domingo, janeiro 25, 2009

Mais cabeças, mais direitos

Mais cabeças, mais direitos

O "IMBRÓGLIO" ítalo-brasileiro criado com o status de refugiado concedido a Cesare Battisti, pelo ministro Tarso Genro, tem ingredientes para todos os gostos -ideológico, jurídico, diplomático, político e, provavelmente o mais grave para os dois países, talvez o futebolístico, em vista de um amistoso das suas seleções. Muito aquém desses ingredientes todos, minha ótica exausta e enviesada se volta para um outro e lhe atribui importância maior, por dizer respeito à nossa sinuosa maneira de ser democracia.
Para quem não acompanha o caso, o italiano Cesare Battisti é condenado à prisão perpétua em seu país, sob acusação de autoria e coautoria em quatro assassinatos. Os fatos são de fins da década de 70, fase de violências políticas na Itália, e são atribuídos a ações da organização Proletários Armados pelo Comunismo, da qual, na época e até não faz muito, não tive notícia alguma. Depois de anos na França, onde se fez escritor, Battisti veio viver em meia clandestinidade no Brasil e requereu a condição de refugiado, equivalente à plena legalidade. Obteve-a do ministro Tarso Genro, da Justiça.
A primeira observação indispensável, vistas as reações na Itália e as críticas intensas ao ministro, é a de que Tarso Genro não contrariou orientação presidencial nem excedeu o seu poder legal. Aí mesmo, porém, está o ingrediente indigesto para a democracia.
Na selva burocrática há um tal Conare, o Comitê Nacional para Refugiados, que opinou por 3 a 2 contra a concessão do refúgio. A Procuradoria Geral da República deu parecer recomendando a recusa ao pedido de refúgio. A concessão, pelo ministro, contrariou e sobrepôs-se aos dois órgãos, sem por isso violentar o permitido. Se é correta em seu sentido ou não é outro assunto.
Há algo de errado, portanto, com a existência, ou com a formação, ou com o alcance das responsabilidades conferidas ao Conare. Para que a representação plural, os trabalhos de apoio, o parecer, se um ministro pode definir a decisão do problema por sua própria cabeça, só ela? Tanto faz se para proclamar "estão certos", os pareceres do Conare e da Procuradoria, ou "estão errados".
Os problemas relativos a refugiados são sempre sérios demais, jogam com destinos humanos e não raro com vida ou morte, para dependerem da opinião - precária como é da natureza das opiniões - de uma só pessoa. Há, nesse absurdo de poder, uma falência do respeito ao humano e da proteção democrática às formas de julgamento mais seguro, ou, melhor, menos inseguros.
O cargo de ministro da Justiça, ocupado com critério em um dia, pode não o ser em outro. Por muitos motivos, inclusive o de sempre envolver aspectos jurídicos, o refúgio e o asilo deveriam ser decididos em cortes do Judiciário. Não porque seus integrantes sejam todos isentos ante todos os aspectos que envolvem muitos refugiados, políticos ou não. Mas o debate público e a votação nos tribunais ficam mais próximos da democracia, quando se trata de destinos humanos.

Parte da coluna de Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, de 22 de janeiro de 2009.


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