quinta-feira, novembro 19, 2009

Gaspari comenta FHC

FHC expôs o lado sombrio do poder petista

FERNANDO Henrique Cardoso está em grande forma. Num artigo intitulado "Para onde vamos?" mostrou que é a única voz articulada com coragem para acertar a testa de Nosso Guia. É um texto astucioso, chega a ter ginga. Apocalíptico e insinuante, tem a gravidade de uma Cassandra e a amnésia de personagem de novela barata.
Seu argumento central faz todo sentido: Lula está construindo uma teia de alianças e interesses que desembocará num "subperonismo". O que vem a ser essa praga, não se sabe, mas ela junta o PT, sindicatos de empregados e de patrões, fundos de pensão, BNDES e triunfalismo. Essas seriam as "estrelas novas" às quais se abraçam "nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas". O ex-presidente adverte para a formação de um novo "bloco de poder", interessado num continuísmo que deve ser contido, pelo voto, "antes que seja tarde".
As críticas pontuais do ex-presidente passam da dúzia e ele pode ter razão em quase todas. Em dois casos o professor chegou à verdade com o auxílio de lapsos da memória. Num, criticou a compra de caças pela Força Aérea. Logo ele, que comprou um porta-aviões. No outro, denunciou o poder dos fundos de pensão das empresas estatais e suas relações incestuosas com o governo e empresários-companheiros. Tem toda razão, mas quem deu forma a esse bicho foi ele, quando moldou e deixou que moldassem a engenharia financeira da privataria.
Em dois momentos o ex-presidente teve a infelicidade de comparar atitudes do atual governo com práticas do tempo do "autoritarismo militar". Lula, com seus "impropérios" é capaz de "matar moralmente empresários, políticos (e) jornalistas". O ex-presidente exagerou. Logo ele, que conheceu pessoas assassinadas sem advérbio. No seu esforço para tornar mais pesada a carga dos petistas, Fernando Henrique torna mais leve a mochila dos crimes da ditadura militar.
A alma dos receios de Fernando Henrique Cardoso está no que ele chama de "autoritarismo popular" (entre aspas no original, sem que se saiba por que). O que é isso, não se sabe. Trata-se de uma construção em cujo hermetismo está uma parte do seu significado. Referindo-se à democracia constitucional brasileira o ex-presidente informou que "esta supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente". Faltou a palavra voto, mas tudo bem pois o ex-presidente jamais teve o pé no golpismo. Ganha um livro de discursos de Fidel Castro quem souber como se distingue uma "deliberação consciente" de outra, inconsciente.
(Os liberais de 1945 imolaram suas biografias no altar da ditadura de 1964. Pode-se dizer que o golpismo da segunda metade do século passado nasceu no dia em que os liberais da redemocratização perderam a eleição de 1950 para o ex-ditador Getúlio Vargas.)
O artigo de Fernando Henrique Cardoso chama-se "Para onde vamos?", mas indica apenas para onde ele, com bons argumentos, acha que não se deve ir. Se o tucanato não souber dizer para onde se deve ir, o PT ganhará a eleição do ano que vem. Culpa de quem? De uma oposição que não se opõe? De um partido que não consegue ter candidato? Ou do povo, como em 1950?

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Tudo o que foi dito acima só vale alguma coisa para quem leu ou vier a ler o artigo do ex-presidente. Passando-se no Google "Fernando Henrique Cardoso" e "Para onde vamos?", chega-se a ele.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 4 de novembro de 2009. Grifos do blogueiro.


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