quinta-feira, setembro 30, 2010

Temporada de dissídios 2010: a greve dos bancários continua

A greve dos bancários continuou hoje em Porto Alegre.

Houve ato-show na Praça da Alfândega e passeata por algumas ruas do centro da cidade.


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Engasga?...

Chávez engasga com pergunta de jornalista sobre lei eleitoral


Pablo Ordaz

Enviado especial a Caracas (Venezuela)


Hugo Chávez está aborrecido, muito aborrecido. Os resultados eleitorais de domingo o deixaram de semblante contrariado. Não tanto pela ressurreição da oposição --que conseguiu 65 deputados dos 165 em disputa--, nem mesmo porque os 98 obtidos por seu partido não são suficientes para legislar à vontade, mas sim porque a forma de ganhar, através de uma lei eleitoral desenhada na sua medida há apenas um ano, deixou a descoberto sua maneira particular de usar a democracia. O aborrecimento de Chávez se revelou na tarde de segunda-feira, diante de uma pergunta de uma jornalista venezuelana.


Mais que uma pergunta, foi "a" pergunta: "A diferença entre os votos obtidos por seu partido, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e os que conseguiu a Mesa da União Democrática (MUD) é de apenas 100 mil. E é difícil entender que, tendo obtido quase o mesmo número de votos, a oposição tenha conseguido 37 cadeiras a menos que o PSUV (afinal a diferença seria de 33). Pergunto-me se estaria se confirmando a tese da oposição que afirma que a redistribuição dos circuitos eleitorais foi feita com a intenção de favorecer o PSUV, ou que talvez o voto do PSUV valha por dois..." O que respondeu Chávez? Nada. Não soube responder e, fiel a seu estilo, atacou a jornalista.


Acusou-a de não conhecer a Constituição, de pertencer a um meio de comunicação que divulga mentiras, de não prestar atenção e formular "perguntas gelatinosas que não têm fundamentação lógica", de viver na lua, de manipular... Entre uma crítica e outra - com o coro de uma parte dos membros de seu governo e dos jornalistas do regime que riem de suas graças -, Chávez tentava responder, mudava papéis de lugar, se remexia na cadeira, segurava um lápis ou convidava a jornalista, Andreína Flores, a tomar o café que acabavam de lhe servir...


Mas o comandante-presidente não encontrava uma resposta lógica... e afinal decidiu atirar para o alto: acusou os que formulam essas perguntas de obedecer a interesses obscuros e desestabilizadores, que "tentam tirar o petróleo da Venezuela para entregá-lo aos ianques". Mas não respondeu. Talvez porque não houvesse como fazê-lo: com a lei anterior e esses mesmos resultados, o PSUV e a Mesa da União teriam empatado em 80 deputados. Mas ele reformou a lei de tal modo que nas áreas mais inclinadas a sua gestão um deputado valha menos votos que nas demarcações onde nunca ganhou. O resultado não pode ser mais claro: uma vitória de 98 a 65 com o mesmo número de votos.


A verdade é que o presidente, que passou 24 horas em silêncio digerindo na intimidade o mau resultado, está disposto a utilizar os meses que restam até janeiro - data em que se constituirá a nova Assembleia Nacional - para aproveitar a maioria absoluta que ainda tem. O chefe do comando Bolívar e deputado Aristóbulo Istúriz advertiu assim a oposição: "Vamos legislar até o último dia, por isso preparem-se". E Chávez, quando ia se recuperando do mal trago, desafiava a oposição a convocar um referendo para revogar seu mandato: "Como são maioria e eu já cumpri três anos deste período, lhes faço um desafio: convoquem já uma revogatória! Para quê vão esperar dois anos para me tirar? Dentro de dois anos será mais difícil, porque o que vem é 'joropo' [baile], por isso vão comprando alpargatas".


Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves



Texto do El País, reproduzido no UOL.



Comentário: Na verdade são coisas da democracia. Nem sempre a quantidade de votos equivale à quantidade de representantes eleitos. Foi evidente na eleição presidencial dos Estados Unidos no ano 2000, e acontece muito em países com sistema eleitoral distrital.

No Brasil, por conta disso,um deputado federal precisa de muito mais votos em São Paulo, do que no Amapá para se eleger.

Não conheço o sistema eleitoral venezuelano, mas acredito que a aparente distorção noticiada, que, segundo o El País, provocou um engasgo em Hugo Chávez, passa por aí.


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Os óbitos eminentes do pós-eleição

Repartição de renda faz sua última eleição

Wanderley Guilherme dos Santos| Do Rio
30/09/2010

Registro dois óbitos iminentes: o da eficácia eleitoral da política de redistribuição de renda e o do poder desestabilizador da grande mídia. São movimentos dessa natureza que brazilianistas e a nova direita chic, os comunistas nostálgicos, não antecipam. Há quem acredite que nada mudou no Brasil desde a Primeira Missa. Outros, que mudou para pior desde a Primeira República. São ecos do passado, nutridos pela lerdeza real com que o país tem resolvido alguns problemas clássicos da modernidade. A urbanização custou a chegar, assim como a industrialização e a transformação da estrutura ocupacional. Argentina, Chile e Uruguai brilhavam com taxas européias de urbanização e alfabetização (nada de industrialização, é bem verdade) quando o mundo era campestre e a poesia e o romance, bucólicos. Em um par de décadas, contudo, a urbanização e a transformação ocupacional brasileiras bateram recordes históricos, deixando na rabeira não só a América do Sul, mas China, Índia e, em alguns aspectos, a Rússia, inventando ao longo da travessia um eleitorado de 136 milhões de votantes, indomável a qualquer elite leninista e, cada vez mais, insubmissa ao comando coronelista. A poda das oligarquias hereditárias ocorre de Norte a Sul do país. Por fim, descobriu-se uma classe média (próxima de 90 milhões de pessoas) quase do tamanho do Japão. Dezenas de milhões de "japoneses", digamos assim, falando português, mas com igual apetite consumista, invadiram as lojas de eletrodomésticos, de roupas, agências de viagens, aviões, hotéis e, até mesmo, as revendedoras de automóveis japoneses propriamente ditos. Não há nostalgia que suporte isso sem virar ressentimento. Mas, a contragosto, será nesse depósito que a história obrigará os conservadores a colher votos no futuro.

Do berço ao túmulo, a população brasileira passou a ser assistida por complexa rede de políticas sociais institucionalmente inéditas, em grande parte, e incomparáveis em sua cobertura. Multidões foram extraídas à miséria e à pobreza em prazo mínimo, se confrontado aos quase cem anos que o sistema social europeu exigiu para ser elaborado e implementado. Evidentemente, nossos séculos preguiçosos legaram tal espetáculo de carências que a profunda subversão de prioridades operada pela era Lula não está senão a meio caminho da empreitada em seus efeitos estruturais. Metas ainda por atingir, ocasionais gestões deficientes, equívocos de formulação inicial de alguns programas fazem parte da história real do período e comparecem na queda de braço das argumentações eleitorais. Mas não é nesse discurso ao tele-espectador que se encontra o coração da matéria.

Grande parte das políticas sociais em curso dispensa intermediários. Os atingidos têm acesso direto aos benefícios, extinguindo-se o pedágio de gratidão que deveriam pagar aos agentes executivos das ações distributivas. A fruição dos bens sociais a que têm direito independe de conexão com algum doador individualizado, subordinando-se tão somente ao vínculo formal com a apropriada agência de implementação. O funcionamento do sistema, naturalmente, claudica aqui e ali e a eficiência da máquina não é uniforme. Isso tende a melhorar. E tende a melhorar na exata medida em que os beneficiados deixam de aceitar o serviço ou o bem como favor (a cavalo dado não se olham os dentes) e a entendê-lo como obrigação do Estado. Nessa mesma medida o voto-gratidão ou se transforma em voto-confiança ou migra. Em breve a população brasileira sentirá a rede social em expansão (volume e qualidade) como estado da natureza, solo sobre o qual se desloca sem prévia licença de autoridade política a que deva lealdade. Certamente que o eleitorado, sobretudo o mais antigo, preserva um estoque de confiança nas lideranças que deram origem à re-fundação do pacto político original. Mas a simples lembrança daquele momento pode se tornar insuficiente para a renovação da confiança. E é assim que deve ser.

Parte considerável da nova classe média tende ao conservadorismo por entender com absoluta lucidez que existem limites à mobilidade social ascendente e que mudanças, dadas certas circunstâncias, serão, provavelmente, para pior. É sociológica e economicamente impossível que a totalidade das pessoas que alcançaram ou venham a alcançar em breve o topo salarial ou de posição em algum ramo do comércio, serviços ou ocupação industrial, se transfiram para um patamar acima na estratificação social, dando início a nova trajetória ascendente. A maioria das moças e rapazes que, recém alfabetizados ou saídos de escolas profissionalizantes, encontram vagas em abundância como atendentes, vendedoras, caixas, recepcionistas etc., irão se aposentar na mesma profissão ou em profissão aparentada. Algumas chegarão a supervisora ou gerente de filial; pouquíssimas a postos de direção. Grandes agregados sociais não costumam pular dois degraus na estratificação, independente da orientação dos governos e dos sociólogos de boa vontade. A ascensão inter-geracional é outra história. Em uma geração, porém, o jovem que se entusiasmava com o fervilhante trânsito social é o mesmo adulto maduro que, seguro em sua posição atual e aposentadoria próxima, teme promessas de solavancos sociais. O mais provável é que o solavanco o desaloje. Alguns chamam o fenômeno de "aversão ao risco", mas podemos chamá-lo, sem ofensa, de "potencial de votos conservadores". Em próximas eleições, o aceno da consolidação de conquistas feitas pode ser tão ou mais atraente do que prometida alvorada de grandes transformações.

E eis que o poder desestabilizador da grande mídia parece agônico. Poder que detinha menos em função do jornalismo político investigativo, exacerbado em períodos eleitorais, e mais pelas ilações que faz, os olhos que a liam e os ouvidos que as ouviam. Acusar a mídia de omitir informações, procede, com frequência, mas é trivial. Negar os resultados reais do jornalismo investigativo é tolo e inútil. O mesmo leitor que recusa o exagero aceita o fato comprovado. E o que importa, em primeiro lugar, são os fatos comprovados. Culpa cabe ao governo, ao atual, aos anteriores e a todos os que vierem depois, por entregarem seus eleitores e apoiadores aos embaraços de se verem expostos aos resultados de uma política negligente de recrutamento de pessoal para cargos de absoluta relevância e respeitabilidade. Não é aceitável, em nenhum governo, que ocupantes de cargos de confiança estejam a salvo para operar sem sistemático escrutínio da legalidade e lisura de seus atos. Os órgãos de segurança do governo devem ser responsabilizados pelas constantes provas de incompetência que vêm dando. Um aparato estatal oligárquico, historicamente destituído de capacidade operacional para implementar políticas de grande envergadura - por isso mesmo obrigado a recrutar rapidamente quadros capazes, mediante concursos e funções de confiança - está especialmente sujeito a ser penetrado por funcionários cuja idoneidade ainda está para ser comprovada. O cuidado com o funcionamento da engrenagem governamental deve ser permanente e habilidoso, antes que meramente burocrático. Não é o governo que se torna vulnerável. Isso pode passar. São os seus eleitores que se envergonham e gaguejam, pagando enorme preço em estima social pela confiança que depositaram em governantes, e que a transferiram à desonra. Por isso, não é a grande mídia a responsável. Ao contrário, deve-se ao jornalismo investigativo de boa fé a fiscalização que órgãos governamentais deixam escapar e que a desídia de uma oposição de nariz arrebitado não exercita.

Referia-me ao jornalismo investigativo de boa fé. As ilações editoriais pertencem a outro departamento. Fora da temperatura eleitoral, não há pessoa de bom senso suscetível à idéia de que o presidente Luiz Inácio, ou qualquer outro presidente normal, tenha montado um governo para saquear o país ou promover o nepotismo como política oficial. Não haveria recursos, tempo e sequer mão de obra para, ao mesmo tempo, reduzir espetacularmente a miséria, redistribuir renda e estimular o desenvolvimento econômico. A transferência de significado dos reais ilícitos administrativos para deliberadas intenções políticas se deve ao exercício do poder desestabilizador da grande mídia. Não consta de nenhuma apuração jornalística nem faz qualquer sentido no contexto geral das eleições. Mas é recorrente no Brasil. Assim aconteceu em 1950, 1954, 1960, 1964, no século passado, e em 2002 e 2006, no atual. Ao contrário de épocas pretéritas, todavia, suspeito que esse poder desestabilizador agoniza e, por isso, esperneia.

Tudo começou, creio, com a decisão do então presidente Fernando Henrique Cardoso de criar o Ministério da Defesa, entregando seu comando a um civil. O grande economista Inácio Rangel sorriria ao verificar que, mais uma vez, teria que ser um membro da elite a tomar medidas bastante ousadas. Fernando Henrique, candidato preferencial que fora da oficialidade militar, fez, sem susto, o que Lula, certamente, não teria condições de fazer, à época. Firmou-se constitucional precedente e a sucessão de ministros naturalizou a condição civil do cargo. Despreocupado com problemas de soberania, contudo, Fernando Henrique levou as Forças Armadas à mesma dieta do resto do funcionalismo público e das instituições do Estado, fazendo-as raquíticas, quando não as esfacelando. Outra vez, coube agora ao ex-espantalho Lula, comprometido com a recuperação do povo e da soberania nacional, re-incorporar as Forças Armadas à sociedade e integrá-las em projeto comum. Hoje, nem o Exército nem as demais forças militares estão em busca de identidade, como diria o sociólogo Edmundo Campos, distinta da identidade dos demais segmentos do país. Não obstante resquícios de privilégios, preconceitos e temores herdados de passado nem tão remoto, o entendimento entre as instituições civis e militares se manifesta na total discrição e profissionalismo com que os responsáveis pelos comandos armados têm agido de tempos para cá. Na verdade, o que está fugindo ao poder desestabilizador da grande mídia são os olhos e ouvidos militares. Ela nunca interpretou, fora raros momentos, o sentimento da maioria da população, valham as sucessivas derrotas de seus candidatos como recibo da afirmativa. Mas vociferava aboletada em tanques. Hoje, resta-lhe o potencial para assassinatos de caráter - algo ainda terrivelmente assustador. Tímidas tentativas de se aconchegarem aos bivaques, entretanto, diria o marechal Castelo Branco, têm sido apenas patéticas.

A influência dos meios de comunicação nos processos eleitorais é inteiramente normal em democracias. Inevitável, ademais. Perigoso é quando, além da malícia retórica, o poder desestabilizador busca se realizar, irresponsável, pela mão de terceiros. Isso, parece, está fora de cogitação. A propósito, em 2012 o opúsculo "Quem Dará o Golpe no Brasil?" completará cinquenta aninhos.

E para não dizer que não falei de flores: o poder desestabilizador se concentra, hoje, nesse fóssil institucional que é a Justiça Eleitoral.

Wanderley Guilherme dos Santos integra a Academia Brasileira de Ciências/Universidade Candido Mendes


Texto visto no blog do Luís Nassif. O parágrafo destacado é por conta do blogueiro.

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quarta-feira, setembro 29, 2010

Temporada de Dissídios 2010: Greve dos Bancários

Assembleias por todo o Brasil, declararam o início de greve para os bancários a partir desta quarta-feira, dia 29.

O assunto chegou a ocupar as “trending topics” do Twitter ontem à noite.

Em termos de reajuste salarial, a federação dos bancos ofereceu reajuste de 4,29%, enquanto os bancários estão pedindo 11% .

Hoje pela manhã, no centro de Porto Alegre, a greve parecia bem forte, com agências paradas ao longo das ruas Sete de Setembro, General Câmara e Andradas.

No saite do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre estava anunciada nova assembleia hoje às 16 h.


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Juíza considera ilegais provas obtidas por meio de interceptação telefônica

Juíza considera ilegais provas obtidas por meio de interceptação telefônica


A Folha de São Paulo desta quarta-feira, 29/09/2010, informa que a juíza Paula Mantovani considerou ilícitas as gravações feitas pela Polícia Federal, na chamada Operação Têmis, que investigava a acusação de venda de sentenças na Justiça Federal de São Paulo.


Segundo a notícia, a juíza considerou que eram ilícitos os grampos obtidos após declaração de testemunha, que também era suspeita, através de delação premiada. Segundo a notícia, a juíza teria declarado que a polícia, deveria antes ter apresentado mais evidências, em lugar de apenas se basear na delação de alguém suspeito. Delegados da Polícia Federal disseram que haviam investigado a testemunha que oferecera a delação premiada, e que as evidências estavam junto à documentação. Com a declaração da ilicitude das provas coletadas via interceptação telefônica, a maioria dos suspeitos da operação da Polícia Federal foi liberada das acusações, e a operação praticamente extinta.


A questão a destacar neste caso é que uma juíza desconsiderou os motivos de outro juiz que havia permitido as escutas telefônicas. Sim, porque segundo a notícia, não é que as escutas tivessem sido feitas sem autorização judicial, mas que o juiz que as autorizou, não levou em consideração que tinham uma base fraca para que fossem iniciadas.


Não sou operador do direito, mas me parece que tal sentença alarga a já vasta avenida de impunidade que corta o Brasil. Os advogados dos acusados não necessitam contestar mais qualquer evidência fornecida por escutas telefônicas (que, como parece que são apresentadas na reportagem, foram obtidas por autorização judicial, é sempre bom destacar), mas apenas alegar que a base para a interceptação era inválida.


Fica a impressão de que bons advogados são quase sempre garantia de impunidade neste país. Neste caso em questão a maioria dos acusados pela polícia nem se tornará ré em processo judicial.


Acredito também que se as defensorias públicas fossem eficientes como os criminalistas que conseguiram anular a operação Têmis, a maioria dos pequenos traficantes e ladrões pé-de-chinelo de nossas penitenciárias estaria livre.


Mas, como eu disse, não sou operador do direito. Pode ser que a minha impressão a respeito disso tudo esteja errada.



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Filmes da Fúria Atômica

Filmes da fúria atômica deixam de ser segredo

Por WILLIAM J. BROAD

Sua existência e a natureza do seu trabalho só emergiram das sombras depois que o governo americano iniciou um esforço concentrado para derrubar o sigilo sobre seus filmes, há mais de dez anos. Ao todo, os cineastas da bomba atômica rodaram 6.500 filmes secretos, segundo autoridades federais.
Hoje, o resultado é uma avalanche de imagens que estão ficando "marcadas a fogo na imaginação das pessoas", disse Robert Norris, historiador da questão nuclear.
Dois novos documentários, "Countdown to Zero" e "Nuclear Tipping Point", trazem imagens de arquivo de explosões. Ambos argumentam que a ameaça do terrorismo atômico está em alta e defendem um fortalecimento das salvaguardas nucleares e a posterior eliminação dos arsenais globais.
Quanto aos cinegrafistas atômicos, não sobraram muitos. "Vários deles morreram de câncer", disse George Yoshitake, 82, um dos sobreviventes. "Sem dúvida, isso teve relação com os testes."
Uma cerca elétrica protegia a sede deles, nas colinas de Hollywood. O discreto edifício tinha estúdio, salas de exibição, laboratórios de revelação, equipamentos de animação, depósitos de películas e mais de 250 produtores, diretores e cinegrafistas -todos com credenciais "top secret".
Na época em que foram feitos, os filmes serviam como fonte vital de informação para cientistas que investigavam a natureza das armas nucleares e sua destrutividade. Alguns funcionaram também como tutoriais para líderes do governo federal e do Congresso dos EUA.
Hoje, especialistas em controle de armas veem os velhos filmes como estudos sobre a paranoia.
"Eles têm uma voz estranhíssima", disse Mark Sugg, produtor audiovisual do Instituto para a Segurança Mundial, uma entidade de Washington. "Você e eu ficaríamos horrorizados de que alguma bomba de hidrogênio tenha feito evaporar um canto do que antes era o paraíso. Mas eles colocavam um sujeito para se gabar disso."
Um livro de 2006, "How to Photograph an Atomic Bomb" ["Como fotografar uma bomba atômica"] aborda o misterioso trabalho desses cinegrafistas.
"As imagens que eles capturaram irão, durante muito tempo, ser um flagrante de como foi o nosso último século", afirmou Peter Kuran, o autor do livro, que é realizador de efeitos especiais em Hollywood. A unidade cinematográfica secreta, criada em 1947 pelos militares, aproveitava o talento e a tecnologia de Hollywood. "Os vizinhos suspeitavam, porque as luzes passavam a noite toda acesas", lembra-se Yoshitake.
Historiadores do cinema dizem que a unidade testou lentes, câmeras e películas modernas, que Hollywood depois viria a adotar.
Os cinegrafistas viajavam para os locais governamentais de testes no Pacífico Sul e no deserto de Nevada, com a missão de registrar a fúria daquela época. Isso os colocava a apenas três quilômetros das explosões.
Yoshitake se lembra de documentar o que uma explosão fez com porcos. "Alguns ainda estavam grunhindo. Dava para sentir o cheiro da carne queimando. Dava enjoo."
Astros de Hollywood apareciam em alguns filmes. Reed Hadley, protagonista do programa de TV "Racket Squad", interpretou um observador militar que testemunhava a primeira explosão de uma bomba de hidrogênio.
A discreta empreitada perdeu sua razão de ser em 1963, quando as superpotências decidiram passar para os testes nucleares subterrâneos.
Em 1997, Hazel O'Leary, então secretário de energia do governo de Bill Clinton, tentou trazer os velhos filmes a público. Mas a quebra do sigilo parou em 2001, depois do início do governo Bush e dos atentados terroristas do 11 de Setembro.
Agora, o Departamento de Energia afirma já ter liberado por volta de cem filmes do vasto acervo, inteiramente controlado pelos militares. O departamento considera esse material como "uma documentação visual duradoura e impressionante do poder e da destruição das armas nucleares".
Kuran continua trabalhando com esses filmes, tentando restaurar e melhorar suas esmaecidas imagens. Yoshitake, o ex-cinegrafista, disse que a divulgação dos filmes melhora a compreensão da opinião pública sobre a ameaça nuclear.
Ele se pergunta por que, agora que a Guerra Fria acabou, países avançados ainda preservam mais de 20 mil unidades da mais letal de todas as armas. "É assustador."

Texto do The New York Times, na Folha de São Paulo, de 27 de setembro de 2010.


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Os que "defendem a democracia"

Os que "defendem a democracia'

A RETA FINAL desta campanha presidencial talvez seja lembrada como o início de um certo realinhamento da política brasileira. Durante o governo Lula, vimos várias críticas às práticas políticas do consórcio governista. De fato, um dos pontos fracos do governo foi a ausência de vontade política capaz de ultrapassar os vícios institucionais da democracia brasileira, suas negociações obscuras, impronunciáveis, assim como de inaugurar um ciclo de aprofundamento das práticas de participação popular na gestão do Estado.
No entanto, não foram problemas dessa natureza que levaram a oposição a terminar a campanha presidencial vociferando acusações como "fascismo", "igual a Mussolini", "chavismo", "autoritarismo" e "destruidor da liberdade de expressão e da democracia". Uma subida de tom que, provavelmente, não desaparecerá nos próximos anos. Por trás dessa "defesa" da democracia e da liberdade, há uma estranha mutação do sentido das palavras. Isto a ponto de podermos dizer que, com defensores desta natureza, a democracia brasileira não precisa de inimigos.
Por exemplo, eles gostam de dizer que a democracia exige instituições fortes e estáveis, mas normalmente temem qualquer um que lembre que, acima de tudo, a democracia exige poder instituinte soberano e sempre presente.
A democracia nunca temeu modificar e reconstruir instituições que funcionam mal. Poderia arrolar aqui a história da estrutura institucional de países como a França, para ficar em apenas um exemplo.
O fato realmente mortal para a democracia é quando alguns conseguem impor a opinião de que o aumento da visibilidade do poder instituinte, da força da participação popular, é um risco à "normalidade institucional". Tentar desqualificar a discussão sobre a participação popular como "chavismo" é tão tosco quanto dizer que a democracia parlamentar não passa da figura política da gestão do capital.
Por outro lado, acusar o governo de atentar contra a liberdade quando afirma que certos órgãos de imprensa agem como partidos políticos é, isso sim, querer ignorar a natureza do embate democrático.
É absolutamente normal que certos setores da imprensa sejam claramente definidos do ponto de vista ideológico e que tomem posição a partir disso. Da mesma forma, é normal que setores da classe política procurem criticar tais pontos de vista. O governo Barack Obama afirmou, com todas as letras, que a Foxnews agia como um partido político e, nem por isso, foi comparado a Mussolini. Não há por que ver algo diferente no caso brasileiro.
Uma certa serenidade a respeito das relações entre mídia e democracia é mais do que necessária atualmente. Contrariamente ao que querem alguns, a imprensa não é responsável por todos os males do país, nem os casos de corrupção foram invenções das Redações. No entanto, discussões sobre avaliação de concessões públicas de meios de comunicação, oligopolização e concentração do mercado de informações, criação de órgãos e conselhos públicos de fiscalização não escondem, necessariamente, a sanha de destruir a liberdade de expressão.

Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo, de 27 de setembro de 2010.


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terça-feira, setembro 28, 2010

A xenofobia está na moda

Era uma vez uma visita de um certo Luiz Inácio Lula da Silva à África do Sul, primeiro, e Alemanha, depois. Corria o ano de 1994, Nelson Mandela havia sido eleito pouco antes o primeiro presidente pós-apartheid e era, pois, uma "photo opportunity" imperdível para um candidato presidencial que liderava as pesquisas mas tinha a sombra do recém-lançado Plano Real sobre sua vantagem (acabou derrotado por ele, como todo o mundo sabe).

Na Alemanha, entrávamos juntos na sede do SPD (o Partido Social Democrata da Alemanha), em Bonn, ainda a capital da Alemanha, embora já tivesse ocorrido a reunificação, que devolveria a Berlim a sede do governo.
Sem nem sequer ser provocado, Lula me disse algo como: se o Brasil conseguir chegar perto do modelo alemão ou sueco, já estará de bom tamanho.

Hoje, uma frase como essa nem mereceria ser reproduzida. Mas estamos falando de 1994, ano em que Lula aterrorizava a burguesia a tal ponto que o então presidente da Fiesp, Mário Amato, chegou a dizer que 800 mil empresários abandonariam o país se Lula se elegesse.

Lula só se elegeu oito anos depois, tão mudado que um dos patriarcas da banca brasileira chegou a dizer que gostaria de colocar uma estátua dele na porta de seu banco.

Volto à frase: depois da eleição de domingo na Suécia, não estou tão certo de que Lula, o de hoje ou o de ontem, ficaria confortável com o modelo. Não pelo fato de que a social-democracia obteve seu pior resultado em 90 anos. O modelo sueco deve muito a ela, que governou 65 anos dos últimos 78.

O desconforto tampouco adviria do fato de a Aliança conservadora que está no poder ter conseguido, pela primeira vez, encadear uma segunda vitória consecutiva. Lula, pelo menos o de hoje, não tem preconceitos ideológicos.

O desconforto talvez viesse pelo fato de que, pela primeira vez naquele país, a extrema-direita, os Democratas Suecos, superaram a cláusula de barreira (4% dos votos) e terão acesso ao Parlamento. Obtiveram 5,7% e ocuparão 20 assentos em um Parlamento de 157 cadeiras.

Pior: exatamente pelo desempenho da extrema-direita, a Aliança do primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt ficou a três cadeiras da maioria absoluta, o que o obriga a negociar com outras forças a formação de um governo de maioria. Reinfeldt já disse que, entre as outras forças, exclui de cara os Democratas.

Do meu ponto de vista, a Suécia, paradigma de convivência e tolerância, seria o último país a abrir as portas de seu Parlamento para um movimento xenófobo e anti-imigrantes. Na verdade, seria o penúltimo, se a Holanda, o paradigma anterior, não tivesse sucumbido antes e dado ao Partido da Liberdade, de Geert Wilders, o papel de terceira força política do país, ao passar de 9 para 24 cadeiras no Parlamento, nas eleições de junho (para não mencionar antecedentes mais antigos de quebra da tolerância que parecia ser uma das mais belas características holandesas).

Para dar uma ideia mais, digamos, universal de quem é Wilders, ele foi o convidado de honra da marcha do Tea Party, o movimento ultraconservador norte-americano, realizada na semana retrasada.

Já os Democratas Suecos tem raízes nos movimentos neonazistas dos anos 80 e 90, ainda que tenham moderado sua imagem extremista ultimamente.

De todo modo, uma das principais metas do partido é uma redução significativa da imigração e uma política de assimilação em vez de integração dos imigrantes.

Partidos de extrema-direita já estão no governo na Itália e ocupam cadeiras nos Parlamentos da Dinamarca, Hungria, Áustria e Bulgária, sem contar a possibilidade de que o Partido da Liberdade acabe participando do governo da Holanda (as negociações para formá-lo ainda se arrastam). Sem contar também as ações anti-ciganos do governo Nicolas Sarkozy, na França.

Fica a nítida sensação de que a massa de imigrantes que busca o paraíso europeu (ou norte-americano) acabou por incomodar.Enquanto eram necessários para ocupar os postos de trabalho que os locais desprezavam, pelos baixos salários ou más condições, foram tolerados. Agora, o número assombra os locais. Para ficar só no caso da Suécia, 14% de seus 9,3 milhões de habitantes são estrangeiros. A eles deve-se acrescentar os 6% que, embora nascidos na Suécia, são filhos de estrangeiros.

O suficiente, a julgar pela eleição de domingo, para causar um risco no generoso modelo sueco que tanto seduzia Lula.


Coluna de Clóvis Rossi, de 20/09/2010, na Folha.com .

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Israel intercepta veleiro de ativistas que queria romper bloqueio de Gaza

A Marinha de Israel interceptou nesta terça-feira em alto-mar o veleiro de pacifistas judeus que tentava romper simbolicamente o bloqueio israelense à faixa de Gaza. A ação foi realizada sem violência e não deixou vítimas, segundo fintes militares.

Em 31 de maio passado, as forças israelenses mataram nove ativistas turcos na intercepção do barco Mavi Marmara, que levava ajuda humanitária aos palestinos. O episódio atraiu grande condenação internacional e esfriou as relações diplomáticas com a Turquia, rara aliada muçulmana na região.

"Dez navios de guerra israelenses obrigaram o veleiro a desviar para [o porto israelense de] Ashdod", afirmou um dos organizadores do protesto, Amjad Al Shawa, que estava em terra em Gaza. "Eles se renderam porque estavam cercados e não tinham outra opção".

A Marinha confirmou a versão e alega que a ação não resultou em nenhum ato de violência. "Nem os passageiros a bordo nem as forças marítimas israelenses usaram violência de nenhum tipo", afirmou uma porta-voz do Exército israelense.

Segundo ela, antes da abordagem foram feitas duas advertências ao capitão, informando-lhe que estava violando a lei israelense e o direito internacional. "As advertências foram ignoradas pelo capitão da embarcação e pelos passageiros, que continuaram navegando rumo à área que se encontra sob bloqueio marítimo".

O pequeno veleiro Irene, com sete militantes pacifistas judeus e dois jornalistas a bordo, havia zarpado no domingo (26) de Famagusta, ao norte do Chipre, com a intenção de levar ajuda humanitária simbólica à população da faixa de Gaza, submetida a bloqueio desde 2007, como retaliação à tomada de poder do grupo islâmico radical Hamas.

O Irene navega sob bandeira britânica e foi fretado por organizações como a britânica Judeus pela Justiça para os Palestinos, a europeia Judeus Europeus por uma Paz Justa, a americana Voz Judia pela Paz e a australiana Judeus contra a Ocupação.

Segundo os organizadores, trata-se de "um ato simbólico de solidariedade e protesto não violento" que reivindica a suspensão do bloqueio israelense a Gaza.


Notícia da Folha.com .

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segunda-feira, setembro 27, 2010

A política segundo Ruy Fausto

RESPOSTAS A UMA ENTREVISTA

Tomei distância em relação ao PT por causa do escândalo chamado de “mensalão”, e de outros casos ainda mais graves e tenebrosos. O que é o PT? Há algum tempo, meu colega André Singer, jornalista e ex-´portavoz do governo, escreveu um artigo sobre o tema, publicado na revista do Cebrap, artigo do qual se falou bastante. O texto, bastante rigoroso, era centrado numa análise das bases de classe do PT, e se apoiava em textos clássicos, como o 18 de Brumário, de Marx, e também em Gramsci. Ora, acho que se a elucidação do que é o PT deve passar por esse tipo de investigação focalizada nas relações entre as classes, ela não pode ficar nisso. A observação vale, também, para o caso de outros partidos brasileiros.

Que é o PT?

Acho que ele é muitas coisas. Por um lado, o que já complica, o PT é ele mesmo, e o Lula... Depois, dentro dele, existem, creio, pelo menos três elementos. Há ainda, lá dentro, grupos bastante radicais, cujos projetos, como sempre, não estão isentos de ilusões com as formas autoritárias (ou néo-totalitárias) de governo. Há, em segundo lugar, grupos empenhados em reformas, e com uma consciência democrática suficientemente arraigada. Há, em terceiro lugar, os setores que, na falta de um termo melhor, deveríamos chamar de “máfias”. O PT é, a meu ver, isso tudo. E, sendo assim, se uma análise das bases de classe do partido é válida e até (entre outras coisas) se impõe, ela evidentemente não dá conta de tudo o que existe no PT, principalmente do “terceiro elemento”.

No 18 Brumário de Brumário de Marx há lugar para as máfias, mas finalmente eles giram na superfície do que seria, essencialmente, um conflito de classes. Ora, isso representa uma limitação, para analisar uma experiência como a brasileira. Sem dúvida, as máfias atuam sobre o fundo de uma sociedade em que existem classes e diferenças de classe. Mas eu diria que seu movimento é, de certo modo, autônomo. Ou, mais precisamente, que elas apontam, antes de mais nada, para elas mesmas. Para isso, é necessário em primeiro lugar, que se fale delas (nas análises mais sofisticadas, por incrível que pareça, elas, freqüentemente, são pura e simplesmente esquecidas). Que se pode dizer hoje do PT? Que empurrado pelo que ele tem de melhor (e esse melhor “corta” tendências e personagens), ele pôs em prática programas sociais que deram certo, embora em escala limitada. É preciso ressaltar esse fato, e lutar para que esses programas sejam mantidos e ampliados. Mas ao mesmo tempo, deve-se dizer que não só eles vêm junto com uma política econômica que, sob certos aspectos, é contestável, mas que eles coexistem com o fenômeno do peso crescente de grupos suspeitos (e até pior do que isto) dentro do partido ou no perímetro das suas alianças. Dilma continuará a implementar as medidas econômicas populares do governo Lula. Muito bem. Mas, com Dilma, sobe ao poder, embora não só ele, um grupo ou grupos bem conhecidos pela vontade com que lidam com o dinheiro público, e pela “desenvoltura” dos seus métodos. Por outro lado, Dilma seria eleita em aliança com o PMDB, e com um candidato a vice sobre o qual se poderia dizer algumas coisas. Outro problema é o da política externa do PT. Não vejo como parte da esquerda pode se entusiasmar com essa política. Ela remete a um pretenso “anti-imperialismo” que cultiva gente do tipo de Ahmadinejad, alguém que metralha manifestantes, apedreja mulheres, falsifica eleições etc etc. E ela conduz o nosso presidente a comparar dissidentes cubanos com bandidos.

O provável novo governo petista continuará nessa via desastrosa? Dito isto, que atitude tomar diante da candidatura Dilma?

Manter e ampliar programas como a bolsa família, o micro-crédito etc é muito desejável, mas o peso político que ganharão certos grupos (agravado por uma vice-presidência entregue ao PMDB) é real. E não temos garantias de que a política externa de Dilma será mais atenta à crítica dos despotismos pretensamente socialistas ou terceiromundistas. O julgamento da candidata depende do peso relativo que se dê a cada um desses fatores. Mas é preciso analisar também os outros candidatos. Não sei se vale a pena continuar falando do PT, porque, como já disse, é impossível falar desse partido, e da sua candidata (e avaliá-los), sem comentar os outros partidos e candidatos.

Que tal se passarmos a esses temas? Voltaríamos depois ao PT, se houver tempo e espaço.

- Serra não é mais um homem de esquerda (foi ele mesmo que o disse), ele é mais ou menos um homem de centro. Isto, quanto a ele. Porque a sua candidatura, acho que ela pode ser considerada como uma candidatura de direita. Em primeiro lugar, houve, já antes do processo eleitoral, uma polarização de forças, e o conjuntos das forças sociais e políticas, digamos, conservadoras se concentraram em torno de partidos como o Dem e também o PSDB. Este já foi um partido de centro-esquerda, mas quaisquer que sejam as convicções de alguns, ou vários dos seus membros, ele não é mais de centro-esquerda. Isto significa, por um lado, que, mesmo que ele se comprometa a continuar certos programas postos em prática pelo governo Lula, um governo Serra teria muito menos, digamos, vocação para realizar políticas econômicas que ajudem os mais pobres. E isso no Brasil é urgente.

Porém, há uma coisa que me preocupa mais nesses partidos, PSDB inclusive. Fora o fato de que em matéria de “gente duvidosa” eles não ficam atrás do PT, existe hoje uma mobilização da extrema-direita, que se faz na periferia, senão no interior desses partidos. Dir-se-á que esse gente tem pouco peso, e no momento atual, não é uma real ameaça.

Mas, cuidado. Por trás de certo jornalismo de sarjeta, que se manifesta com a sua “finura” bem conhecida na campanha eleitoral, há dinheiro, instrumentos midiáticos, há o peso de seitas religiosas do tipo “Opus Dei” etc. Toco nesse assunto, porque, embora isto não seja ainda muito visível, existe, evidentemente, em escala mundial, uma reorganização da extrema-direita, cujo cerne é o movimento neo-conservador (seus membros são freqüentemente ex-gauchistas que inverteram os sinais). Ele atua nos EUA (articulando ex-gauchistas com mafiosos do tipo Karl Rove), mas também na Europa. Penetra na administração, nos partidos, e também nas universidades. Sua ideologia é uma mistura de “fanatismo do progresso” e fideismo medieval.

Ele explora essencialmente dois pontos fracos de parte da esquerda (ele só os vê na esquerda e não na direita e nele mesmo): as inclinações totalitárias, e a corrupção. Que aqueles que encarnam no Brasil essa tendência se movam em torno (ou mesmo dentro), de partidos que incluem um ex-partido de centro-esquerda como o PSDB, é um pouco assustador, embora o perigo não seja imediato. Mas importa registrá-lo, porque a médio prazo ele será efetivo.

A rigor, não é grave que um partido fique muito tempo no poder, isto se as regras democráticas forem respeitadas. O que se deve e pode fazer é: 1) denunciar toda eventual derrapagem institucional do eventual novo governo petista; 2) não embarcar na canoa da direita e principalmente da extrema-direita, que fará tudo para denunciar também conspirações inexistentes, em proveito próprio.

Complicado?

É complicado, mas uma política lúcida tem que responder à complicação do mundo.

Há três elementos essenciais. Combate pela defesa da democracia, em prol da crítica do capitalismo e contra a corrupção.

Mas primeiro preferiria completar o quadro da análise dos candidatos.

Plínio Arruda Sampaio consegue brilhar na TV, arranhando os adversários com críticas ao capitalismo nacional e mundial. Muito bem. Que Plínio inclua no seu programa pontos como a redução da jornada de trabalho, é positivo. Mas a visão global de Plínio, conhecemos. Ele é capaz de fazer as críticas mais detalhadas e sutis ao capitalismo, mas diante dos novos regimes de opressão e exploração, que surgiram há quase um século, e que não desapareceram da história (mesmo se sobrevivem, muitas vezes, em forma muito modificada), em relação a estes, Plínio e os seus amigos são de uma cegueira total. Eles crêem no que dizem os representantes destes regimes com a candura com que os ideólogos do capitalismo ocidental acreditam no democratismo de Bush. Para Plínio, é Marx na terra, e Deus (e Cristo) no céu. Dogmatismo que só prepara catástrofes. O paradoxo é que ele seria um melhor homem de esquerda se fosse mais sensível a certos temas que em principio são caros aos cristãos (respeito aos direitos do homem - também no plano internacional, luta contra a corrupção) e menos apreciador dessa iguaria indigesta que é o marxismo dogmático.

- Marina poderia ser a melhor candidata. Tem o mérito de ser de esquerda (ela o é, sem dúvida), e se revelar ao mesmo tempo anti-totalitária e anti-corrupção. Um dos seus pontos fracos é conhecido: sua religiosidade bastante tradicional. Outra coisa, e mais grave, é o que se passa com o partido verde. Se Marina se mostrasse (se mostrar) capaz de denunciar leilões de legendas e outros coisas desse tipo, que lá vicejam,ela seria, apesar de tudo, o melhor dos candidatos. - O novo governo deve continuar um programa de reformas. Em princípio, não creio que ameaçará internamente a democracia, embora no plano externo, eu não seja otimista quanto ao caminho que seguirá. O capítulo corrupção é certamente o mais pesado, mas é difícil prever.

Tentando resumir e generalizar. Aqueles três pontos, representam certamente as questões fundamentais. Nenhum deles é primeiro em relação aos outros. Eles se completam e se reforçam mutuamente. Um ponto que interessa diretamente a esses três elementos são as questões ligadas ao imposto de renda. A luta contra a sonegação, e a necessária alteração das cargas tributárias de maneira a beneficiar os mais pobres, abririam perspectivas muito favoráveis no programa da redução das desigualdades, na luta contra a corrupção, e no reforço da democracia.

Duas palavras finais sobre a corrupção. Sem dúvida, ela se encaixa mal nos velhos esquemas explicativos da esquerda tradicional. No artigo sobre o PT, a que me referi no início, a luta contra a corrupção entra de forma apenas adjetiva e sociologizante, como anseio (sempre suspeito) da classe média, ou como motivo de mobilização da direita. A análise intrínseca do que representa um partido que se pretende de esquerda mas que, ao mesmo tempo, tolera (para não dizer mais) a corrupção, está ausente.

Corrupção existe em todo lugar. Mas ela tem duas características inquietantes no Brasil. Uma, precisamente, é a de que ela atinge a fundo também os partidos de esquerda (na Europa, não é bem assim, há alguma corrupção também à esquerda, mas não dessa ordem). O outro é que se desenvolveu dentro da esquerda uma ideologia de tolerância “geral” em relação a tais práticas. E, mutatis mutandis, isso vale para todos os terrenos, grande política, universidade, vida pessoal. Aqui não é o lugar para dizer tudo o que teria a dizer sobre esse tema a propósito da universidade, ou mais precisamente, a propósito dos concursos universitários (não de todos). Disse-o numa entrevista à TV Escola, que dei no Rio há um ano (espero que a passagem não tenha desaparecido na versão final).

Para terminar, observo, voltando à grande política, que, além de outros méritos, uma mudança de atitude no campo da luta anti-corrupção daria a sustentação política necessária para promover reformas mais radicais do que as que se vai fazendo até aqui. Há sinais, aliás, de que uma mudança como essa poderá vir a ocorrer ou de que já esteja ocorrendo, penso numa campanha popular recente, que teve êxito e deu origem a um projeto de lei, hoje em vigor.


Visto no blog do Luís Nassif.

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O mal a evitar

A acusação do presidente da República de que a Imprensa "se comporta como um partido político" é obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hábito de perder a compostura quando é contrariado, tem também todo o direito de não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside. E muito menos lhe serão agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta página editorial. Mas ele está enganado. Há uma enorme diferença entre "se comportar como um partido político" e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à própria sobrevivência da democracia neste país.

Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País.

Efetivamente, não bastasse o embuste do "nunca antes", agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.

Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de seus dois mandatos com níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleração da ingente tarefa - iniciada nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econômico quanto na ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as exigências da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e é hoje, sem sombra de dúvida, um país melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bem-sucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente frágil no Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e não mero objeto.

Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a democracia - a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação? Este é o "cara". Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que permite a qualquer um se perguntar: "Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?" Este é o mal a evitar.

Texto publicado na seção "Notas e Informações" da edição de 26/09/2010

Editorial do jornal O Estado de São Paulo, de 26 de setembro de 2010, domingo passado.

Neste editorial, o centenário jornal paulista afirma que apoia o candidato José Serra para presidente do Brasil. Pessoalmente acho ótimo. O jornal sempre teve um perfil conservador, e demonstra isso, quando apoia o candidato “para evitar um grande mal ao país”.

Baseado no fato que nos dois mandatos do presidente Lula nós tivemos economia crescendo, salário mínimo crescendo em termos reais, maior inclusão de jovens no ensino superior, entre outras coisas, é de se pensar se este é o mal a ser evitado, com a vitória do candidato José Serra.

O jornal vê méritos no candidato. Dos, digamos, quatro com maior visibilidade na grande mídia, o candidato José Serra é o último em quem eu pensaria em votar.

Mas, como eu disse, acho ótimo que o jornal manifeste sua afeição por um dos candidatos.





Uma análise mais qualificada sobre o editorial do Estadão no blog La Vieja Bruja.

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Eleições e direitos humanos

Direitos humanos e paixão eleitoral

ESTAMOS ÀS VÉSPERAS de eleições gerais no Brasil. Este é um momento solene e maior de toda democracia. É o momento em que o povo manifesta sua vontade.
É o momento em que o contrato social entre nação e Estado, entre sociedade civil e seus governantes -aquele contrato que está inscrito e previsto na Constituição do país- é reafirmado, que os partidos políticos apresentam suas propostas, e os políticos que governarão o país nos próximos quatro anos são eleitos.
Em uma democracia como aquela que estamos construindo no Brasil, é um momento de escolha, mas é também um momento de tranquilidade porque as escolhas não são dramáticas, não implicam a salvação ou a danação do país, mas expressam conflitos legítimos e consensos crescentes.
Com estas considerações em mente, li em "Política de Direitos Humanos", excelente livro organizado por uma jovem professora de ciência política da USP, Rossana Rocha Reis, duas conferências pronunciadas por dois homens públicos da mais alta qualidade, José Gregori, primeiro titular da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, criada em 1997, e Paulo Vannuchi, atual titular dessa secretaria de nível ministerial.
Os dois são amigos muito caros para mim: Gregori foi meu contemporâneo na Faculdade de Direito, e companheiro político de toda vida, Vannuchi, meu aluno no doutorado em ciência política na USP -um aluno de convicções firmes que milita no PT desde a sua fundação.
As duas conferências nos dão um quadro da luta pelos direitos humanos no Brasil, mas o que mais me chamou a atenção foi como elas se completam. Como o trabalho de um foi continuado pelo outro, como a luta pelos direitos humanos não é uma questão de partidos em conflito, mas de uma sociedade que se irmana na luta contra a tortura e a violência policial, contra o racismo e o antissemitismo, contra a prostituição de menores, contra a exploração de crianças e adolescentes, contra as violências dirigidas às mulheres, aos homossexuais.
Vannuchi foi o primeiro a falar. E sua fala foi a do reconhecimento de uma construção e de uma continuidade: "Existem avanços no sentido da consolidação de direitos, o que é particularmente claro de 1988 para cá... No governo FHC houve importantes avanços".
Gregori, por sua vez, além de corresponder ao apreço que Vannuchi manifestara por ele, assinalou: "Nossas posições políticas como todos sabem não coincidem, mas a nossa essência do ponto de vista do papel dos Direitos Humanos no Brasil é praticamente coincidente".
Não é só nesta área que há continuidade. Em vários setores ela data da transição democrática. Uma continuidade que responde à Constituição de 1988.
Por isso, nestas eleições, não posso deixar de ver com perplexidade, de um lado, a tese de que tudo começou no governo Lula, que jamais em tempo algum houve um governo como esse, e, do outro lado, o renascimento do udenismo liberal-autoritário segundo o qual o governo atual desrespeita a Constituição e a candidatura Dilma Rousseff é uma ameaça para a democracia brasileira.
Manifestações partidárias e apaixonadas desse tipo, sem base na realidade, não honram quem as faz. Não contribuem para a democracia brasileira.


Texto de Luiz Carlos Bresser-Pereira, na Folha de São Paulo, de 26 de setembro de 2010.

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Pior do que está fica

Pior do que está fica


HÁ ALGUM TEMPO, passei as festas de fim de ano no litoral sul do Rio de Janeiro. No dia de voltar, acordei com a notícia de que um conflito entre traficantes rivais havia fechado as vias de acesso à capital. O noticiário aconselhava a população a não retornar para casa.
Foi em uma peça baseada no livro de Luiz Eduardo Soares, secretário de Segurança na época do fatídico Réveillon, que fui apresentada à suposta gravidade maquiavélica dos bastidores daquela ação.
Não sei o quanto "Tropa de Elite 2" vai se basear no que assisti em cena. Segundo a ficção teatral, o personagem de Luiz Eduardo ordenou a ocupação da rendosa favela da Rocinha pelo Bope.
Para tirá-lo de lá, a própria chefia da polícia provocou uma guerra entre facções contrárias na região metropolitana do Grande Rio, obrigando a tropa de choque a se retirar do morro da zona sul para controlar a violência na periferia.
Sem a presença do Bope, o tráfico se restabeleceu na Rocinha e, junto com ele, o esquema de propina das delegacias cariocas. Existia fundamento naquela barbárie.
Toda vez que um pleito se aproxima, o Rio de Janeiro sofre uma abrupta onda de cólera e irracionalidade. Neste ano não foi diferente.
Arrastões e ataques de porte a postos policiais voltaram a nos deixar de orelha em pé.
Quando assisti as imagens da troca de tiros e granadas entre um bonde de mercenários ligados ao traficante Nem e policiais ação que culminou com a invasão do Hotel Intercontinental em São Conrado lembrei do incidente do Bope e me perguntei se não havia motivação política por trás da bestialidade.
O Rio deve reeleger um governo cujo secretário de segurança, José Mariano Beltrame, reduziu o território sob controle de traficantes armados.
Semear o pânico, entre outras utilidades, exibe poder, diminui os feitos do opositor, ou os liquida com simples atentados.
Marcelo Freixo, deputado empenhado na luta contra a insanidade bélica do Rio de Janeiro, tem grandes chances de não se reeleger.
Se isso acontecer, perderá a proteção oficial que já desbaratou cinco tentativas de assassinato contra ele e terá que deixar o país.
Já Tiririca será eleito com mais de 1 milhão de votos e ainda propiciará ao seu partido emplacar seis outros candidatos.
Tiririca é uma piada niilista do eleitor, é como votar no Macaco Tião. A diferença é que o Macaco Tião valia como voto nulo.
Tiririca, não. Esse vai bater ponto no Congresso sem compreender, como confessa, sua função de deputado. Tiririca e a Mulher Pêra, ambos, e muitos outros, servirão de massa de manobra para interesses que não dominam, enquanto Freixo é despachado para a fronteira mais próxima na clandestinidade.
A indiferença, na figura do voto nulo, é a maneira mais eficaz de evitar a angústia e se eximir da culpa da responsabilidade. É compreensível.
Grave mesmo é a descrença de quem dá poder ao Tiririca.
Pior que está fica.

Texto de Fernanda Torres, na Folha de São Paulo, de 26 de setembro de 2010.

Fernanda Torres está sendo uma boa surpresa no colunismo político, às vésperas desta eleição de 2010.

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sábado, setembro 25, 2010

O comportamento de menino mimado da mídia brasileira

Realmente, não entendo esse comportamento de menino mimado da imprensa brasileira em não aceitar críticas. Os veículos se comportam como verdadeiras vestais, são sumo sacerdotes que não aceitam e atacam quem os critica. Como dialeticamente querem crescer sem críticas e aperfeiçoamento.

Folha, Estadão, Globo, TV Globo agem com birra, cheios de ódio. São um baixo astral total, tem horas que não dá para ler. Ou a imprensa brasileira cresce, ou acaba, pois não dá mais para aturar esses veículos fora da realidade brasileira.

De um comentarista no blog do Luís Nassif. Ele estava comentando este “post”.


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Além do último sinal

Além do último sinal

UM AVISO de perigo, na via política, foi ultrapassado.
A entrada em cena de forças extrapolíticas, motivadas pelo confronto entre Lula e os meios de comunicação com maior presença, reproduz o mais conhecido dos passos que levam situações tensas a enveredar por processos que fogem ao controle com facilidade. E, se isso ocorre, põem em risco a integridade institucional -o próprio regime.
Se os meios de comunicação têm extrapolado ou não, no tratamento aos casos do sigilo violado na Receita Federal e das irregularidades originadas no Gabinete Civil da Presidência, até agora não houve indício algum da finalidade golpista acusada por governistas.
O que pode ser apontado são propósitos eleitorais. Mas os meios de comunicação brasileiros nunca deixaram de ser parte ativa nos esforços de conduzir o eleitorado. Sua origem e sua tradição são de ligações políticas, como agentes de facções ou partidos. Só em meado do século passado dá-se a primeira e derrotada tentativa, no "Jornal do Brasil", de prática desconectada de segmentos políticos.
Na atual campanha, os meios de comunicação com maior presença são passíveis de acusações como desequilíbrio no ânimo em relação a este ou àquele candidato; de parcialidade no interesse em eventos de um ou de outro, e, no noticiário das irregularidades, de precipitações e erros que são os mesmos cometidos na cobertura de todos os escândalos.
À parte atingida cabe reagir na medida do possível, que, em geral, não é muito. E às vezes é quase nada, porque a própria reação está sujeita ao que é acusado no principal. Mas assim é a etapa em que a sociedade brasileira ainda está.
Daí a golpismo, na atualidade, a diferença é total. Idêntica à diferença entre prática primária da democracia e o golpismo com que o país conviveu por décadas, até o maior dos golpes.
No outro lado, nenhum fato sustenta a ameaça à democracia atribuída a palavras ou atos de Lula. As reações ao que considera insultuoso, ou injusto, ou inverdadeiro são à sua maneira: com destempero deplorável, nas palavras e na teatralidade da exaltação. Sem consideração alguma, até muito menos do que pelos adversários, pela própria condição de presidente da República. A faixa presidencial ainda não se distinguiu, para Lula, da camisa do Sindicato dos Metalúrgicos.
Nenhum espetáculo e nenhum ato presidencial pode ser apontado, com seriedade, como ameaça à democracia. Nem o mais acusado deles, a alegada ameaça à liberdade de imprensa. A proposta petista de criação do Conselho Nacional de Jornalismo, ou algo assim, vale mais uma discussão do que poderia ser, a serviço de todas as partes, do que qualquer das acusações trocadas.
Conselho de Jornalismo não é embaixada do inferno, não é chavismo, não é ditadura, necessariamente. São muitos os países "civilizados" e democráticos em que tal conselho existe.
Na França, por exemplo, foi criado há muito tempo, prestou muitos serviços e ninguém pensa em dissolvê-lo, assim como o da TV. A Inglaterra, os países nórdicos e outros têm as suas formas de conselho. Discuti-lo no Brasil seria difícil, mas não ameaçaria a democracia ou a liberdade de imprensa.
A esse conjunto de desproporções e deformações vêm somar-se três iniciativas. Sindicatos e jornalistas resolvem fazer uma manifestação pública contra os meios de comunicação. O que pode vir daí senão o acirramento de um lado e de outro? A dez dias das eleições, nem alguns trocados eleitorais essa manifestação localizada pode obter. Sua aparência é só a de um ato de indignação.
A pouco mais de uma semana das eleições, professores, advogados, escritores, e outros, fazem manifestação pública e lançam um manifesto "contra a marcha para o autoritarismo". Haverá mesmo tal marcha, pelo fato de que Lula, nos estertores do seu mandato, rebaixa a função presidencial à de marqueteiro e cabo eleitoral? Se não está aí, o que indicaria que a prevista eleição de Dilma Rousseff é a marcha para o autoritarismo? É óbvio que o papel assumido por Lula macula a disputa.
Mas o que mais suscita reação, parece claro, não é o papel em si, que a lei nem cuidou de restringir: é que Lula o assume do alto de uma popularidade devastadora, que cai sobre os adversários. Nem por isso, no entanto, até agora sinalizadora de ameaças à democracia.
Por fim, um convite. O Clube Militar convida para um "painel", às 15h de hoje em sua sede no Rio, com dois jornalistas de oposição a Lula e ao governo. Sobre nada menos do que "A democracia ameaçada: restrições à liberdade de expressão". Tivemos longo aprendizado do interesse militar por ameaças à democracia e pelas restrições à liberdade de expressão. O título do "painel" não esclarece o sentido atual dado às expressões, mas tanto faz. Sua realização é sugestiva por si só.
As três iniciativas, à parte seus objetivos, são formas fermentadas das tensões decorrentes do processo eleitoral e das feições que tomou. Mas correm o risco de estimular projeções para depois do resultado eleitoral, e sobre ele. E, a depender do resultado, o risco de transpor o início do futuro governo. Como já aconteceu tantas vezes, nenhuma para resultar em algo bom.

Texto de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 23 de setembro de 2010.

Um pouco de moderação e bom senso não faz mal a ninguém. Estas palavras de Jânio de Freitas parecem muito sensatas em um tempo de aparente insensatez por parte de alguns atores políticos brasileiros às vésperas das eleições.

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Um livrão no Planalto

Um livrão no Planalto

Há três dias, a Fundação Joaquim Nabuco lançou, no Palácio do Planalto, um livro que se destina a ser raro e fazer escola: dois volumes de entrevistas com os chefes de comunicação da Presidência da República, de JK a Lula.
É, no fundo, a primeira publicação sobre os segredos do poder presidencial, como se tomam decisões e os bastidores de como elas chegam ao público. Foi uma inovadora iniciativa do ex-porta-voz André Singer, com fotos de Orlando Brito. As entrevistas são excelentes e revelam a tensão permanente entre o governo e os comunicadores, jornalistas em síntese. O Brasil não tem o hábito de fazer história com fontes primárias. Em geral, são degraus se repetindo uns aos outros. Autobiografias de presidentes, nem pensar.
Campos Sales escreveu um livro medíocre que é mais o relato da campanha republicana paulista. O diário de Getúlio é uma sequência de fofocas diárias sem nenhuma visão prospectiva, sem as fontes nem as razões de decisão. O de Juscelino, escrito a quatro mãos, tem altos e baixos. O primeiro volume, sobre sua infância e vida, é primoroso. Os demais são relatos bem escritos, porém mais relativos a Brasília que a ele mesmo. Epitácio Pessoa guardou seu ressentimento na geladeira, como dizia Tancredo, e colocou-o para fora nos livros de defesa irada do seu governo.
Nos EUA, a literatura de como se tomam as decisões na Casa Branca (título de livro de Theodore Sorensen) é farta. Há uns 25 anos, Michael Nielson, professor da Vanderbilt University e jornalista do "Washington Post", publicou um trabalho de profundidade sobre o assunto: "A Presidência e o Sistema Político".
Valeu-se de muitas informações de porta-vozes. Chegou a algumas conclusões: os presidentes que perseguiram e desejaram o poder saíam mais fortes do que entravam (veja-se Lula, cá, Roosevelt e Wilson, lá). A inflação dá a base de popularidade dos presidentes. Quanto mais baixa, mais popular.
Arthur Schlesinger Jr., a exemplo de seu pai em 1948 e 1962, classificou, em 1996, depois de ouvidos 719 historiadores, acadêmicos e cientistas políticos, o desempenho dos presidentes dos EUA -bons, regulares e ruins. Os bons quase sempre eram displicentes quanto à burocracia, se engajavam na liderança e exerciam o poder com energia e desenvoltura. "Idealismo" e "flexibilidade", avaliados previamente pelo sociólogo Gary Maranell, já não eram importantes para o julgamento final do governo. No fundo, o que pesa mesmo é o que ficou para a história. O circunstancial não conta.
Quem sabe, depois deste livro, cada porta-voz ficará tentado a escrever suas memórias da Presidência. Será bom para o Brasil e sua história, baseada em fonte direta.

O texto é de José Sarney, na Folha de São Paulo, de 17/09/2010.


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quinta-feira, setembro 23, 2010

Estadão põe gás no fogo

Estadão põe gás no fogo

Por Alberto Dines em 23/9/2010

O Estadão ensandesceu: a manchete de capa de quarta-feira (22/9) transforma um embate episódico entre o governo e alguns veículos de comunicação numa confrontação política de grandes proporções e imprevisíveis conseqüências. E coloca indevidamente o Brasil ao lado da Venezuela e a Argentina no rol dos países latino-americanos onde o exercício do jornalismo e a liberdade de expressão correm riscos.

A manchete da edição – "TV de Lula contrata empresa que emprega filho de Franklin" – é exemplo clássico de um jornalismo panfletário que está substituindo o jornalismo investigativo, com sérios prejuízos para a credibilidade de uma instituição que não pode sobreviver sob suspeição.

O Observatório da Imprensa entrou para a programação da antiga TV Educativa (TVE) em maio de 1998, no último ano do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Nestes 12 anos jamais sofreu do governo federal qualquer tipo de pressão no tocante ao seu conteúdo. No segundo mandato de FHC e ao longo dos dois quadriênios do presidente Lula jamais houve qualquer interferência do Executivo seja na escolha dos temas ou teor dos comentários.

O Observatório da Imprensa atacou abertamente o presidente Lula quando fez críticas indiscriminadas aos meios de comunicação. Se a TV Brasil fosse mesmo a TV de Lula, o programa televisivo do Observatório da Imprensa não gozaria deste tipo de autonomia.

Clima fabricado

Convém lembrar que este observador já foi demitido inúmeras vezes de grandes veículos por manifestar, em artigos assinados, opiniões que desagradaram as respectivas direções. Já houve casos em que textos publicados neste OI serviram de pretexto para punições em outros órgãos.

Os castigos impostos ao programa na TV Cultura e Rádio Cultura – contrariando voto do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta – e que culminaram com suas eliminações durante a gestão de Paulo Markun jamais levaram este observador a dar dimensão política a divergências técnicas.

Quando o Estadão noticiou a recente crise na TV Cultura, jamais designou a emissora como "TV do Serra ". Afrontaria todas as normas de decoro jornalístico e seria rigorosamente injusta para com o então governador de São Paulo.

As denúncias de favorecimento da empresa Tecnet numa licitação da TV Brasil não pode partir de um fato secundário – seu representante comercial, Cláudio Martins, é filho do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação, Franklin Martins.

A irregularidade e aquele que supostamente a praticou compõem os ingredientes básicos da notícia. O destaque ao parentesco do denunciado com um funcionário do primeiro escalão presume uma interferência que não foi verificada. A esta altura, uma acusação rigorosamente leviana.

Este clima exacerbado não ajuda o processo eleitoral, não ajuda o day after, não fortalece nossa democracia nem reforça os paradigmas de objetividade tão caros ao exercício profissional.


Texto do Observatório da Imprensa.

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quarta-feira, setembro 22, 2010

Dia Mundial sem Carro

Hoje, 22 de setembro, é para ser chamado de “dia mundial sem carro”.

Aqui em Porto Alegre não pude notar. Parecia que havia tantos carros quanto qualquer outro dia, ou até mais.

Talvez eu tenha tido esta impressão porque o trânsito sofreu alguns gargalos por conta de manutenções no Largo da Rodoviária, e instalação de uma nova sinaleira na Avenida Farrapos. Ou talvez houvesse mais carros na rua mesmo. Ou as duas coisas.

Uma coisa me parece certa, o tal do dia sem carro, para usar um chavão comum, “não pegou”. Pelo menos, até agora. Pelo menos, em Porto Alegre.

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Temporada de dissídios 2010: Paralisação em Porto Alegre

O Sindicato dos Bancários de Porto Alegre anuncia uma paralisação na rede de agências para amanhã, quinta-feira (22/09/2010), até o meio-dia.

Maiores informações podem ser encontradas no próprio sítio do Sindicato dos Bancários.

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Temporada de dissídios 2010: Metalúrgicos da Toyota ganham

Uma pequena notinha na Folha de São Paulo desta quarta-feira (22/09/2010) informa que os metalúrgicos da Toyota, no interior de São Paulo, receberam um reajuste de 10,5 %, após greve que havia começado dia 16. Além disso, receberam um abono de R$ 2.200 a ser pago até o dia 20 de outubro próximo.


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O sonho não concretizado de Hitler de ver Nova York em chamas

O sonho não concretizado de Hitler de ver Nova York em chamas


Eike Frenzel


Antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, estrategistas nazistas formularam vários planos para atacar a cidade de Nova York – com super mísseis, pilotos kamikazes, aviões bombardeiros de longo alcance ou agentes secretos. Alguns desses planos eram ambiciosos e outros tolos, mas todos eles fracassaram.


O capitão Hans-Heinz Lindner estava perdendo gradualmente a calma. Quando o dia nasceu, em 13 de junho de 1942, os primeiros carros já passavam pela estrada à beira-mar na pequena cidade de Amagansett, em Long Island. Mas o submarino estava encalhado. O colosso de aço cinzento se encontrava preso em um banco de areia, em águas rasas, a menos de 200 metros da costa, tão impotente quanto uma baleia encalhada na praia. Dentro de apenas algumas horas, qualquer pessoa que passasse caminhando pela areia avistaria o submarino alemão bem destacado nas águas do Oceano Atlântico.


Porém, Lindner conseguiu desencalhar a embarcação. Acelerando os motores a toda potência, ele foi capaz de manobrar o submarino na enchente da maré e retornar ao mar aberto. O U-202 esgueirou-se por debaixo das ondas antes que alguém fosse capaz de vê-lo. Dentro dele, os marinheiros comemoraram essa salvação de última hora.


Esse fato que quase resultou na perda de um dos submarinos alemães que operavam ao largo da costa leste dos Estados Unidos foi o prelúdio de uma das operações militares mais bizarras da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial: a infiltração de um grupo de sabotadores em solo norte-americano. O Terceiro Reich tinha como objetivo atingir os Estados Unidos no seu próprio território, e os estrategistas nazistas elaboraram diversos planos para ataques dispendiosos com o propósito de abalar a agitada metrópole de Nova York nas suas bases – usando super mísseis, pilotos kamikazes, aviões bombardeiros de longo alcance ou agentes secretos.


Mas os espiões alemães levados à costa inimiga pelo submarino U-202 na ousada “Operação Pastorius” fizeram pouco progresso na sua missão ambiciosa. Apesar dos grandes esforços das forças armadas alemãs para selecionar e treinar oito membros da equipe terrorista, a infiltração nazista acabou se transformando em um fracasso espetacular.


Embora todos os homens tivessem passado algum tempo nos Estados Unidos antes da operação, nenhum deles tinha experiência em trabalhar para um serviço de inteligência. Em abril de 1942, eles foram enviados a Gut Quenzsee, uma cidade situada 75 quilômetros a oeste de Berlim, para fazerem um curso rápido de sabotagem. Durante 18 dias, especialistas militares ensinaram a eles como usar explosivos, temporizadores para detonação, armas e granadas de mão. Para ficarem em forma, eles praticaram Jiu-Jitsu. Depois, em junho, dois grupos de quatro agentes secretos recém-treinados foram desembarcados nas costas da Flórida e de Long Island, um pelo submarino U-584 e o outro pelo U-202.


Um fracasso colossal


As equipes foram enviadas aos Estados Unidos com o propósito de explodirem pontes de estradas de ferro, usinas de geração de energia elétrica e túneis, a fim de paralisar as instalações industriais que eram vitais para o esforço norte-americano de guerra e desmoralizar a população civil do país. Um historiador classificou essas iniciativas como “os planos de sabotagem mais ousados da história”. Mas a operação acabou se transformando em uma enorme dor de cabeça para os comandantes militares dos oito indivíduos. Os agentes alemães cometeram erros que destruíram as suas estórias-coberturas apenas dois dias após terem dado início à sua missão, o que fez com que o FBI organizasse a maior caçada humana da sua história.


O principal responsável pelo desastre da operação de espionagem foi Georg John Dasch, o líder de 39 anos de idade do grupo de Long Island. Após ter quase se afogado durante a tentativa de desembarcar em um barco inflável, ele foi descoberto em pouco tempo entre as dunas da praia por John Cullen, um membro da Guarda Costeira dos Estados Unidos de 21 anos de idade que portava uma lanterna. Quando Cullen encontrou Dasch, este fingiu ser um pescador. A seguir, Dasch agarrou Cullen pelo colarinho, ameaçou-o e acabou colocando nas mãos do rapaz US$ 260, uma parte do dinheiro trazido da Alemanha para as suas despesas operacionais. Em troca, Dasch pediu a Cullen que esquecesse que tinha visto os quatro homens na praia.


É claro que o desconfiado membro da Guarda Costeira não fez o que o alemão solicitou. Ele informou imediatamente o acontecido aos seus colegas, que acabaram descobrindo quatro caixas de explosivos e alguns uniformes alemães que haviam sido enterrados apressadamente na areia. O FBI foi alertado, e deu início a uma busca frenética pelos quatro desconhecidos. Os quatro embarcaram em um trem para a cidade de Nova York, onde se hospedaram em um hotel. Pouco depois, Dasch viajou para Washington, D.C., onde entregou-se às autoridades policiais em 19 de junho. Para provar que era um espião, Dasch mostrou aos agentes do FBI lenços nos quais ele havia escrito os nomes dos seus alvos com tinta invisível. Tendo sido mais tarde descrito como “neurótico” pela equipe policial encarregada do interrogatório, Dasch divulgou aos norte-americanos todos os detalhes relativos à “Operação Pastorius”. Usando a informação, agentes do FBI prenderam os três espiões no hotel de Nova York, bem como os quatro sabotadores alemães que haviam desembarcado na Flórida.


Em 8 de agosto de 1942, a curta carreira de seis dos espiões alemães terminou na cadeira elétrica da prisão do Distrito de Colúmbia. As sentenças dos outros dois, Dasch e Ernst Peter Burger, foram comutadas pelo presidente Franklin Delano Roosevelt para 30 anos de prisão e prisão perpétua, respectivamente.


O sonho de Hitler de ver Nova York em chamas


Na distante Alemanha, apesar do fracasso da missão de sabotagem, Hitler ainda estava obcecado pela ideia de ver Nova York em chamas. Ele acreditava que o seu poderoso inimigo do outro lado do Atlântico precisava ser obrigado a manter-se fora da guerra por meio de vários ataques bem localizados em território norte-americano. Conforme narrou Albert Speer, o arquiteto favorito de Hitler, nos seus “Diários de Spandau”, Hitler sentia grande prazer em assistir na Chancelaria do Reich a filmes de “Londres ardendo”, de “comboios sendo explodidos” e de “um mar de fogo sobre Varsóvia”. Hitler estava com a ideia fixa de assistir “à queda de Nova York em meio a colunas de chamas”.


Tendo em vista o entusiasmo de Hitler por atacar Nova York, não é de se surpreender que os estrategistas nazistas tenham elaborado diversos planos com este objetivo específico, alguns dos quais foram feitos até antes do início da guerra. Em 1937, por exemplo, durante uma visita às instalações da companhia de fabricação de aviões Messerschmitt na cidade de Augsburg, no sul da Alemanha, Hitler conheceu o protótipo de um bombardeiro quadrimotor de longo alcance, o Messerschmitt Me 264, que estava sendo projetado para para ter uma autonomia que lhe permitisse alcançar a costa leste dos Estados Unidos a partir da Europa. Hitler ficou entusiasmado com o conceito de um “bombardeiro Amerika”, cuja carga explosiva pudesse reduzir cidades norte-americanas a cinzas e destroços. Mas o que ele não sabia era que o projetista do Me 264, Willy Messerschmitt, tinha na verdade lhe mostrado um modelo incapaz de voar com o propósito de obter um contrato lucrativo – e ninguém podia de fato afirmar quando a aeronave estaria pronta para entrar em operação.


Quando começaram a ter a impressão de que perderiam a guerra, os nazistas passaram a depositar bastante esperanças no desenvolvimento das chamadas “armas milagrosas”. O centro de pesquisa do exército em Peenemünde, uma vila na ilha de Usedom, no Mar Báltico, era uma verdadeira cornucópia de tais ideias. Os alemães acreditavam, ao final da guerra, que o mesmo centro que havia lançado com relativo sucesso o primeiro foguete V-2 em 1942 seria capaz de finalmente colocar em ação um “foguete Amerika”.


O foguete A-9/A-10 foi projetado para ter 25 metros de comprimento, sendo dez metros mais longo do que o V-2. Pesando quase 100 toneladas, ele poderia subir a uma altitude de 24 quilômetros antes de dar início ao seu voo transatlântico rumo aos Estados Unidos. Um outro grupo de pesquisas buscava uma maneira de possibilitar que um piloto manobrasse o foguete e se ejetasse antes de atingir o alvo – em uma verdadeira missão suicida.


Em termos teóricos, pelo menos, a engenhosidade destrutiva dos engenheiros alemães não tinha limites. Eles cogitaram a ideia de fazer com que submarinos rebocassem depósitos flutuantes contendo foguetes V-2 modificados em direção à costa leste dos Estados Unidos. Assim que fossem posicionados, esses depósitos seriam inundados de forma que os foguetes ficassem apontados para o alto, acima da linha d'água, prontos para serem lançados.


O desenvolvimento da tecnologia militar nazista só se tornou possível por meio da utilização brutal de trabalhos forçados. Milhares de trabalhadores morreram em instalações de produção subterrâneas e fábricas secretas. Mas havia também muitos voluntários que – em nome do sucesso das “armas Amerika” - se mostravam dispostos a enfrentar uma terrível “morte heroica”, mesmo que isso significasse manobrar foguetes lançados de aviões de carga, em estilo kamikaze, até o centro de Nova York.


Escassez de materiais e agentes amadores


No fim das contas, todos os planos dos nazistas para ataques aéreos só tiveram uma coisa em comum: nenhum deles foi colocado em prática. Em dezembro de 1941, a revista norte-americana “Life” publicou uma planta da “Big Apple” com uma matéria que mostrava como aviões nazistas poderiam bombardear Nova York. Em 1944, a mesma revista citou a advertência do prefeito Fiorello La Guardia, que disse que poderia haver um ataque com mísseis alemães contra os Estados Unidos. Mas, no decorrer da guerra, os os “bombardeiros Amerika” e os mísseis nazistas de longo alcance jamais apareceram sobre os arranha-céus de Nova York.


Mais do que tudo, foram os bombardeios aéreos aliados contra as fábricas alemães que atrasaram persistentemente a capacidade nazista de desfechar ataques transatlânticos e que, à medida que a guerra se desenrolava, tornaram tais ataques impossíveis. Uma escassez de materiais, falta de tempo e o volume enorme de novos projetos de engenharia acabaram impedindo a realização do sonho de Hitler de ver os Estados Unidos engolidos pelas chamas.


E quanto aos agentes amadores envolvidos na “Operação Pastorius”, é mais do que provável que cedo ou tarde eles acabassem destruindo as suas estórias-coberturas, mesmo se Dasch não tivesse desertado. De fato, desde o início, a missão estava fadada a fracassar: um dos agentes já tinha se afastado dela após ter contraído gonorreia em Paris. E, nos Estados Unidos, Edward Kerling, o líder da equipe de quatro homens na Flórida, teria se gabado da sua missão secreta para um velho amigo. E Herbert Haupt, um dos membros da equipe de Kerling, chegou até a visitar o seu pai em Chicago, pedindo a este que comprasse para ele um automóvel esportivo preto da marca Pontiac – alegando que necessitava do veículo para viajar a negócios para o governo alemão.


Tradução: UOL



Texto da Der Spiegel, republicado no UOL.

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terça-feira, setembro 21, 2010

Pronto para brilhar?

Pronto para brilhar?

Hoje é o bicentenário da Revolução Mexicana. Duzentos anos atrás, em 16 de setembro de 1810, na aldeia de Dolores, Estado de Guanajuanato, o padre local, Miguel de Hidalgo, lançou seu famoso "grito de la independencia", que mobilizou a população indígena e mestiça pobre da mais importante colônia espanhola do Novo Mundo em um levante contra a elite branca dominante, formada por descendentes de espanhóis.
A revolta não demorou a ser reprimida. Hidalgo foi capturado e executado. Sua cabeça decepada foi colocada em exibição, pendurada num paiol de grãos em Guanajuanato, onde centenas de pessoas que procuravam refúgio contra os rebeldes de Hidalgo haviam sido massacradas.
A independência do México só foi obtida em 1821. E, mesmo assim, a estabilidade se provou difícil de conquistar.
Daqui a algumas semanas, o México celebrará o centenário da revolução de 1910, outro sangrento período de conflitos e guerra civil. Quanto a isso, a história mexicana oferece forte contraste com a do Brasil.
A chegada do príncipe regente, de sua mãe louca e da família real à Bahia, no final de 1807, seguida pelo estabelecimento da corte portuguesa no Rio de Janeiro, um ano mais tarde, deu continuidade e estabilidade ao Brasil, evitou disputas quanto à legitimidade e salvou o país dos sangrentos tumultos e dos conflitos étnicos e sociais que caracterizaram com tamanha intensidade as primeiras décadas de independência da América espanhola.
É curioso, portanto, que, neste momento de celebração, o ex-ministro do Exterior mexicano Jorge Castañeda, agora professor da Universidade de Nova York, tenha publicado um artigo na edição de setembro/outubro da revista "Foreign Affairs" no qual afirma que o Brasil (bem como China, Índia e África do Sul) não estão "prontos para brilhar".
Ele argumenta que "colocar potências emergentes no leme pode prejudicar a governança mundial".
Castañeda critica o Brasil por não respeitar os direitos humanos em sua política externa. Menciona a posição brasileira quanto a Cuba e Venezuela. Alega que o Brasil "não merece confiança no que tange à não proliferação nuclear". Acrescenta que "há quem especule que o Brasil esteja preparando as bases para retomar o seu programa nuclear". Afirma que há contradições na abordagem do Brasil quanto à poluição.
A política externa não teve papel importante nesta campanha presidencial. Mas essas declarações apontam para alguns dos dilemas reais que o novo governo brasileiro precisará enfrentar no ano que vem.

Texto de KENNETH MAXWELL, Tradução de PAULO MIGLIACCI, publicado na Folha de São Paulo, de 16 de setembro de 2010.

Curiosamente o texto me parece bastante inconclusivo. Quando introduz as colocações de Castañeda no texto, eu imaginei que Maxwell iria contestá-las ou, talvez, confirmá-las, mas ele evita qualquer posição e termina abruptamente com uma frase anódina sobre a política externa do presidente a ser eleito em outubro.

É difícil querer mensurar a violência aos grupos sociais. Talvez devamos medir pela quantidade de gente morta ou mutilada? Nesse caso o desenvolvimento histórico do Brasil talvez não seja tão violento quanto o do México, mas certamente houve crises e rupturas por aqui, inclusive durante o processo de independência política.


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