Chocar sem morbidez (as crianças mortas em Gaza)
Quando é preciso chocar sem morbidez
DESDE O CASO da morte de Isabella Nardoni, em abril, o ombudsman não recebia tantas mensagens sobre um mesmo assunto numa semana, como nesta, de Ano-Novo, sobre o conflito entre Israel e palestinos.
Como é natural, com grande carga de emoção em todas e clara divisão entre as que veem no jornal proteção para um ou outro lado.
Dois leitores se queixaram de fotos de crianças mortas. Zuleika Haddad perguntou: "Por que a Folha precisa estampar foto de uma menina de 4 anos em seu funeral?". Geraldo Pietragalla Filho argumentou que as fotos "em nada contribuem para a compreensão dessa guerra insana; são manifestações mórbidas".
A morbidez deve ser evitada a todo custo, e o jornal precisa tomar muito cuidado com isso. Não acho que tenha esbarrado nela por enquanto.
Imagens fotográficas chocantes podem servir a propósitos humanitários e ajudar a manter vivos na memória coletiva horrores inomináveis e, com isso, dificultar a ocorrência de similares.
Como as dos prisioneiros dos campos de concentração de Auschwitz e Dachau, das deformidades provocadas em crianças pela poluição na baía de Minamata, das torturas impostas a prisioneiros iraquianos por soldados dos EUA em Abu Ghraib, dos efeitos de bombas de napalm sobre civis sul-vietnamitas, como a garota Kim Phuc, na foto acima, feita por Nick Ut, em 1972.
Não é agradável ver essas cenas. Mas às vezes é indispensável.
Quanto à cobertura em palavras do que vem ocorrendo em Gaza, a Folha começou muito mal. No sábado, enquanto os primeiros ataques aéreos ocorriam e prenunciavam o que viria, o jornal circulava com a avaliação de que a expectativa era a de que as tensões arrefecessem depois de Israel ter permitido a chegada de medicamentos e alimentos a Gaza.
Foi o contrário que ocorreu. Nunca é bom para um jornal antecipar algo e ocorrer o oposto. Mas faz parte dos riscos desta atividade.
O importante é que a Folha entendeu logo a importância dos fatos e melhorou muito ao longo da semana no seu acompanhamento. Na segunda, já estava na fronteira de Israel com Gaza seu enviado especial, que tem oferecido ao leitor o que só um jornalista do próprio veículo consegue fazer: mostrar os acontecimentos da perspectiva de real interesse do público específico.
A preocupação com o equilíbrio tem sido ostensiva. Sempre saem artigos em defesa dos dois lados em espaço comparável, descrevem-se as condições de vida dos habitantes das duas áreas (apesar da proibição à entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza), o texto de Adrian Hamilton, do "Independent", na sexta, sobre as causas do conflito, é exemplarmente isento.
Ainda falta muito a fazer, inclusive analisar com mais profundidade as posições do governo brasileiro e suas pretensões. Não será possível agradar a todos os leitores. Mas o caminho que o jornal vem seguindo é o certo.
Texto do Ombudsman da Folha de São Paulo, Carlos Eduardo Lins e Silva, em sua coluna de 4 de janeiro de 2009.
DESDE O CASO da morte de Isabella Nardoni, em abril, o ombudsman não recebia tantas mensagens sobre um mesmo assunto numa semana, como nesta, de Ano-Novo, sobre o conflito entre Israel e palestinos.
Como é natural, com grande carga de emoção em todas e clara divisão entre as que veem no jornal proteção para um ou outro lado.
Dois leitores se queixaram de fotos de crianças mortas. Zuleika Haddad perguntou: "Por que a Folha precisa estampar foto de uma menina de 4 anos em seu funeral?". Geraldo Pietragalla Filho argumentou que as fotos "em nada contribuem para a compreensão dessa guerra insana; são manifestações mórbidas".
A morbidez deve ser evitada a todo custo, e o jornal precisa tomar muito cuidado com isso. Não acho que tenha esbarrado nela por enquanto.
Imagens fotográficas chocantes podem servir a propósitos humanitários e ajudar a manter vivos na memória coletiva horrores inomináveis e, com isso, dificultar a ocorrência de similares.
Como as dos prisioneiros dos campos de concentração de Auschwitz e Dachau, das deformidades provocadas em crianças pela poluição na baía de Minamata, das torturas impostas a prisioneiros iraquianos por soldados dos EUA em Abu Ghraib, dos efeitos de bombas de napalm sobre civis sul-vietnamitas, como a garota Kim Phuc, na foto acima, feita por Nick Ut, em 1972.
Não é agradável ver essas cenas. Mas às vezes é indispensável.
Quanto à cobertura em palavras do que vem ocorrendo em Gaza, a Folha começou muito mal. No sábado, enquanto os primeiros ataques aéreos ocorriam e prenunciavam o que viria, o jornal circulava com a avaliação de que a expectativa era a de que as tensões arrefecessem depois de Israel ter permitido a chegada de medicamentos e alimentos a Gaza.
Foi o contrário que ocorreu. Nunca é bom para um jornal antecipar algo e ocorrer o oposto. Mas faz parte dos riscos desta atividade.
O importante é que a Folha entendeu logo a importância dos fatos e melhorou muito ao longo da semana no seu acompanhamento. Na segunda, já estava na fronteira de Israel com Gaza seu enviado especial, que tem oferecido ao leitor o que só um jornalista do próprio veículo consegue fazer: mostrar os acontecimentos da perspectiva de real interesse do público específico.
A preocupação com o equilíbrio tem sido ostensiva. Sempre saem artigos em defesa dos dois lados em espaço comparável, descrevem-se as condições de vida dos habitantes das duas áreas (apesar da proibição à entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza), o texto de Adrian Hamilton, do "Independent", na sexta, sobre as causas do conflito, é exemplarmente isento.
Ainda falta muito a fazer, inclusive analisar com mais profundidade as posições do governo brasileiro e suas pretensões. Não será possível agradar a todos os leitores. Mas o caminho que o jornal vem seguindo é o certo.
Texto do Ombudsman da Folha de São Paulo, Carlos Eduardo Lins e Silva, em sua coluna de 4 de janeiro de 2009.
Marcadores: Carlos Eduardo Lins e Silva, Folha de São Paulo, Israel, massacre em Gaza, ombudsman, Palestina
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home