Na Coreia do Norte, um déficit alimentar crônico
Na Coreia do Norte, um déficit alimentar crônico
Philippe Pons
Enviado especial a Pyongyang
Em carroças, em cestos nas costas de homens e mulheres, nas caçambas dos caminhões e até em um velho ônibus especialmente fretado, as acelgas e os nabos transitam sem descanso pela cidade para serem amontoados nas sacadas ou descarregados em pilhas nos pátios dos prédios. Na Coreia do Norte, novembro é a estação do kimchi - conserva à base de acelgas e nabos fermentados e macerados com pimenta - , símbolo da cozinha local. As mulheres, agachadas, desfolham as acelgas, descascam e cortam os nabos, que em seguida são misturados em uma bacia com sal, pimenta e alho antes de serem colocados em grandes jarros de cerâmica marrom para o inverno.
Em Pyongyang, vitrine do país, os mercados são abastecidos com alimentos e produtos vindos da China. Preocupado em controlar uma economia de mercado que prosperou há dez anos, o regime reprime essas atividades "capitalistas", sem, no entanto, suprimi-las. Mas, apesar da aparente estabilidade das condições de vida na capital, que tem prioridade em ser alimentada, a República Democrática Popular da Coreia vive neste ano mais uma escassez de alimentos, mais ou menos grave, dependendo da região, mas dramática para as mais isoladas, situadas no centro do país.
Oficialmente, a produção de grãos chegaria a 5 milhões de toneladas - ou seja, 7% a mais que em 2008 - , permitindo uma alimentação de subsistência aos 23 milhões de habitantes, que em meados dos anos 1990 foram trágicas vítimas da fome (que fez entre 600 mil e 1 milhão de mortos).
Mas os especialistas agrícolas estrangeiros presentes no local estão céticos: na ausência de uma avaliação independente - como a realizada em 2008 pelo Programa Alimentar Mundial (PAM) e pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), que concluiu haver um déficit de 800 mil toneladas - , eles só podem fazer conjecturas.
Em 2008, a Coreia do Norte foi beneficiada por fatores positivos: condições climáticas favoráveis e fertilizantes. Neste ano, o clima foi menos favorável e a Coreia do Sul não forneceu as 300 mil toneladas de fertilizantes esperadas, em razão do endurecimento de Seul, que exige progressos sobre a questão nuclear para continuar com sua assistência. Em 2009, o déficit alimentar deveria ser comparável ao de 2008. Mas o esgotamento da assistência internacional pode agravar a escassez.
Na primavera, o PAM "soou o alarme", pedindo por uma ajuda de US$ 500 milhões (R$ 855 milhões) destinados a alimentar um terço da população. Em novembro, ele só recebeu 20% do montante pedido. Enquanto a Somália, o Sudão ou Mianmar (antiga Birmânia) - cujas imagens no exterior não são muito mais positivas - recebem assistência internacional, a Coreia do Norte é tão demonizada que os doadores lhe dão as costas. Teoricamente, as sanções aplicadas contra ela, em junho, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, após seu segundo teste nuclear e seus tiros de mísseis, não afetariam a ajuda humanitária, mas é o que ocorre na realidade.
A Coreia do Norte se encontra, de fato, em uma lista negra do auxílio humanitário. Este chega, mas com parcimônia, e a população é a principal vítima. Em 2009, a assistência mais substancial veio da China, que aplica as sanções internacionais, mas conduz paralelamente uma política destinada a garantir a estabilidade do regime, mantendo-o dependente de subsídios. Há alguns meses Pequim não publica mais estatísticas sobre suas relações comerciais com a Coreia do Norte e não se sabe o montante de sua assistência.
Alguns especialistas estrangeiros ressaltam que a situação alimentar é preocupante, mas que não convém o alarmismo: uma parte das colheitas (cultivos nas encostas, hortas) escapa das estatísticas oficiais e aliviam até certo ponto a falta de alimentos, abastecendo os mercados paralelos.
Em um país montanhoso onde as terras cultiváveis são raras (elas representam 20% da superfície) e os invernos são siberianos, o esforço feito pela população é imenso. Nas regiões como o sul de Pyongyang, armazém de arroz do país, o tenro verde dos arrozais se estendia até perder de vista neste verão, alternando-se com os campos de milho. Uma parcela mínima de terra estava cultivada: a soja cresce nos diques dos arrozais e as plantações paravam na beira das estradas para tomar de assalto as colinas. O animal de tração compensa uma mecanização inexistente; as transplantações e as colheitas são feitas à mão.
Mais do que a quantidade da produção agrícola, é a situação nutricional da população que é preocupante, em especial pela falta de proteínas. Segundo estimativas das Nações Unidas, a desnutrição atinge 23% das crianças com menos de 5 anos; um terço das mulheres grávidas são subalimentadas (seu peso mal ultrapassa 45 kg) e dão à luz bebês com sistema imunológico enfraquecido.
Além disso, em razão da insuficiência dos fertilizantes químicos, há dois anos a agricultura norte-coreana recorre aos dejetos humanos e animais, com os riscos sanitários que isso comporta. "Estamos assistindo a um fenômeno cumulativo de subalimentação crônica há quinze ou vinte anos, que passa de uma geração para outra e se traduz em uma tragédia em câmera lenta", acredita Torben Due, representante do PAM em Pyongyang.
A escassez alimentar crônica da Coreia do Norte leva a uma deterioração do estado de saúde da população que o sistema hospitalar não consegue enfrentar, por estar hoje tragicamente destituído de meios: equipamentos, anti-sépticos, anestésicos, medicamentos...
Tradução: Lana Lim
Texto do Le Monde, reproduzido no UOL.
Marcadores: Coréia do Norte, fome, sorex
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