quinta-feira, janeiro 29, 2009

O impacto dos bombardeios israelenses sobre as crianças da Faixa de Gaza

Nas escolas, crianças falam em medo e rancor

DO ENVIADO A GAZA

No desenho a lápis de Dina Sharif, 9, duas crianças brincam sorridentes. No céu, o sol observa três aviões soltarem bombas sobre os pequenininhos. A cena não foi inventada. "Eu vi." Os cinco meninos jogavam futebol, a cem metros de onde estava. Depois do estrondo, ela correu para casa, assustada, até abraçar a mãe e contar o que tinha visto. Os meninos morreram? "Hum", responde, com um murmúrio. Dina os conhecia de vista, mas não lembra os nomes. Só sabe que estavam no jardim de infância e que jogavam bola quando morreram.
Na volta às aulas após o fim da ofensiva militar de Israel na faixa de Gaza, nesta semana, a psicóloga Monari Lubad, da escola da UNRWA (agência humanitária da ONU para os refugiados palestinos) em Beit Lahyia, pediu às alunas que desenhassem o que quisessem.
Das dezenas de trabalhos da turma, todos retratam a guerra. São foguetes entrando em casas e tocando pessoas, feridos em macas, com aviões sobre suas cabeças, ambulâncias, e um jato que despeja bombas sobre três meninas pulando corda. As escolas têm usado os primeiros dias para dar apoio psicológico aos alunos.
Para Dina, os ataques ocorreram porque o Hamas lançou foguetes contra Israel e "porque os judeus não gostam dos palestinos nem das crianças palestinas". Ela se pergunta, porém, por que militares mataram crianças e civis e atiraram em ambulâncias. Quer ser médica e tratar dos "mártires".
A colega Iara Zen, 9, veste um uniforme marrom, semelhante a uma farda militar, com a bandeira palestina, e um lenço branco no pescoço. "Quero defender meu país quando crescer. Defendemos nossa terra natal com a educação", diz Iara.
Dos 1.200 alunos da escola da UNRWA em Beit Lahyia, uma das três bombardeadas, duas meninas, de 7 e 10 anos, morreram. Duas crianças perderam um dos pais, nove tiveram o pai gravemente ferido, e duas, a mãe; as mães de 18 se feriram; sete perderam irmãos. Quase 20% (230) tiveram a casa danificada, e a moradia de 35 foi completamente destruída.

Alvo
Abrigo de desalojados pelos 22 dias de ofensiva israelense, a escola foi atingida duas vezes. Quatro pessoas de uma família morreram num ataque. No outro, os funcionários dizem que uma sala foi incendiada por fósforo branco -composto cujo uso em áreas civis é vedado pela legislação internacional, as quais Israel afirma ter seguido.
O impacto da guerra causa medo constante, angústia, pesadelos, dificuldade de concentração e de aprendizagem, depressão ou agressividade. As crianças querem ficar perto da mãe, e muitas passam a fazer xixi na cama. "Elas sofrem muito. É difícil entender neste momento, no futuro vão sofrer mais", diz a psicóloga Monari.
No pátio do colégio da UNRWA em Jabalyia, os meninos em fila para ir embora levam cinco coroas de flores representando os colegas que morreram "como mártires". Na vizinhança, foram 45. Para Mahmoud Afana, 14, que perdeu uma tia e um primo nos ataques, Israel é "um país terrorista". Já o grupo extremista Hamas, diz, defende os palestinos e resiste, "porque estão ocupando nossa terra".
Na casa dos avós, Maysa Abu Jabal, 14, fazia desenhos. Vários foram coloridos de vermelho, representando o sangue dos palestinos, diz. Para ela, Israel atacou porque queria destruir o Hamas e sua liderança.
"Queriam alvejar o Hamas, mas acho que também queriam deixar todos com medo, para não lutar de novo. Um dia, Alá vai se vingar pelo que fizeram com nosso povo. O Corão diz que Alá destrói todas as pessoas que mataram profetas. Não sei se será com uma tempestade forte, se o mar vai cobrir Israel, mas acredito que Alá vá se vingar", disse ela, que estuda na escola Mustafa Hafaz, mantida pelo governo de Gaza, hoje nas mãos do grupo islâmico. (RG)

Texto da Folha de São Paulo, de 28 de janeiro de 2009.

Marcadores: , , , ,