quarta-feira, novembro 11, 2009

A visita de Peres, no alvo errado

A visita de Peres, no alvo errado

O presidente de Israel, Shimon Peres, inicia hoje sua visita ao Brasil (e, depois, à Argentina) preocupado com o que se deu por chamar como "infiltração iraniana".

É uma preocupação fora de foco. Não que Israel não tenha que se preocupar com o Irã. Todo o mundo tem mesmo que inquietar-se com ditaduras, ainda mais de fundo teológico. Costumam ser perigosas.

Mas não é no Brasil e menos ainda na Argentina que se vai encontrar "infiltração iraniana". Os atentados contra a embaixada de Israel, primeiro, e contra a sede de uma entidade assistencialista judaica depois, ambos em Buenos Aires, atribuídos a agentes iranianos (inclusive a um ministro do atual governo), tornam impraticável qualquer hipótese de colaboração entre o governo Cristina Kirchner e o Irã.

No Brasil, é de fato lamentável que o presidente Lula tenha sido condescendente com a negação do Holocausto feita, uma e outra vez, pelo presidente Ahmadinejad. Mas daí a suspeitar de "infiltração vai um abismo intransponível.

O foco da visita de Peres, o último grande patriarca do Estado judeu, deveria estar, isto sim, na infiltração israelense em territórios palestinos.

Não creio que, como presidente, Peres possa abrir seu coraçãozinho no Brasil. Mas não custa lembrar que ele foi o principal parceiro de Yitzhak Rabin, o primeiro-ministro assassinado por extremistas judeus exatamente por ter sido o que abriu o caminho para um acordo com os palestinos. Acordo, que, com Ehud Barak, colega de partido de Peres e Rabin (o Partido Trabalhista), ficou a passos de ser sacramentado.

Por isso, Peres, como Rabin, era chamado de "irmão" por Iasser Arafat, o primeiro presidente da Autoridade Palestina.

Não é o caso de rememorar aqui todos os eventos que levaram da iminência de um acordo à iminência da destruição dos territórios palestinos.

O fato relevante a propósito da visita de Peres é a ameaça real de extinção da Autoridade Palestina, a única que Israel e todo o Ocidente considera capaz de negociar a paz. Se estão certos em perseguir e marginalizar o Hamas, é outra discussão. O fato é que o país que Peres preside está sufocando Mahmud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, a tal ponto que ele afirmou que não disputará a reeleição no pleito em princípio convocado para janeiro.

Pode ser mera tática para extrair concessões, mas faz todo o sentido a avaliação de Saeb Erekat, o principal negociador palestino, para o "New York Times". Diz Erekat que Abbas está se dando conta de que "fez todo o caminho com o processo de paz de forma a criar um Estado palestino, mas o Estado não está à vista".

Nessa situação, fecha o raciocínio com impecável lógica: "Não há necessidade de um presidente ou de haver uma Autoridade [Palestina]".

Tudo somado, é a Palestina, não o Irã, que deveria ser o foco da visita de Peres.

Texto de Clóvis Rossi, na Folha Online.

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