc e ao ELN", como um componente relativamente novo na questão de segurança da Amazônia.
Embora o governo dos EUA apresente o combate ao narcotráfico e ao terrorismo para justificar a concessão anual de US$ 700 milhões à Colômbia, a maior parte como assistência militar, um dos seus principais objetivos é proteger os oleodutos, sobretudo o de Caño Limón, já explodido cerca de 79 vezes, a fim de assegurar os suprimentos futuros de petróleo e inspirar confiança aos investidores estrangeiros.
É nessa região, a do oleoduto de Caño Limón, operado pela Occidental Petroleum e pela Royal Dutch/Shell, em Arauca, onde se concentra a maior parte dos assessores militares dos EUA e ocorrem as maiores violações de direitos humanos.

Militarização
Em 2009, a ajuda militar concedida à Colômbia, desde 2004, deve alcançar os US$ 3,3 bilhões. E assim, com os recursos dos EUA, o Exército da Colômbia se tornou o maior e o mais bem equipado, relativamente, da América do Sul. Com população de 44 milhões de habitantes, a Colômbia possui um contingente militar de cerca de 208,6 mil efetivos, enquanto o Brasil, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados e mais de 190 milhões de habitantes, tem um contingente de somente 287.870, e a Argentina, com 40 milhões de habitantes e um território de 2,7 milhões de quilômetros quadrados, tem um efetivo de apenas 71.655.
A Colômbia, com um PIB de US$ 320,4 bilhões (2007 est.), de acordo com a paridade do poder de compra, destina 3,8% aos gastos militares, enquanto o Brasil, cujo PIB é de US$ 1,838 trilhões (2007 est.), gasta apenas 1,5%, e a Argentina, com um PIB de US$ 523,7 bilhões (2007 est.), gasta apenas 1,1%.
Em 2005, o Congresso estipulou para a região uma ajuda econômica de US$ 9,2 milhões e cerca de US$ 859,6 milhões para assistência militar. Entretanto, desde o lançamento do Plano Colômbia, no ano 2000, o Exército colombiano recebeu US$ 4,35 bilhões para combater as guerrilhas, e os soldados e policiais cometeram crescente número de assassinatos e abusos de direitos humanos -durante um período de cinco anos, que terminou em junho de 2006, o número de execuções extrajudiciais aumentou em mais de 50% em relação ao período anterior.

LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA é cientista político, professor titular (aposentado) da Universidade de Brasília e autor de várias obras, entre as quais "Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque)".


Texto publicado na Folha de São Paulo, de 9 de agosto de 2009.

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Bases na Colômbia não são o que parecem

Bases na Colômbia não são o que parecem

ANDRES OPPENHEIMER

O que mais surpreende sobre o crescente protesto sul-americano contra a decisão colombiana de permitir "bases militares dos EUA" em seu território é que talvez não haja nada de concreto em curso quanto a isso e sim um simples erro sério de relações públicas por parte das autoridades colombianas.
Eu, por exemplo, fiquei surpreso ao ouvir entrevista do ministro chanceler colombiano, Jaime Bermúdez, na qual ele declarou que "não haverá um centímetro de território colombiano no qual venha a existir uma base militar dos EUA". Alguns importantes países sul-americanos expressaram preocupações sobre as supostas "bases militares americanas" na Colômbia e querem discutir a questão na próxima cúpula da Unasul (União de Nações Sul-Americanas).
O presidente colombiano, Álvaro Uribe, declarou que não participará da conferência, porque a Colômbia deve ser alvo de um ataque coordenado, com relação a essa questão. O anfitrião Equador rompeu relações com a Colômbia devido a um ataque de tropas colombianos a um acampamento das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em território equatoriano, em 2008.
Uribe partiu em um périplo pelos países da região, em um esforço de último minuto para explicar a natureza das negociações sobre cooperação militar que continuam em curso entre os EUA e a Colômbia.
O presidente venezuelano, Hugo Chávez, disse ter "alertado" seus colegas da região "sobre o perigo que essas novas bases militares gringas representam para a Venezuela". Os presidentes de Equador, Bolívia e Nicarágua imediatamente ecoaram os avisos de Chávez. Mas o que surpreendeu a Colômbia é que países mais moderados, a começar pelo Brasil, tenham expressado preocupação semelhante.
"Mas, se não se trata de bases militares dos EUA, o que temos?", perguntei a Bermúdez. Segundo o ministro, Colômbia e EUA estão discutindo um acordo para aumentar a cooperação militar americana principalmente para questões de vigilância e inteligência, com o objetivo de combater os traficantes de drogas e narcoguerrilheiros que operam na Colômbia. Mas, ao contrário do que ocorre nas bases americanas em Manta (Equador), Guantánamo ou na Europa, sobre as quais os EUA têm jurisdição, na Colômbia os soldados americanos não operarão nenhuma base.
"Serão bases colombianas, comandadas e operadas por colombianos, nas quais haverá acesso regulado de pessoal americano", disse Bermúdez. Uma lei federal dos EUA dispõe que o número de soldados do país estacionados na Colômbia não pode passar de 800 militares e 600 prestadores civis de serviços. No ano passado, havia 71 militares e 400 civis contratados pelos EUA estacionados na Colômbia.
Sob o acordo proposto, as tropas americanas serão convidadas a operar em pelo menos sete bases militares colombianas. Mas não existem planos para elevar o contingente americano no país. Minha opinião: caso os governos dos EUA e da Colômbia estejam dizendo a verdade -e suspeito que estejam, já que o acordo estará sujeito a severa vigilância por parte de um Congresso americano cético quanto a esse tipo de empreitada-, então o que temos é um grande erro na maneira pela qual as negociações sobre cooperação militar foram anunciadas.
A Colômbia deveria ter criado um rótulo para o acordo proposto, a fim de impedir seus críticos de falarem sobre "bases militares dos EUA" em seu território. Deveria ter criado um rótulo como "programa de convidados militares" ou "exercício militar expandido", semelhante ao adotado para o acordo sob o qual a Venezuela autorizou um exercício naval russo em seu território em 2008.
Além disso, Uribe deveria comparecer à reunião da Unasul. Ele já provou no passado que se sai bem diante de audiências hostis, especialmente em cúpulas presidenciais. Lá, Uribe poderia dizer aos seus colegas: "Está bem, vamos discutir os acordos militares de todo mundo, entre os quais os tratados militares da Venezuela com a Rússia e o Irã, ou a ajuda de Venezuela e Equador aos guerrilheiros das Farc".
Caso os países sul-americanos desejem conduzir uma discussão franca sobre os acordos militares na região (os públicos e os secretos), é bom que o façam. Isso beneficiaria a todos.

ANDRES OPPENHEIMER é colunista do "Miami Herald". Este artigo foi distribuído pela Tribune Media Services.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 7 de agosto de 2009.

A conferir...embora verossímil


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Biografia e biografado

Biografia e biografado

RIO DE JANEIRO - Sempre ouvi dizer que o senador José Sarney é um homem de sorte, que nasceu virado para a Lua. Chegou à Presidência da República de forma inesperada, mas legal. E muita coisa aconteceu com ele, provando que a sorte sempre esteve a seu lado. É supersticioso, entra nos aviões sempre com o pé direito, faz sinal-da-cruz quando o aparelho sobe e pousa, sai de um lugar pela mesma porta da entrada, enfim, tem dado certo para ele.
Agora mesmo, quando um tsunami invade sua praia, com a mídia consensualmente contra a sua permanência na presidência do Senado, ele tem uma prova do quanto é querido pelos formadores de opinião e pelos profissionais da sua área, que é a política. Nunca um cidadão deste país teve tanta gente preocupada com a sua biografia.
Nos últimos dias, o que mais se lê e ouve é que Sarney tem uma biografia invejável e deve renunciar à presidência do Senado para não prejudicá-la. Essa preocupação com a biografia de um político é deveras comovente (perdoem o "deveras", prometo não mais usá-lo).
Tem-se a impressão de que não estão dando importância ao cargo, mas à pessoa que o exerce. Para honrar sua biografia, Sarney deveria renunciar para que a vida nacional volte à sua normalidade moral, política e administrativa.
Acontece que Sarney tem o direito de administrar a própria biografia, que é dele, e não dos outros. A Comissão de Ética analisará as denúncias contra ele e encaminhará sua decisão ao plenário que o elegeu e que poderá destituí-lo da presidência.
Para um político com a sua biografia, e que chegou ao mais alto posto da carreira republicana, ser mantido ou não no cargo atual é irrelevante. A renúncia seria o reconhecimento de que desmereceu de sua biografia.

Texto de Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo, de 6 de agosto de 2009.


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Câmara dá urgência ao projeto do Mercosul

Câmara dá urgência ao projeto do Mercosul

Projeto para Parlamento prevê lista fechada e garante aos deputados mesmos benefícios de congressistas

MARIA CLARA CABRAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 287 votos a 11, requerimento de urgência para o projeto de lei que determina que os 37 representantes brasileiros no Parlamento do Mercosul sejam eleitos por meio de votação em lista fechada. Isso significa que a proposta ganha prioridade total e seu mérito pode ser votado hoje.
De acordo com o texto, o eleitor votará no número do partido ou da coligação, e não diretamente nos candidatos. A intenção é que os primeiros candidatos das listas tenham domicílio eleitoral em distintas regiões do país. Para determinar quantas cadeiras cada partido ganhará, deverá se estabelecer um quociente eleitoral.
Relator do projeto, o deputado Dr. Rosinha (PT-PR) explicou que os representantes do Parlamento terão os mesmos benefícios destinados aos deputados federais, como R$ 3.000 de auxílio-moradia, R$ 60 mil para contratação de funcionários e uma cota única para despesas do mandato e passagem aérea (para os deputados, varia de acordo com os Estados de origem), além dos vencimentos de R$ 16.500.
Cálculo feito pela Folha mostra que os 37 parlamentares representariam gasto de, no mínimo, R$ 4,5 milhões por mês aos cofres brasileiros. Os custos seriam ainda maiores, já que o cálculo das passagens teriam que ser feitos de acordo com o valor do trecho de cada Estado a Montevidéu.
"Isso é uma busca de uma boquinha para ganhar um salário em dólar em Montevidéu. O Mercosul está em crise total, não tem cabimento votar uma coisa dessas", afirma o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP). Ele reclama ainda da divisão "irresponsável" das cadeiras no Parlamento. Para ele, é inadmissível que Paraguai e Uruguai juntos, que têm metade do tamanho de São Paulo, tenham direito a 36 vagas.
Hoje, o Parlamento do Mercosul funciona com 25 funcionários provisórios e 18 representantes de cada país. No caso do Brasil, são nove deputados e nove senadores, que não ganham salário extra. Pelo novo texto, quem se candidatar para o Parlamento do Mercosul não poderá exercer nenhum mandato eletivo no Poder Legislativo ou no Executivo.
O projeto tem que ser votado na Câmara e no Senado até setembro deste ano para que as eleições dos novos representantes aconteçam já em 2010.
Os encontros do Parlamento, segundo Rosinha, acontecem atualmente menos do que uma vez por mês. Ele defende reuniões mais frequentes, mas ainda não fez nenhuma alteração para isso em seu relatório.

Notícia publicada na Folha de São Paulo, de 5 de agosto de 2009.

Se o Mercosul está se tornando uma federação de estados (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), parece que um parlamento do Mercosul deveria ter câmara alta e câmara baixa, exatamente como acontece com um estado federativo como é o caso do Brasil. Mas talvez a grande questão seja mesmo um “para quê tudo isso”? Estamos copiando o parlamento europeu? Para quê? Por quê?


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Das Mensagens do além de Elio Gaspari: De A.Arinos@edu para Sarney@gov

De A.Arinos@edu para Sarney@gov


JOSÉ ,
Renuncie, homem. Aqui somos três a pedi-lo. Eu, o Milton Campos e o Pedro Aleixo, três amigos, velhos companheiros a quem você admirava com sorriso encantado quando chegou à Câmara, em 1959, aos 29 anos.
Todos três passamos por momentos em que nos enganamos quando as circunstâncias se confundiram com a existência. Na renúncia do Jânio eu era ministro das Relações Exteriores e deveria ter defendido, desde o primeiro momento, a posse do doutor João Goulart. Em 1964, diante dos primeiros casos comprovados de tortura, o Milton deveria ter renunciado ao Ministério da Justiça. O Pedro Aleixo reconhece que naquela reunião que editou o AI-5 ele devia ter devolvido a Vice-Presidência. Um ano depois, apearam-no. Nos três casos, as circunstâncias indicavam que devíamos fazer o que fizemos.
Confundidos, pensávamos que não havia opção melhor. Você sabe que a modéstia nunca foi um dos meus atributos: não percebemos quão grandes éramos.
Com justos motivos você avalia suas opções levando em conta o que diz o presidente Lula, o apoio do senador Renan Calheiros e até mesmo a agressiva defesa representada por Fernando Collor. Você pensa até no PMDB. Tudo circunstancial. Em 1988, Lula te chamou de "incapaz" cinco vezes em 43 segundos. O que haveria de pensar o jovem José Sarney se visse a mim, ao Milton e ao Pedro almoçando no Bife de Ouro com o Tenório Cavalcanti e o Amaral Neto? Claro que pouca gente sabe quem são esses dois (nem estamos aqui para reapresentá-los). Assim como os jovens de hoje não lembram o que foi a UDN, os de amanhã não lembrarão o que foi o PMDB.
Renuncie, homem. Saia desse contratempo e carregue seus penares. A crise é sua, mas a essa altura ela interessa aos outros. Ao Lula convém um Congresso desmoralizado. Aos aliados do PMDB interessa mostrar que têm os poderes dos embalsamadores. Fuja do sarcófago.
Censurar jornal, José? Chantagear o Pedro Simon, Sarney? Esse não é nosso patrimônio. O presidente que ficou impassível enquanto seu ônibus era apedrejado e riscou com o traço da bonomia sua passagem pela vida pública está se apedrejando.
Orgulhamo-nos da tua alvorada. Não compartilhe o crepúsculo com os senadores Calheiros e Collor. O Antonio Carlos Magalhães diz que isso é feitiço de um certo Bita do Barão, com seus tambores de Codó.
Milton Campos e Pedro Aleixo pediram-me que escrevesse porque insistem em lembrar a qualidade do meu discurso de 9 de agosto de 1954. Até hoje sofro por esse ataque ao Getúlio Vargas. Não que devesse poupá-lo, mas padeço pelo que sucedeu 15 dias depois. (Ele evita encontrar comigo, nunca me dirigiu a palavra e, na chegada do d. Helder Câmara, negou-me a mão.) Sei que você memorizou trechos dessa fala e sei que você jamais viu malícia na minha alma.
Como o Pedro e o Milton insistiram ao ponto da impertinência, repito-me:
"Senhor presidente Getúlio Vargas, eu lhe falo como presidente (...) tome afinal aquela deliberação, que é a última que um presidente, na sua situação, pode tomar. (...) E eu falo ao homem Getúlio Vargas e lhe digo: lembre-se da glória de sua terra (...) lembre-se homem, pelos pequeninos, pelos humilhados, pelos operários, pelos poetas".
Com as recomendações de Annah e os votos pela recuperação de Marly, deixa-lhe um abraço e a certeza da amizade, o seu,
Afonso

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 5 de agosto de 2009.

Este texto é copiado aqui porque traz uma rica coleção de memória e história política recente do Brasil.


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Abaixo a censura judicial!

Abaixo a censura judicial!

KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE

A SANÇÃO aplicada a padre Vieira, o silêncio, parece que está voltando à tona. Ele perdeu o direito à palavra quando questionou o modo do proceder do tribunal e suas intervenções públicas tocaram em temas considerados proibidos.
Passaram-se séculos, estamos sob a égide do Direito internacional e constitucional, mas se tornou rotineiro abrirmos jornais e descobrirmos que magistrados proíbem jornalistas de escrever sobre determinada pessoa, que a imprensa está proibida de dar informações sobre determinado fato, que não é possível a publicação de qualquer dado sobre um determinado político, que uma empresa é condenada por publicar entrevista com possível candidato, que tal livro ou jornal não pode circular, que tal manifestação pública não pode ocorrer etc.
É assustador, pois essas interdições partem do Poder de Estado que deveria garantir a Constituição Federal, que declara, em seu artigo 1º, que instituímos um Estado democrático.
Constituição que estabelece, dentre os direitos fundamentais, a liberdade de expressão, independentemente de censura prévia -esta é proibindo em termos absolutos. A liberdade de imprensa, em alguma medida, condensa outras: as de pensamento, informação e expressão.
A história desses direitos está interligada e, nos dias de hoje, é obrigatório que seja relembrada, pois indica ser a construção de um patamar civilizatório da humanidade.
A Declaração de Direitos do Estado de Virgínia, de 1776, reconheceu explicitamente a liberdade de expressão por meio da imprensa.
Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão contemplou esses direitos, estabelecendo que a livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode falar, escrever e imprimir livremente, respondendo pelos abusos dessa liberdade nos termos previstos em lei.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, acolheu esses direitos e, expressamente, o direito de informação. Acrescente-se ainda o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e a Convenção Americana de Direitos Humanos.
A Constituição Federal consagrou que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato", que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença", e que "é assegurado a todos o acesso à informação" (artigo 5º, incisos IV, IX, XIV).
Nossa Carta acrescentou ainda que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação não sofrerão nenhuma restrição, observada a própria Constituição Federal, e que nenhuma lei conterá dispositivo que possa embaraçar a plena liberdade de informação jornalística, sendo vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (artigo 220).
O Brasil viveu uma ditadura, quando a censura da imprensa e da liberdade de pensamento imperou.
Preocupa pensar que o Judiciário possa vir a cumprir o papel que era exercido pelos órgãos de repressão, usando uma poderosa ferramenta para cerceamento da liberdade de expressão, que é o acosso judicial, ou seja, a perseguição pela via judicial, consistente em pressão realizada, especialmente contra jornalistas, mediante ações judiciais, de natureza criminal ou civil, que pretendem produzir o efeito de paralisar a ação e o pensamento e gerar a autocensura.
O Estado democrático de Direito pressupõe a transparência, o debate aberto e público e a troca de informações, notadamente em relação aos poderes públicos.
Não é possível criar uma sociedade livre, justa e solidária sem o patamar da liberdade de expressão. Impedir o exercício desse direito significa retirar dos cidadãos o controle sobre os assuntos públicos e, como consequência, ceifar a democracia.
Por certo que, para a garantia da democracia, o Judiciário deverá aplicar medidas para os casos abusivos, mas a liberdade de expressão não está sujeita a censura prévia, somente a responsabilização posterior. Para tanto, a Constituição assegurou medidas para as hipóteses abusivas, como o direito de resposta e a indenização por dano moral e material ou à imagem (artigo 5º, incisos V e X).
Esse quadro está a exigir uma reflexão sobre o papel do Poder Judiciário, especialmente no que diz respeito a direitos que sustentam a democracia, como a liberdade de expressão, de informação e de imprensa. O papel do Judiciário é o de fortalecer e enriquecer a democracia, e não ceifá-la.
Inaceitável pensar em voltar ao tempo de abrir jornais e ler receitas ou versos de Camões.


KENARIK BOUJIKIAN FELIPPE é juíza de direito em São Paulo, cofundadora e secretária do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia.

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 5 de agosto de 2009.


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Renúncia coletiva

Renúncia coletiva

CRISES AGUDAS do Senado na última década coincidem com momentos de sucessão presidencial. A primeira delas, envolvendo ACM e Jader Barbalho, em 2001, coincidiu com o "apagão" de energia, marca do declínio da liderança de FHC e início de fato de sua sucessão.
Com a aprovação da reeleição, FHC garantiu controle sobre áreas vitais de seu próprio governo durante seis anos. Contando com sua reeleição, Lula deveria ter em princípio os mesmos seis anos de hegemonia. Mas o episódio do "mensalão", em 2005, quebrou qualquer possível linha de continuidade entre seus dois mandatos.
A tentativa bem sucedida de Lula de descolar sua figura do sistema político no período do "mensalão" levou, no segundo mandato, à estratégia de antecipar e controlar sua própria sucessão, de maneira a ter poder sobre seu governo até o final. Não por acaso, portanto, a crise Renan Calheiros, em 2007, coincidiu com o lançamento da candidatura de Dilma Rousseff.
Desde FHC, o sistema político funciona com base em dois polos, liderados até aqui por PT e PSDB. Alguns partidos estão presos a um dos polos, outros aderem ao polo no poder. A instabilidade crônica em períodos que antecedem sucessões presidenciais se deve ao fato de partidos que não estão presos a nenhum dos polos, PMDB à frente, iniciarem uma disputa selvagem -interna e externa- pelo posicionamento mais favorável possível na eleição que se aproxima.
A atual crise do Senado é mais uma vez expressão dessa disputa selvagem. Mas tem seu elemento específico no arranjo que elegeu José Sarney: um tucano figura como seu substituto imediato. Lula sustenta Sarney por não querer ver o Senado presidido por Marconi Perillo. O impasse se instalou porque também à oposição não interessa a queda de Sarney: ganharia um enorme telhado de vidro eleitoral, com toda a pressão se voltando sobre um tucano.
Vistas as coisas dessa maneira, não parece haver outra saída imediata para o impasse que não a negociação entre governo e oposição para uma renúncia coletiva da mesa diretora do Senado e não apenas a renúncia isolada de Sarney. Claro que um movimento como esse não resolve uma crise que é estrutural.
Nem quer dizer que será fácil encontrar nomes para compor uma nova mesa diretora. Mas pelo menos poderia garantir aquele funcionamento precário mínimo que caracteriza o sistema político a partir de 1994.
Porque nada indica até aqui que as denúncias vão desaparecer ou que a pressão sobre Sarney vá diminuir. E o quiproquó da CPI da Petrobras tende apenas a agravar o impasse.

Texto de Marcos Nobre, na Folha de São Paulo, de 28 de julho de 2009.

Didático. Só faltou dizer que Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, e O Globo jogam no time da oposição, e não é garantido que, caindo Sarney, a pressão continuaria sobre Perillo, que também enfrenta processos na justiça e talvez tenha um telhado de vidro tão grande quanto o do atual Presidente do Senado.


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Esquadrão de tiro...sem o tiro

Esquadrão de tiro - sem o tiro

Os inconvenientes da diplomacia do gatilho

Parece fácil nos filmes: a mira do atirador sobre a testa do terrorista; o explosivo plástico grudado sob o carro do espião estrangeiro; o veneno letal engolido no café da manhã de um ditador. Então talvez a maior surpresa acerca do atual furor envolvendo a Agência Central de Inteligência dos EUA -o programa secreto para matar líderes da Al Qaeda- não seja sua existência, já imaginada por muitos norte-americanos.
Nem que o ex-vice-presidente americano, Dick Cheney, tenha instruído a CIA a esconder o programa do Congresso. Cheney jamais foi acusado de ter uma abertura imprudente a respeito dos programas de inteligência. A verdadeira surpresa é que, após oito anos de intermitentes reuniões, planejamentos e treinamentos, o programa não tenha matado um só terrorista. Nem mesmo tentado, segundo funcionários da CIA.
Matar um terrorista específico em um país distante usando métodos que exijam aproximação é consideravelmente mais complicado do que a fantasia cinematográfica leva a crer. Jogar mísseis de aviões não tripulados se mostrou logística e politicamente tão mais simples que as alternativas nunca foram tentadas, segundo agentes de inteligência. A Al Qaeda colaborou ao se esconder não em cidades, mas nas montanhas do Paquistão, onde os ataques com mísseis são viáveis.
Daí que o presidente dos EUA, Barack Obama, tenha não só mantido, como também ampliado, esses ataques teleguiados iniciados durante o governo Bush. Apesar das mortes colaterais de parentes e vizinhos de supostos terroristas, e da reação negativa que esses bombardeios provocam, os aviões-robôs mantêm os agentes norte-americanos a milhares de quilômetros das mortes, o que claramente tornou essa abordagem atraente para os governos Bush e Obama.
Poucas operações são mais arriscadas do que um assassinato dirigido, mas a ideia de eliminar um inimigo contém uma simplicidade sedutora. Mesmo assim, as razões pelas quais a CIA pode ter hesitado antes de despachar uma equipe de assassinos são facilmente imagináveis por qualquer um que já tenha acompanhado as reviravoltas na história da agência. Em décadas recentes, a CIA tem sido pressionada, muitas vezes por um presidente, a realizar ações arriscadas, apenas para enfrentar investigações e condenação quando tais ações são expostas.
As maiores preocupações da CIA ao cogitar um ataque contra um terrorista no exterior podem não ser de caráter legal, segundo William Banks, professor de direito na Universidade Syracuse, em Nova York, que tem estudado os assassinatos dirigidos. Ao menos pelos cálculos do governo, a morte de um membro da Al Qaeda é um ato de guerra, não um assassinato. Um decreto presidencial de 1976 proíbe "homicídios politicamente inspirados de pessoas que não são combatentes", segundo Banks.
Para ser um alvo legal, um terrorista precisa estar "envolvido em combate armado com os EUA", acrescentou ele. "Bin Laden é o garoto-propaganda, e a partir dali você percorre para baixo a escada da Al Qaeda." Matar um alvo desses poderia ser aceitável, disse Banks, se ele estivesse em um território hostil no qual a captura fosse inviável. Mas, se o alvo está em Paris, a lei de guerra obriga os EUA a trabalharem com as autoridades francesas para capturar o suspeito. As dificuldades logísticas e o risco político de apanhar um terrorista longe de uma zona de guerra são assombrosas.
Quando a CIA capturou um clérigo radical islâmico em Milão, em 2003, e o levou para o Egito, as autoridades italianas rastrearam toda a operação por meio de ligações de celulares e recibos de hotéis, levando 26 norte-americanos a um julgamento à revelia, ainda em andamento.
Outra equipe apanhou um cidadão alemão de origem libanesa na Macedônia e o levou para o Afeganistão -causando um vexame internacional para os EUA quando se descobriu que a CIA havia pego o Khalid el Masri errado. Esse currículo não exatamente encoraja os chefes da CIA a autorizarem uma equipe assassina. E, em qualquer caso, quem está familiarizado com a história da agência já tem amplas razões para a cautela.
Assassinato é uma palavra que ainda assombra a CIA. Os mais chocantes volumes produzidos pela comissão do Senado encabeçada por Frank Church em meados da década de 1970 detalhavam complôs da CIA para matar figuras políticas como o cubano Fidel Castro e o congolês Patrice Lumumba. Tais intrigas eram supervisionadas pelo Comitê de Alteração da Saúde da agência.
Mas esses esquemas eram tão ineficazes quanto escandalosos. Castro, hoje com 82 anos, sobreviveu aos que tentaram matá-lo. Lumumba foi morto por um grupo congolês rival depois que o agente da CIA que deveria assassiná-lo refugou. "As pessoas se esquecem disso agora, mas, quando o relatório Church surgiu, houve muita zombaria da CIA como sendo a turma que não conseguia atirar em linha reta", disse Loch Johnson, ex-funcionário do comitê Church.
Assassinatos dirigidos são "muito difíceis de conseguir e são politicamente tóxicos se você for apanhado", disse Geneve Mantri, que monitora programas de contraterrorismo na Anistia Internacional. "Esse estilo Jason Bourne é ótimo para os filmes, mas a história [real] é que esses casos costumam acabar em confusão."

Texto do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 27 de julho de 2009.


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terça-feira, agosto 25, 2009

Após oito anos de intervenção internacional, a discriminação das afegãs é semelhante à da época do Taleban

As mulheres afegãs são vítimas de uma mentalidade medieval. Não existem leis nem justiça, só a tradição e a vontade inapelável de homens embrutecidos por 30 anos de guerras, que se amparam no nome de Deus para exercer a violência. Em muitas áreas rurais raspa-se o cabelo das meninas durante a celebração dos casamentos, na esperança de que sua feiúra as salve de uma violação, muitas vezes por parte de um familiar. Oito em cada dez mulheres sofrem violência doméstica e 60% são obrigadas a se casar antes dos 18 anos, segundo dados da ONU e da Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão. O presidente Hamid Karzai, financiado pela comunidade internacional - incluindo a Espanha -, aprova leis que permitem que os maridos xiitas castiguem suas esposas deixando-as sem comida se estas não os satisfizerem sexualmente.

"A burqa não é o problema, se é ela quem decide usá-la", afirma Fatana Ishaq Gailani, prêmio Príncipe de Astúrias da Concórdia em 1998 e presidente de uma ONG que defende seus direitos. "O grande problema das mulheres afegãs é o tratamento desumano que recebem. Ninguém as protege da violência. Nem o governo nem a comunidade internacional fizeram nada em oito anos para mudar a situação. É impossível condenar alguém por violação; os juízes liberam os acusados depois do pagamento de um suborno. A mulher afegã quase não tem acesso à educação, e nas áreas rurais vive em condições de extrema pobreza."

Faima tem 23 anos, é de Cabul e teve sorte: conseguiu terminar o ensino secundário, algo vetado a 95% das meninas que iniciam a escola. Aguarda sua vez em uma sala do centro ortopédico que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha tem na capital desde 1988. É para seu filho Rahnan, que tem uma malformação no pé. "Não gosto da burqa. Sinto-me em uma prisão e embaixo faz muito calor. O hijab [lenço] é a peça que minha religião exige e que eu uso na cabeça. Muita gente pensa assim em Cabul, mas sei que nas províncias é diferente. Lá muitas mulheres têm de usar a burqa à força."

Salima é uma delas. Vem da província de Takhan, no norte, e usa a burqa erguida sobre o rosto. No início se nega a conversar. Diz que precisa da autorização de seu marido. Com a ajuda de uma das fisioterapeutas, concorda, cobrindo a boca com o tecido: "Ninguém me obriga a usá-la. Embaixo dela me sinto mais segura. Não gosto que os homens me olhem na rua".

Malalai Joya tem 35 anos e é uma das 64 deputadas do Parlamento, mas não pode ir ao seu assento, porque foi expulsa apesar de a lei não contemplar essa possibilidade. Está ameaçada de morte e vive na clandestinidade. Em seu caso, a burqa é um seguro de vida. "A maioria de nossos políticos e parlamentares são narcotraficantes e criminosos de guerra que deveriam ser detidos e levados ao Tribunal Internacional de Justiça de Haia", explica em um de seus refúgios. Opiniões como esta, que ela expressou na Loya Jirga, a Grande Assembléia, em 2003, a colocaram na mira de muitas armas.

"A situação da mulher no Afeganistão é um inferno", prossegue. "Muitas optam pelo suicídio para escapar da violação legalizada na qual se transformaram muitos casamentos. Não podem sair sem autorização de seus maridos. Nem estudar. Eu vivo em um país de misóginos que temem a outra metade. Dizem que somos 25% dos deputados, mas é mentira: as mulheres mal podem falar no Parlamento, são insultadas e atacadas. A mim, por exemplo, tentaram violar. As coisas não mudaram desde que os taleban se foram e o país foi ocupado por tropas estrangeiras." Malalai mostra papéis e fotografias; é uma mulher dedicada a uma causa. "Sei que um dia me matarão. Já tentaram cinco vezes, mas não vou me render", diz.

Sdika tem 12 anos. Levanta-se às 6 da manhã e uma hora depois entra no colégio, mas às 10 tem de voltar para casa para ajudar a fazer o almoço. Gostaria de ser pintora. Desenha jardins e casas grandes. Devem ser seus sonhos de uma Cabul envolta em uma neblina de poeira e areia que machuca os olhos. Diz que não gosta da burqa. "Não a vestirei enquanto não me casar. Depois, dependerá do que meu marido decidir."

A deputada Fawzeja Kofi se queixa de que os candidatos à presidência não deram atenção aos problemas das mulheres. Também acredita que a burqa não é o problema, mas a representação do problema. Acredita que os jovens e as novas tecnologias romperão o cerco. "Pouco mudou na qualidade de vida das mulheres desde a saída dos taleban. Aqui se mata a mulher por ser mulher. Só em Cabul há 60 mil viúvas que devem carregar o peso da casa e que não têm direitos. A única via é a educação, que 85% de mulheres analfabetas aprendam a ler e a exigir seus direitos. Temos um governo corrupto que a única coisa que fez foi legalizar a tradição. Vivemos em uma cultura da impunidade que nada tem a ver com a xariá [lei islâmica]."

Ramón Lobo
Enviado especial a Cabul (Afeganistão)

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do El País, no UOL Notícias.

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segunda-feira, agosto 24, 2009

55 Anos Hoje

Você viu? São 55 anos do suicídio do presidente Getúlio Vargas.

Na madrugada de 24 de agosto de 1954. O Brasil vivia dias conturbados.

Getúlio Vargas tinha contra si a grande mídia da época, da qual, me parece, sobrevivem hoje O Globo e O Estado de São Paulo, mais a estridência de Carlos Lacerda, queridinho da pequena classe média urbana e conservadora daquele tempo, mais setores das Forças Armadas, que pareciam mais alinhados com os interesses dos Estados Unidos, que com os do Brasil. É claro que não é possível esquecer que esta oficialidade golpista era parte desta mesma classe média que amava Carlos Lacerda.

Há 55 anos morria o homem sob o qual as mulheres começaram a votar, os trabalhadores ganharam alguns direitos como férias e previdência. Também dirigiu uma ditadura que durou 8 anos (de 1937 a 1945), mas foi eleito 5 anos após o golpe de estado que o destituiu, em 1950.


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O dito cabo Anselmo

O dito cabo Anselmo

O ATUAL REAPARECIMENTO periódico do cabo Anselmo vem com a novidade de que se habilita, mesmo, à concessão financeira que compete à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, segundo critérios de difícil ou impossível compreensão. No caso desse que se diz apenas cabo Anselmo, a incompreensão começa antes que a comissão possa aplicar os seus modos de avaliação do pedido: como seria possível considerar, para concessão ou recusa, reparações a alguém cuja história verdadeira, exceto no que foi testemunhado, é um segredo pessoal, militar e possivelmente diplomático há 45 anos?
As milimétricas e tortuosas narrativas já feitas por Anselmo mais o comprometem, pelo que omitem, do que atenuam o horror humano que suscita, pelas traições e mortes que seu nome lembra como reação automática. A maior reparação que poderia receber Anselmo já a tem por quase meio século: "esse pessoal da esquerda", como ele diz, deixou-o em gozo da vida e da integridade física, sem vindita, jamais, nem sequer a um dos seus crimes.
A propósito, constata-se que a ferocidade do cabo também pôde sobreviver em paz, tão clara agora na maneira irada como inclui até o governo Lula "nesse pessoal da esquerda", para registro do repórter Lucas Ferraz na Folha.
Anselmo diz ter dificuldades financeiras, razão para duas observações. Tais dificuldades, supondo-se que existam, não eliminam a questão de como se manteve nos últimos 45 anos. E, ainda, o fato de que os serviços secretos e as correntes militares da ditadura, ou delas originárias, nunca abandonaram um dos seus que se mantivesse fiel, como Anselmo. Os anos desde o fim da ditadura estão repletos de nomes e histórias assim. E, por gratidão ou dever funcional, a Marinha e a ditadura deixaram provas do tratamento especial ao dito cabo Anselmo.
A história rocambolesca que Anselmo certa vez narrou de sua fuga, quando preso com outros marinheiros depois do golpe, vale por um atestado.
O compreensível ódio da oficialidade desacatada pelos marinheiros, logo na mais classista das forças militares, transmudou-se em represália feroz quando o golpe possibilitou a prisão da marujada rebelde. Masmorras e prisão nas piores condições em navios foram o destino comum dos apanhados. Não, porém, para o maior incitador da rebelião e das ameaças à oficialidade: Anselmo foi posto em um pequeno e pacato distrito policial na orla da floresta do Alto da Tijuca, sem vigilância especial, e disponível para seus visitantes. Em poucos dias, não precisou de mais do que sair pela porta para a liberdade. Os visitantes perderam a sua nos dias seguintes.
Também por aquelas alturas, um cartunista jovem e já famoso foi solicitado a ajudar "o caçado" Anselmo, arranjando-lhe um abrigo por alguns dias. O rapaz deu-lhe a chave de um apartamento. Em troca, recebeu os efeitos habituais da repressão, e mais tarde viveu anos de exílio na Suíça.
Anselmo passara da traição a seus companheiros marujos para a traição no mundo civil que começava a descobrir. Não parou mais, até onde sua atividade deixou testemunhos. Incluída a traição e morte da própria mulher.
Quem é esse Anselmo, que história verdadeira tem vivido há meio século e por que se decidiu a fazê-la são ainda segredos. Para os quais Anselmo pretende a reparação criada, entre outras, para as suas vítimas.

Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 4 de agosto de 2009.


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Por que o medo desse livro?

Por que o medo desse livro?

Por que tantos têm tanto medo desse livro?

21/7/2009, The First Post, Londres, http://www.thefirstpost.co.uk/50995,news,british-media-kill-khalid-mishal-reviews-paul-mcgeough-mossad-israel-hamas-middle-easthttp://www.thefirstpost.co.uk/50995,news,british-media-kill-khalid-mishal-reviews-paul-mcgeough-mossad-israel-hamas-middle-east

Kill Khalid: The Failed Mossad Assassination of Khalid Mishal and the Rise of Hamas

Kill Khalid: The Failed Assassination of Khalid Mishal and the Rise of Hamas [Matar Khaled (Meshall): o atentado fracassado e o crescimento do Hamás], Paul McGeough, Londres: Quartet Books, 2009 (abril)

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(Imagem em Amazon Books, http://www.amazon.com/Kill-Khalid-Failed-Mossad-Assassination/dp/1595583254)

Boa resenha do livro (em inglês) em http://www.amazon.com/Kill-Khalid-Failed-Mossad-Assassination/product-reviews/1595583254/ref=dp_top_cm_cr_acr_txt?ie=UTF8&showViewpoints=1


Nos EUA, o livro recebeu resenhas e comentários de leitores em êxtase.

É livro desses que já não se fazem como antigamente – história política narrada com fartura de dados e com rigor e seriedade informacionais, mas que se lê como romance de espionagem. Narram-se aí eventos de 1997, quando o serviço secreto israelense, o Mossad, tentou assassinar o líder do Hamás, Khalid Mishal, à luz do dia, numa calçada de Amman, Jordânia. Fingindo um esbarrão, no qual estaria envolvida uma lata de Coca-Cola que alguém fingia abrir, os terroristas do Mossad borrifaram um veneno mortal dentro do ouvido de Meshall.

A Jordânia ameaça enforcar os espiões israelenses, e o antídoto aparece

Mas os agentes do Mossad meteram os pés pelas mãos e não conseguiram escapar; dois deles foram presos em flagrante pelos guarda-costas de Meshall; outros dois conseguiram esconder-se na Embaixada de Israel em Aman. Khalid Meshall entrou em coma. As tropas da Jordânia cercaram a embaixada de Israel. O rei Hussein da Jordânia, furioso por os israelenses terem-se atrevido a tentar um assassinato político daquela magnitude em território da Jordânia, telefonou a Bill Clinton, exigindo providências contra Israel. Bill Clinton telefonou a Benjamin Netanyahu, então primeiro-ministro de Israel, ordenando-lhe que fizesse o que fosse preciso para acalmar o rei da Jordânia.

Netanyahu, no primeiro momento, disse que já era tarde demais e não havia antídoto que revertesse os efeitos do veneno. O rei Hussein da Jordânia, então, declarou que, se Meshall morresse na Jordânia, os dois agentes do Mossad israelenses capturados seriam enforcados e a trama seria amplamente divulgada (trapalhadas inclusas). O antídoto apareceu imediatamente; Khaled Meshall sobreviveu; e ali e então começou, de fato, sua espantosamente rápida ascensão como líder político em toda a Região.

Mediante entrevistas com todos os principais atores do drama, inclusive com acesso pessoal direto ao próprio Khalid, o autor-jornalista conta a história do Hamás, ao longo de uma década de ataques de homens-bomba, disputas políticas internas, mas com sempre crescente apoio popular que culminaria na batalha por Gaza, em 2007 e levaria à situação política que a Palestina vive hoje.

É livro importante, sobre um dos pontos mais sensíveis e turbulentos da história contemporânea. Mesmo assim, foi ignorado na Inglaterra. Depois de duas resenhas muito elogiosas publicadas na London Review of Books e no Times Literary Supplement – ninguém mais voltou a falar do livro.

O diretor da editora Quartet Books, Naim Attallah, chegou a entrar em contato direto com os jornalistas editores dos suplementos literários de todos os principais jornais e revistas ingleses. A maioria respondeu que não tinha planos de publicar resenhas do livro, ou qualquer comentário. A equipe de venda e divulgação da própria editora informou que algumas livrarias não aceitavam o livro nem para exibir nem para estocar.

Attallah então redigiu um press release no qual acusou todo o establishment crítico-literário inglês de estar "usando tática silenciosa para censurar o livro e impedir sua livre divulgação", sobretudo depois de o Hamás ter sido "rotulado como 'organização terrorista', mesmo sem ter qualquer chance de expor suas ideias, chance que lhe caberia, por direito, em qualquer debate democrático".

E acrescentou: "Quem deseje paz no Oriente Médio deve reconhecer que o Hamás é parte essencial de qualquer movimento que vise a algum acordo de paz. Nenhuma negociação terá qualquer progresso, se não ouvir o Hamás."

É difícil saber dos motivos que paralisaram as redações inglesas. Seja como for, o establishment literário inglês deve algumas explicações. Em geral, parece estar em surto de aversão a qualquer tipo de discussão política. O Hamás foi declarado "organização terrorista". Portanto, ninguém cogita de comentar livro sobre "organização terrorista" e expor-se, também o editor, a críticas.

Além do mais, algum comentário também poderia despertar a ira das organizações que apoiam Israel – o que também exigiria respostas.

Em tempo de orçamentos curtos e cortes de pessoal em todas as redações, nenhum editor de jornal ou revista sentir-se-á tentado a provocar polêmica. A história dos tempos que vivemos parece não valer o risco – se se pensa, como parece que tantos pensam, mais em salvar jornalistas e redações do que informação e fatos.

Texto visto no saite Vi o Mundo.


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Mantega articulou o caos na Receita

Mantega articulou o caos na Receita

O MINISTRO DA FAZENDA , Guido Mantega, trouxe sua contribuição para a teoria do caos. Demitiu a secretária da Receita Federal sem oferecer uma explicação que tivesse nexo e merecesse respeito. Feito isso, tirou férias. Retornou e tem dois problemas sobre a mesa.
Começou uma guerra de dossiês e vilezas para o preenchimento do cargo. Otacílio Cartaxo, o secretário interino, é acusado de ter esbarrado numa operação pente-fino de 2006. Uma auditoria interna desconfiou de suas contas, o caso foi entregue à corregedoria da Receita, que considerou as suspeitas infundadas e o arquivou. Agora informa-se que o Ministério Público resolveu investigar o caso, que corre em segredo de Justiça. Coisa igual, nem na Inquisição espanhola. O sujeito foi inocentado e volta a ser suspeito porque voltou a ser investigado, em segredo.
A simpatia de Mantega iria para Valdir Simão, presidente do INSS. Chumbo nele. Como sucedeu a Cartaxo, "foi investigado" (coisa que não quer dizer nada) em 2006. Seu envolvimento estaria relacionado com a ação de uma quadrilha de sonegadores desbaratada pela Polícia Federal. Em sua defesa, informou que a ação policial foi desencadeada por ele, quando dirigia a arrecadação do INSS.
Com base no que se apresenta ao público, Cartaxo e Simão são vítimas do clima de baixaria que tomou conta do processo de nomeação do novo secretário da Receita.
Mantega tem outra panela queimando sobre o fogão. Ele sabe que a escolha de Simão (que foi secretário-adjunto de Jorge Rachid, que foi adjunto de Everardo Maciel durante o tucanato) poderá resultar no pedido de demissão de cinco (ou seis) dos dez superintendentes da Receita. Provavelmente também pedirão o chapéu os inspetores das alfândegas de Cumbica e Viracopos e algo como uma dezena de auditores que ocupam cargos de chefia.
Numa época em que o país vê como os barões de Brasília nomeiam seus protegidos, faz bem à alma saber que servidores públicos concursados oferecem de volta seus postos, para retornar ao chão das repartições. Nenhum deles abrirá firma de consultoria, como ninguém aceitará convite para o conselho de administração de grandes contribuintes. Isso não é rebelião. Quando o inspetor de uma alfândega pede demissão, é louco ou honesto, o que, em certas situações, pode ser uma redundância.
Na raiz do problema está a ação desses servidores levados para a cúpula da Receita pela secretária Lina Vieira. Como ela mesma disse, a instituição tirou o foco da patuleia assalariada e mirou no andar de cima. Por exemplo: antes dela, no primeiro semestre de 2008, a delegacia de Campinas procedeu a 138 fiscalizações de pessoas físicas e cobrou R$ 1,5 milhão. No mesmo período de 2009, na gestão da doutora, fiscalizou 130 e cobrou R$ 37,2 milhões. Com as pessoas jurídicas, nessa mesma delegacia, as fiscalizações passaram de 66 para 88, e a cobrança, de R$ 189 milhões para R$ 500 milhões. Essa situação repetiu-se em dezenas de delegacias.
Outro exemplo: os bancos sentem-se desobrigados de pagar PIS e Cofins sobre as transações financeiras. Num mês do ano passado, um deles desembolsou exatos R$ 2,65. A Receita foi em cima e já obteve uma sentença que condenou uma casa a pagar R$ 2 bilhões.

Aquilo que parece um problema é um pedaço da solução. O Senado é uma coisa e a Receita Federal é outra coisa.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 29 de julho de 2009. Grifos do blogueiro.

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China promete reduzir sentenças de morte International Herald Tribune

China promete reduzir sentenças de morte


Andrew Jacobs e Zhang Jing
Em Pequim (China)

A China, que executa mais pessoas do que qualquer outro país, diz que será mais leniente com aqueles indivíduos condenados à morte, segundo noticiou a mídia estatal na quarta-feira (29/07).

Em uma série de entrevistas, o vice-presidente do Supremo Tribunal Popular afirmou que a China não está pronta para abolir a pena de morte, mas que essa pena deve ser reservada para um pequeno número de crimes graves, especialmente aqueles que ameaçam a estabilidade social.

Na China, mais de 60 crimes podem ser punidos com a pena de morte, incluindo evasão fiscal, apropriação indébita de dinheiro público e tráfico de drogas, mas o governo não divulga as estatísticas referentes ao número de execuções, muitas das quais ocorrem imediatamente após julgamentos que, segundo especialistas, são injustos e sem transparência.

"Os departamentos jurídicos deveriam utilizar o menor número de penas de morte possível, e essa penas não deveriam ser aplicadas a indivíduos que não têm motivo para serem executados", disse ao jornal "Diário da China" o vice-presidente do tribunal, Zhang Jun.

Grupos de defesa dos direitos humanos como a Anistia Internacional estimam que mais de 1.700 pessoas foram executadas na China em 2008, o que representa uma redução drástica em relação a uma década atrás, quando foram consumadas até 15 mil execuções. A título de comparação, os Estados Unidos executaram 37 pessoas no ano passado.

O número de execuções na China começou a cair em 2001 - não muito depois de Pequim ter sido escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de 2008.

Em 2006, reportagens publicadas na mídia estatal declaravam que o número de execuções na China chegou a 8.000. Em 2007, depois que o supremo tribunal do país passou a contar com o poder para reavaliar os casos de penas de morte, esse número caiu ainda mais drasticamente.

No ano passado, segundo o "Diário da China", o tribunal cancelou 10% das sentenças de morte impostas por tribunais de instância inferior. Embora Zhang não tenha dito exatamente como o judiciário reduziria a quantidade de execuções, ele sugeriu que o número de crimes que poderiam ser punidos com a pena de morte será reduzido através de uma legislação, e que os tribunais de instância inferior serão encorajados a aplicar uma punição conhecida como "pena de morte com suspensão de sentença".

Ele observou que, em casos recentes, o supremo tribunal cancelou penas de morte por crimes passionais ou no caso de condenados que manifestaram remorso e comprometeram-se a indenizar os parentes das vítimas. Como exemplo, ele citou um homem chamado Shao, que foi condenado por ter matado a namorada após saber que ela tinha um caso com outra pessoa. Zhang disse que o supremo tribunal suspendeu a pena de morte de Shao porque ele manifestou remorso e prometeu indenizar a família da vítima.

Outro fator atenuante foi a possibilidade de que o comportamento da vítima tivesse provocado a violência do namorado e, finalmente, o fato de o crime não ter provocado "um grande impacto social".

A tentativa da China de limitar o uso da pena capital surge após anos de críticas por parte de especialistas chineses em direito e governos estrangeiros. He Weifang, professor de direito da Universidade de Pequim e oponente militante da pena de morte, diz que, apesar dessas pressões, a maioria da população chinesa apoia essa punição como forma de controlar o crime e obter vingança. Desde que a suprema corte passou a anular sentenças de morte em 2007, ele diz que muitas autoridades das províncias começaram a reclamar de um aumento da criminalidade.

"No decorrer da história chinesa, sempre houve uma ênfase nas execuções públicas. E quanto mais cruel fosse a execução, melhor", diz ele. "Mas a civilização evoluiu, e chegou a época de abandonarmos, ou pelo menos de limitarmos bastante, o uso da pena capital".

Os grupos de direitos humanos receberam bem o anúncio, mas disseram que o governo deveria divulgar mais informações a respeito das execuções, que são consideradas um segredo de Estado. "Se o governo quiser que o mundo leve a sério as suas iniciativas de reforma, um bom primeiro passo seria revelar quantas pessoas ele executou a cada ano", diz Phelim Kine, pesquisadora da organização Human Rights Watch especializada na Ásia. "As palavras são encorajadoras, mas até que isso aconteça, haverá uma séria lacuna quanto à credibilidade".

Tradução: UOL

Texto do The International Herald Tribune, no UOL.

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China tem 13 milhões de abortos por ano, diz estudo

China tem 13 milhões de abortos por ano, diz estudo


Cerca de 13 milhões de abortos são realizados por ano na China, de acordo com relatos da imprensa do país. Uma pesquisa mostrou que o país tem cerca de 20 milhões de nascimentos por ano.

Os números revelam que a maioria das mulheres que fazem abortos são solteiras, com cerca de 20 anos.

Pesquisadores acreditam que os números reais podem ser até maior, porque há muitas clínicas não-registradas de aborto.

Especialistas chineses dizem que os jovens precisam receber mais orientação sexual. Os dados foram publicados na capa do jornal China Daily.

A reportagem afirma que o alto número de abortos é uma fonte de preocupação no país. A China tem leis rigorosas de planejamento familiar, que limitam muitas mulheres a terem apenas um filho.

Abortos são permitidos em alguns casos em que as mulheres já tiveram mais filhos do que o permitido pela lei. Há casos também de mulheres que são forçadas a abortar para se manter nos níveis de natalidade permitidos pelo governo, para que as autoridades consigam atingir as suas metas de controle populacional.

Notícia da BBC Brasil, no UOL.

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