sexta-feira, janeiro 30, 2009

Para analistas, erros da oposição fortaleceram Chávez

Além dos altos índices de popularidade, do controle sobre as Forças Armadas e da bonança do petróleo, o presidente da Venezuela Hugo Chávez contou com um elemento fundamental que colaborou para fortalecer seu poder ao longo da última década no país: o conjunto dos erros da oposição.

Na avaliação de analistas e políticos ouvidos pela BBC Brasil a tentativa, a qualquer preço, de derrubar o presidente e tirar a legitimidade de seu governo, aliada à divisão e a incapacidade desse grupo de propor um projeto alternativo ao chavismo, contribuíram para a consolidação da chamada revolução bolivariana.

O fracassado golpe de Estado, em abril de 2002, que chegou a afastar Chávez do poder por 48 horas, foi o primeiro e o principal erro da oposição na avaliação de Julio Borges, do partido opositor Primeiro Justiça (PJ) de centro-direita.

"O erro foi pensar que era preciso tirar Chávez do Palácio de Miraflores (sede do governo) quando o que tínhamos de ter feito era tirá-lo do coração das pessoas", afirmou Borges, da direção do partido.

Borges argumenta que a oposição ainda batalha para recuperar a confiança perdida junto à população no período de crise política no país.

"Ainda estamos pagando (pelo erro) porque ao final o que se produziu é que o país viu durante muitos anos que de um lado estava Chávez e o povo e do outro lado estava a oposição", acrescentou.

O golpe levou milhares de simpatizantes do presidente, provenientes fundamentalmente dos bairros pobres, a tomarem as ruas para exigir o regresso do mandatário ao Palácio de governo, episódio que fortaleceu o presidente.

A partir de então a polarização tomou conta da sociedade venezuelana e permitiu que a tese de que a disputa política na Venezuela também se tratava de uma batalha entre pobres (chavistas) e ricos (anti-chavistas) se fortalecesse.

Greve petroleira

Diferente da situação atual, em 2002, os partidos políticos eram um grupo minoritário na corrente opositora ao governo. Empresários, a cúpula da Igreja Católica e os meios de comunicação privados eram os grupos com maior poder de decisão.

"Todos eles tinham mais credibilidade do que os partidos políticos, porém, esses são setores que não foram feitos para negociar e sim para impor o seu ponto de vista", afirmou a historiadora Margarita López Maya, da Universidade Central da Venezuela.

Meses depois do golpe, a oposição organizou um locaute liderado pela federação de empresários Fedecamaras e pela direção da PDVSA, estatal petroleira responsável por 94% das divisas que ingressam ao país.

A medida, que tinha como objetivo levar à renúncia o presidente, afundou o país em uma crise econômica, com uma perda de 24% do Produto Interno Bruto (PIB) e de desabastecimento de alimentos e combustível.

"A teoria era de que não há governo na Venezuela que resista a três dias de greve petroleira. Chávez agüentou 62 dias (de locaute) e a greve morreu sozinha", afirmou o diretor do diário opositor Tal Cual, Teodoro Petkoff, ex-assessor de campanha do candidato presidencial Manuel Rosales.

Depois da greve, Chávez demitiu 18 mil funcionários da PDVSA e estabeleceu pleno controle da principal indústria do país, hoje um dos pilares de sustentação de seu governo.

Derrotas

Em 2004, a oposição acumulou mais uma derrota. Agrupados na organização civil Coordenadora Democrática, os opositores recolheram assinaturas e conseguiram submeter o mandato presidencial a referendo revogatório, em mais uma tentativa de encurtar o período de Chávez no poder. Foi o auge da polarização entre chavistas e anti-chavistas.

Chávez saiu vitorioso das urnas com 58,25% dos votos. Os opositores, porém, não acataram os resultados e acusaram o governo de ter manipulado a votação.

Teodoro Petkoff considera que, ao denunciar a fraude sem poder demonstrá-la, a oposição desqualificou a via eleitoral como alternativa à Chávez e desmobilizou seus eleitores para as eleições de governadores e prefeitos que ocorreram poucos meses depois.

"A abstenção nas eleições regionais foi tão grande que entregou de graça o controle do país a Chávez, sem oposição", afirmou. Na ocasião, os aliados do governo conquistaram 21 governos estaduais dos 23 em disputa.

A perda do espaço da oposição no Legislativo foi similar. Em 2005, buscando tirar a legitimidade da disputa para a eleição do novo Parlamento, os partidos opositores decidiram não participar do pleito, alegando que o sistema eleitoral era fraudulento. Até as eleições, a oposição controlava 45% das cadeiras na Assembléia Nacional.

A oposição "pensava que se as pessoas não participassem, o governo se deslegitimaria e perderia apoio popular, mas ao final quem perdeu credibilidade foi a própria oposição", afirmou Julio Borges (PJ).

Sem espaços institucionais para disputar politicamente com o chavismo, as ações da oposição de caráter público tiveram que limitar-se a manifestações de rua, em protestos que acabaram sendo ignorados pelo Executivo.

Nova oposição

A resistência da oposição à disputa eleitoral passou a mudar a partir de 2006, quando o candidato Manuel Rosales participou da eleição presidencial e aceitou a vitória - e reeleição - do presidente venezuelano com mais de 61% dos votos.

"Se marcou uma estratégia que admitia a democracia como caminho e o processo eleitoral como saída (para derrotar o chavismo)", afirmou Teodoro Petkoff, que assessorou Rosales durante a campanha eleitoral.

Mas foi a derrota do chavismo no referendo da reforma constitucional de 2007, porém, que deu novo fôlego à oposição, que passou a acreditar, ainda que com uma vitória apertada no pleito, que era possível vencer nas urnas.

"Pela primeira vez se ganhou uma de Chávez", disse Petkoff.

Os opositores do governo ganharam novos adeptos durante a campanha para modificar a Carta Magna. Primeiro o partido Podemos (social-democrata), que deixou a base governista e se aliou à oposição.

A outra ruptura veio com a saída do ex-ministro de Defesa Raul Isaías Baduel. O general, até então visto como um dos "heróis" que garantiram o regresso de Chávez ao poder durante o golpe, criticou o que chamou de "projeto autoritário" de Chávez e rompeu com o governo. Mas, diferente do que previam alguns analistas, Baduel tampouco foi aceito pela oposição.

"Em muitos casos os ataques contra mim provém mais da oposição do que do próprio governo", afirmou. Baduel defendeu a realização de uma nova Assembléia Constituinte para modificar a Constituição de 1999, proposta que não foi acolhida, até agora, pelos demais opositores.

Recuperação

Embalados com a vitória no referendo da reforma constitucional, os representantes anti-chavistas de maior peso conseguiram em alguns casos recuperar e, em outros, consolidar espaços de poder, nas eleições regionais realizadas em novembro do ano passado.

Ligado aos setores empresarial e agropecuário do Estado Zulia, Rosales se consolidou no poder local e entrou fortalecido na corrida às eleições presidenciais de 2013. Rosales - que é acusado de corrupção - conquistou a prefeitura de Maracaibo, capital zuliana e conseguiu eleger seu candidato Pablo Perez (ambos do partido Um Novo Tempo) como governador desse Estado.

No Estado de Miranda, um dos mais importantes do país, Capriles Radonski (PJ), saiu vitorioso, reforçando o peso de seu partido no campo opositor.

Em busca de um líder

Analistas consideram que a incapacidade de propor alternativas ao chavismo foi um dos principais fracassos da oposição.

Entre os anti-chavistas, há também muitos que acham que a oposição carece de um líder que seja capaz de unificá-los. Teodoro Petkoff admite que a única liderança existente no país, ainda que não concorde com ela, é a do presidente da República.

"A liderança de Chávez é massacrante, ao lado dele não cresce nada, por isso há tanta carência de referências políticas", afirmou.

Petkoff aposta que nos próximos quatro anos a oposição construirá uma candidatura presidencial viável, mas admite que, no momento, não há outro líder ou projeto no país comparáveis a Chávez e a revolução bolivariana.

"Ainda não há alternativa no país, há oposição, mas não há alternativa", afirmou Petkoff. "Todos os setores sociais que vão se desencantando (com o chavismo), quando olham para o outro lado, não vêem alternativa".

Para a historiadora Margarita López Maya, o desafio da oposição é entender que, no imaginário do venezuelano comum, a política liberal adotada nas décadas anteriores não seria aceita pelos venezuelanos. "Eles ainda não entenderam que, para os venezuelanos, este projeto está derrotado, que há que se pensar em um novo modelo", diz ela.

López Maya acredita que é necessário romper com o "messianismo" da era Chávez, mas a seu ver, "enquanto o governo tiver recursos e enquanto não houver uma oposição crível, os venezuelanos preferirão continuar como estão do que experimentar outras coisas", afirmou.

O opositor Julio Borges sintetiza o dilema vivido por seus aliados: "O problema é que os que não estão de acordo com Chávez ainda não se colocaram de acordo sobre o quê concordam. Sabem que não gostam disso (chavismo), mas o problema é: do que gostam então?".

Texto da BBC Brasil. A Venezuela se encaminha para novo plebiscito / referendo sobre a possibilidade de reeleição ilimitada para a presidência da república, que beneficia, já, o presidente Hugo Chávez. Este blogueiro é contra. Mas não que isso importe muito para os venezuelanos, que, afinal, serão os votantes.


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Israel expulsa diplomatas venezuelanos de Tel-Aviv e Ramallah

ISRAEL EXPULSA DIPLOMATAS VENEZUELANOS DO PAÍS E DA CISJORDÂNIA


Duas semanas após a Venezuela ter mandado embora o embaixador israelense em Caracas em repúdio à ofensiva na faixa de Gaza, Israel respondeu com a expulsão do encarregado de negócios venezuelanos no país e do diplomata que comandava o escritório de representação venezuelana em Ramallah, na Cisjordânia. O chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, reagiu com nota: "A expulsão é uma demonstração de que para Israel não existe um Estado palestino".

Na Folha de São Paulo, em 29 de janeiro de 2009.

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Corte internacional examina acusações contra israelenses

Corte internacional examina acusações contra israelenses

Pedido foi feito por dirigentes palestinos, mas enfrenta dificuldades jurídicas

Promotor do Tribunal Penal Internacional diz que Liga Árabe também denunciou supostos crimes de guerra de Israel na faixa de Gaza

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

A Autoridade Nacional Palestina pediu na semana passada a Luis Moreno-Ocampo, promotor do Tribunal Penal Internacional (TPI), que investigue se Israel cometeu crimes de guerra durante a operação de bombardeio e depois ocupação por terra da faixa de Gaza.
ONGs de direitos humanos e governos árabes denunciaram o uso na ofensiva de munição de fósforo branco e bombas com urânio empobrecido. Israel negou a segunda acusação e prometeu investigar se houve uso ilegal de fósforo.
A solicitação ao TPI, sediado em Haia (Holanda), tem potencial para provocar um impacto político tremendo. Se for levada adiante, dirigentes de Israel, a única democracia do Oriente Médio, correm o risco de figurar em um banco de réus no qual, até agora, só foram acusados os piores tiranos.
Antes que o caso ganhe impacto político, no entanto, Moreno-Ocampo terá que decidir um aspecto jurídico fundamental. Ele explicou ontem à Folha que todos os Estados, membros ou não do TPI, têm o direito de recorrer à corte, estabelecida em 2002 para julgar indivíduos acusados de crimes de guerra e contra a humanidade. Mas a Autoridade Nacional Palestina não tem jurisdição reconhecida sobre um território. Ou seja, não é propriamente um Estado.
Moreno-Ocampo está recebendo informações a respeito do que ocorreu em Gaza também da Liga Árabe, que reúne 22 países. Mas ele informa que tampouco a Liga tem personalidade jurídica suficiente para provocar a investigação do TPI, do qual fazem parte 108 países (os não-signatários do Estatuto de Roma, que rege o tribunal, incluem, além de Israel, países como EUA, China e Irã).
De todo modo, o promotor saúda a iniciativa dos países árabes, por reconhecer um tribunal que está pedindo a prisão de um líder árabe, o presidente do Sudão, Omar Hassan al Bashir. O Sudão é, aliás, membro da Liga Árabe. Bashir, no poder desde 1989, é acusado de genocídio, pela matança de cerca de 300 mil pessoas em Darfur.
Moreno-Ocampo não quis, como é óbvio, comentar a atitude que pretende tomar em relação ao pedido da Autoridade Palestina, mas não fugiu de uma observação sobre o aspecto político do caso: disse que o TPI não pode servir apenas "para julgar os inimigos" (da democracia), sob pena de jamais conseguir consolidar-se.

O prazo é 2009
Já o secretário-geral da Liga Árabe, o egípcio Amr Moussa, preferiu tratar dos ataques a Gaza pelo lado da expectativa positiva. Negou à Folha que os países árabes tivessem ficado paralisados pela desunião.
O que os paralisou, segundo Moussa, foi a proposta de alguns líderes, que ele não especificou, de que fossem retiradas da mesa todas as propostas de negociação com Israel, inclusive a apresentada pelos próprios árabes em 2002, por iniciativa da Arábia Saudita.
A maioria dos membros da Liga achou mais lógico esperar a posse de Barack Obama, e dar-lhe um prazo para a retomada da negociação. Mas a proposta única dos árabes sobre a mesa fica sendo a dos sauditas, cuja essência é o reconhecimento do direito de Israel a existir e à segurança -o que é negado pelo Hamas, o grupo que controla Gaza-, em troca da retirada dos territórios ocupados na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e da criação de um Estado palestino viável.
Que prazo os árabes dão a Obama? "Ao longo de 2009, é preciso encaminhar a negociação. Não dá para perder outro ano, como se perdeu 2008", responde Moussa.

Texto da Folha de São Paulo, de 29 de fevereiro de 2009.


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Checkpoint Ko Pyh Pyh?

Concentração


A existência de uma Guantánamo ainda pior no Afeganistão, criada pela CIA e pelos militares dos Estados Unidos, causa pasmo em americanos e europeus. Esperemos agora que apareça entre os problemas de Obama a prisão escondida na Tailândia, em uma restaurada base de interrogatório e tortura montada pelos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã. A existência dessa terceira Guantánamo está citada em documentos da CIA há pouco submetidos à lei de quebra de sigilo. Mas com discreta exposição pública.

Trecho da coluna de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 29 de janeiro de 2009.

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O Dia do Holocausto

O dia do Holocausto

RIO DE JANEIRO - Na última terça-feira, e por decisão da ONU, foi comemorado o Dia do Holocausto, uma celebração que toca a fundo não apenas aos judeus, vítimas da barbárie, mas a toda a humanidade. Há extensa literatura sobre o assunto, depoimentos de vítimas, algumas ainda sobreviventes. Conheci pelo menos umas cinco ou seis pessoas que ainda trazem no braço a marca dos campos de concentração.
Há fotos e filmes suficientes, além de documentos oficiais do regime nazista, que comprovam a insanidade da tentativa de exterminar os judeus da face da Terra. E há, sobretudo, o livro que Hitler escreveu na prisão, antes de tomar o poder e depois do fracassado "putsch" na cervejaria em Munique.
Neste livro, com brutal sinceridade, o autor anuncia tudo o que faria se chegasse ao poder. No varejo diplomático, Hitler mentia muito, mas o núcleo de seu pensamento (e de sua personalidade) está explícito sem subterfúgios naquilo que ele chamou de "Minha Luta". O ódio ao judeu é exposto em quase todas as páginas. Em sua demência racial, ele tinha um nojo físico por aqueles que não eram arianos.
No caso dos judeus, havia ainda o ressentimento econômico e cultural, que mais tarde desembocaria na "solução final" -o genocídio compacto e sistemático de milhões de seres humanos. Recorrentemente aparecem movimentos que negam o Holocausto. O último deles foi o de um bispo da igreja anterior a do Concílio Vaticano 2º, que, não se sabe como, afirmou que os mortos do extermínio em massa não foram seis milhões de judeus, mas "apenas" 300 mil. É evidente que números redondos podem ser contestados, mas há registros fidedignos que chegam a 5.933.000 vítimas em diversos países dominados pelo nazismo. Foi a pior mancha na história da humanidade.

Texto de Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo, de 29 de janeiro de 2009.


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quinta-feira, janeiro 29, 2009

O impacto dos bombardeios israelenses sobre as crianças da Faixa de Gaza

Nas escolas, crianças falam em medo e rancor

DO ENVIADO A GAZA

No desenho a lápis de Dina Sharif, 9, duas crianças brincam sorridentes. No céu, o sol observa três aviões soltarem bombas sobre os pequenininhos. A cena não foi inventada. "Eu vi." Os cinco meninos jogavam futebol, a cem metros de onde estava. Depois do estrondo, ela correu para casa, assustada, até abraçar a mãe e contar o que tinha visto. Os meninos morreram? "Hum", responde, com um murmúrio. Dina os conhecia de vista, mas não lembra os nomes. Só sabe que estavam no jardim de infância e que jogavam bola quando morreram.
Na volta às aulas após o fim da ofensiva militar de Israel na faixa de Gaza, nesta semana, a psicóloga Monari Lubad, da escola da UNRWA (agência humanitária da ONU para os refugiados palestinos) em Beit Lahyia, pediu às alunas que desenhassem o que quisessem.
Das dezenas de trabalhos da turma, todos retratam a guerra. São foguetes entrando em casas e tocando pessoas, feridos em macas, com aviões sobre suas cabeças, ambulâncias, e um jato que despeja bombas sobre três meninas pulando corda. As escolas têm usado os primeiros dias para dar apoio psicológico aos alunos.
Para Dina, os ataques ocorreram porque o Hamas lançou foguetes contra Israel e "porque os judeus não gostam dos palestinos nem das crianças palestinas". Ela se pergunta, porém, por que militares mataram crianças e civis e atiraram em ambulâncias. Quer ser médica e tratar dos "mártires".
A colega Iara Zen, 9, veste um uniforme marrom, semelhante a uma farda militar, com a bandeira palestina, e um lenço branco no pescoço. "Quero defender meu país quando crescer. Defendemos nossa terra natal com a educação", diz Iara.
Dos 1.200 alunos da escola da UNRWA em Beit Lahyia, uma das três bombardeadas, duas meninas, de 7 e 10 anos, morreram. Duas crianças perderam um dos pais, nove tiveram o pai gravemente ferido, e duas, a mãe; as mães de 18 se feriram; sete perderam irmãos. Quase 20% (230) tiveram a casa danificada, e a moradia de 35 foi completamente destruída.

Alvo
Abrigo de desalojados pelos 22 dias de ofensiva israelense, a escola foi atingida duas vezes. Quatro pessoas de uma família morreram num ataque. No outro, os funcionários dizem que uma sala foi incendiada por fósforo branco -composto cujo uso em áreas civis é vedado pela legislação internacional, as quais Israel afirma ter seguido.
O impacto da guerra causa medo constante, angústia, pesadelos, dificuldade de concentração e de aprendizagem, depressão ou agressividade. As crianças querem ficar perto da mãe, e muitas passam a fazer xixi na cama. "Elas sofrem muito. É difícil entender neste momento, no futuro vão sofrer mais", diz a psicóloga Monari.
No pátio do colégio da UNRWA em Jabalyia, os meninos em fila para ir embora levam cinco coroas de flores representando os colegas que morreram "como mártires". Na vizinhança, foram 45. Para Mahmoud Afana, 14, que perdeu uma tia e um primo nos ataques, Israel é "um país terrorista". Já o grupo extremista Hamas, diz, defende os palestinos e resiste, "porque estão ocupando nossa terra".
Na casa dos avós, Maysa Abu Jabal, 14, fazia desenhos. Vários foram coloridos de vermelho, representando o sangue dos palestinos, diz. Para ela, Israel atacou porque queria destruir o Hamas e sua liderança.
"Queriam alvejar o Hamas, mas acho que também queriam deixar todos com medo, para não lutar de novo. Um dia, Alá vai se vingar pelo que fizeram com nosso povo. O Corão diz que Alá destrói todas as pessoas que mataram profetas. Não sei se será com uma tempestade forte, se o mar vai cobrir Israel, mas acredito que Alá vá se vingar", disse ela, que estuda na escola Mustafa Hafaz, mantida pelo governo de Gaza, hoje nas mãos do grupo islâmico. (RG)

Texto da Folha de São Paulo, de 28 de janeiro de 2009.

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Checkpoint Bagram

Prisão no Afeganistão constitui dilema como o de Guantánamo

DO "NEW YORK TIMES"

O destino dos 245 detentos da prisão militar dos EUA em Guantánamo esquenta o debate no país há meses. Mas o governo Obama agora enfrenta um problema que pode ser igualmente difícil: os 600 prisioneiros que lotam uma prisão improvisada na base aérea dos EUA em Bagram, Afeganistão.
Militares que conhecem Bagram e Guantánamo descrevem a prisão afegã como mais inóspita. Os prisioneiros têm menos chances de contestar sua detenção e virtualmente não têm acesso a advogados. O governo Bush nunca autorizou a entrada de jornalistas ou defensores de direitos humanos.
O presidente Barack Obama terá que decidir se e como continuar a manter presos os detentos em Bagram, em sua maioria supostos combatentes do Taleban. Conforme permite a legislação criada para a guerra ao terror, eles estão presos por tempo indeterminado e sem acusação. Obama terá que determinar se leva adiante a construção de um novo complexo penitenciário de US$ 60 milhões em Bagram, que garantiria condições melhores para os detentos, mas também assinalaria um compromisso de longo prazo com a prisão.
Na semana passada, Obama tentou ganhar tempo para fazer frente aos desafios colocados por Bagram. Por meio de uma ordem executiva, determinou que uma força-tarefa comandada pelos secretários da Justiça e da Defesa deve estudar a política global do governo sobre detentos e apresentar suas conclusões em seis meses.
A população de Bagram multiplicou-se por quase seis nos últimos quatro anos, não só em função da intensificação do conflito afegão, mas também pelo fato de que, em setembro de 2004, o governo Bush em grande medida suspendeu o envio de prisioneiros a Guantánamo, deixando Bagram como opção preferencial para deter suspeitos de terrorismo.
Defensores do governo Bush argumentaram que os prisioneiros de Bagram são diferentes dos de Guantánamo. Virtualmente todos foram capturados no campo de batalha e são mantidos numa zona de guerra, representando um risco à segurança se libertados.
Em 2005, Bush começou a tentar reduzir o envolvimento em operações de detenção no Afeganistão, por meio da transferência de detentos de Bagram a uma prisão de alta segurança, nos arredores de Cabul, financiada por Washington e vigiada por soldados afegãos.
Desde 2007, as forças americanas transferiram mais de 500 presos. Mas autoridades do governo admitiram que a nova prisão não pode absorver todos os prisioneiros de Bagram.
Obama também terá que decidir o que fazer com não-afegãos capturados no Afeganistão. Sob Bush, os militares entregaram em segredo mais de 200 militantes capturados no Iraque e no Afeganistão aos serviços de inteligência de Arábia Saudita, Egito e outros países, para reduzir o ônus da detenção e do interrogatório. Também será preciso tomar decisões sobre combatentes capturados fora de Afeganistão e Iraque, como os quatro que estão contestando no tribunal sua detenção em Bagram.
"A opção preferencial seria submetê-los a julgamento, mas é possível que não haja provas capazes de se sustentarem numa corte federal", disse Vijay Padmanabhan, que até 2008 era advogado do Departamento de Estado para questões ligadas aos detentos. "Então o que fazer com essas pessoas?"


Tradução de CLARA ALLAIN

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 29 de janeiro de 2009.


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A América Latina vai bem

A América Latina vai bem, obrigado

LULA E BARACK Obama conversaram por 25 minutos e, segundo a narrativa do Planalto, Nosso Guia não pronunciou a palavra Cuba. Como diria Rick (Humphrey Bogart) no aeroporto de Casablanca: "Luiz, esse é o começo de uma bonita amizade". Cuba não é um problema brasileiro, é um problema americano e Obama sabe que precisará descascar esse abacaxi. Ele não tem medo do comunismo de museu da Ilha, o que os americanos temem é uma fuga em massa de cubanos para Miami. A América Latina não é parte desse problema, é parte da solução.
A região vive um período de paz, progresso e diversidade. Completam-se em março 32 anos do golpe militar argentino, o último do gênero. (Noves fora o fracassado putsch dos grã-finos de Caracas, estimulado pela Casa Branca em 2002.)
A agenda Brasil-Estados Unidos não tem contencioso. Tem avenidas para um melhor entendimento, dos biocombustíveis ao meio ambiente.
Isso não quer dizer que os demônios estejam quietos. Basta um pouco de contorção intelectual para se considerar a América Latina um continente em ebulição, com o chavismo venezuelano, a mística indígena boliviana, o esquerdismo de Rafael Correa e, quem sabe, a ingenuidade do paraguaio Fernando Lugo. Todos eleitos, dois deles confirmados nos mandatos por referendos populares.
É interessante observar que a turma do contorcionismo estava calada e contente quando Alfredo Stroessner governava o Paraguai, Augusto Pinochet, o Chile, e os generais açougueiros, a Argentina.
A encrenca que Bush deixou para Obama está alhures. Imagine-se um cenário no qual houvesse um país latino-americano metido com o narcotráfico, gastando uma receita de US$ 716 milhões, enquanto fatura US$ 4 bilhões no comércio de drogas. Esse país existe e não é a Bolívia do companheiro Evo, mas o protetorado americano do Afeganistão, governado pela cleptocracia de Hamid Karzai. Sob as armas de Bush, o Afeganistão tornou-se o provedor de 90% do ópio consumido no mundo. O narcotráfico carrega metade do PIB do país. Lá os Estados Unidos vivem a guerra externa mais longa de sua história e o companheiro Obama quer manter 60 mil soldados no pedaço. Os narcotraficantes são seus aliados. (Registro necessário: em 1989, havia generais americanos planejando uma intervenção militar na Amazônia, com o propósito de erradicar o tráfico de cocaína. Meses depois, Saddam Hussein invadiu o Kuwait e eles mudaram de assunto.)
Outro bom aliado dos Estados Unidos são os militares paquistaneses, com um arsenal de cem bombas atômicas. O risco dessas armas serem atiradas contra a Índia é muito menor que a possibilidade de algumas delas acabarem nas mãos de terroristas. O dono do programa nuclear paquistanês tornou-se contrabandista de tecnologia e vendeu o caminho das pedras para a Coreia do Norte. Ajudou o Irã e foi apanhado em 2003, entregando centrífugas à Líbia.
Comparada com essas regiões (e essas agendas), a América Latina é um balneário. Evo Morales e Hugo Chávez expulsaram os embaixadores americanos. E daí? Chávez será um valente no dia em que parar de vender petróleo aos americanos. O antiamericanismo verbal não faz mal a ninguém e, com Obama, arrisca sair de moda. É preferível ter Evo Morales por inimigo do que Hamid Karzai como amigo.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 28 de janeiro de 2009.

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OAB quer Polícia Federal na investigação de assassinato de vice-presidente da regional de Pernambuco

OAB quer que a PF apure morte de advogado

Ameaçado após testemunhar contra grupos de extermínio, Manoel Mattos Neto foi morto a tiros no sábado

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Pernambuco quer federalizar o caso do advogado e vice-presidente do PT no Estado, Manoel Bezerra de Mattos Neto, 40, morto a tiros no sábado, em uma casa de praia em Pitimbu (63 km de João Pessoa).
Segundo o presidente da seccional pernambucana da ordem, Jayme Asfora, há indícios de que o crime "violou de forma grave os direitos humanos", além de possivelmente envolver dois Estados -o que permite a federalização.
Integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PE, Neto testemunhou na CPI do Extermínio no Nordeste, em 2004, contra os chamados "grupos de extermínio" que agiam na região de Itambé (PE), na divisa com a Paraíba.
Ameaçado de morte desde então, ele chegou a ser protegido pela Polícia Federal, que desativou a segurança há cerca de um ano com o argumento de que o advogado desrespeitava normas básicas de proteção e colocava em risco não apenas a sua vida, mas também a dos agentes que o acompanhavam.
Segundo o presidente da OAB-PE, não basta apenas que a investigação policial seja feita pela PF, solicitação feita ontem pelo presidente nacional da ordem, Cezar Britto, ao Ministério da Justiça. "Acreditamos que também a denúncia deva ser feita pelo Ministério Público Federal e o julgamento, pela Justiça Federal."
O secretário da Segurança da Paraíba, Eitel Santiago de Brito Pereira, disse que não se opõe à federalização. "O que nos interessa é a solução do caso." Para ele, a morte do advogado é um "típico crime de pistolagem".

Texto da Folha de São Paulo, de 27 de janeiro de 2009.


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Procurador-geral pede extinção do processo contra Battisti

Procurador-geral pede ao STF a soltura de terrorista italiano

Antonio Fernando defende fim do processo de extradição após a concessão do refúgio

Apesar disso, procurador diz que, caso o Supremo decida julgar o mérito do caso, ele mantém seu parecer a favor da extradição de Battisti


FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, enviou ontem parecer ao STF (Supremo Tribunal Federal) favorável à "extinção do processo de extradição" e à consequente libertação do escritor italiano e ex-militante de extrema esquerda Cesare Battisti.
O italiano conseguiu, em 13 de janeiro, o status de refugiado político por decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, que reverteu entendimento do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) de novembro.
Battisti foi condenado pela Justiça italiana, à revelia, por quatro homicídios nos anos 70. Tarso porém avalia que o italiano cometeu "crimes políticos".
No parecer, Souza defende a extinção do processo judicial "sem entrar no mérito", mas diz que, caso o STF resolva julgar o caso mesmo após a concessão do benefício, ele mantém sua posição favorável a extraditar Battisti, que já havia sido manifestada durante a deliberação no Conare: "Na hipótese de (...) ser julgado o mérito do pedido, a minha manifestação é no sentido da procedência do pedido de extradição".
Ele diz, porém, que a legislação que trata do refúgio (lei 9.474) determina a suspensão do processo judicial de extradição quando há a concessão de status de refugiado político.
Souza afirma que o STF já declarou "constitucional" essa lei no caso do padre colombiano Oliviério Medina, ex-integrante das Farc, e que, portanto, deve também ser aplicada no caso de Battisti. Na ocasião, o processo de extradição foi extinto.
O parecer foi requisitado pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, que considerou diferentes as circunstâncias da concessão do refúgio para o italiano e para o colombiano, adiando assim a decisão sobre a soltura de Battisti. O italiano está preso desde 2007.
A diferença entre os dois é que, no caso de Medina, o Conare concedeu o benefício. No caso de Battisti, Tarso modificou decisão do Conare. Para Souza, porém, "a circunstância de a concessão do refúgio decorrer de decisão do ministro da Justiça, no exercício de atribuição recursal, e não deliberação do Conare (...) não constitui dado distintivo relevante capaz de justificar que esse tribunal, só por isso, adote conclusão diversa". Ele alega "não haver dúvidas" de que os motivos da concessão do refúgio são os mesmos daqueles pelos quais a Itália pede a extradição.
Agora caberá ao ministro relator do caso de Battisti no STF, Cezar Peluso, decidir se solta o italiano por decisão monocrática ou espera o fim do recesso para decidir com os outros ministros. A defesa de Battisti já apresentou um recurso ao Supremo contra o despacho de Mendes. O pedido é assinado pelos advogados Luiz Eduardo Greenhalgh, Suzana Figuerêdo e Fábio Antinoro.


Colaborou a Reportagem Local

Texto da Folha de São Paulo, de 27 de janeiro de 2009.


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Um crime com dez anos

Um crime que persiste há dez anos

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI

NÃO SEI qual é o limite da irresponsabilidade no meu país. Darei um exemplo fictício e depois me referirei ao fato. Um ladrão e sua gangue roubam o Estado, na área da saúde, durante dez anos, com estratégia perfeita e proteção garantida; o tempo passa, uma prova aqui, outra ali, e eles se sentem inseguros. O chefe do grupo lidera a correção do grande e contínuo furto, como se ele não tivesse existido ou como se não existissem culpados nem lesados. Os jornais publicam, o povo aplaude.
O leitor deve estar lembrando de vários fatos recentes que aí se encaixam. Vou mencionar apenas um, que é o "ressarcimento" determinado pela lei 9.656, de 1998, e que rouba do SUS cerca de R$ 2 bilhões por ano, além do espaço nos únicos hospitais reservados aos seus pobres pacientes. A lei determina o óbvio (artigo 32): que todos os procedimentos a que o usuário de plano de saúde tem direito pela operadora e são feitos no SUS devem ser ressarcidos -não pelo paciente, lógico, mas pela operadora. A responsável legal pelo recolhimento é a ANS (Agência Nacional de Saúde).
Pois bem, nesses dez anos, ele nunca foi feito por inteiro tampouco eficientemente. A ANS só cobra internações, deixando de lado o mais caro, que são os procedimentos ambulatoriais de alto custo (quimioterapias, hemodiálises, radioterapias, tomografias etc.), como ficou provado em duas auditorias do TCU (acórdãos 771/2005 e 1.146/2006).
Minha luta contra esse crime à saúde dos brasileiros é conhecida no Parlamento (16 discursos, projetos de lei, artigos etc.). Em todas as tentativas fui vencido por ouvidos moucos, lobbies eficientes e leniência da ANS, para dizer pouco, até que resolvi atuar de modo diferente. E foi isso que motivou a ANS (como na historinha que contei) a mudar cinicamente de posição, com mínimos efeitos práticos até agora, e mandar notícias para os jornais, sem constrangimento. Ao assumir a presidência da Comissão de Fiscalização e Controle (CFC), com a preciosa ajuda do TCU e dos sérios deputados lá presentes (da oposição e da base do governo), aprovamos duas audiências públicas, nas quais ouvimos a confissão despudorada do representante das operadoras e do presidente da ANS de que não cumprem a lei 9.656/98.
O TCU mostrou, sem contestação, que mais da metade não é cobrada quando a ANS deixa de lado ilegalmente os procedimentos ambulatoriais e, do cobrado, o SUS recebe menos de 20%, com atrasos frequentemente maiores do que cinco anos. É o próprio negócio da China: o SUS faz o atendimento e o usuário paga a operadora. Dez anos! A desculpa esfarrapada de ambos (ANS e operadoras) é a existência de uma Adin no Supremo Tribunal Federal, mas que de forma nenhuma invalida a lei 9.656/98 (seria fácil derrubar todas as leis simplesmente formulando Adins). Outra desculpa da ANS, inacreditável, é a dificuldade de cobrança. Será que os planos têm dificuldades de cobrar 30 milhões de usuários, o governo, de receber as taxas e impostos de 180 milhões de brasileiros, e os bancos, de cobrar suas taxas e juros?
A máscara caiu. O deputado Juvenil, infenso a lobbies, formulou um processo de fiscalização e controle que foi aprovado. Mandamos um expediente para o Ministério Público e procurei informar o STF sobre a questão. Só assim os bandidos saíram da toca e querem agora demonstrar publicamente que desejam fazer correções. Quero ver quem paga o prejuízo financeiro de dez anos ao SUS e as vidas perdidas.
Essa questão deve envolver mais de R$ 2 bilhões anuais, pelos cálculos da oposição de sete anos atrás, pelos dados que coletei de 12% e 15% dos usuários com planos em dois hospitais públicos de São Paulo, que dirigi, e pelos dados obtidos pelo TCU. Chego até a entender o apetite das operadoras, pela lógica imperativa do lucro e imersas nesse processo feroz de privatização consentida da saúde brasileira. Entendo a passividade dos usuários do SUS, que não compreendem, pela complexidade do processo, por que seu atendimento é precário.
Mas é impossível entender: a ANS, órgão governamental, que participa com ilegalidade, leniência e incompetência; parte do Congresso, que tem se rendido a esse lobby; e os governos, os quais venho prevenindo há tanto tempo. Todos eles poderiam, mas não fizeram nada para coibir esse crime praticado contra o próprio governo e, especialmente, contra os usuários pobres do SUS.


JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI, 74, é deputado federal (DEM-SP), professor emérito da USP e da Unicamp e membro da Academia Nacional de Medicina. Foi secretário de Ensino Superior (governo Serra), da Saúde (governo Quércia) e da Educação (governo Montoro) do Estado de São Paulo, reitor da Unicamp e presidente da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia.

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 26 de janeiro de 2009. Até algum político do DEM pode dizer algo importante, vez por outra.

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Bush, por quê?

Bush, por quê?

OBAMA É O SOL nascente. Bush é a luz que se apaga. Nestes seus oito anos fui inclemente com ele, sem saber se algumas vezes exagerei, mas a verdade é que a sua marca na história é um grande desastre.
Suas reações diante dos desafios de governar foram erradas e geraram hipotecas para o mundo que permanecerão muito tempo. Assumiu a Presidência com os Estados Unidos prósperos, superavitários, única, isolada e incontrastável potência. Céu de brigadeiro. Surge um raio, Bin Laden e o 11 de Setembro. Bush, pelo temperamento, pela sua formação pessoal, pela sua personalidade, reage a tudo de maneira errada. Em vez de convocar o mundo para a grande cooperação e aliança contra o terrorismo, opta por ser guerreiro, seu primeiro pensamento foi invadir o Iraque, só acredita na força das armas e não das ideias (o contrário do que afirmou Obama). Para gastar na guerra e diminuir o imposto dos ricos, partiu para o déficit. Incentiva o descontrole do mercado financeiro, a farra dos derivativos, a corrupção dos balanços das grandes empresas. Liquida a economia americana, que extrapola sua desgraça para o resto do mundo.
Dia 20 esse homem transmitiu o governo a Obama. Em qualquer parte do mundo ele seria execrado, vaiado e, se pudesse, estraçalhado.
Mas nada disso aconteceu, e o novo presidente disse: "Quero agradecer ao presidente Bush os serviços que prestou aos Estados Unidos e a maneira como conduziu a passagem do poder". Nenhuma manifestação do povo de protesto. Continua Obama: "Em 233 anos de nossa democracia por aqui passaram só 44 americanos eleitos pela soberana vontade da nação. Nenhum país conseguiu tão longo período de estabilidade institucional". Bush retira-se. É tratado pelo povo ali reunido com respeito. Com todos os seus defeitos, deu oito anos de sua vida em favor do país. Rodeando-o, ali estavam os ex-presidentes Clinton, Bush, pai, Carter. Não eram pessoas, eram instituições e assim faziam parte da história americana.
Pretos, brancos, amarelos, mestiços reunidos numa grande família, para festejar o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. A poderosa democracia americana mostra sua força. Velhos negros, velhos brancos, veteranos e novatos, numa foto íntima, mostrando ao mundo o governo do povo, seu vigor, suas instituições. O passado era o desastre: a herança de duas guerras e a maior crise econômica do século. Mas a tudo isso sobreviveu, graças à liberdade, liberdade de escolher, de realizar a busca da felicidade de que falou Jefferson, o sonho americano, exemplo para todos nós.

Texto de José Sarney, na Folha de São Paulo, de 23 de janeiro de 2009.


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Então, Deus, me ajude!

So help me God

RIO DE JANEIRO - Durante semanas os americanos discutiram o dia da posse. Até o juramento alguns colocavam em dúvida. Radicais no passado já protestaram contra a presença de Deus no texto.
O mais discutido na véspera foi o teor do discurso. Especialistas em falas presidenciais passaram a semana dando conselhos. Roosevelt? Só devemos temer o nosso medo. Kennedy? Não pergunte o que o país pode fazer por você... E toda essa coisa.
Uma canção brasileira bastaria para inspirar Obama. Levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima. E, no início do discurso, reconheceu a queda e não desanimou, exatamente como manda a letra.
Curioso que já usamos esta canção, quando Volta Redonda estava no buraco. O slogan era: Volta Redonda, volta por cima.
Como os EUA não são Volta Redonda, Obama faz bem em contar com a ajuda divina. Jornais observam como tudo mudou desde o início da campanha. Parece uma década. A GM estava bem, não havia uma grave crise no ar. A própria necessidade de demonstrar que era contra a guerra no Iraque, mas não contra todas as guerras, o levou a conservar Robert Gates na Defesa.
Como Obama vai tratar os inúmeros problemas imediatos e conduzir as questões de médio e longo prazo? A combinação exata é difícil. Como descer das nuvens da grande expectativa para a realidade sem causar frustração? Quer seguir os passos de Roosevelt e conversar muito com o país. Esta é uma transição delicada. Quando vi o casal entrar na Casa Branca, pensei: tempos interessantes. Desses, tão complexos, que os chineses não desejam para ninguém. No discurso, uma indicação: entre a segurança e os nossos ideais, escolher os dois. No dia seguinte, um ato: suspensão dos processos de Guantánamo.
O êxito de Obama será um fio de esperança contra o cinismo na política.

Texto de Fernando Gabeira, na Folha de São Paulo, de 23 de janeiro de 2009.


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Gaspari: de Kennedy para Obama

De John.Kennedy@gov para Obama@org


Você sabe que há armadilhas no seu caminho mas, acredite, as piores são fabricadas em Washington
ESTIMADO presidente Obama,
Eu pretendia respeitar suas férias, mas os últimos acontecimentos no Oriente Médio mudaram minha idéia e decidi escrever-lhe, tratando de assuntos práticos.
Nos primeiros dias você fará bobagens incríveis. Não se preocupe. Abraham Lincoln me contou que assumiu achando que podia dar ordens diretas aos oficiais da Marinha. Bill Clinton levou à posse um médico caipira que pediu ao chefe de serviço de saúde da Casa Branca para injetar-lhe uma ampola de antialérgico. Ele pensava que se pode espetar uma agulha com sabe-se lá o quê no presidente dos Estados Unidos. Essas são trivialidades, passemos ao ponto relevante.
Você sabe que há armadilhas no seu caminho, mas acredite: as piores são fabricadas em Washington. Veja o que me aconteceu.
Eu tinha uma semana de governo quando soube que treinávamos na Guatemala uma força expedicionária destinada a invadir Cuba. Disseram que esses homens não podiam ficar aquartelados indefinidamente. (Percebe? Devíamos invadir porque treináramos invasores.)
A expedição estava aos cuidados da CIA, supervisionada por Richard Bissell, seu vice-diretor. Ele era o encarregado das operações clandestinas da agência. Já não se fazem pessoas como Dick. Ele encarnava a nossa elite. Estudara em Groton, como oito dos Roosevelt, e em Yale, como cinco dos Bush. Annie, sua mulher, era amiga da Mary Pinchot, uma das minhas namoradas. Em 1954, Dick e sua equipe derrubaram o presidente da Guatemala e em 1960 depuseram Patrice Lumumba no Congo. No filme "O Bom Pastor" ele compôs o lado cerebral-chique de Edward Wilson (Matt Damon), mas Annie não era nenhuma Angelina Jolie.
Eu autorizei a invasão, desde que parecesse coisa de cubanos. Havia alguma contrariedade no Departamento de Estado, mas se acreditava que ela tinha duas chances em três de ser bem-sucedida. Deu tudo errado. No dia 15 de abril de 1961, 1.511 homens desembarcaram na Baia dos Porcos e em 48 horas estavam presos num pântano, cercados pelo exército cubano. Bissell queria que eu autorizasse o envio de apoio aéreo. Neguei-o. Fiz papel de covarde, Obama, e esse é o ponto para o qual peço sua atenção.
Preferi fazer papel de covarde a envolver diretamente os Estados Unidos na invasão. Desde o primeiro momento eu dissera que não aceitava esse caminho. Bissell e sua turma acharam que eu cederia diante do desastre militar. Quando assumi, o prato já estava feito: ou me deixava levar pela coleira, ou pareceria medroso. Outro dia conversei com Dick e ele reconheceu que a máquina da CIA achava que a operação fracassaria. Ele apostou com as minhas cartas e perdeu.
O McGeorge Bundy, que era meu assessor de segurança nacional, usa a palavra "armadilha" para explicar o sucedido. Bundy era amigo de Dick, mas acredita que ele queria o lugar de diretor da CIA. É possível, porque o titular, Allen Dulles, estava cansado. (Logo ele, um charmeur que passara secretamente por vidas como a da rainha Frederica da Grécia, mãe de Sofia da Espanha.)
Imagine só: A Terceira Guerra poderia ter começado porque eu caí na armadilha do Dick, que invadiu Cuba para ficar com o lugar do Allen, que estava com gota.
Despeço-me com as recomendações de Jackie a Michelle, de John-John a Malia e Sasha, e minhas a todos.
John Kennedy

Na Folha de São Paulo, de 31 de dezembro de 2008.

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Punição de Gaza despreza lições históricas

Punição de Gaza despreza lições históricas

RAMI G. KHOURI

Deus puniu a arrogância dos hebreus do Velho Testamento fazendo com que vagueassem pelo deserto por 40 anos, antes de permitir que uma geração posterior, mais humilde, voltasse a Canaã. A atual geração de israelenses não soube aprender a lição daqueles 40 anos, a julgar pelos ataques ferozes que Israel vem empreendendo contra a faixa de Gaza. Há 40 anos, em dezembro de 1968, tropas especiais israelenses atacaram o aeroporto de Beirute e destruíram 13 aviões civis libaneses, em represália a um ataque palestino contra um avião civil israelense em Atenas. Israel pretendia levar os países árabes a impedir que os palestinos persistissem em sua luta contra os israelenses.
Hoje, 40 anos de guerras mais tarde, Israel volta a usar imensa força de represália para forçar a submissão dos palestinos em Gaza. Seria lícito perguntar com que objetivo. Os últimos 40 anos oferecem um guia confiável, se qualquer pessoa em Israel ou Washington se dispuser a considerar o registro histórico. O uso da superioridade militar clara de Israel contra palestinos, libaneses e outros árabes gerou cinco resultados conexos.
1) O poderio israelense desmantelou momentaneamente a infra-estrutura militar e civil palestina e árabe, mas os árabes sempre se recuperaram dos golpes alguns anos mais tarde com domínio tecnológico mais amplo e vontade política renovada de contra-atacar. Isso aconteceu quando os palestinos foram expulsos da Jordânia em 1970, e terminaram por restabelecer bases ainda mais letais no Líbano; ou quando Israel destruiu os quartéis da polícia do Fatah na Cisjordânia e em Gaza, anos atrás, e logo se viu enfrentando o Hamas.
2) A combinação de ferocidade militar, insinceridade nas negociações de paz e colonização continuada exibida por Israel viu grupos "moderados" e parceiros interessados em paz, como o Fatah, se autodestruírem lentamente, desafiados ou substituídos por inimigos mais duros. O Fatah deu lugar ao Hamas e à Jihad Islâmica, e a derivados mais extremistas do Fatah, como as Brigadas dos Mártires de Al Aqsa. O Hizbollah emergiu no Líbano depois da invasão e ocupação do sul do país por Israel em 1982.
3) A insistência de Israel em dominar todo o Oriente Médio militarmente levou o país a gerar novos inimigos onde dispunha de aliados estratégicos como o Líbano e o Irã. Israel trabalhava em estreito contato com alguns dos grupos libaneses cristãos, e tinha elos fortes de segurança com o xá do Irã. Hoje, 40 anos mais tarde, Israel vê as ameaças mais sérias, talvez à sua existência, emanando do Hizbollah no Líbano e do regime radical do Irã.
4) O imenso sofrimento que Israel inflige aos palestinos comuns faz de uma população em geral dócil um campo de recrutamento para extremistas, combatentes de resistência, terroristas, atacantes suicidas. Depois de décadas de políticas que envolvem detenção em massa, fome compulsória, colonização, assassinato, ataque e terror contra os palestinos, estes terminam por reagir à sua desumanização por uma inversão que leva ao uso dos mesmos métodos cruéis para matar soldados e civis israelenses.
5) As políticas israelenses ao longo das décadas foram uma importante razão, embora não a única, para transformar o ambiente político mais amplo do mundo árabe em uma estufa para o surgimento de movimentos radicais islâmicos que confrontam os Estados policiais árabes mais severos.
Todas essas tendências são vistas em ação no atual ataque israelense a Gaza: radicalização árabe e palestina, reação islâmica em meio à inércia do pan-arabismo, o descrédito continuado do governo do presidente palestino Mahmoud Abbas e agitação política na região contra Israel, seus protetores nos EUA e a maioria dos governos árabes. Nada disso é novidade.
A nova guerra israelense contra o Hamas abre caminho à repetição das cinco tendências acima, que prejudicaram tanto árabes quanto israelenses.
O intervalo bíblico de 40 anos que separa o ataque de Israel ao aeroporto de Beirute em 28 de dezembro de 1968 e a ofensiva contra Gaza em 27 de dezembro de 2008 se torna relevante. O prazo deveria ter bastado para que os israelenses aprendessem que suas armas não aquietaram os vizinhos árabes nem garantiram a segurança ao longo das fronteiras israelenses. O oposto aconteceu, e voltará a acontecer agora. Eis algo a considerar quando o novo período de 40 anos começar a transcorrer: a única coisa que conseguiu aproximar os israelenses e os árabes foram acordos de paz genuínos e eqüitativos com o Egito e a Jordânia, nos quais os árabes foram tratados como povos dotados de direitos iguais à segurança e a um Estado estável.


RAMI KHOURI é editor especial do "Daily Star", de Beirute, e diretor do Instituto Issam Fares de Política Pública e Assuntos Internacionais da Universidade Americana de Beirute. Este artigo foi distribuído pela Agence Global


Tradução de PAULO MIGLIACCI

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 30 de dezembro de 2008.


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Medo de fantasmas, ou os mortos, ou retrospectiva de 2008.

Medo de fantasmas

NO CONTO "Os mortos", de James Joyce, Gabriel Conroy é o encarregado do discurso da festa na casa de suas tias, que acontece todo ano na época do Natal. Suas hesitações e contradições são as de uma pessoa viva.
Mas que pretende também representar uma nova geração, capaz de lidar com sucesso com o passado, com os mortos.
Diz ele no discurso: "Em encontros como este, sempre nos ocorrem tristes recordações: lembranças do passado, da juventude, de mudanças, de rostos ausentes, cuja falta sentimos. Nossa passagem pela vida é marcada por muitas dessas recordações e, se tivéssemos de pensar nelas todo o tempo, não nos sobrariam forças para desempenhar corajosamente nossas tarefas entre os vivos".
2008 mostrou que não é nem um pouco fácil viver entre os vivos.
Obama foi entendido como o Martin Luther King que sobreviveu e venceu. A crise econômica de hoje veio dizer que aprendeu a lição de 1929. Já a agitação de 1968 não teve repetição. Cartola e a bossa nova também não. São experiências que ficaram no passado. Não foram atualizadas como matéria viva do presente.
Reverências e homenagens protocolares receberam Antonio Vieira, Machado de Assis e Guimarães Rosa. E também a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição de 1988. As comemorações da chegada da corte portuguesa, em 1808, ameaçaram fixar a data como a verdadeira fundação do Brasil. Uma vez mais, ficaram na superfície folclórica.
Em 2008, o passado surgiu, no geral, dessas maneiras assepticamente conservadoras: cuidadosamente progressista, saudosista, reverencial ou folclorizante. Um ano de muito pouco barulho. Como que para não perturbar o sono dos mortos. Medo de fantasmas, com certeza.
Um fantasma apareceu para Gabriel Conroy naquela noite. Sua mulher ouviu uma canção que a deixou triste e chorosa. Lembrou-a de sua juventude e de um rapaz de 17 anos, Michael Furey, que tinha se martirizado por amor a ela, no duro frio irlandês.
Pela primeira vez ela contava essa história trágica a Gabriel. E, pela primeira vez, ele penetrou no mundo de fantasmas em que vivem os vivos: "Sua alma acercava-se da região habitada pela vasta legião dos mortos. Pressentia, mas não podia apreender suas existências vacilantes e incertas. Ele próprio dissolvia-se num mundo cinzento e incorpóreo. O mundo real, sólido, em que os mortos tinham vivido e edificado, desagregava-se".
O passado e o presente estão repletos de Michael Fureys. Lembrar-se deles, deixá-los falar é a mais corajosa promessa que se pode fazer para o ano novo.

Texto de Marcos Nobre, na Folha de São Paulo, de 30 de dezembro de 2008.


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Chocar sem morbidez (as crianças mortas em Gaza)

Quando é preciso chocar sem morbidez

DESDE O CASO da morte de Isabella Nardoni, em abril, o ombudsman não recebia tantas mensagens sobre um mesmo assunto numa semana, como nesta, de Ano-Novo, sobre o conflito entre Israel e palestinos.
Como é natural, com grande carga de emoção em todas e clara divisão entre as que veem no jornal proteção para um ou outro lado.
Dois leitores se queixaram de fotos de crianças mortas. Zuleika Haddad perguntou: "Por que a Folha precisa estampar foto de uma menina de 4 anos em seu funeral?". Geraldo Pietragalla Filho argumentou que as fotos "em nada contribuem para a compreensão dessa guerra insana; são manifestações mórbidas".
A morbidez deve ser evitada a todo custo, e o jornal precisa tomar muito cuidado com isso. Não acho que tenha esbarrado nela por enquanto.
Imagens fotográficas chocantes podem servir a propósitos humanitários e ajudar a manter vivos na memória coletiva horrores inomináveis e, com isso, dificultar a ocorrência de similares.
Como as dos prisioneiros dos campos de concentração de Auschwitz e Dachau, das deformidades provocadas em crianças pela poluição na baía de Minamata, das torturas impostas a prisioneiros iraquianos por soldados dos EUA em Abu Ghraib, dos efeitos de bombas de napalm sobre civis sul-vietnamitas, como a garota Kim Phuc, na foto acima, feita por Nick Ut, em 1972.
Não é agradável ver essas cenas. Mas às vezes é indispensável.
Quanto à cobertura em palavras do que vem ocorrendo em Gaza, a Folha começou muito mal. No sábado, enquanto os primeiros ataques aéreos ocorriam e prenunciavam o que viria, o jornal circulava com a avaliação de que a expectativa era a de que as tensões arrefecessem depois de Israel ter permitido a chegada de medicamentos e alimentos a Gaza.
Foi o contrário que ocorreu. Nunca é bom para um jornal antecipar algo e ocorrer o oposto. Mas faz parte dos riscos desta atividade.
O importante é que a Folha entendeu logo a importância dos fatos e melhorou muito ao longo da semana no seu acompanhamento. Na segunda, já estava na fronteira de Israel com Gaza seu enviado especial, que tem oferecido ao leitor o que só um jornalista do próprio veículo consegue fazer: mostrar os acontecimentos da perspectiva de real interesse do público específico.
A preocupação com o equilíbrio tem sido ostensiva. Sempre saem artigos em defesa dos dois lados em espaço comparável, descrevem-se as condições de vida dos habitantes das duas áreas (apesar da proibição à entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza), o texto de Adrian Hamilton, do "Independent", na sexta, sobre as causas do conflito, é exemplarmente isento.
Ainda falta muito a fazer, inclusive analisar com mais profundidade as posições do governo brasileiro e suas pretensões. Não será possível agradar a todos os leitores. Mas o caminho que o jornal vem seguindo é o certo.

Texto do Ombudsman da Folha de São Paulo, Carlos Eduardo Lins e Silva, em sua coluna de 4 de janeiro de 2009.

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E por falar em Mário Magalhães - Opiniões sobre os ouvidores da Folha

Nos anos em que conheço mais de perto a Folha de São Paulo, já vi uns poucos ouvidores, ou “ombudsman”, como eles são chamados. São mais ou menos uns dez anos acompanhando a Folha, desde que assinei com o UOL para prover acesso à Internet em casa.

Dois se destacaram. Mário Magalhães pela agudeza da crítica foi um destaque positivo. Casualmente ele foi um dos poucos que não teve o contrato como ouvidor estendido, pois a Folha queria mudar os termos da atuação do cargo entre um mandato e outro. Mário Magalhães não aceitou.

Sucedeu-o Carlos Eduardo Lins e Silva, que não chega a ser um mau ouvidor. Muitos talvez digam até que ele é muito bom. Este blogueiro acha sua coluna domingueira em geral bastante burocrática, alguma vez beirando o enfadonho. E acho muito interessante, talvez irônico, que o ouvidor atue como pedagogo do leitor, indicando livros e filmes relacionados aos assuntos abordados na coluna. Bom para estudantes de comunicação e jornalismo. Não é o meu caso.


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Almirante Negro

O almirante negro

NADA COMO SENTENÇAS e pitacos sobre o passado para revelar cabeças e miolos do presente. Por dever de ofício, horas antes da inauguração da estátua do marinheiro de primeira classe João Cândido Felisberto, no dia 20 de novembro, indaguei à Marinha sua opinião acerca da homenagem.
O presidente da República participava do ato diante da baía de Guanabara, a mesma onde em 1910 mais de 2.000 marinheiros -boa parte negra- se sublevaram em quatro navios de guerra contra os castigos físicos que perduravam na Força, decorridos 22 anos da Abolição.
Foram mortos quatro oficiais a bordo e duas crianças em terra, quando a então capital foi bombardeada pelos rebeldes. O episódio se tornaria célebre como a Revolta da Chibata. A refrega foi determinante para o ocaso das atrocidades herdadas da escravidão.
Líder do movimento, João Cândido acabaria pouco tempo depois em cana, em uma ilhota junto com 17 companheiros. Só ele e um outro saíram vivos. O velho marinheiro morreria pobre em 1969. Aldir Blanc e João Bosco dedicaram-lhe um samba de antologia no qual foi aclamado como "Almirante Negro" -questões paralelas impuseram a mudança da letra para "Navegante Negro".
Noventa e oito anos após o levante, o Centro de Comunicação Social da Marinha respondeu que não identifica "heroísmo nas ações daquele movimento. Entretanto, nada tem a opor à colocação da estátua, desde que haja o cuidado de evitar inserções ofensivas à Força e às vítimas dos amotinados".
Por inserções ofensivas talvez se entenda a recusa ao hábito de açoitar o tronco dos marinheiros como o dos escravos nos pelourinhos décadas antes. Ainda hoje, a Marinha do Brasil ensina: tratou-se de "um triste episódio da história do país" -a Revolta da Chibata, não o cotidiano de corpos golpeados.
A Marinha, que em 1964 conheceu de perto a indisciplina militar, melhor faria se cultivasse a cautela. Enquanto Lula exaltava João Cândido e os revoltosos, a Força os condenava. Ao arrolar as atribuições do presidente, a Constituição obriga-o a "exercer o comando supremo das Forças Armadas". Chefe de um governo pusilânime diante dos militares, Lula fez que não ouviu a insubordinação.
Pior do que peitar o comandante das Forças Armadas -e as bases do Estado Democrático de Direito- é a sobrevivência de um pensamento que justifica as chibatadas, ao demonizar quem contra elas se insurgiu. A história, contudo, é implacável: enquanto a Marinha mantém a pregação anacrônica, João Cândido, feito estátua, contempla as águas da Guanabara onde um dia combateu o bom combate.


MÁRIO MAGALHÃES, repórter especial da Folha, escreve hoje excepcionalmente neste espaço.

Na Folha de São Paulo, de 24 de dezembro de 2008.


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Cerco à OEA

Cerco à OEA se delineia há tempos

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A OEA (Organização dos Estados Americanos) naufraga num mar de alternativas regionais cujo acento maior é a exclusão dos EUA. É o caso da proposta de uma nova organização de países da América Latina e do Caribe, que se junta a outras iniciativas do mesmo teor, como o Grupo do Rio e a Unasul.
Washington já fora avisada por instituições acadêmicas americanas de que a OEA corre o risco de perder vigência.
Seria a quebra do mais importante elo da cadeia de ações coletivas envolvendo América Latina e EUA, com predominância histórica dos americanos. A OEA chegou a ser chamada de ministério das colônias dos EUA.
O primeiro golpe foi dado com o Grupo do Rio, inspirado no fracassado Grupo de Contadora. Em 1984, países latino-americanos se reuniram na ilha panamenha de Contadora para encontrar soluções para a guerra na América Central, que se tornara sangrenta com aberta intervenção americana.
Uma OEA sem os EUA? Contadora chegou a concluir um texto de proposta de paz. Mas sofreu operação de bloqueio conduzido por Constantine Menge, na época o encarregado da América Latina no Conselho de Segurança Nacional dos EUA.
A revista "Current History" divulgou documentos que estabeleciam como "estratégia do governo Reagan" impedir negociações de paz na América Central.
O único que importava era derrubar os sandinistas na Nicarágua e com isso, na visão reaganiana, traçar uma "linha de contenção do comunismo em território americano". Deu no escândalo de contrabando de armas para o Irã e num quase impeachment de Reagan.
O Grupo do Rio procura resgatar o espírito de Contadora. Ou buscar soluções latino-americanas para problemas da América Latina. Cuba formalizou seu ingresso na cúpula na Bahia, o que marca mais distância da OEA.
Bush ainda tentou resgatar algo dessas relações empoeiradas em benefício próprio, com o seu "Pathways for Prosperity", um discurso sobre os caminhos para a prosperidade. Foi lançado em setembro ante representações de alto nível de apenas 11 países latino-americanos, nem todos presidentes. Em pouco tempo não se falava mais nisso.

Texto da Folha de São Paulo, de 18 de dezembro de 2008.

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domingo, janeiro 25, 2009

Suprema Corte de Israel descarta supressão de partidos árabes em Israel - II

Decisão foi política, diz advogada

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

A decisão da Suprema Corte israelense de reverter o banimento dos dois partidos árabes reflete a preocupação de não manchar ainda mais a imagem global de Israel após a ofensiva em Gaza, segundo Aber Baker, advogada da ONG árabe-israelense Adalah, autora do recurso. Em entrevista à Folha por telefone, ela disse que os cidadãos "devem lealdade ao Estado, não à religião".

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif

FOLHA - Como os advogados conseguiram reverter a decisão na Suprema Corte?
ABER BAKER
- A Corte Suprema não detalhou a decisão. Disse apenas que aceitou os recursos que apresentamos.

FOLHA - A decisão pode ser vista como prova de que a Suprema Corte é independente das disputas políticas e eleitoreiras?
BAKER
- A independência da Suprema Corte é limitada. No fundo, foi uma decisão política. Os juízes são inteligentes o bastante para saber que a reputação de Israel já está manchada com os ataques contra Gaza, e que é bom evitar piorar as coisas. Mesmo sem detalhes jurídicos, sabemos que a Suprema Corte avaliou que não havia provas suficientes de que os partidos árabes eram contrários ao caráter judaico do Estado de Israel. Mas, e se ela tivesse julgado que havia provas disso? É esta a questão central. Como cidadãos, devemos lealdade ao Estado, não à religião.

FOLHA - Como a opinião pública israelense, tão favorável aos ataques em Gaza, enxergava a ideia de banir os partidos árabes?
BAKER
- A moção foi apresentada em meio a fortes tensões internas. Pelo menos 700 pessoas foram presas em protestos contra a ofensiva em Gaza. Mesmo assim, a decisão de banir os partidos foi rejeitada por muita gente, incluindo imprensa e acadêmicos. Boa parte das pessoas que apoiaram os ataques era contrária ao banimento dos partidos árabes. Há duas explicações. A primeira é que os israelenses não querem parecer ser contra os árabes. A segunda é que o sujeito que apresentou a moção, Avigdor Lieberman, é visto como um racista perigoso. Este episódio evidenciou a verdadeira cara dos trabalhistas, que apoiaram o banimento. Mesmo sabendo que ele seria vetada na Suprema Corte, eles quiseram mostrar sua opinião sobre os árabes.

FOLHA - Há quem diga que os árabes israelenses são ingratos em relação a Israel, o país mais livre e democrático da região.
BAKER
- Não escolhemos estar em Israel e estávamos aqui havia gerações. Deveríamos ser gratos pelo quê? Mesmo que sejamos cidadãos com direitos, não estamos felizes com esse regime, com a pobreza, com o desemprego e com as prisões. Lamentamos pela situação dos cidadãos de países árabes, com quem compartilhamos muito coisa. Falo a mesma língua e tenho a mesma cultura que os meus parentes na Síria e nada em comum com meus vizinhos israelenses judeus.

Da Folha de São Paulo, de 22 de janeiro de 2009.

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Suprema Corte de Israel descarta supressão de partidos árabes em Israel

Corte veta decisão de barrar partidos árabes

Supremo rejeita moção que acusava legendas de ser anti-Israel e impedia sua presença na eleição de fevereiro

DA REDAÇÃO

A Suprema Corte de Israel anulou ontem uma decisão da Comissão Central das Eleições, órgão do Parlamento israelense responsável pelos processos eleitorais, que pretendia barrar a participação nas legislativas marcadas para 10 de fevereiro de duas legendas que representam a minoria árabe do país.
Com a decisão, os partidos Lista Árabe Unida (centro) e Balad (esquerda), que juntos ocupam sete das 120 cadeiras do Knesset, Parlamento unicameral de Israel, poderão concorrer normalmente no pleito.
"A batalha não acabou, pois a discriminação é hoje [um problema] central", disse Ahmed Tibi, deputado do Lista Árabe Unida, ao jornal "Haaretz".
A moção de veto havia sido elaborada na semana passada pelos partidos ultradireitistas Yisrael Beiteinu e União Nacional e teve o apoio da maioria da Comissão, incluindo deputados do Partido Trabalhista (centro-esquerda) e do Kadima (centro-direita), que integram a atual coalizão de governo.
A alegação era a de que as duas únicas agremiações integralmente formadas por árabes apoiam terroristas e negam o direito de existência de Israel.
Os partidos ultranacionalistas argumentam que os líderes políticos árabe-israelenses se posicionaram contra os ataques de Israel ao Hamas em Gaza e já visitaram "países inimigos" como Síria e Líbano.
Revoltado com a decisão da Suprema Corte de acatar o recurso apresentado pelos árabes, o deputado Avigdor Lieberman, autor da moção contra os dois partidos, disse que irá preparar um projeto de lei para retirar a cidadania israelense de "árabes desleais".
O caso evidencia o racha na vida pública e na sociedade israelense entre a maioria judaica (5,7 milhões) e a minoria árabe (1,4 milhão, cerca de 20% da população). Os árabes-israelenses são descendentes dos 160 mil árabes que ficaram em Israel após a primeira guerra árabe-israelense, em 1948. Durante o conflito, que se seguiu à rejeição árabe da partilha da Palestina, 700 mil foram expulsos do país ou fugiram.
Embora tenham se tornado cidadãos israelenses, os árabes sofreram vários tipos de discriminação. Até 1966, estavam submetidos à lei marcial.
Os primeiros partidos árabes em Israel nasceram no final dos anos 60. O Hadash, comunista, reúne as duas comunidades. A Lista Árabe Unida e o Balad foram criados nos anos 90.
Embora hoje desfrutem dos mesmos direitos que os judeus, os árabes de Israel se sentem preteridos em distribuição de verbas e políticas sociais. Os árabes -muçulmanos e cristãos- também são dispensados de serviço militar, obrigatório para os judeus. Isso acaba contribuindo para a discriminação, já que o serviço militar é fator de status e experiência na sociedade israelense.

Com Reuters

Texto da Folha de São Paulo, de 22 de janeiro de 2009.

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Procuradoria vai denunciar militares por sequestros

Procuradoria vai denunciar militares por sequestros

É a 1ª denúncia criminal por desaparecimento na ditadura

ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério Público Federal irá apresentar à Justiça a primeira denúncia criminal contra militares por desaparecimentos durante a ditadura.
No único inquérito aberto no país para apurar criminalmente ações do regime militar, o procurador da República de Uruguaiana (RS) Ivan Cláudio Marx solicitou à Polícia Federal a investigação do desaparecimento de dois militantes de esquerda, o ítalo-argentino Lorenzo Ismael Viñas e o padre argentino Jorge Oscar Adur.
Os dois desapareceram em 1980, quando cruzavam a fronteira entre Paso de Los Libres (Argentina) e Uruguaiana.
Os crimes foram possíveis graças à Operação Condor, que reuniu ditaduras do Cone Sul contra opositores. A ação busca uma pena por sequestro e pode incluir tortura e homicídio.
O caso de Viñas está entre os de cidadãos de origem italiana que desapareceram durante a ditadura na América do Sul. A Justiça da Itália indiciou 13 militares brasileiros. Em 2007, o país pediu ajuda ao Brasil para que os acusados ainda vivos fossem julgados. Entre eles, responsáveis à época pelo SNI (Serviço Nacional de Informações) e um ex-secretário de Segurança do Rio Grande do Sul.
O desaparecimento de Viñas no Brasil foi reconhecido pelo governo, que pagou indenização. "É a primeira tentativa de uma ação penal sobre crimes cometidos por militares durante a ditadura militar", diz Marx.
O procurador já tem material para apresentar a denúncia, mas poderá ainda reunir as provas da promotoria italiana. O principal argumento para a Justiça rejeitar o pedido é o de os desaparecimentos terem prescrito. Promotores argumentam que crimes contra a humanidade, como o desaparecimento, não prescrevem.
Em outubro, em ação declaratória -que não prevê punição-, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi nos anos 70, foi reconhecido como torturador pela Justiça de São Paulo, em primeira instância.

Texto da Folha de São Paulo, de 22 de janeiro de 2008. Detalhe interessante: se o crime foi perpetrado em 1980, não tem impunidade assegurada pela Lei de Anistia, promulgada em 1979.


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Mais cabeças, mais direitos

Mais cabeças, mais direitos

O "IMBRÓGLIO" ítalo-brasileiro criado com o status de refugiado concedido a Cesare Battisti, pelo ministro Tarso Genro, tem ingredientes para todos os gostos -ideológico, jurídico, diplomático, político e, provavelmente o mais grave para os dois países, talvez o futebolístico, em vista de um amistoso das suas seleções. Muito aquém desses ingredientes todos, minha ótica exausta e enviesada se volta para um outro e lhe atribui importância maior, por dizer respeito à nossa sinuosa maneira de ser democracia.
Para quem não acompanha o caso, o italiano Cesare Battisti é condenado à prisão perpétua em seu país, sob acusação de autoria e coautoria em quatro assassinatos. Os fatos são de fins da década de 70, fase de violências políticas na Itália, e são atribuídos a ações da organização Proletários Armados pelo Comunismo, da qual, na época e até não faz muito, não tive notícia alguma. Depois de anos na França, onde se fez escritor, Battisti veio viver em meia clandestinidade no Brasil e requereu a condição de refugiado, equivalente à plena legalidade. Obteve-a do ministro Tarso Genro, da Justiça.
A primeira observação indispensável, vistas as reações na Itália e as críticas intensas ao ministro, é a de que Tarso Genro não contrariou orientação presidencial nem excedeu o seu poder legal. Aí mesmo, porém, está o ingrediente indigesto para a democracia.
Na selva burocrática há um tal Conare, o Comitê Nacional para Refugiados, que opinou por 3 a 2 contra a concessão do refúgio. A Procuradoria Geral da República deu parecer recomendando a recusa ao pedido de refúgio. A concessão, pelo ministro, contrariou e sobrepôs-se aos dois órgãos, sem por isso violentar o permitido. Se é correta em seu sentido ou não é outro assunto.
Há algo de errado, portanto, com a existência, ou com a formação, ou com o alcance das responsabilidades conferidas ao Conare. Para que a representação plural, os trabalhos de apoio, o parecer, se um ministro pode definir a decisão do problema por sua própria cabeça, só ela? Tanto faz se para proclamar "estão certos", os pareceres do Conare e da Procuradoria, ou "estão errados".
Os problemas relativos a refugiados são sempre sérios demais, jogam com destinos humanos e não raro com vida ou morte, para dependerem da opinião - precária como é da natureza das opiniões - de uma só pessoa. Há, nesse absurdo de poder, uma falência do respeito ao humano e da proteção democrática às formas de julgamento mais seguro, ou, melhor, menos inseguros.
O cargo de ministro da Justiça, ocupado com critério em um dia, pode não o ser em outro. Por muitos motivos, inclusive o de sempre envolver aspectos jurídicos, o refúgio e o asilo deveriam ser decididos em cortes do Judiciário. Não porque seus integrantes sejam todos isentos ante todos os aspectos que envolvem muitos refugiados, políticos ou não. Mas o debate público e a votação nos tribunais ficam mais próximos da democracia, quando se trata de destinos humanos.

Parte da coluna de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 22 de janeiro de 2009.


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Nota Dez

Nota dez

RIO DE JANEIRO - Não sou admirador fanático daquilo que se pode chamar de cultura ou civilização norte-americana, também conhecidas como "american way of life". Os admiradores têm seus motivos, os que não admiram também. Tampouco espero maravilhas curativas da gestão de Barack Obama. O mais importante já foi feito -e com brilho histórico: enterrou formalmente o preconceito racista que ainda prevalecia em algumas camadas da sociedade. Neste particular, os Estados Unidos merecem nota dez.
Acompanhei alguns momentos da posse do novo presidente e admirei a sobriedade do protocolo, sem aquelas filigranas de pompa e circunstância que marcam a subida ao trono dos poucos monarcas que ainda resistem e dos presidentes de países chegados ao oba-oba.
Não houve transferência da faixa presidencial, como nos concursos das misses e nas posses dos mandatários da América Latina e de outras regiões. Tampouco a presença maciça de chefes de Estado, que certamente foram representados por seus embaixadores.
Se a liturgia foi sóbria, o entusiasmo da multidão que acompanhou a cerimônia sob um frio de 3 graus abaixo de zero foi realmente comovente. Creio que nunca um presidente da República de qualquer país arrastou tanto povo para presenciar de corpo presente um acontecimento histórico.
Não estou dizendo que Obama é, em si, um fato histórico. Sua eleição e posse sim, são um momento dos mais importantes na trajetória dos Estados Unidos e, até certo ponto, do mundo. Embora tenhamos como nunca espaço para a esperança e força contra o medo (os dois referenciais mais citados durante sua campanha eleitoral e em seu discurso de posse), tudo dependerá agora da capacidade de um homem resistir às pressões da máquina do complexo industrial-militar.

Texto de Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo, de 22 de janeiro de 2009.

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Escola Base, capítulo 2, ou o Caso dos Falsos Pedófilos da Colina do Sol

Escola Base – capítulo 2

Um dos episódios mais escandalosos do país, nos quesitos "abuso da liberdade de imprensa" e "colaboração espúria entre autoridades e jornalistas", começa a ser desmontado: é o caso Colina do Sol, em que quatro nudistas, dois brasileiros e dois americanos foram presos em Taquara, no Rio Grande do Sul, acusados de abuso de crianças, pornografia infantil e tráfico internacional de menores.

Os dois americanos, Frederick (64 anos) e Barbara (73 anos) acabam de ser libertados por ordem da Justiça, depois de um ano de prisão. Nenhuma das acusações se sustentou – nem a de que tinham criado uma complexa estrutura de auxílio à população só para abusar sexualmente de algumas crianças. As crianças negam o abuso, os pais negam o abuso, mas não adianta: três pais que se negaram a representar contra os acusados foram denunciados à Justiça por conivência.

Aconteceu tudo aquilo que a gente já conhece: entrevistas constantes de autoridades, cada dia com novas promessas de "fatos contundentes", cada dia com novas acusações (uma delas: três adolescentes foram sido entrevistados por uma psiquiatra, que teria confirmado o abuso). Só que isso não estava no laudo.

Ao que tudo indica, houve ali uma guerra entre vizinhos e a polícia interveio em favor de um dos lados. E tome mentiras: por exemplo, a de que havia imagens nos computadores de atos sexuais com bebês. Nos três laudos do Instituto de Criminalística do Rio Grande do Sul, não há qualquer menção a isso.

Lembremo-nos da Escola Base: com fundamento em declarações de autoridades ávidas por holofotes, houve vidas duramente prejudicadas, houve o fechamento de uma escola que ia bem, houve crianças estigmatizadas. No caso de Taquara, tudo indica que a história se repete – e com uma agravante, os envolvidos são nudistas. Como se naturismo fosse crime. Como se naturista fosse tarado.

Este texto é parte da coluna de Carlos Brickmann, no Observatório da Imprensa. Você pode não gostar de nudistas/naturistas, mas não precisa caluniá-los chamando-os também de pedófilos.

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José Simão: Obama é nosso!

Ueba! Já temos o Burako Obama!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto de Washington! OBAOBA OBAMA! Agora tudo é Obama.
Olha essa foto sensacional do Kibeloco: em Montes Claros, Minas, tem um buraco na rua, e botaram a placa: BURAK OBAMA! Rarará! A Poça do Buraco Obama! Ops, do Pai Obama. Pai Obama de Oxóssi! Eu já disse que o mundo pensa que o Obama é pai-de-santo. Daqueles que colam cartaz em poste: "Cura espinhela caída, devolve marido, desazanga spingarda azangada, desentorta pingolim e desarranha CD!".
E Obama vai tomar posse de um país socialista! Sim, senhor. Os EUA viraram um país socialista. SOCIALIZARAM o prejuízo com o resto do mundo! E diz que Obama vai suspender o bloqueio cubano. As meninas do vôlei agradecem. Rarará! Aliás, a crise tá tão grande que já tem americano fugindo pra Cuba! E avisa pro Obama que as bolsas continuam Al Qaindo! E que Lula não foi convidado e ficou EMBURRADO! E descobri por que o Brasil não quer devolver o terrorista italiano. Ele é da facção Proletários Armados pro Comunismo. PAC! Rarará!
E tomara que o Obama cure a crise. Porque tudo o que é bom é ilegal, imoral e EM DÓLAR! E Obama de turbante parece Caetano nos Filhos de Gandhy! O OBAMA É NOSSO!
E diz que o Obama vai soltar grana pras Bolsas. É o BOLSA-BOLSA! Rarará! E a onda Obama pega todo mundo. Olha a foto do site Zoeiras: Schwarzenegger de peruca afro falando I'LL BE BLACK! Até ele, republicano roxo. Aliás, todo mundo fala Washington. Menos o Schwarzenegger, que mora há 30 anos nos EUA e ainda fala VASHINGTON! Essa é do Blogdobonitão: "Obama anuncia novo chefe da CIA e diz que EUA não vão mais torturar prisioneiros". No máximo, um jogo do Vasco! Rarará! E não falei que Obama é filho do Bezerra da Silva? Podia ser o discurso de posse: "Malandro é malandro, e mané é mané!" O Obama é nosso! É mole? É mole, mas sobe. Ou, como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!

Este texto é reprodução de parte da coluna de José Simão na Folha de São Paulo, de 21 de janeiro de 2009.


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Polícia reprime protesto de estudantes em Caracas

Polícia reprime protesto de estudantes em Caracas

No sábado, Chávez havia determinado "jogar gás do bom e meter presos" manifestantes

Manifestações são contra a reeleição ilimitada; reunião de partido oposicionista e universidade também foram alvo de chavistas


FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Sob a alegação de que não tinham autorização, o governo Hugo Chávez dissolveu ontem uma marcha estudantil no centro de Caracas com gás lacrimogêneo e balas de borracha. Foi o mais grave de vários incidentes registrados desde sábado, quando o mandatário venezuelano lançou oficialmente a campanha pela reeleição indefinida ordenando "jogar gás do bom e meter preso" em caso de distúrbios de oposicionistas.
Os estudantes pretendiam marchar desde a praça Morelos até a sede do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), mas o ministro do Interior, Tareq El Aissami, proibiu a manifestação. Segundo ele, o movimento tem uma "agenda de confrontação e violência". Ele afirmou que houve apreensão de gasolina e de coquetéis molotov com os estudantes.
Também na região central, uma reunião do partido político oposicionista Bandeira Vermelha foi atacado ontem com gás lacrimogêneo por partidários da agremiação chavista Unidade Popular Venezuelana (UPV), que até o final da edição de ontem ocupava o edifício.
No campus da Universidade Central da Venezuela (UCV), a poucos quilômetros do centro, motoqueiros jogaram bombas de gás lacrimogêneo pelo segundo dia consecutivo, desta vez contra o prédio da reitoria. Anteontem, o alvo foi uma entrevista coletiva do líder estudantil Ricardo Sánchez, que no domingo teve o seu carro incendiado, também dentro da área da universidade.
Anteontem, cinco bombas de gás lacrimogêneo foram jogadas contra a representação do Vaticano (Nunciatura Apostólica), em Caracas. O atentado foi assumido pelo grupo paramilitar pró-chavista "La Piedrita". Quase ao mesmo tempo, um ataque semelhante foi registrado na casa do presidente do canal oposicionista RCTV, Marcel Granier, que atribuiu a onda "aos discursos violentos de Chávez".
No final da tarde, durante ato de campanha, Chávez acusou os estudantes de tentar "incendiar a Venezuela": "Convido a todo o povo que saia às ruas para defender a pátria dos violentos, dos sabotadores, dos incendiários e dos baderneiros".
O governo distrital de Caracas, reconquistado pela oposição nas eleições de dezembro, também tem sido alvo de grupos chavistas. Na madrugada de sábado, o prédio principal, localizado na praça Bolívar (centro), foi atacado a tiros e desde então está fechado.
Acima da entrada do prédio quase todo pichado com palavras de ordem contra o governador Antonio Ledezma, lê-se, em letras vermelhas: "Somos maus perdedores".
Na rua lateral, de movimentado comércio popular, um prédio do governo distrital foi tomado por militantes chavistas. Durante visita da reportagem da Folha, anteontem, um deles estava postado diante da entrada com uma pistola enfiada no cinto. Ninguém quis conceder entrevista.
A Polícia Metropolitana, que no ano passado foi transferida do governo distrital de Caracas ao Ministério do Interior, não assegurou a reabertura do prédio central nem tem agido para retomar edifícios invadidos.
Ao lançar oficialmente a campanha pelo "sim", no sábado, Chávez ordenou "ao ministro da Defesa, ministro do Interior e aos chefes da polícia: a partir deste momento, quem sair a queimar um carro, a queimar árvores, a fechar uma rua, me joguem gás do bom, e os metam presos".
No dia 15 de fevereiro, os venezuelanos irão às urnas para votar num referendo sobre a emenda constitucional que, se aprovada, permitirá a Chávez concorrer novamente à Presidência, em 2012. Em dezembro de 2007, uma proposta semelhante foi derrotada em consulta popular.

Texto da Folha de São Paulo, de 21 de janeiro de 2009.

É com bastante pesar que constato que a Venezuela está se encaminhando de fato para uma ditadura pessoal do presidente Chávez. Alguns fatos podem ser enumerados para esta constatação: 1) A insistência do presidente na sua reeleição ilimitada. As idéias do presidente para o país não podem ser levadas por mais ninguém, a não ser ele mesmo? 2) Repressão a uma manifestação estudantil porque foi feita sem autorização, ora, o que é isso? Reprimir manifestação por falta de autorização aqui no Brasil é coisa da antiga ditadura militar (1964-1985), ou talvez, de alguns governos do PSDB. 3) Atos de grupos paramilitares contra a oposição impunes. 4) As penitenciárias da Venezuela são as piores da América Latina. Pensando nas do Brasil, dá para imaginar o pavor que sejam estas penitenciárias venezuelanas. O presidente Chávez está no poder há 10 anos. Neste período nada pôde ser feito para melhorar as condições das prisões por lá?

Vamos ver o desenrolar dos acontecimentos.

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As duas escolhas de Obama

As duas escolhas de Obama

AKIVA ELDAR
DO "HAARETZ"

Em março de 1948, quando o então secretário de Estado americano George Marshall informou o presidente Harry Truman de que não pretendia votar nele devido a seu apoio à criação do Estado de Israel, Marshall argumentou que a decisão contrariava os interesses dos EUA e acusou Truman de apoiar a criação de Israel por motivos eleitorais, ou seja, as doações e os votos dos eleitores judeus americanos.
Marshall foi um pouco injusto. O Holocausto dos judeus da Europa também influenciou o apoio de Truman ao estabelecimento de um Estado judaico.
Na época, a perspectiva de um presidente negro na Casa Branca parecia ficção científica.
Barack Obama recebeu os votos e doações de campanha de cerca de 80% dos judeus dos EUA, ainda que seu rival, John McCain, tenha declarado apoio mais claro a Israel. Os israelenses eram o único povo do mundo cuja esperança era a de uma vitória republicana. O novo presidente pode, assim, se permitir uma reavaliação do "relacionamento especial" entre EUA e Israel, especialmente no que tange aos valores compartilhados pelos dois países e à contribuição israelense aos interesses americanos.
Que valores compartilhados o liberal [progressista] negro americano terá observado nos últimos dias ao assistir às notícias que mostravam locais bombardeados por Israel na região mais densamente povoada do planeta? Será possível esperar que a memória dos horrores do Holocausto influencie o relacionamento de Obama com Israel? Na semana passada, um membro judaico do Parlamento britânico afirmou que sua avó não havia sido assassinada pelos nazistas a fim de dar um pretexto para que soldados israelenses assassinem avós palestinas em Gaza.
O porta-voz do consulado israelense em Nova York se vangloriou das massas que compareceram a uma demonstração de solidariedade às crianças de Sderot. Ele não mencionou as massas de judeus que não sabem onde esconder sua vergonha diante das imagens de palestinos chorando amargamente a morte de suas famílias.
Os porta-vozes de Israel tentam lidar com essa questão de valores com o seguinte argumento: "Os EUA teriam se contido em sua reação diante de disparos de foguetes vindos do México e que tomem por alvo suas crianças em seu território soberano?" É difícil acreditar que uma comparação como essa impressione Obama, um homem inteligente e informado.
O México não está sob bloqueio aéreo e naval dos EUA e tampouco é considerado um território ocupado sob as leis internacionais. O Exército dos EUA e colonos americanos não controlam partes do território mexicano há 41 anos (e os EUA estavam entre os fiadores dos Acordos de Oslo, que dispunham que a faixa de Gaza e a Cisjordânia são uma entidade política una).
Quanto à contribuição de Israel aos interesses dos EUA, o segundo componente do "relacionamento especial", ela está em dúvida já há anos. A cada vez que judeus matam árabes nos territórios ocupados, bandeiras americanas são queimadas no Egito e na Jordânia. Em suas duas guerras contra o Iraque, os EUA conseguiram (ou não conseguiram) se virar sem a ajuda de Israel e chegaram a agradecer ao governo israelense por se manter afastado. E o temor do lobby pró-Israel ocasionalmente compele o governo e o Congresso a subordinarem a política americana à israelense, o que viola os interesses dos EUA. Não existe melhor exemplo disso do que a hesitação dos dois últimos governos americanos em criticar a expansão continuada das colônias, que contraria os acordos de Oslo, o plano de paz proposto pelos próprios israelenses e a declaração de Annapolis.
Obama tem duas escolhas. A primeira é permitir que Israel sangre e mate até se tornar um país que vive em apartheid, sob o ostracismo do mundo, limitando-se a observar enquanto Israel coloca em risco a paz do Oriente Médio e solapa os interesses americanos, como previu Marshall. A segunda é manter o apoio a Israel em seu esforço pela paz e preservar seus aspectos judaicos e morais, a caminho da aceitação regional oferecida por 22 países árabes até o momento. Ou, em outras palavras, concluir o trabalho que Truman iniciou.


AKIVA ELDAR é jornalista israelense, autor de "Lords of the Land: The War Over Israel? Settlements in the Occupied Territories, 1967-2007" (Senhores da terra: a guerra sobre Israel? Assentamentos nos territórios ocupados, 1967-2007)

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Quanto a este texto, foi publicado na Folha de São Paulo, de 21 de janeiro de 2009.

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Israel contra a população de Gaza

População de Gaza questiona ataques contra alvos civis

DO "NEW YORK TIMES"

Os moradores de Gaza estão atordoados com uma pergunta: por que Israel bombardeou e atacou instituições civis?
Em rodas de almoço e mesas de café, as pessoas enumeram os alvos: o Ministério da Justiça, o Parlamento, a delegacia central de polícia, o quartel do corpo de bombeiros, a Universidade Islâmica de Gaza.
Israel argumenta que essas instituições levantam fundos e fornecem funcionários ao Hamas, que considera uma organização terrorista, e por isso se tornam alvos legítimos.
Mas prevalece em Gaza a impressão de que os ataques, que deixaram enormes crateras nas ruas e montanhas de escombros, visava a sociedade.
"A guerra não foi contra o Hamas. Foi contra mim, minha loja e cidade", diz o comerciante Rahmi el Kheldi. "O objetivo era semear o caos para desorganizar a sociedade", afirma.
Muhammed Baroud, estudante de medicina na universidade, encara o bombardeio do laboratório de ciência como um ataque contra seu futuro. A faculdade é uma das mais conceituadas do Oriente Médio e seus diplomas são reconhecidos em Israel.
A questão da legitimidade dos alvos é complexa.
Com base em relatórios de inteligência, Israel diz que os laboratórios eram usados como centro de desenvolvimento dos mísseis artesanais Qassam disparados pelo Hamas e que muitos funcionários da universidade estavam envolvidos.
Pessoas ouvidas na universidade negam as acusações e dizem que a instituição é um condensado da sociedade de Gaza, com gente contrária e favorável ao Hamas. Fahkr Abu Awad, professor de química, ressalta que apoiar o Hamas não significa participar de suas atividades militares.
A discussão remete à própria natureza do grupo islâmico. Moradores podem manter vários tipos de relação com o Hamas, da simpatia à vontade de carregar cinturão-bomba.
Mas algumas profissões civis acabam ficando numa espécie de zona cinzenta. Israel considera os policiais de Gaza, agentes uniformizados de um Estado comandado pelo Hamas, como alvo legítimo.
Discorda Abu Aymad, veterano policial de 52 anos que trabalha em Gaza desde 1994, muito antes de o Hamas assumir o território.
"Somos uma instituição civil que serve ao povo, não aos partidos", diz o agente, apontando para o cigarro na boca como prova de que não é radical.
Kheldi, o comerciante, vê por trás da ofensiva a vontade de atacar a identidade palestina e afirma que, em vez de enfraquecer o Hamas, tornará a população mais defensiva.
"Hoje quando vejo um foguete sendo disparado de Gaza, torço para que atinja um ônibus. Não porque eu queira ver crianças mortas, mas porque os israelenses mataram tantas por aqui."

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 21 de janeiro de 2009.

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