sábado, novembro 29, 2008

Entenda os protestos e a crise política na Tailândia

A situação política na Tailândia agravou-se nesta semana com a ocupação do aeroporto internacional de Bangcoc e com a declaração do comandante do Exército do país sugerindo novas eleições.

Há semanas, manifestantes leais ao rei pedem a renúncia do primeiro-ministro Somchai Wongsawat, cunhado do ex-premiê Thaksin Shinawatra que foi deposto em um golpe militar em 2006.

Os protestos expõem a divisão da sociedade tailandesa entre duas forças políticas: o PAD (Aliança do Povo pela Democracia) e o PPP (Partido do Poder Popular).

A BBC preparou uma série de perguntas e respostas que explica os principais pontos da crise:

Quem são os manifestantes?

As pessoas que protestam em Bangcoc são membros da Aliança do Povo pela Democracia (PAD, na sigla em inglês), um grupo formado por homens de negócio, pessoas leais ao rei e representantes da classe média urbana.

Eles pedem a renúncia do governo do primeiro-ministro Somchai Wongsawat por acharem que ele é muito próximo do ex-premiê Thaksin Shinawatra, acusado de corrupção e abuso de poder.

Em 2006, o mesmo grupo liderou os protestos em Bongcoc que precederam o golpe militar que acabou por derrubar Thaksin.

Em agosto, o ex-premiê Samak Sundaravej – que também era próximo de Thaksin – foi obrigado por um tribunal a renunciar, em um episódio aparentemente sem nenhuma relação com os protestos.

Somchai Wongsawat, que é cunhado de Thaksin, foi então eleito.

Por que Thaksin ainda é tão importante?

O empresário bilionário continua banido da política da Tailândia e atualmente encontra-se exilado na Grã-Bretanha. Ele fugiu da Tailândia no início de agosto para evitar processos de corrupção.

Apesar do fato de que ele não se encontra mais no país, o PAD insiste em que ele continua exercendo o poder por trás do Partido do Poder Popular (PPP), que surgiu das ruínas do banido partido Thai Rak Thai para vencer as últimas eleições gerais em dezembro.

O PAD argumenta que o PPP não é nada mais que um partido testa-de-ferro para as ambições políticas de Thaksin. Muitos acreditam que ele financia o partido.

Os oposicionistas classificam o premiê Somchai Wongsawat como um fantoche de Thaksin, assim como já faziam com Samak Sundaravej.

Além disso, o PAD busca legalização do papel do Exército como moderador político do país e a eleição indireta de membros do Parlamento, argumentando que a população rural não tem instrução suficiente para votar.

Por que o PAD critica tanto Thaksin?

Os primeiros-ministros tailandeses nunca duraram muito tempo no cargo ou tiveram muito poder. Mas Thaksin começou a mudar esta face da política nacional.

Suas políticas populistas atraíram enorme apoio nas áreas rurais. Ele foi o primeiro premiê a completar o mandato. Seus aliados dominaram o Parlamento.

A Tailândia teve nele um novo e heterodoxo líder, e a elite se sentiu ameaçada com a grande base de apoio de Thaksin. Ele foi acusado de corrupção e nepotismo.

Alguns de seus detratores também acusaram Thaksin de ter tendências republicanas e de disputar a preferência da nação com o rei tailandês Bhumibol, de 80 anos, o que o ex-premiê rejeita.

Quem está por trás do PAD?

A sociedade tailandesa é profundamente dividida. A população rural ainda apóia fortemente Thaksin e o PPP venceu com folga as eleições do ano passado. Muitos dos que votaram no PPP o fizeram por querer o retorno de Thaksin e suas políticas.

Thaksin, no entanto, continua muito impopular entre a elite urbana da Tailândia.

Os últimos protestos, no entanto, não estão nem próximos da magnitude daqueles que precederam o golpe de setembro de 2006.

Muitos dos habitantes de Bangcoc, mesmo não apoiando a coalizão governamental, também estão cansados dos meses de instabilidade política.

Com o aumento dos preços de alimentos e combustíveis, a maioria dos tailandeses quer um governo estável.

O que deve acontecer agora?

O PAD quer alterar o sistema eleitoral da Tailândia, abandonando o sistema de um voto por pessoa e adotando uma representação por classes sociais.

O governo disse estar disposto a negociar com o PAD, mas está promovendo uma série de reformas constitucionais que desagradam a oposição. As medidas, segundo os opositores, favoreceriam a volta de Thaksin.

Há poucas perspectivas de haver uma mudança no equilíbrio de poder entre o PPP, que tem grande apoio popular, e o PAD, que é dominado pela elite do país.

Texto da BBC Brasil.


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Dia Internacional de Eliminação da Violência contra a Mulher



Mulheres fazem vigília durante o "Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres", em Assunção, no Paraguai. A imagem faz parte do álbum de fotos do UOL, do dia 25 de novembro.

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Zimbábue à beira do colapso

Zimbábue está à beira do colapso, alerta África do Sul

DA REDAÇÃO

O ex-presidente dos EUA Jimmy Carter e o ex-secretário geral da ONU Kofi Annan pediram ontem uma intervenção da Comunidade Sul-Africana de Desenvolvimento (SADC) no Zimbábue.
Integrantes do "grupo de anciões" idealizado por Nelson Mandela para mediar a tentativa de formação de um governo de coalizão entre o ditador Robert Mugabe e o líder opositor Morgan Tsvangirai, eles tiveram visto para entrar no país negado no fim da semana passada.
O veto, em meio a uma epidemia de cólera no Zimbábue, causou reação da vizinha África do Sul, até agora principal obstáculo à ação internacional contra Mugabe.
"A situação ultrapassou o limite do esperar para ver", disse Jacob Zuma, favorito nas eleições presidenciais de 2009. Para o presidente Kgalema Motlanthe, o Zimbábue está à beira do colapso.

Texto da Folha de São Paulo, de 25 de novembro de 2008.


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Dia dos morenos

SÃO PAULO - Mãe, você sabia que quinta-feira não vai ter aula?
- É, filha, eu sei...
A garota, de apenas cinco anos, se apressa na explicação:
- É porque quinta-feira é feriado. É o Dia dos Morenos...
O diálogo que intrigou a mãe ocorreu na semana passada. Ao chamar o Dia da Consciência Negra assim, a criança, na inocência do seu eufemismo involuntário, que provavelmente ouviu de alguém (inocente?), toca o nervo da questão racial no Brasil.
Transformar a morte de Zumbi dos Palmares numa data "morena" é um sintoma do nosso racismo cordial, sem dúvida, mas também é uma forma de exaltar a mistura étnica da nossa formação, o caldeirão biológico e cultural em que borbulha nossa civilização mestiça.
Entre nós a escravidão não foi um impedimento à miscigenação -e quem tirou as conseqüências (não apenas) positivas disso foi Gilberto Freyre. Mas tampouco a miscigenação impediu que a herança brutal da escravidão sobrevivesse à Abolição, impondo-se ainda hoje, depois de 120 anos, como fardo e vergonha nacional.
Que ninguém de boa-fé subestime a exclusão dos negros no Brasil de hoje. A pesquisa publicada pela Folha oferece um retrato abundante das nossas iniqüidades. Entre os 10% mais pobres do país, 68% são pretos e pardos. Não choca?
Uma inflamada discussão sobre cotas ganha corpo no país. O tema é complexo. Penso que políticas de inclusão com critérios de renda seriam socialmente mais eficazes e menos traumáticas que as cotas raciais, vistas pela maioria como "necessárias", mas "humilhantes".
O governo parece conduzir a questão com exagero populista e excessos facilitários. Quantos alunos da rede pública estão no ensino médio e não sabem escrever? O "pobrema" é mais embaixo.
Mas o que realmente chama a atenção nesse debate é a fúria de certos militantes anti-cotas para negros. Esbravejam como se um mundo -repleto de morenices e privilégios- fosse se extinguir.

Texto de Fernando de Barros e Silva, na Folha de São Paulo, de 24 de novembro de 2008.


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Cotas

COTAS


No dia da Consciência Negra, as bancadas do governo e da oposição na Câmara dos Deputados aprovaram o projeto de lei que estabelece cotas sociais e raciais (pode me chamar de cromáticas) para o preenchimento de vagas nas universidades públicas federais. O projeto foi mandado ao Senado.
Tramita no STF o julgamento da inconstitucionalidade das cotas do ProUni, argüida pelos donos de universidades privadas e pelo DEM. A iniciativa do governo já teve o voto favorável do relator, ministro Carlos Ayres Britto.
Nada melhor do que o encaminhamento dessa questão na rotina das instituições republicanas. Quando a Casa Grande falava sozinha e a Senzala não votava, o Brasil tornou-se o último país livre das Américas a abolir a escravatura.
As políticas de ação afirmativa foram condenadas porque acordariam o gênio do racismo. Não acordaram. (Nada de novo. No século 19 o barão de Cotegipe avisava: "Brincam com fogo, os tais negrófilos".) As cotas criariam constrangimentos, levando alunos negros mal preparados para os cursos universitários. Não criaram. (Parolagem antiga. Em 1885, combatendo a libertação dos sexagenários, o deputado Olimpio Campos advertiu: "Não é humanitário, não é civilizador libertar escravos velhos".)
Entre 2001 e 2008, 52 mil vagas foram oferecidas em 48 escolas que adotaram políticas de ações afirmativas em benefício de alunos da rede pública, negros e índios. Passaram-se sete anos e até hoje não apareceu um só episódio ou estudo relevante capaz de desqualificar essas políticas.

Este texto é parte da coluna de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 23 de novembro de 2008.

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México: Outro alto oficial preso por envolvimento com tráfico de drogas

Outro oficial é preso por tráfico no México

Mario Velarde é da cúpula de unidade antidrogas da polícia federal e ex-assessor da Secretaria de Segurança

DA REUTERS

Um dos chefes da unidade antidrogas da polícia federal do México e ex-assessor da Secretaria de Segurança foi preso anteontem por suposto envolvimento com o narcotráfico, disseram fontes que pediram anonimato. Mario Velarde é o segundo oficial de polícia de alto escalão a ser detido nesta semana, em outra ação desatada pela "Operação Limpeza".
Segundo a imprensa mexicana, Velarde já é o quinto auxiliar do secretário de Segurança, Genaro Garcia Luna, a ser investigado pela PGR (Procuradoria Geral da República), que leva a cabo a "Operação Limpeza". Ele foi identificado por foto por uma testemunha protegida pela DEA (agência americana de combate às drogas).
Assim como Ricardo Gutiérrez, chefe de operações da Interpol no México, detido no domingo, Velarde foi preso preventivamente, de acordo com a fonte. As acusações contra ele não foram especificadas, mas as investigações realizadas pela PGR na "Operação Limpeza" focam o vazamento de informações confidenciais por funcionários públicos ao tráfico.
A ofensiva da PGR integra os esforços do governo Felipe Calderón de combater os cartéis de narcotraficantes que disputam as rotas da droga para os EUA. A espiral de violência gerada a partir das ações de Calderón, que colocou 36 mil soldados no combate ao tráfico, causou, estima-se, entre 4.300 e 5.000 mortes apenas neste ano.

Texto da Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2008.


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Lula inaugura estátua em homenagem a João Cândido - Representantes da Marinha e do Ministério da Defesa não compareceram

Lula elogia marinheiro, e Marinha volta a criticar revolta liderada por ele

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Na antevéspera do aniversário de 98 anos da Revolta da Chibata, o presidente Lula participou ontem no Rio da inauguração de uma estátua do líder da rebelião, o marinheiro de primeira classe João Cândido Felisberto (1880-1969).
A Marinha se ausentou do ato e, em resposta a perguntas da Folha, voltou a criticar o marinheiro que Lula, o comandante das Forças Armadas, qualificou como "herói". "Precisamos aprender a transformar os nossos mortos em heróis", discursou o presidente na praça 15, no centro, onde foi instalada a obra do artista Walter Brito.
Duas horas antes, o Centro de Comunicação Social da Marinha afirmou não reconhecer "heroísmo nas ações daquele movimento. Entretanto, nada tem a opor à colocação da estátua, desde que haja o cuidado de evitar inserções ofensivas à Força e às vítimas dos amotinados". O Ministério da Defesa não enviou representante.
Em julho, Lula sancionou a anistia póstuma a João Cândido. O evento de ontem integrou os festejos do Dia da Consciência Negra -o homenageado era negro. O presidente disse que quer transformar o 20 de novembro em feriado nacional.
Em 22 de novembro de 1910, sob a liderança de João Cândido, ao menos 2.000 marinheiros se sublevaram contra os castigos físicos. A gota d'água foi o anúncio da punição de 250 chibatadas contra um deles. A revolta durou quatro dias. Morreram quatro oficiais a bordo e duas crianças em terra -a cidade foi bombardeada.
A Marinha disse ontem que se tratou de "um triste episódio da história do país".
Meses depois, João Cândido foi preso com 17 companheiros -16 foram assassinados. Expulso da Armada, sobreviveu na pobreza. Ontem foi chamado de "Almirante Negro". A estátua fica de frente para a baía de Guanabara, onde estavam os quatro navios de guerra que os rebelados tomaram.
Ao citar o "herói" João Cândido, Lula elogiou opositores da ditadura militar (1964-85) e disse que as novas gerações precisam conhecê-los. "[Carlos] Marighella não morreu por ser bandido", disse Lula sobre o guerrilheiro morto em 1969. "Morreu porque acreditava numa causa." Também exaltou o militante comunista Gregório Bezerra.

Texto da Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2008.


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Comissão de Anistia quer pesquisar ligações entre empresas e ditadura

Comissão de Anistia quer pesquisar ligações entre empresas e ditadura

ITALO NOGUEIRA
DA SUCURSAL DO RIO

A Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça, quer detalhar em pesquisa o apoio dado por empresas privadas à ditadura militar (1964-1985) no Brasil. O tema deve fazer parte de 18 estudos a serem elaborados a partir de 2009.
De acordo com o presidente da comissão, Paulo Abrão, estudiosos serão contratados para elaborar documentos sobre temas variados, entre eles "a participação da sociedade civil" na ditadura militar.
"Nós vamos contratar algumas pesquisas específicas sobre essa teia de perseguição que extrapolou e muito a ação do próprio Estado, como a Oban [Operação Bandeirantes]", disse Abrão, durante o Seminário Latino-Americano de Justiça de Transição, na sede do Arquivo Nacional, no Rio.
A Oban foi uma articulação governamental, criada em 1969 e financiada por empresários, para combater os oposicionistas políticos.
Abrão deu a declaração após ser questionado por um conferencista sobre se o Brasil pretende responsabilizar empresas privadas que deram apoio à ditadura no país.
"A comissão não tem competência efetiva de investigar esses fatos, mas no meio do projeto do Memorial [de Anistia Política] ela procurará desenvolver resultados a partir do acervo dos processos da Comissão de Anistia", respondeu Abrão.
Questionado pela Folha, Abrão disse que o recorte temático da pesquisa ficará sob responsabilidade dos pesquisadores, mas que "possivelmente" as ligações entre empresas e a ditadura seria um dos temas.
De acordo com Abrão, os relatos que ouviu de perseguidos políticos na comissão indicam que empresas participaram ativamente do regime militar.
"O que eu tenho conhecimento são relatos de que federações de indústria mantinham listas com nomes de trabalhadores considerados subversivos ou comunistas e que compartilhavam essas informações no sentido de não se permitir que eles fossem empregados após suas demissões de outras empresas."
A Folha apurou que já há alguns temas definidos. São eles: guerrilha do Araguaia, movimento estudantil, luta feminista, movimento operário e militares perseguidos. A comissão está tentando financiamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para o projeto do Memorial da Anistia Política.

Texto da Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2008.


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sexta-feira, novembro 28, 2008

Desespero

O DESESPERO AMERICANO

Do blog de Nouriel Roubini, ontem, diante do resgate do Citigroup e do novo pacote, de US$ 800 bilhões: "Medidas desesperadas por autoridades desesperadas em tempos desesperados: o Fed parte para políticas radicalmente heterodoxas com a economia em queda livre e o aprofundamento da estagdeflação".

Trecho da Coluna Toda Mídia, na Folha de São Paulo, de 27 de novembro de 2008.

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quinta-feira, novembro 27, 2008

Os piratas da Somália

Prefiro os piratas da Somália

SÃO PAULO - Deu no "Wall Street Journal", que não é exatamente um jornal antimercado ou nada que se pareça com isso: durante o período em que se gestou a crise que está pondo o mundo de joelhos, 15 executivos de grandes firmas financeiras e construtoras ganharam, cada um, mais de US$ 100 milhões (R$ 240 milhões, o suficiente para comprar, digamos, 34 jatinhos LearJet, versão mais luxuosa, para citar um exemplo que essa gente certamente entende).
Acrescenta o "Journal": "Quatro desses executivos, incluídos os presidentes de Lehman Brothers e Bear Stearns, estiveram no comando de companhias que foram à bancarrota ou viram cair 90% o valor das ações [dessas empresas]".
É bom lembrar que o derretimento da Bolsa de Valores nos Estados Unidos levou os detentores de ações a perderem montantes inacreditáveis. Para o "Journal", foram US$ 9 trilhões, para o editorial desta Folha de ontem, um pouco menos (US$ 7 trilhões) -em todo o caso, perdas que equivalem a sete, oito ou nove "brasis", dependendo do número que se aceitar como mais próximo da realidade.
O "Journal" fuçou as declarações financeiras de 120 companhias de capital aberto em setores como a banca, financiamento de hipotecas, empréstimos para estudantes, corretagem de bolsa e construção -ou seja, aqueles que estão no epicentro do terremoto.
A análise mostrou que "os principais executivos e os membros das diretorias dessas firmas embolsaram mais de US$ 21 bilhões durante os últimos cinco anos", os anos em que inflou a bolha que explodiu.
Depois ainda tem gente que se opõe a uma regulação e supervisão mais rígidas no setor financeiro, alegando que podem estrangular a criatividade.
Se se trata da criatividade apontada pelo "Journal", que estrangulem. Os piratas da Somália parecem gente fina perto deles.

Texto da Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2008.

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Mensalão Tucano?

Procuradoria acusa Valério de ter pago juiz para ajudar PSDB

Denúncia também acusa dois sócios do ex-publicitário e executivos do Banco Rural

O valerioduto tucano foi o embrião do que viria a ser o mensalão do PT; Valério já tinha sido denunciado por desvio de recursos em 2007


PAULO PEIXOTO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE

O Ministério Público Federal em Belo Horizonte denunciou novamente Marcos Valério Fernandes de Souza por causa do valerioduto tucano, esquema implantado em 1998 pelo empresário para beneficiar a candidatura de Eduardo Azeredo (hoje senador) ao governo de Minas Gerais pelo PSDB.
Dois sócios de Valério e 24 diretores ou ex-diretores do Banco Rural também foram denunciados pela Procuradoria.
O valerioduto tucano foi o embrião do que viria a ser o mensalão do PT, descoberto em 2005. Valério, Azeredo, o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia e mais 12 pessoas já foram denunciadas pela Procuradoria ao Supremo Tribunal Federal em novembro de 2007. Todas elas exerciam cargos públicos ou, no caso de Valério e de seus sócios, tinham contratos com o governo de Minas.
Na denúncia anterior, sobre a qual o STF ainda não se manifestou, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, alegou ter ocorrido desvio de pelo menos R$ 3,5 milhões de recursos públicos para a campanha de Azeredo. Os denunciados foram acusados de peculato e lavagem de dinheiro.
Na nova denúncia, resultado de novas investigações sobre o esquema de 1998 -sobretudo os crimes financeiros e de pessoas sem foro privilegiado-, Valério é acusado de lavagem de dinheiro e corrupção ativa por ter pago seu atual sócio Rogério Tolentino, então juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas, para votar numa corte da Justiça Eleitoral favoravelmente à coligação do PSDB.
Tolentino, que foi denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, está preso em São Paulo com Valério por suposto envolvimento com crimes fiscais. Conforme a denúncia, ele teria recebido R$ 302 mil para favorecer a coligação. O dinheiro era depositado diretamente na conta de Tolentino e na conta pessoal de sua mulher. Quem depositava era a SMPB, empresa de Valério.
"Além do dinheiro depositado nas contas, foi apurado que as decisões favoráveis aos candidatos eram sistematicamente proferidas logo após os depósitos serem feitos. Algumas vezes eram decisões isoladas, contra a vontade da maioria da corte", afirma a denúncia.
Valério e Cristiano Paz, um de seus sócios na extinta SMPB, foram denunciados também por prestar informação falsa ao Banco Central, que verificou movimentação financeira suspeita na conta da SMPB, em 1999. O negócio envolveria empréstimo de R$ 7 milhões tomado no Rural para a campanha de Azeredo.
Ao responder ao BC sobre essa movimentação na conta da SMPB, os sócios informaram se tratar de aumento de capital da agência, o que não foi confirmado pela Junta Comercial. Prestar informações falsas pode custar seis anos de reclusão.
Por esse tipo de envolvimento e por outros empréstimos que, de acordo com o texto da denúncia, teriam movimentado cerca de R$ 20 milhões, foram denunciados dirigentes e ex-dirigentes do Rural, totalizando 24 pessoas, entre os quais a presidente Kátia Rabelo e mais quatro atuais diretores.
A Procuradoria diz que o Rural foi peça-chave no valerioduto tucano. Fazia empréstimos sem as garantias previstas em lei e, depois, recursos sem identificação "eram empregados para quitar os empréstimos, em complicadas manobras que, não raro, combinavam mecanismos fraudulentos".
A Procuradoria alega ainda que o Rural, além de violar as normas do BC, impediu a identificação da origem e destino dos valores provenientes de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, o que configura lavagem de dinheiro.

Texto da Folha de São Paulo, de 20 de novembro de 2008.


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Acusação de compra de sentenças no STJ

Supremo torna pública ação contra ministro

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Após protesto de quatro ministros do Supremo Tribunal Federal, a Corte decidiu tornar público o julgamento sobre o recebimento da denúncia contra o ministro do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina e outros quatro acusados de participar de esquema de venda de sentença a favor de bicheiros e donos de bingos.
O julgamento, no entanto, foi interrompido e deverá continuar hoje pela manhã. Ontem, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, leu a denúncia e os advogados dos acusados apresentaram suas defesas.
Souza chegou a chamar de "teratológica" a liminar que liberou máquinas de caça-níquel no Rio.

Texto da Folha de São Paulo, de 20 de novembro de 2008.

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Defendendo George W.

Defendendo George W.

A UNANIMIDADE em torno da demonização de George W. Bush torna o exercício de defendê-lo irresistível, mesmo que equivocado.
Bush assumiu a Casa Branca no auge do poder americano e a entrega chamuscada depois dos dois "big bangs" deste século: os ataques de 11 de setembro de 2001 (nove meses depois de sua posse) e o colapso do sistema financeiro (quatro meses antes do fim do seu mandato).
Mas as duas explosões têm rastro em administrações passadas: o infame ataque da Al Qaeda começou a ser executado ainda no governo Clinton, e o sistema financeiro que agora jaz começou a formar-se na administração Reagan.
A deposição do Taleban no Afeganistão, aquele que baniu as mulheres das escolas e dos hospitais e executou opositores em praça pública, teve justo apoio global. Mesmo a invasão do Iraque para depor Saddam Hussein, que massacrava sem preconceito e aos milhares curdos, xiitas e quaisquer opositores, tinha lá seu apelo libertário.
Mas os erros grotescos dos pós-guerras anularam qualquer percepção de ganho.
Com aprovação de só 24% dos americanos, Bush diz, sem alternativa, que a história o julgará melhor. De fato, só agora, depois de milhares de mortos e tragédias inomináveis, pode-se ver a possibilidade (transformadora) de o Iraque tornar-se uma força democrática no coração do mundo árabe, um enorme feito. Bush ganha ainda elogios do insuspeito diário esquerdista londrino "The Guardian": "Os US$ 15 bilhões do plano presidencial americano de ajuda foram saudados como uma "revolução" que está transformando o sistema de saúde na África e o mais importante programa assistencial desde o final do colonialismo".
Para o Brasil, Bush trouxe ganhos com suas boas relações com o também desenvolto Lula. Seu governo (que só teve olhos para o Oriente Médio e a Ásia) deu espaço para Brasília exercer ainda mais sua liderança unificadora numa América do Sul que o petropopulismo chavista faz tudo para cindir.
Mas as razões para detestar Bush parecem mais fortes: seu unilateralismo agressivo em plena globalização, seu belicismo inconseqüente e sangrento, sua irresponsabilidade fiscal, sua lassidão com os mercados e as corporações, sua incitação ao conservadorismo religioso, seu antiintelectualismo... Cerca de 12 mil americanos assinaram uma petição em San Francisco para rebatizar o esgoto da cidade de "George W. Bush". O presidente tornou-se a Geni do planeta.
Alguém que é alvo de tanto ódio merece uma segunda avaliação.
Uma coisa alvissareira ao menos podemos atribuir a George W.: a eleição de Barack Obama. Sem a Guerra do Iraque e sua inépcia diante do colapso econômico, os Obamas não estariam fazendo as malas para a Casa Branca.

Texto de Sérgio Malbergier, na Folha de São Paulo, de 13 de novembro de 2008.


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Dinheiro sim, controle não

Dinheiro, sim; controles, não

SÃO PAULO - O velho sábio que habitava esta Folha ficava indignado com os freqüentes pedidos de "papai, mande dinheiro", como ele designava os apelos do empresariado para que o governo os socorresse nos momentos de dificuldade (e, a bem da verdade, até nos momentos de facilidade).
Não tivesse morrido, estaria estupefato ante a quantidade de "filhos" que pedem dinheiro a "papai-Estado". E mais ainda ante a facilidade com que o Estado abre os cofres, de que dão prova, apenas a mais recente, os governadores José Serra e Aécio Neves.
O pior é que os "filhos" (no caso, os bancos) não se arrependem nem um tiquinho da overdose de ativos tóxicos que ingeriram e os levaram ao coma (e ao apelo a "papai").
Ao contrário. Comunicado do Instituto de Finanças Internacionais, que reúne cerca de 350 dos maiores bancos do mundo, louva os pacotes oficiais de auxílio ao setor , mas afirma, em seguida, que tais pacotes "não devem dar margem a um papel mais amplo e permanente do setor público no sistema financeiro internacional".
Tampouco querem uma regulação que lhes impeça de beber demais, porque "ameaçaria as perspectivas de reativar o crescimento da produção e dos empregos, ao estender ineficiências nos mercados globais".
É uma desfaçatez fora do normal, porque deixa de lado que foi o excesso de desregulação -e não o excesso de regulação- que causou a presente "ineficiência" (quase colapso) dos mercados globais.
A propósito, meu cardiologista -na verdade o médico da família, o napolitano Giuseppe Dioguardi- perguntava se depois de tanta doação de dinheiro público os governos ainda teriam coragem de negar dinheiro para a saúde, como fazem sistematicamente.
Ah, Beppe, santa ingenuidade. Esse "filho", a saúde, não financia campanhas eleitorais.

Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo, de 13 de novembro de 2008.

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Mianmar condena dissidentes

MIANMAR CONDENA 23 DISSIDENTES A 65 ANOS

Mianmar (a antiga Birmânia) condenou ontem um grupo de 23 dissidentes a penas de 65 anos de prisão. Eles foram processados por "envolvimento em protestos" e "propaganda contra o governo" após participarem das manifestações pacíficas contra aumento de preços e por democracia em setembro de 2007. Os protestos, liderados por monges budistas, foram reprimidos pelos militares, que governam o país desde os anos 60. A ONU estima que ao menos 31 manifestantes foram mortos na ocasião.

Texto da Folha de São Paulo, de 12 de novembro de 2008.


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Um sacerdote africano do século 19

Um sacerdote africano do século 19

SÓ PODE ter sido trabalho de santo. Na semana em que Barack Obama elegeu-se presidente dos Estados Unidos, chegou às livrarias no Brasil "Domingos Sodré - Um Sacerdote Africano", do professor João José Reis autor do magistral trabalho sobre a revolta de 1835 dos escravos malês.
O livro conta a história da vida e da prisão de um sacerdote do candomblé que vivia em Salvador na segunda metade do século 19.
Vizinho de Castro Alves, foi acusado de feitiçaria e receptação de objetos roubados. Vestiu o uniforme de veterano da Guerra da Independência para ser levado à cadeia. Ficou cinco dias na cana e morreu em 1887, com uns 90 anos de idade.
Se a vida dos barões desfila em discursos, festas e panegíricos de um império de macaquice, a dos escravos sobrevive nos inquéritos policiais, nos arquivos eclesiásticos e, em alguns casos, nos inventários. Esse foi o mundo de Sodré desenterrado por Reis. A grandeza do trabalho está na reconstrução da vida e da cultura dos negros de Salvador. O professor teve paciência e sorte, pois apesar de tudo o sacerdote deixou mais rastro que Jim Robinson, o tataravô de Michelle Obama, que nem túmulo tem.
Domingos nasceu na Nigéria nos últimos anos do século 18 e chegou escravizado a Salvador no início do Oitocentos. Um viajante descreveu o movimento da cidade à época: "Tudo o que corre, grita, trabalha, tudo que transporta e carrega é negro".
Alforriado em 1836, Domingos viveu num sobrado da ladeira de Santa Tereza. Ao longo da vida comprou, vendeu e alforriou seis escravos. Lá foi preso, acusado de ser "o principal da ordem dos sortilégios e feitiços". Na sua casa foram confiscados objetos de culto, búzios e um exu. Entre as mágicas, sempre demonizadas pela imprensa, estavam receitas para "amansar patrão". (Um chocalho com ervas maceradas e um dente de onça, numa composição benigna, ou arsênico, na maligna.)
Além dos rituais, Domingos foi um operador da "juntas de alforria", uma caixa de poupança mantida pelos escravos. Eram fundos alimentados por contribuições semanais que complementavam a compra da liberdade.
Quando o negro sacava acima dos seus depósitos, ressarcia a junta com juros de 20% ao ano. Quitada a dívida, o alforriado podia continuar na junta, como investidor.
No Brasil do século 19 o preconceito e a violência da escravidão eram apenas uma parte da paisagem. Havia ainda restrições à propriedade e ao trabalho, bem como um sistema tributário concebido para escorchar os negros livres. Os sobrados onde viviam os libertos eram chamados de "quilombos".
A arqueologia de Reis socorre o Brasil do século 21, ensinando-o a olhar para o do 19. Felizmente, a história de hoje é conhecida em tempo real. A repórter Márcia Vieira revelou a existência de uma tese de doutorado da professora Andréia Clapp Salvador, da PUC-Rio, com uma comovente descrição das alegrias e vicissitudes dos alunos que entraram naquela universidade com o benefício de uma política de ação afirmativa. Alguns deles moravam longe e alugaram uma quitinete na vizinhança. Nela chegaram a pernoitar dez estudantes. Dividiam a comida do bandejão, as ofertas de emprego e os livros didáticos.
Tomara que a história dos negros da PUC não demore mais de um século para ser contada em livro.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 12 de novembro de 2008.


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Dois governos, duas atitudes

Dois governos, duas atitudes

SÃO PAULO - O presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, está dando uma aula de respeito ao público na preparação para participar da cúpula de Washington, no sábado, a propósito da crise financeira global.
Chamou para conversas tanto empresários de grande peso (Emílio Botín, o patriarca do Santander, entre eles) como os secretários-gerais das duas principais centrais sindicais espanholas. Não faltaram o presidente da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais e o das pequenas e médias empresas.
Posto de outra forma, não vai à reunião armado apenas de propostas elaboradas nos escaninhos do governo, ainda que sejam preparadas por burocratas da melhor qualidade. Zapatero até teria uma desculpa para não fazer consultas: sua presença em Washington só foi concedida na undécima hora, graças a uma gentileza do presidente francês Nicolas Sarkozy, que cedeu ao espanhol uma das duas cadeiras da França (como presidente de turno da União Européia e como membro do G8).
Já o governo brasileiro, supostamente mais próximo das centrais sindicais e das organizações sociais, preparou nos gabinetes o pacote que já apresentou ao G20 no fim de semana em São Paulo -e que, como é óbvio, não deve diferir muito do que o presidente Lula levará a Washington.
Dos demais governos tampouco há notícias de que tenham feito consultas. Parecem todos tratar as respostas à crise como uma coisa de especialistas, como se não afetasse toda a sociedade -em especial o emprego, tema em que antigamente as centrais sindicais teriam alguma coisa a dizer.
No Brasil, as centrais deixaram-se cair no colo do governo, que sabe que não precisa ouvi-las para continuar recebendo apoio incondicional. Merecem o desprezo. Azar do trabalhador.

Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo, de 12 de novembro de 2008.


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Holanda punirá "insultos" e "declarações ofensivas" vinculadas à religião

Holanda punirá "insultos" e "declarações ofensivas" vinculadas à religião

Jean-Pierre Stroobants
Correspondente em Bruxelas


As autoridades holandesas vão retirar do seu arsenal penal um artigo que sancionava a blasfêmia. Contudo, este será substituído por um dispositivo que condena a discriminação, os "insultos graves" e as declarações "inutilmente ofensivas" dirigidas a indivíduos, relativas "à sua raça, à sua orientação sexual e à sua religião". Em última instância, a reforma conduz a prever um provável aumento das restrições da liberdade de expressão, num país que já vivenciou diversos episódios tumultuados neste campo, no decorrer dos últimos anos.

Em 2004, o cineasta Theo Van Gogh foi assassinado em Amsterdã por um militante islâmico radical, por ter realizado o filme "Submission" (2004). Ele havia sido taxado de blasfemador pelo seu assassino. Ayaan Hirsi Ali, uma ex-deputada de origem somali, que foi co-roteirista do filme e que desde então vive exilada em Washington, havia sido alvo da mesma acusação. Em 2006, o caso das caricaturas dinamarquesas de Maomé teve uma repercussão particular na Holanda, onde os observadores temeram que ele desencadeasse outros atos de violência.

Censura

Há alguns meses, foi a difusão do filme anti-Islã "Fitna", do deputado populista Geert Wilders que focalizou as atenções. O governo havia mencionado então a idéia de proibir este panfleto. Na esteira deste caso, um caricaturista da imprensa havia sido preso, uma vez que alguns dos seus desenhos haviam sido considerados como "ofensivos" para com os muçulmanos. Era a primeira vez desde 1945 que uma medida de censura desta gravidade era tomada.

Movidas pela preocupação de apaziguar as relações entre os holandeses de origem e a importante comunidade muçulmana, as autoridades haviam acenado em diversas oportunidades com a idéia de restaurar na lei o delito de blasfêmia. Entretanto, o projeto havia se revelado politicamente complexo demais. Isso porque o governo de centro-esquerda, composto por um partido cristão majoritário - o CDA, liderado pelo primeiro-ministro Jan Peter Balkenende -, por protestantes rigoristas, e ainda pelo partido trabalhista PVDA, estava dividido.

Um complicado compromisso, elaborado por Ernst Hirsch Ballin, o ministro democrata-cristão da justiça, foi então negociado. Ele acabou resultando no abandono de um artigo de lei adotado em 1932, e que na origem se destinava supostamente a proteger os cristãos contra uma campanha anti-religiosa lançada pelos setores comunistas. Este dispositivo havia sido abandonado em 1968, em decorrência de um processo cujo alvo era um escritor que havia alardeado a sua atração sexual por um deus que ele comparava com um jumento.

Em contrapartida, Ernst Hirsch Ballin propôs ampliar daqui para frente o alcance da noção de discriminação, de maneira a proteger melhor as crenças religiosas. Simultaneamente, ele assegurou que os humoristas e os jornalistas não deveriam "estar com medo". "Com a exceção de Deus, ninguém tampouco poderá insultar daqui para frente Alá ou Karl Marx", ironiza um dirigente do partido ecologista GroenLinks. "Não há razão alguma que justifique que os crentes devam ser mais bem protegidos do que os não-crentes", considera, por sua vez, um porta-voz do Socialistische partij (partido da esquerda radical). A reforma tem sido igualmente uma causa de preocupação para numerosos juristas.

Texto do Le Monde, no UOL.

Ou seja, com esta lei, a liberdade de expressão será restringida nos Países Baixos. Eu sou crente, em tese parte privilegiada na lei, e não estou certo se ela torna a sociedade melhor ou pior, porque este tipo de restrição provavelmente também restringirá o debate de idéias.


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terça-feira, novembro 25, 2008

Chávez perde a capital e mais três Estados

O governo do presidente venezuelano Hugo Chávez perdeu o controle da prefeitura metropolitana de Caracas e do Estado (distrito federal) de Miranda nas eleições deste domingo.

Os venezuelanos elegeram um total de 23 governadores, 328 prefeitos, além de 233 legisladores regionais.

De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o governo venceu em 17 dos 22 Estados em disputa e continuará mantendo o controle da maioria dos governos estaduais.

Os resultados correspondem a 95,67% das urnas apuradas.

Houve empate técnico nos Estados de Carabobo, Táchira e no município Sucre, o mais populoso da região metropolitana de Caracas (que inclui cinco municípios), razão pela qual o CNE só anunciará os resultados depois da totalização de todos os votos.

"Hoje falou de novo o povo venezuelano, parabéns (...) o povo se expressou e olha com que contundência", afirmou Chávez ao admitir a vitória de seus adversários, logo depois do anúncio oficial do CNE na madrugada desta segunda-feira.

Chávez disse que a jornada eleitoral foi uma "grande vitória da democracia" em seu país. "Oxalá ninguém nunca mais caia na tentação de sair fora do marco da Constituição", afirmou Chávez em referência a seus adversários que apoiaram a tentativa de golpe de Estado de 2002 e que hoje saíram vitoriosos das urnas.

Em tom conciliador, Chávez pediu que seus adversários respeitem seu governo. "Aos prefeitos que se dedicaram a conspirar, a trazer paramilitares, aos novos governadores (...) eu como chefe de Estado reconheço esse triunfo e espero que vocês reconheçam a este governo", afirmou.

Oposição

A surpresa desta jornada eleitoral foi na prefeitura metropolitana de Caracas, o segundo posto mais importante do país, depois da Presidência. Antonio Ledezma, um velho líder opositor venceu com 52,45% dos votos ao candidato chavista Aristóbulo Isturiz que obteve 44,92% dos votos. Ambos já foram prefeitos da cidade.

No Distrito Federal de Miranda, na capital Caracas, o atual governador chavista, Diosdado Cabello, candidato à reeleição, foi derrotado por Capriles Radonski, atual prefeito do município Baruta, um dos cinco municípios da região metropolitana de Caracas. Radonski obteve 52,56% dos votos contra 46,64% de Cabello.

A oposição continuará no controle do Estado de Zulia, reduto anti-chavista controlado pelo governador Manuel Rosales, principal líder da oposição e candidato à prefeitura de Maracaibo. Os resultados desta cidade ainda não foram anunciados, mas Rosales deve ganhar com facilidade de acordo com pesquisas.

O governo de Zulia ficará no controle de Pablo Perez do partido opositor Um Novo Tempo, que venceu com 53,59% dos votos contra o candidato do governo Gian Carlo Di Martino que obteve 45,02%.

O Estado Nueva Esparta, onde está o balneário de Isla Margarita, continuará no controle da oposição.

Jornada eleitoral

Os venezuelanos madrugaram neste domingo para ir às urnas. As longas filas que duraram todo o dia obrigaram alguns centros de votação a permanecer abertos até as 22h (00h30 de Brasília), por determinação do CNE. A legislação venezuelana prevê que as urnas não podem ser fechadas enquanto houver eleitores na fila de votação.

A medida, porém, foi questionada pela oposição. O líder do partido Podemos, Ismael Garcia, que rompeu com a base governista no ano passado, disse que a intenção de deixar as mesas abertas seria para "obrigar" eleitores chavistas a reverter, na última hora, a votação a favor dos candidatos do governo.

De acordo com o CNE, a participação nessas eleições ultrapassou o recorde histórico com mais de 65% do total de 17 milhões de eleitores.

Voto castigo

No bairro periférico 23 de Enero, um dos redutos chavistas em Caracas, o taxista Rafael Landaeta disse à BBC Brasil estar descontente com a atual administração da cidade e que, pela primeira vez nesses 10 anos de governo Chávez, votaria na oposição, que saiu vitoriosa na cidade de Caracas.

"Os prefeitos chavistas simplesmente abandonaram esse bairro e se dedicaram à corrupção. Precisamos de mão forte para combater a delinqüência", afirmou.

De acordo com o instituto de pesquisas Hinterlaces, a insegurança é a principal preocupação de 79% dos venezuelanos.

O taxista disse que continua apoiando o presidente, mas pretende castigar o governo local.

"Apoio Chávez por ser o líder desse processo de transformação. O país está melhor e não podemos retroceder, por isso precisamos de mudanças, não podemos ser coniventes com a ineficiência", disse.

Chávez admitiu que a derrota em Caracas e Miranda levará seu partido a fazer uma autocrítica, mas disse que a "revolução bolivariana" saiu fortalecida do pleito.

"Começa uma nova etapa, essa grande vitória socialista é um sinal muito forte. Chávez continuará pelo mesmo caminho, o caminho do socialismo bolivariano", afirmou.

Texto da BBC Brasil.


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Mais sobre as eleições regionais na Venezuela

Chávez assedia seus rivais com a campanha do "você será preso"
O presidente da Venezuela ameaça levar à prisão os candidatos opositores na eleição de domingo

Francisco Peregil
Em Barinas (Venezuela)


Na Venezuela ninguém se assombra mais que o presidente em época eleitoral despeje o conhecido repertório de insultos contra seus rivais. Por exemplo, em Barinas, sua terra natal, mandou seu candidato "limpar a prefeitura dos ratos". Mas uma coisa é chamar de rato ou ladrão, corrupto, mafioso, oligarca e narcotraficante pessoas como Manuel Rosales, governador do estado de Zulia... e outra é que o próprio presidente ameace um adversário, como fez no domingo passado: "Você será preso. Foi apanhado com as mãos na massa, Rosales. Ninguém pode salvá-lo. Não vá fugir".

Em 25 de outubro Chávez já advertiu que se colocaria à frente de um plano que chamou de "Operação Manuel Rosales, você será preso". Como fruto desse plano, na quinta-feira o presidente da comissão da controladoria da Assembléia Nacional, Mario Isea, disse que Rosales tem de dar explicações para ver como financiou suas "duas casas em Miami", avaliadas em "US$ 700 mil", suas viagens em aviões privados e suas ligações com empresas internacionais de seguros.

Há outro candidato que nunca foi ameaçado publicamente com a prisão, mas está há uma semana preso. Chama-se Abdalá Makled e era até há pouco mais de um ano um importante empresário chavista, aspirante à prefeitura de Valencia, capital do estado de Carabobo. "As pessoas do governo o haviam aconselhado a não se candidatar a prefeito", indica Rafael Simón, candidato de oposição à prefeitura de Barinas. Mas Makled foi em frente, tirando votos do candidato governista. Até que na última sexta-feira a juíza Carina Zachei ordenou a prisão dele, após a apreensão de 394 quilos de cocaína em uma fazenda de sua propriedade.

"Todo mundo na Venezuela sabia que Makled estava metido em assuntos nebulosos, pela quantidade de negócios que administrava", indica Francisco Bello, presidente da empresa de pesquisas Pronósticos, com sede em Valencia. "Enquanto outros candidatos distribuem algumas cadeiras de rodas para inválidos e bolas de futebol nos bairros, ele distribuía máquinas de lavar roupa e secadoras. Mas se realmente é um narcotraficante importante, por que o governo esperou até nove dias antes das eleições?"

Há muito em jogo nas eleições do próximo domingo. Nada menos que 22 governos estaduais e 328 prefeituras. No caminho ficaram opositores como Leopoldo López, aspirante à prefeitura de Caracas, e Enrique Mendoza, ao governo do estado de Miranda, que foram considerados inelegíveis pela Controladoria Geral da República. A oposição se manifestou nas ruas contra essas decisões, que tachou de ilegais. Mas a campanha seguiu em frente sem os inelegíveis. Agora, graças aos chavistas dissidentes, Chávez pode perder alguns estados mais que os dois em que foram derrotados nas últimas eleições regionais. Um dos mais simbólicos é Barinas, a terra onde nasceram os Chávez.

O ex-chavista Julio César Reyes, prefeito de Barinas, se candidatou a governador contra Alán Chávez, irmão do presidente. O presidente o chamou várias vezes de traidor. E na quinta-feira um canal público de televisão divulgou uma fotografia em que César aparece junto com o suposto traficante Makled.

Na Venezuela muitos políticos da oposição parecem sofrer uma espécie de paranóia sobre as escutas dos serviços secretos do Estado nos telefones celulares. Muitas vezes mudam de telefone e costumam usar um Blackberry com o fim de que não interceptem suas mensagens de texto. Às vezes essas suspeitas parecem ter fundamento. O canal 8, a mesma televisão pública que esta semana divulgou a foto de César com o suposto narcotraficante, também divulgou em setembro várias conversas telefônicas privadas nas quais se escutava Julio César Reyes falando com opositores do governo. Em uma delas se referia a Chávez como um "patotero" (criminoso) de bairro e acrescentava: "Ele que venha nos chamar de bandido, quando sabe que os bandidos são seus próprios irmãos!" César nem sequer respondeu aos ataques dos partidários de Chávez. Só diz que essas estratégias de campanha são "um reflexo do desespero que se espalha pelas fileiras chavistas". Apesar de tudo, Reyes afirma que confia na limpeza do processo eleitoral.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do El País, no UOL.


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segunda-feira, novembro 24, 2008

Eleições regionais na Venezuela: Dissidente ameaça Chávez em terra natal

Dissidente ameaça Chávez em terra natal

Pesquisas mostram irmão do presidente cinco pontos atrás de ex-aliado em Barinas, há dez anos governado por seu pai

Embora eleição de domingo seja regional, mandatário fez três comícios em 60 dias por Adán no Estado, onde chavismo é questão local

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Em 1998, quando se elegeu presidente, a popularidade de Hugo Chávez também colocou seu pai, Hugo de los Reyes Chávez, no Palácio de Governo de Barinas, seu Estado natal. Dez anos depois, o presidente venezuelano tem suado a camisa para que Adán, seu irmão, supere o favoritismo do dissidente do governismo Julio Cesar Reyes.
Pesquisas de opinião recentes mostram uma vantagem de até cinco pontos percentuais para Reyes -um empate técnico. Prefeito da capital, também chamada Barinas, ele deixou o chavismo em meio à disputa para escolher o candidato a sucessor de Hugo pai, reeleito com facilidade em 2000 e 2004. Agora, é chamado de "Judas Cesar" por Chávez.
"A oposição nova e velha disse que Chávez perde em 23 de novembro [este domingo], que eles ganharão Barinas porque estão empenhados em me golpear no fígado", disse o presidente venezuelano no último domingo durante o terceiro comício eleitoral em dois meses na capital do Estado. "Se ganham (...), estariam golpeando o meu próprio ninho."
O discurso de Chávez em Barinas segue a estratégia nacional de transformar as eleições para governador e prefeito num plebiscito sobre o seu governo. Com isso, relega ao segundo plano a avaliação dos governos locais, quase todos nas mãos de chavistas -e, segundo pesquisas de opinião, com baixa popularidade devido a problemas de gestão em áreas como segurança pública.
Insultado várias vezes pelo presidente, Reyes não tem respondido às provocações, adotando a linha do "chavismo sem Chávez". Mas ele apóia para a Prefeitura da capital do Estado o deputado federal Wilmer Azuaje, um dissidente que tem acusado duramente a família Chávez de ter comprado várias fazendas no Estado por meio de testas-de-ferro.
Para o analista Alfredo Keller, do instituto de pesquisa Keller e Associados, essa estratégia está sendo bem-sucedida em quase todo o país, onde se tem verificado uma recuperação dos candidatos chavistas. Mas Barinas é uma das poucas exceções, diz ele, porque ali "Chávez" é um tema mais regional do que nacional.
Segundo Keller, a escolha de um irmão de Chávez como candidato "reforçou ainda mais a idéia de que Barinas é um feudo praticamente monárquico onde governa a família imperial. E isso tem ajudado a tese dos que pedem um voto de castigo".
Keller diz que muitos eleitores que inicialmente votariam no candidato apoiado pela oposição tradicional, Rafael Simón Jiménez, estão migrando para Reyes com objetivo de tirar a família Chávez do poder.
Seu instituto de pesquisa avalia que Barinas é um dos 9 dos 23 Estados em que a oposição tem a possibilidade de ganhar. Em outros seis, a derrota do chavismo é cogitada. Atualmente, governistas controlam 18 dos 24 governos regionais.
Além de Barinas, Chávez enfrenta o fenômeno dos candidatos dissidentes em outros dois Estados, Carabobo e Guárico, cujos atuais governadores também deixaram as filas governistas.

Texto da Folha de São Paulo, de 19 de novembro de 2008.


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sábado, novembro 22, 2008

Negro Mundo


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A foto acima, de um encontro nos anos 1960 entre Martin Luther King e Malcolm X, foi publicada no UOL.

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Celebração do Dia da Consciência Negra em São Paulo - 20/11/2008



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Ao som de reggae, marcha reúne 2.000 pela inclusão social da população negra

Cerca de 2.000 pessoas, segundo a PM, marcharam ontem à tarde pelo Dia da Consciência Negra em São Paulo. Embalado ora pelo reggae que vinha dos carros de som, ora pela batida afro dos grupos de percussão, no chão, o grupo pedia a aprovação de leis que garantam inclusão social para os negros. Entre elas, a que reserva vagas em universidades.
O grupo saiu da av. Paulista por volta das 14h e fez um percurso de 3,7 km, passando pela rua da Consolação antes de se concentrar no Teatro Municipal (centro).
Antes do ato, pela manhã, ocorreu uma missa na catedral da Sé, que contou com a presença do prefeito Gilberto Kassab (DEM). Ao final, o prefeito afirmou que o feriado é "uma oportunidade de festejar os avanços na superação das desigualdades que existiam no país".
Menos otimistas, entidades do movimento negro afirmam que ainda existe "abismo social" no Brasil.
"Não adianta colocar um monte de gente dançando e cantando em cima de um palco, porque amanhã, na política, na cultura, nada vai mudar", diz a estudante de gastronomia Fernanda de Almeida, 25.
A estudante assistiu aos shows na praça da Sé -que receberam 2.000 pessoas, segundo a PM.
(RICARDO SANGIOVANNI E CRISTINA LUCKNER)

Da Folha de São Paulo, de 21 de novembro de 2008.

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Greve Justa

GREVE JUSTA

Juremir Machado da Silva - Correio do Povo de 20/11/2008

O magistério estadual gaúcho entrou em greve. Mas o governo achou-se incompreendido. Dado que uma lei federal estabeleceu piso salarial, como salário inicial, no valor de R$ 950,00, as autoridades do Rio Grande do Sul trataram de interpretar de outra forma o espírito dessa medida, contrariando o bom senso e a língua portuguesa, para defender os interesses dos nossos professores. Não entenderam? Acham que estou ficando louco? Explicarei. O governo gaúcho ficou preocupado com a possibilidade de os professores começarem a ganhar um pouco mais. Nem se trata de ganhar bem, muito bem ou suficientemente. É bem mais simples. Ganhar a partir de R$ 950,00 complica.
Esmiuçarei o que parece serem as razões profundas, embora jamais reveladas, dos nossos representantes e gestores. As razões superficiais são conhecidas: falta de recursos, sistema inchado e necessidade de não abalar o ajuste fiscal em curso. As razões que aqui chamo de profundas são mais interessantes. Se um professor em começo de carreira ganhar R$ 950,00, quanto receberá, acrescentando-se vantagens, um profissional com 20 anos de carreira? Pode, quem sabe, chegar a R$ 2 mil. Já imaginaram? Aí se tornaria perigoso. Professor com salário razoável pode começar a fazer coisas impensadas, tomar atitudes impulsivas, agir de modo precipitado.
Entre as ações perigosas que podem resultar de uma elevação substancial de salário encontram-se ir ao cinema com mais freqüência (ou simplesmente ir ao cinema), comprar música e, pasmem, adquirir braçadas de obras na Feira do Livro. Bem, braçadas mesmo, convenhamos, não daria, salvo em balaios, mas ainda assim haveria o risco de um aumento vertiginoso na aquisição de livros. É sabido que professores com muita leitura causam problemas. Ficam sabichões, até arrogantes, ensinam melhor e podem até fazer com que os alunos de escolas públicas se tornem verdadeiros concorrentes de alunos de escolas privadas em vestibulares ou outros gêneros de concursos. Ouvi dizer, embora sem confirmação, que já tinha professor pensando em viajar graças ao piso salarial (salário inicial). Não deve ser verdade. Livros e viagens já é demais!
Outro item contestado pelos nossos protetores diz respeito ao tempo necessário para atividades fora de sala de aula (preparação, correção de provas e outros passatempos levados para casa). Segundo o governo, isso exigiria contratar mais 27 mil professores. Não haveria dinheiro para isso. Sugere-se, então, que o magistério continue a praticar uma tradição de sacrifício, trabalhando de graça no aconchego do lar pelo bem público e pelo sacerdócio do ensino. Afinal, ser professor deve ser padecer na sala de aula e ainda levar trabalho para casa. Claro que os governantes não se reconhecerão nestas linhas. Mesmo assim, frios e estatísticos, pedirão como sempre cautela, pragmatismo e realismo a quem passa a vida esperando o famoso 'agora vai'. Aí, quando vai um pouquinho, inacreditavelmente, o governo não quer pagar.
A greve só podia ser justa. Mais do que isso, justíssima, legítima, além, claro, de ser legal. Em governo de intelectual, costuma ser assim: a educação fica em segundo lugar mesmo parecendo estar em primeiro. Foi assim com FHC. As universidades públicas foram abandonadas. No Rio Grande do Sul, educação e cultura só têm levado tranco. Quando não tem outro jeito, é preciso meter o pé na porta. Piso é salário inicial.

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Terrorismo de Estado

Terrorismo de Estado

DEISY VENTURA

ESQUENTAM AS mãos do ministro Eros Grau, no Supremo Tribunal Federal, dois processos que marcarão a cultura política e a imagem internacional do Brasil.
Como relator da ação em que a OAB questiona a interpretação da Lei de Anistia, Grau pediu vista dos pedidos argentino e uruguaio de extradição do general Manuel Cordero, um dos protagonistas da iniciativa supranacional de repressão política denominada Operação Condor.
Caberá, então, ao STF decidir não apenas sobre a possibilidade de julgar agentes públicos pelos crimes contra a humanidade praticados durante a ditadura militar brasileira, mas também exercer a espúria faculdade de impedir que países vizinhos façam o mesmo em relação aos seus acusados.
Num Brasil gravemente acometido de amnésia seletiva, o debate encontra-se turbado pela estapafúrdia tese do "vale para os dois lados" -isto é, rever a anistia dos militares implicaria necessariamente rever a dos subversivos, ditos "terroristas". Urge, portanto, repelir a idéia de que a anistia vale tanto para torturados quanto para torturadores.
Primeiro, pelo descalabro técnico.
Há quem reconheça como jurista só aquele que o defende. Porém, o direito aqui é cristalino. O Estado detém o monopólio da violência legítima. Dele apropriando-se ilegitimamente e agindo em seu nome, "autoridades" dispuseram de recursos estatais para promover sistematicamente a tortura, que resultou, em numerosos casos, na execução sumária, agravada pela ocultação de cadáver.
Depois, o poder estatal garantiu-lhes acordo leonino, pelo qual crimes comuns, entre eles o estupro, foram interpretados como se políticos fossem.
Ademais, quem se opõe à violação da ordem constitucional não é terrorista, é resistente. O direito à resistência é vigente no Brasil desde os anos 1950, por força do direito humanitário, que igualmente veda a tortura e a execução, mesmo durante a guerra.
Segundo, pela infâmia política.
Há quem defina como ideologia somente a dos outros. É o primeiro passo para criminalizá-la. Ora, nunca houve risco real de implantação de um regime comunista no Brasil. A ampla maioria dos cassados, torturados e desaparecidos jamais praticou qualquer violência. Contudo, impunes aves de rapina não cessam de difamá-los, argüindo que tiveram o que mereciam, como se as vítimas estivessem a jogar o queixo contra os punhos dos algozes. Diante de tal (in)cultura, não surpreende que, na atualidade, jovens favelados já nasçam suspeitos, esgueirando-se nas ruas diante dos temidos agentes do Estado.
É preciso também refutar o enganoso argumento da prescrição.
Farta e unânime jurisprudência internacional, inclusive da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição é aceita pelo Brasil, sustenta a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade. Não se trata de imposição, eis que o direito internacional consiste justamente no exercício da soberania nacional em foro externo. Construído pelo consenso entre as nações, aplicá-lo é tarefa constitucional de cada Estado.
Contudo, orgulhoso por sua retumbante inserção comercial internacional, o Brasil está cada vez mais isolado do mundo no que tange à memória e à justiça. Cumpridor do direito do comércio, o país ainda engatinha quanto à aplicação do direito internacional dos direitos humanos.
Uma recente audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o anúncio de que uma vítima de Cordero levará o Brasil à corte interamericana auspiciam que a responsabilidade internacional do Estado poderá ser invocada em caso de omissão. Por outro lado, por força do princípio da jurisdição penal universal, outros países já deflagraram ações contra torturadores brasileiros.
Apesar de tudo, o governo brasileiro está dividido. No julgamento da ação bravamente movida pelo Ministério Público Federal contra o general Ustra, a atuação da Advocacia Geral da União foi constrangedora.
Os políticos favoráveis ao julgamento levam a pecha de revanchistas.
Seria também revanche o sentimento a mover os 400 juristas que assinaram o manifesto em prol do debate público nacional sobre a Lei de Anistia, lançado em 28/8/08, no pátio da Faculdade de Direito da USP? E as 3.500 pessoas de 38 diferentes países que se somaram à Campanha Internacional pela Extradição de Cordero?
No programa para crianças que anima na rádio Justiça ("Aprendendo Direitinho"), o ministro Eros apresenta-se como vovô Grau. Em breve, ele terá de contar aos netinhos-ouvintes uma história sobre terríveis condores, disfarçados de cordeiros e passarinhos. Que seja bem contada e sem páginas arrancadas, que a trama não se passe numa ilha e que, ao final, prevaleça a justiça.


DEISY VENTURA , 41, doutora em direito pela Universidade de Paris 1, é professora de direito internacional do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 19 de novembro de 2008.

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Omissões legislativas inconstitucionais

Omissões legislativas inconstitucionais

JOAQUIM FALCÃO e DIEGO WERNECK ARGUELHES

NOS ÚLTIMOS meses, a página de jurisprudência do site do Supremo passou a contar com curioso acréscimo: uma lista das omissões inconstitucionais do Legislativo. São "decisões em que se declarou a mora do Poder Legislativo e cuja matéria ainda se encontra pendente de disciplina". Aquelas nas quais o Supremo entende que o Congresso viola a Constituição ao não elaborar as leis expressamente exigidas pela própria Constituição. Exercício de greve no setor público, criação de municípios e aviso prévio proporcional ao tempo de serviço são alguns dos exemplos de omissão legislativa inconstitucional.
O Congresso permanece inerte mesmo após a manifestação do STF.
A publicação dessa lista é mais do que ampliação do acesso dos cidadãos ao que se decide em Brasília. Expressa um possível desconforto entre o Supremo e os demais Poderes da República em pelo menos dois sentidos. Primeiro, é capítulo no diário de viagem de um tribunal que vem enfrentando omissões legislativas desde 1988. Não se restringe às relações do atual Congresso com o atual Supremo. Vem de antes. É mais uma parada em trajetória maior. Viagem acidentada, com ajustes de rota -e de destino- em tempo real. No "leading case" mandado de injunção nº 107, decidido em 1990, o STF afirmou por unanimidade que, ante mora legislativa inconstitucional violadora de direitos fundamentais, ele apenas podia dar ciência ao Congresso da omissão. Não tinha poder para elaborar a regra que faltava. Autoconteve-se.
Mas, em outubro do ano passado, o entendimento mudou. Uma maioria de ministros entendeu que, dada a ausência de lei específica regulando o direito de greve de funcionários públicos assegurado na Constituição, passariam a ser aplicáveis as mesmas regras para greve no setor privado.
A minoria vencida queria ir além: em seu voto, o ministro Lewandowski propôs nada menos que 16 diretrizes para a greve de funcionários públicos.
É o STF ajustando sua rota. Criando regras gerais na falta de norma necessária à aplicação de direitos fundamentais. E até se divide sobre quais regras criar. A autocontenção de ontem se esvaiu. Reviravolta completa. Segundo o site, é declaração de intenções. Ou melhor, lembrete de intenções já muito bem declaradas. Tem um quê de "não diga que eu não avisei!".
Não é de hoje que decisões do STF vinham pavimentando eventual mudança. Ainda em 1990, o ministro Sepúlveda Pertence observara que a decisão ali tomada era apenas "passo inicial". Não excluía a possibilidade de que a eventual insistência do Poder Legislativo em permanecer inerte levaria à ampliação dos poderes do Supremo para completar a norma constitucional "paralisada pela omissão do órgão político". Aviso prévio.
Mas não foi só. De lá para cá, algumas decisões em mandados de injunção mostraram um STF desconfortável com as permanentes omissões do Congresso -e em busca dos instrumentos jurídicos necessários para combatê-las. Tiros de advertência.
O Supremo está consolidando sua mudança de interpretação. Esse é o fato. E está apenas começando. O poder não deixa vácuos, nossos congressistas certamente sabem. O país não pode parar à espera de necessárias leis que não chegam. Se o Congresso não aprova as normas criadas pelo Supremo, basta que legisle. Legislar é preciso. Até que isso aconteça, com todas as complexas variáveis envolvidas, a legislação judicial continuará a avançar. Aviso aos navegantes.
Quem é mais legítimo para criar leis num regime democrático e de separação de Poderes? O STF -não eleito pelo povo- ou o Legislativo -eleito pelo povo? Essa é a pergunta da teoria democrática liberal. Mas a história, às vezes, tem outras perguntas e urgências. A democracia representativa, que tem como único critério de legitimidade política o voto (ou a sua ausência), faz com que percamos de vista inéditas perguntas de hoje.
Segundo a fórmula liberal, entre um Legislativo que não faz as leis que deveria e um Judiciário que faz as leis que não deveria, quem age com mais legitimidade? Quem respeita mais os fins da separação de Poderes? Qual está avançando no território constitucional do outro?
Claramente, as estratégias judiciais e legislativas dos últimos meses nos levam a mais conflituoso terreno. O fim da autocontenção do Supremo e a continuidade da paralisia do Congresso são faces da mesma moeda. Nesse contexto, o ideal de harmonia e independência dos Poderes explica e molda pouco. Se o ideal constitucional é a harmonia entre os Poderes, como não se preparar para a guerra?


JOAQUIM FALCÃO , 65, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e doutor em educação pela Universidade de Genebra (Suíça), é diretor da Escola de Direito da FGV-RJ e membro do Conselho Nacional de Justiça.
DIEGO WERNECK ARGUELHES , doutorando em direito na Universidade Yale (EUA), é professor da Escola de Direito da FGV-RJ.

Texto da Folha de São Paulo, de 16 de novembro de 2008.


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As feridas imprescritíveis

As feridas imprescritíveis

SÃO PAULO - No aparente afã de contraditar a ministra Dilma Rousseff, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, acabou é reforçando a argumentação de Dilma, para quem tortura é crime imprescritível.
Diz Mendes que terrorismo também é crime imprescritível. Se é assim, terrorismo de Estado é igualmente crime imprescritível -e o que aconteceu no Brasil nos anos 60 e 70 foram os dois tipos de terrorismo, o da luta armada e o do aparelho repressivo.
Se alguém tem dúvida, basta ler os indispensáveis livros de Elio Gaspari sobre o período militar. Ou interpretar a atitude da Advocacia Geral da União de assumir a defesa de dois oficiais do Exército acusados de praticar torturas. Se assumiu a defesa, a AGU está dizendo implicitamente que ambos agiram de acordo com uma política de Estado e, portanto, não tem como omitir-se na defesa.
Não fosse política de Estado e, sim, desvio de conduto funcional, a AGU teria recusado a causa.
Teorias e interpretações à parte, há fatos concretos ultra-conhecidos: se é terrorismo -e é- matar um soldado (Mário Kozel Filho) que estava de guarda à porta do então 2º Exército, também é terrorismo matar um preso sob guarda do Estado (caso do jornalista Vladimir Herzog, um entre muitíssimos).
Portanto, se crime de terrorismo é imprescritível, cabe punir os casos de terrorismo de Estado, até porque há uma nítida diferença entre um terrorismo e outro: boa parte dos que praticaram terrorismo contra o regime já foi punida -às vezes dentro da lei, não raro à margem dela (caso Herzog, para citar de novo apenas um deles).
Já os que praticaram terrorismo de Estado não tiveram punição. Pode-se até discutir a conveniência político-institucional de salgar feridas a esta altura. O que não se pode é insinuar reabrir algumas, sem reabrir também as outras.

Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo, de 16 de novembro de 2008.


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sexta-feira, novembro 21, 2008

"Desculpa por tortura faria bem a militares"

"Desculpa por tortura faria bem a militares"

Para pesquisadora Glenda Mezarobba, o importante não é mudar Lei de Anistia, mas interpretá-la à luz dos direitos humanos

Ao não julgar torturadores, Brasil perde oportunidade de sinalizar que crime contra a humanidade não é mais tolerado, diz pesquisadora

ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL

É uma "falácia" defender a não-revisão da Lei de Anistia -texto que já passou por revisões-, mas não há necessidade de mexer no texto legal. O importante, segundo Glenda Mezarobba, pesquisadora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Unicamp e autora do livro "Um acerto de contas com o futuro: a anistia e suas conseqüências", é dar à lei uma correta interpretação, sob a ótica dos direitos humanos. Ela defende ainda que um pedido de desculpas oficial faria bem às Forças Armadas.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif

FOLHA - O Brasil conseguiu superar a ditadura militar?
GLENDA MEZAROBBA
- Dos quatro deveres do Estado com a sociedade na passagem para a democracia após um período de repressão, o Brasil apenas tem feito reparações às vítimas. Os outros três, estabelecidos internacionalmente, ainda não avançaram. São eles: fazer justiça, processando e punindo responsáveis por crimes contra a humanidade, o direito da sociedade à verdade, com a revelação dos crimes e suas circunstâncias, e renovação de instituições. Mesmo dentro das reparações, o Brasil apenas fez pelo aspecto econômico. Há ainda o plano simbólico, com pedidos oficiais de perdão, constituição de museus e monumentos.

FOLHA - Como a sociedade pode se beneficiar com um acerto de contas?
GLENDA
- Ao não julgar e processar os violadores dos direitos humanos, o Brasil perde a oportunidade de sinalizar que na democracia tais crimes não seriam tolerados. Perde a chance de deslegitimar aquela ideologia autoritária e de romper com recriminações de grupos, contra as Forças Armadas, contra os guerrilheiros. O Brasil ainda não se dedicou à questão da justiça, mas não significa que não possa se dedicar. Não há um prazo de validade, especialmente em relação a crimes contra a humanidade como a tortura, que não prescrevem e que não são passíveis de anistia.

FOLHA - Interessa à sociedade saber detalhes do regime militar?
GLENDA
- Não saber oficialmente o que ocorreu significa não conhecer a nossa história. É importante que as Forças Armadas revelem tudo o que sabem. A sociedade tem o direito de conhecer sua própria história. É um período negro, mas, mesmo sem falar nos direitos de vítimas e familiares, a sociedade deve conhecer as circunstâncias das mortes e prisões.

FOLHA - Por que seria bom para as Forças Armadas pedir perdão?
GLENDA
- Acreditamos que as Forças Armadas são comandadas por indivíduos democráticos, sem ligações com o regime autoritário. A instituição de hoje não tem ligação, queremos acreditar, com as atrocidades que foram cometidas no regime militar. É importante que os mais altos cargos da corporação sinalizem isso. É uma obrigação da instituição reconhecer erros, dizer que não se repetirão. Será muito salutar para sua imagem. Os militares de hoje ainda caminham sobre a linha tênue que divide presente e horrores do passado.

FOLHA - As atrocidades da ditadura e a violência atual têm ligação?
GLENDA
- Não sinalizar claramente, na passagem para a democracia, que não se vai mais tolerar a tortura não contribui para seu fim. Pretendemos ser um país democrático, mas não conseguimos interromper práticas da ditadura. [Tortura] É ainda prática da polícia. Lidar com o passado não é masoquismo ou revanchismo, como insistem alguns remanescentes do regime militar. É olhar para o futuro. Não conseguimos lidar com o legado de horror e ele continua presente no nosso dia-a-dia -talvez não para classe média e alta, mas para muitos brasileiros.

FOLHA - A sra. diz que é hora de o Judiciário participar do processo.
GLENDA
- O processo de acerto de contas começou com a Lei de Anistia, apesar de o regime militar ter desejado, com ela, encerrar a discussão. O acerto de contas se desenvolve desde então, com três momentos importantes: a Lei de Anistia, a Lei dos Mortos e Desaparecidos de 1995, quando o Estado brasileiro reconhece as mais graves violações dos direitos humanos no período, e a lei que paga reparações, de 2002. Nesse processo, o Executivo e o Legislativo têm sido protagonistas. As Forças Armadas e o Judiciário não desempenharam seu papel, sob a perspectiva dos direitos humanos, de maneira satisfatória. O Judiciário brasileiro, ao contrário de países como Argentina e Chile, ainda não sinalizou que pode ser a esfera onde os direitos das vítimas do regime militar são garantidos. É o momento de o Judiciário rever sua posição de não-participação no acerto de contas. Pode mudar a interpretação da Lei de Anistia.

FOLHA - Qual sua posição sobre a revisão da Lei de Anistia?
GLENDA
- A Lei de Anistia foi criada, durante a ditadura, cheia de eufemismos para anistiar crimes cometidos pelos militares. Quem diz que a Lei de Anistia não pode ser revisada não vê que o texto já foi muito modificado. É uma falácia a não-revisão. Todo o artigo segundo foi suprimido, os artigos quarto e quinto também. Ela já foi bastante modificada. Mas não há necessidade de revisar a Lei de Anistia. Há, sim, necessidade de interpretá-la da maneira correta, uma interpretação sob a ótica dos direitos humanos e do direito internacional, que afirma que não há anistia para crimes como tortura.

FOLHA - A senhora critica o que chama de eufemismo no processo de reparação.
GLENDA
- O processo reparatório brasileiro teve peculiaridades muito negativas. A legislação criada até agora para tratar das vítimas do regime militar não usa a palavra "vítima". "Direitos humanos" é outra expressão que não está presente na lei, nem "violações aos direitos humanos". "Tortura" só aparecerá em uma lei de 2004. É um equívoco criar uma comissão que vai reparar perseguidos políticos, mas a denomina "Comissão de Anistia", quando anistia, no sentido amplo, significa perdão e esquecimento. Não parece equivocado que, em plena democracia, as vítimas entrem com pedido para serem "anistiados políticos"? E que o "Diário Oficial" da União publique, como publicava durante a ditadura militar, que "fulano é reconhecido como anistiado político"? Já não passou da hora de as coisas terem a designação correta do que foram e são?

Texto da Folha de São Paulo, de 10 de novembro de 2008.


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O legado de George W. Bush para a América Latina

Pablo Calvi
De Nova Iorque

Quando se analisa o legado político dos dois mandatos de George W. Bush em termos de política externa na América Latina é necessário recorrer a um conceito cunhado por cientistas políticos norte-americanos e que indica uma inesgotável criatividade: benign neglect, ou, negligência benigna, remete a uma situação na qual uma sistemática falta de interesse culmina num cenário claramente positivo.

É claro que nos últimos oito anos, América Latina foi posta de lado na agenda prioritária do Executivo norte-americano. Claro que esta situação, somada ao interesse quase exclusivo de George W. Bush pelo Oriente Médio, resultou num fortalecimento institucional na América Latina. Graças, justamente, à falta de intervenção na região estamos hoje falando de mais de 20 anos de democracia ininterrupta, explica Maria Victoria Murillo, analista e professora de Ciência Política da Universidade de Columbia, em Nova Iorque.

"As intervenções norte-americanas foram sempre negativas e o que ocorreu nos últimos anos comprova isso", diz Murillo. "As democracias estão num momento excelente na região, as instituições mostram-se mais sólidas e há mostras de que isto continuará assim por muito tempo. Há 30 ou 40 anos, ninguém poderia imaginar que as coisas estariam assim tão bem".

A surpresa tem a ver não apenas com a estabilidade institucional na região, que desde os anos 80 vem trabalhando em diferentes processos de consolidação.

"Curiosamente, Bush foi o presidente com mais interesse pessoal pela América Latina e uma das provas disso é que em sua primeira viagem como presidente ele foi para o México", recorda a analista. "Desde que era governador do Texas, sempre mostrou-se próximo à América Latina. Mas a pauta do Oriente Médio o manteve quase que completamente distraído", exceto por algumas claras exceções, pontua Murillo.

Patricio Navia, cientista político e professor da Universidade de Nova Iorque (NYU) converge com a analista de Columbia. Para Navia, "durante os últimos 8 anos, Estados Unidos e América Latina se ignoraram um ao outro, mas isso permitiu ir deixando para trás uma história complexa de intervenções indesejadas. Agora a agenda está muito mais limpa para poder reconstruir relações que vão além do livre comércio sem que pese a herança da Guerra Fria".

De fato, a disputa silenciosa iniciada com o fim da Segunda Guerra Mundial teve conseqüências sumamente nocivas para a região. Desde intervenções em temas de política interna até reiteradas invasões, os Estados Unidos não deixaram de marcar território nas frágeis e circunstanciais democracias latino-americanas, amparando, inclusive, vários regimes totalitários nos casos em que considerou haver risco ideológico de uma iminente ascensão da esquerda.

"Se recapitularmos, desde Noriega (Manuel Noriega, líder militar que governou o Panamá entre 1983 e 1989) que os EUA não invadem nenhum país da América Latina", assinala Murillo. "E se comparamos com os últimos 100 anos, isto é muito interessante. Claro que há problemas, sobretudo econômicos, porém, parece que os países da região estão passando por um grande momento institucional".

Para ambos analistas, a negligência benigna de Bush teve, entretanto, dois pontos questionáveis. O primeiro foi o apoio ao golpe institucional na Venezuela, em 2002. Com Otto Reich como Secretário de Estado para Assuntos Hemisféricos, Bush deu continuidade à política de intervenção regional que começou com Reagan, a qual Bush Pai seguiu quase ao pé da letra. "Mas a mudança ocorreu assim que Bush integrou ao seu gabinete o diplomata Thomas Shannon", explica Murillo. "Basicamente a partir desse momento, a América Latina teve liberdade de agir como quisesse".

O segundo erro foi a política antidrogas aplicada na Colômbia, por causa da pouca eficiência apresentada na hora de limitar a entrada de cocaína nos Estados Unidos, o que acabou deslocando a produção e o tráfico para países como México e Brasil.

Dos países que mais se beneficiaram, Navia sugere que, sem dúvida, foram aqueles que conseguiram firmar acordos de livre comércio com o gigante do norte. "Muito embora este tema se complicará daqui pra frente", antecipa.

"Acho que o acordo com a Colômbia tem menos de 50% de possibilidades de ser aprovado com Obama", confirma Murillo.

Para os dois analistas, um dos temas que mais mudará na agenda do Executivo será a relação com Cuba. "As restrições para viagens e remessas de dinheiro cairão assim que Obama assumir o governo", vaticina a professora da Columbia. "E tudo que tenha a ver com decretos, e tudo o que puder ser feito para melhorar as relações entre os dois países, sairá rápido. O bloqueio está apoiado numa lei e seguramente tardará mais", assegura.

"Na nova administração, a ênfase terá que ser a consolidação das instituições e a democracia", adianta Navia. "Porque já não há mais espaço para avançar em acordos de livre comércio, dado que a maioria deles já foi assinada e os países da região que não assinaram não estão interessados em fazê-lo".


Texto do Terra Magazine.


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Aumenta número de cidades onde Dia da Consciência Negra é feriado

Aumenta número de cidades onde Dia da Consciência Negra é feriado

Plantão | Publicada em 20/11/2008 às 09h47m

BRASÍLIA - No Dia da Consciência Negra, comemorado hoje, será feriado em 364 municípios de 12 estados diferentes. Este ano, 97 cidades a mais decretaram feriado em relação ao ano passado, quando foram 267, segundo levantamento da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

Mato Grosso, Alagoas e Rio de Janeiro são os estados que decretaram feriado estadual. Também será feriado em Manaus, Flores de Goiás (GO), Itapecerica (MG), Marabá (PA), São Félix do Xingu (PA), Dona Inês (PB), Vilhena (RO), Pacatuba (SE) e em 21 cidades do estado de São Paulo. Este ano, a lista de municípios também inclui a cidade de Montes Claros (MG), que instituiu o feriado em dezembro de 2007.

Pelotas (RS) tinha o feriado decretado por lei municipal, mas revogou a lei há três anos. Segundo a assessoria da prefeitura, Pelotas era o único município do Sul que tinha o feriado. De acordo com a Seppir, 388 municípios têm legislação que institui o feriado de 20 de novembro. Mas só 364 homologaram a lei.

No Congresso Nacional, está em tramitação o Projeto de Lei nº 4.437/04, que pretende instituir o dia 20 de novembro, data de morte de Zumbi dos Palmares, como feriado nacional. A proposta está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e ainda não tem data para ser votada.

O deputado Regis de Oliveira (PSC/SP), vice-presidente da comissão, avaliou a matéria. Ele salientou no relatório a importância do Dia da Consciência Negra. "Em primeiro lugar, concordo plenamente com a proposta pela importância desse grande líder e também pela necessidade de homenagear a luta dos negros pelo reconhecimento de sua cultura, cidadania e da igualdade de direitos."

O Dia da Consciência Negra homenageia Zumbi do Palmares, considerado símbolo da resistência negra à escravidão. "O dia 20 de novembro tem vários significados. O primeiro, é homenagear Zumbi dos Palmares. A maior referência brasileira negra da luta contra a escravidão e referência mundial da luta pela liberdade. O segundo é a luta permanente para que a consciência da igualdade e do direito de todas as pessoas, não só as dos negros, seja plena no dia a dia", completou o presidente da Fundação Cultural Palmares, Zulu Araújo.

(Agência Brasil)

Texto d’O Globo online .

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quinta-feira, novembro 20, 2008

Consciência Negra: Bancos fecham em 312 municípios espalhados pelo Brasil

Bancos fecham amanhã em SP e mais 312 municípios

DA REDAÇÃO

Agências bancárias da cidade de São Paulo e de outros 312 municípios do país não abrem amanhã devido ao Dia da Consciência Negra -várias cidades vão comemorar a data por meio de feriados municipais. Segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), entre as cidades que estarão com as agência fechadas estão Cuiabá e Manaus. O Rio é o único Estado em que ocorre o feriado em todos os municípios. Em SP, os bancos estarão fechados em 97 cidades. Os bancos voltam a funcionar normalmente na sexta-feira.

Texto da Folha de São Paulo, de 19 de novembro de 2008.


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Renda do negro é metade da do não-negro

Renda do negro é metade da do não-negro

Segundo pesquisa Seade/Dieese, negro tem rendimento médio de R$ 4,36 por hora em SP; não-negro recebe R$ 7,98

Causas da diferença são o menor acesso à educação e o preconceito, que impede o negro de subir na carreira, segundo os especialistas

DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

O trabalhador negro (preto e pardo) ganha apenas cerca da metade do que o não-negro (branco e amarelo) recebe na Grande São Paulo. São R$ 4,36 por hora, em média, contra R$ 7,98, segundo pesquisa realizada pela Fundação Seade e pelo Dieese.
Quanto maior o nível escolar, maiores as disparidades. O rendimento real do indivíduo negro que não concluiu o ensino fundamental é de R$ 3,44 por hora, e o do não-negro, R$ 4,10 -uma diferença de 19,2%.
Já na comparação entre duas pessoas que terminaram a universidade o abismo atinge 40%: o negro recebe R$ 13,86 por hora e o não-negro, R$ 19,49. O levantamento foi realizado em 2007, mas os valores tiveram correção monetária até julho.
"Considerando a média de R$ 4,36 por hora e o fato de que o negro escravo do Brasil Imperial contava com a renda indireta da comida e da moradia, pode-se falar que nada mudou", argumenta o presidente da ONG Afrobras e reitor da Unipalmares (Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares), José Vicente.
No que diz respeito ao desemprego, a situação apresentou pequena melhora nos últimos dez anos. Em 1999, a porcentagem de negros desempregados era de 24,3% ante 16,8% dos não-negros. No ano passado, as taxas estavam em 17,6% e 13,3%. O Dieese diz que a tendência é semelhante no resto do país, porém os números mudam segundo a composição étnica da população local.
"O crescimento da economia do país desde 2004 criou vagas para os negros. Algumas diferenças, entretanto, não se desfazem ao longo do tempo", diz Patrícia Lino Costa, coordenadora da pesquisa.
O indicador "mais preocupante", aponta, é o que mostra a distância entre os ganhos dos negros e dos não-negros que fizeram faculdade. O restrito acesso à escola é uma das principais causas da desigualdade no mercado de trabalho, mas, para quem conseguiu superá-la, o preconceito acaba sendo o pior obstáculo, afirma. Uma vez contratado por uma empresa, o trabalhador negro não consegue galgar posições e subir na carreira, daí a sua renda ser inferior à dos brancos que sobem na hierarquia, diz ela.
"Os negros não conseguem sequer entrar em um cargo mais elevado. Entre um engenheiro negro e um branco, certamente prefere-se contratar o branco, achando que o negro não é capaz", afirma Vicente.
"Na minha opinião, trata-se da dificuldade em lidar com o diferente", resume Costa. "Existe um perfil de trabalhador que o mercado recebe melhor: homem branco, entre 25 e 39 anos. Ou seja, negros são discriminados, mulheres, homens muito novos ou mais velhos."
Por isso, de acordo com os especialistas, a redução das disparidades começa na educação fundamental, para que as crianças aprendam desde cedo a lidar com as diferenças. Para Vicente, as cotas em escolas técnicas e nas universidades ajudam, porém deveriam ser uma "verdadeira política de Estado, e não fruto apenas da boa vontade de um grupo de reitores". As empresas, por sua vez, estão aumentando os seus programas de inclusão, diz Costa.
"O problema é a velocidade do avanço. No Brasil, que se orgulha da sua miscigenação, números como esses de renda e emprego são chocantes. Os EUA, onde até 50 anos atrás um negro não podia beber água no mesmo bebedouro de um branco, acabaram de eleger um negro presidente. Falta seriedade ao nosso governo", diz Vicente.

Texto da Folha de São Paulo, de 19 de novembro de 2008.


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Brasil potência desperta 'agressividade' em vizinhos, diz 'Newsweek'

O desenvolvimento do Brasil como potência econômica mundial despertou animosidades em países vizinhos, diz um artigo da revista americana Newsweek desta semana.

"Na medida em que o Brasil se torna um país mais poderoso, seus vizinhos se tornam mais agressivos", diz a revista.

"Estes dias, os imperialistas falam português", diz o artigo, afirmando que agora o país "marca o passo econômico da América Latina e está se tornando cada vez mais o alvo nº 1" - posição que a Newsweek diz ter sido ocupada no passado pelos Estados Unidos.

"O rugido anti-brasileiro mais alto vem dos Andes, onde líderes populistas que marcham ao som dos tambores da 'revolução bolivariana' do homem forte venezuelano Hugo Chávez, tentam reconstruir suas nações através da redistribuição de riquezas e do aumento do poder dos grupos e minorias indígenas há muito negligenciados."

A revista diz que "nos últimos dois anos, os líderes de Venezuela, Equador e Bolívia lançaram insultos contra seu vizinho dominante, e ultimamente o clima tem se exaltado". Como exemplo, Newsweek cita o episódio da expulsão da construtora Odebrecht pelo governo do Equador.

E a reação anti-Brasil está chegando ao sul do continente, segundo o artigo. "No Paraguai, o presidente Fernando Lugo tomou posse em agosto sob a bandeira de 'independência energética' - código populista para extrair concessões do império' do outro lado da fronteira."

"Ele (Lugo) está acusando o Brasil de pagar menos pela energia que importa da usina hidrelétrica de Itaipu, e quer liberdade para vender metade do total para qualquer país que desejar."

"Popular"

Apesar do antagonismo, o artigo diz que "ironicamente, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva continua popular na América Latina". O presidente boliviano Evo Morales "se referia reverenciosamente a Lula como seu 'irmão maior'", "Chávez raramente perde uma oportunidade de foto com Lula" e "a primeira viagem internacional de Lugo como presidente foi para Brasília".

"Fazer dos brasileiros os novos gringos pode cair bem para a arquibancada, mas é arriscado política e economicamente", segundo Newsweek.

"Até agora, o Brasil vinha sendo o maior investidor estrangeiro da Bolívia, enquanto o Paraguai se tornou o quinto maior exportador de soja graças à tecnologia brasileira", diz a revista.

A reação do Brasil tem sido "quase de penitência ante seus vizinhos pequenos, que cada vez mais representam os habitantes de Lilliput para o Gulliver do Brasil", diz o artigo, em uma referência aos seres minúsculos que o personagem Gulliver encontra na ilha de Lilliput no romance As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift.

"Embora o governo de Lula tenha sido rápido em enfrentar os países ricos - fazendo queixas formais contra os Estados Unidos e os europeus na Organização Mundial do Comércio sobre barreiras comerciais a etanol, algodão e açúcar - ofender os irmãos no hemisfério rende pouco mais do que uma repreensão", afirma Newsweek.

Mas "a tolerância brasileira pode estar acabando", conclui o artigo, que cita que o Brasil realizou "exercícios militares na fronteira com o Paraguai no mês passado - mensagem difícil de não se ver".

"Não espere uma versão tropical da guerra preventiva. Mas pode ser um sinal de que o Gulliver Latino não está mais querendo enfrentar as coisas deitado", disse o artigo da revista Newsweek.

Texto do BBC Brasil.


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