sexta-feira, maio 30, 2008

Brasil, 1968

Brasil, 1968

A PIOR SAUDADE é daquilo que não se viveu. O saudosismo de 68 no Brasil tem muito do que ficou só na promessa.
A ditadura militar amputou um movimento que poderia ter sido muito mais do que foi. Produziu ainda um outro efeito limitador, talvez mais importante: separou o 68 brasileiro em duas metades, uma política, outra cultural.
As imagens mais poderosas do 68 norte-americano ou francês mostram uma revolução que não separava política e cultura, que pensava a encenação pública das transformações do cotidiano como a nova política. Foi essa união que não se completou no Brasil.
Nossa parca tradição democrática e a repressão ditatorial empurraram para uma concepção estreita de ação política, em boa medida calcada na experiência dos partidos de esquerda tradicionais. E foi essa metade política limitada que dominou o 68 brasileiro, enquadrando sua metade cultural.
No Festival Internacional da Canção de 1968, Caetano Veloso defendeu, com "Os Mutantes", a música "É Proibido Proibir", slogan do 68 francês. Foi recebido com ovos, tomates e vaias. Sua resposta foi um longo discurso em que disse: "Se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos".
Disse ainda: "Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música, que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado". Foi certeiro. Quem no auditório sobreviveu à ditadura ou não estava no exílio curtiu como nunca antes o seu disco "Qualquer Coisa", de 1975.
Isso porque, a partir de 1974, o general de plantão adotou uma estratégia de descompressão seletiva e gradual. A idéia parecia ser a de liberar a circulação de alguns bens culturais com muito maior velocidade do que fazer a "abertura política". A censura continuava, mas o diminuto público universitário podia ler Marx e ouvir Caetano.
Foi nesse novo quadro ainda restritivo que a metade cultural de 68 surgiu sem estar mais subordinada à política. Mas também sem manter com a política aquela união prometida em 68.
Quando a esfera pública brasileira voltou às ruas, a partir de 1977, havia já novidades importantes nas formas de organização política do movimento pela redemocratização. É possível mesmo que a metade política estivesse mais bem preparada para lidar com sua metade cultural de uma maneira que não a da subordinação. Mas a metade cultural já tinha tomado rumos próprios.
O período que vai de 1977 a 1985 trouxe a sensação de que algo ia se completar, que iam finalmente se juntar as duas metades separadas em 1968. Mas o país e o mundo já eram outros.


Texto de Marcos Nobre, na Folha de São Paulo, de 27 de maio de 2008.

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Unasul II

Política de boa vizinhança

BRASÍLIA - Enquanto setores do Primeiro Mundo assumem desavergonhadamente que cobiçam a Amazônia, o Brasil se une aos vizinhos da América do Sul na Unasul. Um movimento é de ataque, e o outro, de defesa. Logo, legítimo.
Como se seguissem um padrão -ou seria patrão?-, os governos sul-americanos caminharam juntos em aventuras populistas, ditaduras militares, ondas neoliberais, mas seus povos desconheciam-se uns aos outros. Mal se liam, não se visitavam e até hoje é mais fácil voar do Amazonas, do Ceará, da Bahia ou de qualquer outro Estado para a Europa ou para os EUA do que para Venezuela, Colômbia, Bolívia.
O Brasil é uma ilha de língua portuguesa num oceano de língua hispânica, mas, geração após geração, as elites brasileiras estudaram francês, inglês e até latim, suspiraram em Paris e deslumbraram-se nos shows da Broadway, sem saber qual é e onde é a capital do Peru.
O que o brasileiro sabia da Venezuela quando estourou o fenômeno Chávez? Nada.
Com esse grau de distanciamento, os países e suas riquezas, amazônicas ou não, são alvos fáceis. Daí, a Unasul tem tudo a ver. Não se esperem resultados "concretos" rapidamente, muito menos moeda única, banco central válido para todos e um conselho de segurança comum da noite para o dia, como Lula dá a entender, do alto de seu otimismo embalado a índices estonteantes de popularidade. Olhe-se o processo. A Unasul é uma manifestação política, uma busca de identidade e de união. E sem alternativa.
Os destinos dos países sul-americanos -assim como suas crises- estão intrincados uns nos outros.
Especialmente num mundo dito globalizado, cada vez mais formatado em grandes e desafiantes blocos.
Quem perder esse trem não vai poder chorar as pitangas e as jabuticabas quando, e se, o fantasma da internacionalização da Amazônia tentar se materializar.


Texto de Eliane Castanhede (Eliane Castanhede?) na Folha de São Paulo, de 27 de maio de 2008.


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quinta-feira, maio 29, 2008

Unasul

Em Brasília, os países sul-americanos dão um passo rumo à integração regional

Jean-Pierre Langellier
No Rio de Janeiro


Um novo organismo regional nasceu na América Latina. Os dirigentes de doze países que, juntos, representam 380 milhões de habitantes, assinaram na sexta-feira (23), em Brasília, o tratado que cria a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), estão seguindo o exemplo da União Européia. Este fórum de diálogo político reúne Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.

A implantação da Unasul foi concretizada, sobretudo, por obra do Brasil. Ela caracteriza, na visão brasileira, um novo passo rumo à integração regional da qual o país desponta, em função do seu peso demográfico e da sua potência econômica, como o principal beneficiário. Para desempenhar o papel em nível mundial ao qual ele aspira, o Brasil precisa de estabilidade em seu continente. E ele não faz mistério disso, sem dar mostras de qualquer inquietação nem exibir qualquer arrogância.

Na visão dos seus idealizadores brasileiros, a Unasul deverá ser um organismo maleável, um foro para consultas que poderão ser efetuadas de maneira permanente, além de uma instância que sirva como "primeiro recurso" para permitir a prevenção dos conflitos. Assim, na medida do possível, esta entidade terá por missão evitar que seja acionada, em caso de conflito, a Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual fazem parte os Estados Unidos. O Brasil considera mais desejável que os doze países da América do Sul solucionem entre si os problemas do seu subcontinente.

É por estas razões que Brasília também está trabalhando na criação de um Conselho de Defesa sul-americano. Longe de ser uma mini-OTAN local (organização do Tratado do Atlântico Norte, integrada pelos Estados Unidos e vários países europeus, voltada para assuntos de defesa e cooperação militar), este conselho não selaria nenhuma aliança militar. Ele seria essencialmente "um órgão de articulação" das políticas de defesa entre os doze países. Contudo, este outro projeto brasileiro não desfruta de um consenso regional. O Uruguai, e, sobretudo, a Colômbia, que firmou uma aliança estreita com os Estados Unidos, se opõem à sua realização.

Presidida por Michelle Bachelet
Bogotá, que recusou a oferta de Brasília, considerou que seria "imprudente" presidir a Unasul, alegando as suas "dificuldades" atuais com o Equador e a Venezuela. A presidente chilena, Michelle Bachelet, por sua vez, aceitou assumir a sua presidência. Ela conclamou os seus homólogos sul-americanos a "concentrarem seus esforços na busca de consenso" e a empregarem "toda a energia possível para que a união possa ser implementada".

A Unasul realizará uma reunião anual com os chefes de Estado. No longo prazo, a União será dotada de um Parlamento. Contudo, o caráter heterogêneo das ideologias que norteiam os governos do subcontinente constituirá a principal dificuldade que a Unasul terá de enfrentar. Os países da esquerda radical - Bolívia, Equador e Venezuela - estimam que "falta audácia" na concepção do tratado. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, defende a idéia de uma "OTAN da América do Sul", uma aliança militar que estaria dirigida contra "o inimigo número um, o império dos Estados Unidos", conforme ele repetiu em seu discurso na sexta-feira. Com isso, não foi por acaso se a Bolívia e a Venezuela anunciaram no mesmo dia terem concluído um novo tratado bilateral de cooperação militar.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

Texto do Le Monde, no UOL.

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Repressão a cristãos na Argélia

Rodrigo Coelho
Da BBC Brasil no Cairo

Argélia: Cristãos convertidos são julgados por pregar religião não-islâmica

Seis cristãos convertidos do islamismo podem ser condenados a até dois anos de prisão e a pagar multas de cerca de US$ 8 mil na Argélia, depois de serem acusados de pregar uma religião não-islâmica sem a aprovação do governo.

Os homens, protestantes, são acusados de distribuir material religioso considerado ilegal. O veredicto deve ser anunciado na próxima terça-feira, dia 3 de junho.

Em um caso paralelo, uma mulher, Habiba Kouider, foi processada por ter sido pega portando exemplares da Bíblia, na cidade de Tiaret, a cerca de 400 km da capital Argel.

Ela é acusada de pregar uma religião sem autorização e pode ser condenada a até três anos de cadeia. Kouider nega a acusação.

Exemplo

Alguns jornais argelinos afirmam que o caso de Kouider seria um exemplo de desrespeito à liberdade de consciência, direito garantido pela Constituição do país, que permite, pelo menos no papel, a prática de outras religiões.

Desde 2006, entretanto, as leis argelinas determinam que congregações não-islâmicas e líderes de outras religiões precisam obter licença do governo para poder pregar suas crenças.

Os advogados das vítimas estão sendo pagos pela organização não-governamental American International Christian Concern.

A porta-voz para a África da organização, Darara Gubo, disse à BBC Brasil acreditar que atualmente existe um movimento crescente de repressão à conversão ao cristianismo em vários países muçulmanos.

“Em diversas nações islâmicas os cristãos estão sendo processados quando usam sua liberdade religiosa e evangelizam muçulmanos. Isso acontece na Argélia, Irã, Arábia Saudita, Jordânia e muitos outros países”, disse ela.

Gubo afirma que a repressão aumentou na Argélia após a exibição de um documentário que mostrava um aumento do número de cristãos no país.

“Isso (o documentário) gerou muita pressão de outros países do Oriente Médio e da África. Eles consideraram vergonhoso que os muçulmanos estivessem se convertendo.”

O governo da Argélia afirma que existem cerca de 11 mil cristãos no país, cuja população é de cerca de 33 milhões. Grupos religiosos cristãos afirmam que o número de fiéis é bem maior.

Da BBC Brasil.

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quarta-feira, maio 28, 2008

Grau de Investimento

Grau de investimento

A PROMOÇÃO da economia brasileira, do mais elevado "rating" da agência Standard & Poor's entre as classificadas como aplicações "especulativas" para o mais baixo "rating" das classificadas como aplicações de "investimento", era esperada havia algum tempo. O Brasil inicia uma caminhada que, se não ocorrer uma tragédia, acabará no último degrau da virtude, que é o "rating" AAA.
Para atingi-lo faltam-nos, entretanto, nove promoções! O avanço suscitou risível fogueira de vaidades pela disputa reivindicatória da sua paternidade. Pode-se procurar muitas causas para o fato. O que parece evidente, entretanto, é que a mudança que agora motivou a decisão da agência foi a recuperação do nosso crescimento entre 2004 e 2007, como se vê na tabela abaixo, onde se registra o crescimento do PIB real de Brasil, Índia e China.

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Apenas como "memória", registramos o crescimento dos mesmos países no período 1971-80, quando a primeira crise do petróleo destruiu o equilíbrio interno e externo de todos os emergentes que dependiam fortemente da sua importação. É bom lembrar, também, que o Brasil foi o primeiro deles a restabelecer o equilíbrio externo (1984), com uma imensa desvalorização cambial e uma profunda recessão.
Infelizmente, a nossa dívida só foi renegociada em 1994, o que atrasou o aproveitamento daquele fato.
A verdade é que nunca deixamos de melhorar nossas instituições com a inteligente superação do regime autoritário e sua consolidação na Constituição de 1988. Quando olhamos para a China (que a S&P classifica como o "rating" A) e para a Índia (que já tem há algum tempo o nosso mesmo "rating" BBB-), não podemos deixar de reconhecer algumas vantagens. Temos autonomia energética e alimentar (que elas não têm) e temos um regime político aberto (a Índia também). Não temos os problemas lingüísticos étnicos, religiosos e de fronteiras que praguejam aqueles sociedades. Já estamos urbanizados e temos uma densidade demográfica razoável.
Mesmo em matéria de inflação, levamos hoje uma pequena vantagem, com a chinesa andando às voltas de 9%, a indiana, em torno de 6% e a nossa, em 5%.
Isso mostra que devemos nos alegrar, mas não levar muito a sério o carimbo das agências de "ratings", porque elas não têm quem lhes dê o seu "rating". Temos crescido pouco por culpa e obra dos governos que deixaram de pensar o Brasil 25 anos à frente!

Texto de Antonio Delfim Netto, na Folha de São Paulo, de 21 de maio de 2008.

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Conflito com as Farc só será resolvido com negociação política

Marcia Carmo
De Buenos Aires para a BBC Brasil

Conflito com as Farc só será resolvido com negociação política, diz analista

A estratégia e as ações militares do governo colombiano contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) podem estar enfraquecendo o grupo rebelde, mas o conflito só será resolvido com negociação política, afirma o cientista político colombiano Alejo Vargas.

"As Farc podem estar se enfraquecendo, vivendo seu momento mais difícil, mas não se pode dizer que o conflito está perto do fim", disse à BBC Brasil, por telefone, o professor de ciências políticas da Universidade Nacional da Colômbia.

"As ações militares estão enfraquecendo o grupo, mas o fim deste conflito só ocorrerá com uma negociação política", disse ele.

Autor de vários livros, entre eles "As Forças Armadas no conflito colombiano" e "Guerra ou solução negociada – ELN, origem, revolução e processo de paz", Vargas diz que a estratégia militar e seus resultados têm apoio da opinião pública colombiana e vão continuar, independentemente de o governo ser de direita ou de esqueda.

Veja os principais trechos da entrevista concedida por Vargas à BBC Brasil:

BBC Brasil - É possível ou não vencer esse conflito militarmente?

Alejo Vargas - É possível enfraquecer as Farc, como o que está ocorrendo desde o fim do ano passado. Mas o fim desta história, que ainda não sabemos quando ocorrerá, necessitará de uma negociação política.

BBC Brasil - O governo poderá intensificar sua estratégia militar de agora em diante, principalmente depois da morte de Manuel Marulanda, fundador do grupo?

Vargas - Não acredito que haverá mudanças fortes no curto prazo. Esse fato (a morte de Marulanda) ocorreu há dois meses. O fato é que não vejo nenhuma mudança na estratégia militar das Forças Armadas colombianas.

Acho que agora a expectativa é saber se haverá mudanças nas Farc, mas enquanto isso não ocorre, o governo não mudará nada no seu plano de ação. Ou seja, o governo vai esperar o próximo passo das Farc. Enquanto isso, o resto se mantém.

Todos estão esperando o próximo passo das Farc, inclusive o grupo internacional de negociadores (formado por França, Suíça e Espanha) autorizados a trabalhar na facilitação (acordo humanitário que envolve a entrega de reféns) e a Igreja Católica. E tudo isso está mantido.

BBC Brasil - Na sua opinião, a estratégia militar traçada pelo governo do presidente Álvaro Uribe vem sendo mantida? Ou alguma coisa mudou antes e depois da morte de Raúl Reyes (considerado chanceler das Farc, morto em março)?

Vargas - A estratégia das Forças Armadas colombianas começou antes mesmo do governo Uribe. Começou com o "Plano Colômbia", assinado (nos anos 1990) pelos presidentes Bill Clinton, dos Estados Unidos, e Andrés Pastrana, da Colômbia, depois seguiu com o "Plano Patriota" e agora é a etapa do chamado "Plano Consolidação".

E esta estratégia, que é permanente, vem mostrando resultado vitorioso para o Estado colombiano. Chegou-se a pensar que o Plano Colômbia era limitado ao combate às drogas, mas ele foi fundamental para mudar a reengenharia das Forças Armadas. Foi quando aumentaram-se recursos para as Forças Armadas e se intensificou seu processo de inteligência.

Nestes últimos tempos, ocorreram baixas de militares e de guerrilheiros. Mas ainda não se pode falar de uma derrota militar da guerrilha.

BBC Brasil - Mas com estas últimas mortes, como a de Reyes, e a entrega, por exemplo, da guerrilheira conhecida como "Karina", não se poderia afirmar que as Farc vivem uma etapa complicada?

Vargas - Complicada, difícil. Mas, sem dúvida, não se pode falar em derrota militar das Farc. Porém, o grupo recebeu golpes muito contudentes e isso mudou a relação de forças no conflito colombiano.

As Farc podem estar se enfraquecendo, vivendo seu momento mais difícil, mas não se pode dizer que o conflito está perto do fim.

As ações militares estão enfraquecendo o grupo, mas o fim deste conflito só ocorrerá com uma negociação política.

BBC Brasil - É a primeira vez na história de 44 anos das Farc que isso ocorre?

Vargas - É sim, a primeira que isso ocorre. Houve um pouco disso no início do governo (César) Gaviria (1990-1994), quando as ações (do governo) ficaram conhecidas como guerra integral, mas nada do que ocorreu naquela época foi da magnitude atual e também não durou o mesmo tempo que esta etapa de hoje.

BBC Brasil - Alguns especialistas afirmam que a estratégia de Uribe foi empurrar a guerrilha para a selva, onde se travam os combates.

Vargas - Uribe formulou o plano chamado "Política de Segurança Democrática" (que inclui o aumento do orçamento para defesa e recompensa para informantes que denunciem a guerrilha e estimulou a deserção dos guerrilheiros) e mantém a estratégia das Forças Armadas.

Uribe deu grande e persistente apoio às Forças Armadas e isso foi positivo para as ações militares. Os componentes fundamentais das Forças Armadas são a inteligência técnica e humana e também mobilidade, o que envolve capacidade de transporte de tropas e aviões de combate, por exemplo. Estes são os grandes componentes desta estratégia militar. E o componente da inteligência é muito importante nesse conjunto.

BBC Brasil - Os militares colombianos são treinados na Colômbia? Como a opinião pública vê estas ações?

Vargas - Os militares são treinados na Colômbia. Hoje, as Forças Armadas do país são as que têm melhor capacidade e treinamento da região. Como em qualquer país presidencialista, Uribe é o comandante das Forças Armadas. Mas o mérito do governo Uribe junto à opinião pública foi sua política de apoio às ações das Forças Armadas.

BBC Brasil - E quais são os principais resultados destas ações?

Vargas - Queda no número de seqüestros e ataques à população. Por isso, para a maioria da sociedade, e inclusive para a esquerda, é preciso manter a política pública em vigor. Nenhum governo que chegue vai acabar com essa política. (Segundo dados do Ministério da Defesa da Colômbia, o número total de seqüestros caiu de 2.882 em 2002 para 486 no ano passado. Os atentados terroristas caíram de 1.645 em 2002 para 387 em 2007).

BBC Brasil - O que está ocorrendo com as Farc hoje? Na sua opinião, o grupo passa por um processo de fragmentação?

Vargas - Não há dúvidas de que as Farc têm recebido golpes contundentes até agora. Mas o que vai acontecer no fututo é especulação. Pode ser que (Alfonso) Cano e o novo secretariado do grupo consigam manter a coesão. Ou não consigam essa coesão e caminhem para a fragmentação interna.

Não há dúvida que a morte de Marulanda é um golpe muito, muito forte, porque ele era fundamental para a união do grupo. E qualquer um que o substitua não será a mesma coisa e existirá um vazio (nas Farc) sem Marulanda. Mas é preciso ver ainda o que vai acontecer.

BBC Brasil - É possível imaginar o fim das Farc?

Vargas - A guerrilha colombiana tem mais raízes que outros grupos, como o (peruano) Sendero Luminoso, e acho sim, esses golpes militares podem enfraquecer as Farc. Mas acredito que haveria negociação política para que se chegue um ponto final. Insisto, não é possível pensar hoje no fim desta história sem um acordo político.

BBC Brasil - E o senhor acredita que as Farc confiariam numa negociação com Uribe?

Vargas - Um exemplo: o governo Uribe avançou num acordo político com o ELN, mas este foi congelado devido à crise com a Venezuela e o Equador. É verdade que o ELN está mais enfraquecido que as Farc, mas não descartamos essa negociação.

BBC Brasil - Em dezembro passado, chegou-se a especular a possibilidade da entrega de reféns numa área determinada na selva. Como está essa situação?

Vargas - Tudo continua na agenda, mas talvez à espera do momento certo.

BBC Brasil - Qual o futuro das Farc?

Vargas - Acho que as Farc e o ELN vão virar representaçoes políticas e os paramilitares não terão mais função, porque não existirão os insurgentes. Acho que o destino das Farc pode ser o M-19, por exemplo (movimento de guerrilha urbana surgirdo nos anos 1970 e transformado, 20 anos mais tarde, no partido "Aliança Democrática").

BBC Brasil - Mas no meio estão as acusações do envolvimento das Farc com o tráfico de drogas. O que o senhor acha disso?

Vargas - O tráfico de drogas é uma realidade que vai além da Colômbia. O tráfico de drogas também está há muito tempo no nosso país. Esse será um capítulo à parte nesta história.

BBC Brasil - Qual o tamanho das Farc hoje? Alguns falam em 8 mil e outros em 10 mil.

Vargas - Ninguém contou a quantidade de guerrilheiros. Por isso, qualquer número é especulação.

BBC Brasil - Quem está ganhando até agora? O governo ou as Farc?

Vargas - Isso não é uma partida de futebol, mas esperamos que a sociedade colombiana saia ganhando um dia.

Texto da BBC Brasil.


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terça-feira, maio 27, 2008

A outra revelação do computador de Reyes

A outra revelação do computador de Reyes


Maria Teresa Ronderos
Bogotá, Colômbia

Na semana passada, a Interpol anunciou formalmente em uma coletiva de imprensa realizada em Bogotá que, apesar de as autoridades colombianas terem apreendido um dos computadores das Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (Farc) confiscados na selva equatoriana depois de um ataque da força pública colombiana ao acampamento de Raúl Reyes, ex-membro do Secretariado - como é chamado a junta diretora dessa guerrilha -, não haviam manipulado seu conteúdo.

Como se nunca tivesse passado pela cabeça dele que alguém colocaria as mãos em seus equipamentos, Reyes tinha ali todos os documentos, cartas, fotos e vídeos que os chefes das Farc trocaram entre eles, com seus aliados, com pessoas a quem queriam conquistar como amigos e com os milhares de negociantes que lhes ofereciam todo tipo de parafernálias de guerra, desde 1999. Conhecemos apenas uma parte do enorme arquivo, e já apareceram conexões desse movimento de guerrilha com meio continente. Com Chávez e algumas figuras de seu regime, eles conversaram sobre um plano estratégico para impulsionar mutuamente seus fins: o bolivarismo dos primeiros e a queda do governo colombiano, para os segundos. Isso incluiu contatos para compras de armas na Rússia e Belarus, petrodólares, declarações e gestos com benefícios mútuos (Chávez pediu para as Farc o reconhecimento internacional como força beligerante, e as Farc fizeram do mandatário venezuelano um príncipe da paz quando liberaram seqüestrados depois que ele intercedeu).

Até onde se envolveu Chávez em semelhante despropósito pela obsessão de conseguir a libertação dos seqüestrados, e até onde, como asseguram os chefes das Farc em suas comunicações, seus fins reais incluía negócios menos altruístas, como a venda de armas, os aportes em dinheiro e a cumplicidade em crimes de guerra colombiana contra venezuelanos, será questão a ser definida em investigação futura (já que é possível que as Farc não tenham conseguido tudo que dizem).

Também aparecem no computador trocas de mensagens com os grupos mais extremos de produtores de coca, os de Quispe, na Bolívia, que pediam treinamento para seus homens; com alguns representantes do PT brasileiro; com outros da ala mais esquerdista da aliança liderada por Correa no Equador; com os da Pátria Livre, do Paraguai, bem como conexões com o Panamá, transações financeiras na Costa Rica e a lista segue...

A informação apresentada revela as alianças políticas internacionais que as Farc construíram, e ajuda a entender como um exército de homens, mulheres e crianças provenientes das margens mais esquecidas do campo colombiano despejavam tanta soberba. Olhavam-se em um espelho a partir do qual dirigentes políticos de quase toda a América os louvavam, pediam seu apoio e treinamento, manifestavam sua solidariedade. Como não iam se sentir transcendentais e filantropos?

Mas esses computadores de Reyes permitiram descobrir outro fato muito mais importante para a Colômbia: a absoluta ineficácia de sua política externa. Ou, para expressar a descoberta em outros termos, os profundos equívocos na linha adotada pela Colômbia para convencer os latino-americanos a não apoiar as Farc. A Colômbia, preocupada porque podia perder os milionários recursos do Plano Colômbia depois do 11 de setembro de 2001, resolveu se abrigar desde então, sem reparo nenhum, sob a cantata antiterrorista dos Estados Unidos de George W. Bush. No governo de Uribe, as Farc deixaram de ser uma guerrilha colombiana, produzida por erro e estupidez locais, e se converteram, como por magia, em uma força terrorista alienígena. E os diplomatas de Uribe saíram a alardear que o movimento não merecia apoio porque, como a Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan), a Colômbia estava lutando contra as forças terroristas das Farc.

Qualquer pessoa que se defina como progressista, esquerdista ou nacionalista na América Latina não dá ouvidos a esse discurso, porque cheira a "made in USA". A Colômbia deveria, em lugar disso, ter explicado a seus vizinhos americanos que precisa que eles não apóiem as Farc porque a guerrilha causa danos à população colombiana mais pobre, sabota a produção e agrava a injustiça, e tornou os dirigentes colombianos mais retrógrados e assustadiços, já que associa as mudanças sociais necessárias à subversão e ao comunismo. Caso a Colômbia tivesse explicado aos vizinhos que é exatamente porque as Farc são sua responsabilidade, seu Frankenstein, surgido da inépcia de um Estado que jamais ocupou todo seu território com outra coisa que não armas e também, em parte, da concentração de terras e da desigualdade, não precisaria que ninguém desse à guerrilha razões para continuar existindo, do exterior. O panorama seria outro.

Caso a Colômbia houvesse construído um discurso próprio, autêntico e veraz para convocar a solidariedade dos povos irmãos em sua busca de reconciliação, é muito provável que as Farc obtivessem êxito muito menor em seus esforços de conquistar aliados em quase todos os países americanos. Caso Chávez, Rafael Correa e os partidos de esquerda soubessem com certeza que abrir espaço às Farc equivale a prolongar o conflito colombiano por anos, porque graças a elas se justifica a direita violenta, e isso os torna cúmplices da crueldade como método de domínio político e aliados de um movimento cujos ideais estão carcomidos por negócios lucrativos... Mas não. O governo colombiano constata o enorme fracasso de sua política externa nos computadores de Raúl Reyes, mas insiste em manter a mesma receita. A linguagem de Bush permeia a tal ponto seu discurso que o senhor Noble, da Interpol, colocou sua credibilidade em grande risco ao apresentar seu relatório por classificar as Farc como "terroristas".

Tomara que um novo governo colombiano, com mentalidade menos colonizada, aproveite a descoberta dos computadores de Reyes não só para desarticular os negócios montados pela guerrilha em todos os caminhos americanos mas também para reconhecer que as Farc só puderam chegar tão longe graças à nossa política externa falida, e que portanto é urgente corrigi-la.

Texto do Terra Magazine.


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segunda-feira, maio 26, 2008

Eleições em Porto Alegre

Faltam menos de cinco meses para a o primeiro turno das eleições em Porto Alegre. Que se pode dizer sobre os candidatos e a cidade até agora.

Pode-se dizer que o clima de eleição ainda “não pegou”, por assim dizer. Se especula, mas parece que nem os jornais mais tradicionais aqui de Porto Alegre estão muito envolvidos com o pleito de outubro próximo. As tais pesquisas de opinião dos eleitores têm sido raras até agora.

Claro, que o atual prefeito, José Fogaça, é um nome forte para a reeleição, pois afinal, o mecanismo da reeleição já dá ao atual mandatário uma vantagem, qual não seja, ele é o prefeito, e por consequência há a tendência de que seja lembrado pelos eleitores.

Não que a administração de José Fogaça esteja empolgando os porto-alegrenses. Ela ficou até agora marcada por manter o orçamento participativo que havia sido implantado na gestão do PT, com um toque pessoal, reprimir o comércio ambulante irregular no centro da cidade com a ajuda da força policial estadual, e lançar o projeto do “centro popular de compras”, vulgo camelódromo, que pelo ritmo da obra, não estará pronto até outubro. Ele ainda inaugurou o tal Conduto Forçado Álvaro Chaves, cujas obras haviam iniciado na gestão anterior.

O Jornal do Centro, jornal de bairro quinzenal, distribuído gratuitamente em alguns pontos do Centro de Porto Alegre, em sua edição 122, de 5 a 20 de maio, dá manchete de capa para “O Centro em estado abandono”, e menciona lixo espalhado, calçadas defeituosas, iluminação e seguranças precárias. O periódico se destina aos moradores do Centro da cidade, e elenca os problemas que enfrenta quem mora nesta parte da cidade e por transita normalmente a pé. Provavelmente seja por isso que a administração não “veja” tais problemas.

O prefeito atual chegou aonde está, porque foi o nome, um nome relativamente “pop” (afinal o atual prefeito é compositor, quase todo porto-alegrense, nato ou de coração, já deve ter ouvido a famosa “Porto Alegre é demais” na voz da digníssima esposa do nosso alcaide), que conseguiu unir uma grande frente partidária anti-petista. O PT, Partido dos Trabalhadores, vinha elegendo o prefeito nos quatro pleitos anteriores, com 16 anos de mandato seguido.

E aí podemos pensar nos demais concorrentes. De certo até agora, a candidatura da deputada federal Maria do Rosário, vencedora de prévias no Partido dos Trabalhadores, com planos para retomar a prefeitura. A primeira vitória do PT, em 1988, com a chapa Olívio Dutra-Tarso Genro, foi algo empolgante na época. O PT vinha num crescendo em Porto Alegre, até que tomou a Prefeitura. Mas claro, que 16 anos de poder trazem desgaste. E certamente contribuiu para este desgaste o fato de Tarso Genro ter sido eleito para prefeito, em 2000, e abandonar o cargo para o vice João Verle, em 2002, para concorrer ao Governo do Estado, sendo que Tarso havia prometido em campanha que não abandonaria o cargo. Maria do Rosário empolgará o partido e sua militância? Será algo interessante de se ver, depois da “campanha profissional” do partido para a prefeitura em 2004, e da campanha ao governo do estado em 2006, onde Olívio Dutra até conseguiu unir o partido, mas a militância não chegou a ter a empolgação de antes do presidente Lula chegar à Presidência da República, em 2002.

A também deputada federal Manuela D'Ávila tem a seu favor a maior votação gaúcha para a Câmara dos Deputados, e sua aparência de jovem bonita. Irá o PcdoB apostar na jovem para a Prefeitura de Porto Alegre?

Outra possível candidata é a deputada federal Luciana Genro, do PSOL. Luciana Genro já foi deputada estadual pelo PT, e conseguiu se reeleger à Camara dos Deputados em 2006, pelo PSOL, um partido ainda pequeno, que surgiu de cisão do PT, quando alguns de seus membros se estranharam com a orientação da direção partidária petista.

Pela direita, temos Ônix Lorenzoni, do ex-PFL. Mas sua candidatura aparentemente tem menos substância do que as de Manuela D'Ávila, ou Luciana Genro. É uma vaga candidatura.

Outros partidos, que possuem bancada na Câmara de Vereadores da cidade, parecem que estão a fim de embarcarem, ou continuarem na candidatura do atual prefeito.

Ou seja, faltando menos de cinco meses para as eleições, ainda não temos um grande favorito, nem candidaturas bem estabelecidas. Só nos resta aguardar.

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Texto de Elio Gaspari: De PedroSegundo@edu para Lula@org.br - Amazônia e Internacionalização da Amazônia

De PedroSegundo@edu para Lula@org.br

ESTIMADO PATRÍCIO,
Vosmecê não sabe como vivo bem. Leio os jornais do dia sem ter de esperar os navios que vêm da Europa. Sábado passado o correspondente do "New York Times" escreveu um artigo sobre a Amazônia, perguntando-se quem é o dono da região. O jornalista definiu como "protecionismo territorial" aquilo que nós, bem como os ianques, conhecemos como soberania nacional. Dias antes, uma folha londrina dissera que os brasileiros precisam entender que a Amazônia é algo muito importante para ser coisa só deles. Na mesma direção já se manifestaram em anos passados o presidente comunista francês François Mitterrand e o ex-vice-presidente americano Albert Gore. Durante o meu reinado já prosperava junto aos povos cultos a idéia de que o nosso vale amazônico é ocupado por gente "imbecil e indolente". Isso dá gravidade ao tema. Não se trata apenas de achar que a Amazônia não é brasileira, mas que, por ser o que é, brasileira não pode ser.
Vossa maçada chama-se meio ambiente. A minha chamou-se "livre navegação". Remanchei o quanto pude para evitar que embarcações estrangeiras subissem o Amazonas. À época sofremos enorme pressão internacional, sobretudo americana. Sei que por aí há uns grosseirões que ainda me chamam de "Pedro Banana", um dissimulado sacerdote do atraso. Quero ser claro: ao lado das sinceras manifestações em defesa do meio ambiente há interessados em mutilar nossa soberania.
Conhecendo minha circunspecção e a maneira como pondero cada palavra, pois os monarcas não devem sair por aí dizendo tolices (os presidente podem), vosmecê avaliará minha preocupação. Quero trazer à memória do patrício uma encrenca do meu tempo.
Em 1850 o governo americano pediu-nos licença para que William Herndon, um oficial de sua Marinha, descesse o Amazonas com uma embarcação tripulada por umas dez pessoas. Falavam em "curiosidade científica" na busca de "conhecimentos geográficos". Havia na Secretaria dos Negócios Estrangeiros quem quisesse negar a permissão, mas acabamos concendendo-a, pois sempre fui um soldado da ciência. Outro dia o tenente Herndon me foi apresentado pelo general Vernon Walters. É um careca destemido e carrancudo. Na nossa conversa, voltou a reconhecer que estava atrás de outra coisa. O governo de Washington estudava a possibilidade de transferir a escravaria do Sul dos Estados Unidos para a Amazônia. Iam além: admitiam a possibilidade de instalar no nosso vale o próprio empreendimento escravocrata americano. Se hoje os americanos falam em "protecionismo territorial", em 1852 o tenente Herndon falava em "trabalho compulsório" para povoar o protetorado da Amazônia norte-americana.
Dissimule muito, esbraveje pouco, mas não ceda. O que eles querem é a nossa soberania. Em 1867, quando eu abri a navegação do Amazonas, os americanos não tinham mais escravos, pois a guerra civil acabara dois anos antes.
Despeço-me desejando-lhe êxito na sua experiência republicana e transmitindo-lhe os cumprimentos da imperatriz a Dona Letícia. Como o senhor sabe, ambas têm a cidadania italiana.
Pedro de Alcântara
Por favor, propague a encrenca do século 19. Sugira a reedição do livro "A liberdade de navegação do Amazonas", de Fernando Saboia de Medeiros, publicado em 1938.

Texto de Elio Gaspari, publicado na Folha de São Paulo, de 21 de maio de 2008.


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Colômbia XI

Colômbia perde arquivo eletrônico de paramilitares

Sumiço suspeito contrasta com caso de laptops das Farc

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

O desaparecimento dentro de presídios de um computador, arquivos de memória e chips de celulares pertencentes a ex-líderes paramilitares vem provocando críticas ao governo do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, e comparações com o caso dos laptops do número dois das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Raúl Reyes.
Até ontem, não haviam sido encontrados o computador de Salvatore Mancuso, principal líder das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), além de discos rígidos e chips de celulares de outros paramilitares extraditados para os EUA na semana passada. A parafernália eletrônica era mantida nas celas onde eles estavam.
"Não é muito paradoxal que os computadores das Farc sobrevivam aos bombardeios [ao acampamento de Reyes, em 1º de março] e os dos narcoparamilitares não sobrevivam ao Inpec [Instituto Nacional Penitenciário e Carcerário da Colômbia]?", questiona Cláudia Lopez, uma das principais especialistas em "parapolítica" e articulista do "El Tiempo".
O próprio jornal, geralmente pró-governo, ironizou o fato de os dirigentes das AUC terem direito a todo esse material ao mesmo tempo em que Uribe justificou a extradição alegando que eles continuavam organizando delitos do presídio.
"Dotados de telefones e conexão à internet, graças à autorização oficial no marco da Lei de Justiça e Paz, os chefes paramilitares podiam se comunicar tranqüilamente com Raimundo e todo o mundo do presídio. Não surpreende que continuassem delinqüindo", diz o editorial de ontem.
Sob críticas, o ministro do Interior, Carlos Holguín, assegurou que já foram identificadas as pessoas que levaram o material de informática. Ele disse que, se necessário, submeterá o material à análise da Interpol, assim como foi feito com os documentos dos computadores de Reyes, morto em março.
Segundo Holguín, dos 12 computadores pertencentes aos ex-líderes, 10 estão em poder da Procuradoria Geral.
Para analistas e a oposição, a extradição dos 14 ex-chefes paramilitares dificultará as investigações sobre seus vínculos com políticos, que já levaram 33 parlamentares à prisão.

Texto da Folha de São Paulo, em 21 de maio de 2008.

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Guiana

ENTRE AMERICANOS...
Sobre a Unasul, "New York Times" e outros só deram, reduzido, o despacho da AP destacando as "diferenças" entre os sul-americanos. O "NYT" dedicou atenção bem maior ao esforço do presidente da Guiana, fora da Unasul, de entregar "40 milhões de acres da Amazônia", 80% de seu país, aos EUA ou "quem der mais".

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sábado, maio 24, 2008

Desiludido, Israel discute como celebrar o 60º aniversário da fundação do Estado

Desiludido, Israel discute como celebrar o 60º aniversário da fundação do Estado

Isabel Kershner
Em Jerusalém


Quando o governo de Israel destinou cerca de US$ 28 milhões para a comemoração do 60º aniversário da fundação do Estado, ele provavelmente esperava que seus cidadãos rebeldes deixariam de lado seus problemas e seu uniriam em uma demonstração de orgulho nacional.

Em vez disso, um mês antes do Dia da Independência, os israelenses estão discutindo sobre quão extravagantemente o país deve comemorar e a que custo.

Muitos reconhecem os feitos notáveis do Estado, apontando para a absorção dos imigrantes, o boom de alta tecnologia e a própria sobrevivência de Israel contra chances desfavoráveis.

Mas a década parece estar chegando ao fim com um sentimento nebuloso não característico, com mais e mais israelenses manifestando uma profunda desilusão com sua liderança e a forma como o país é conduzido.

"Nosso protesto é contra a problemática ordem de prioridades do governo", disse Ron Avni, líder de uma campanha contra comemorações excessivas. "Eles primeiro precisam encontrar o orçamento para todas as coisas que o país precisa."

No final de janeiro, Avni, um especialista em terremotos e superintendente fiscal de universidade, lançou uma petição online juntamente com outro acadêmico proeminente pedindo que os gastos públicos no 60º aniversário se limitassem aos das comemorações em um ano normal. Eles argumentavam que o dinheiro não deveria ser desperdiçado em "festividades cuja principal finalidade é propiciar um palco para os políticos".

Inicialmente eles visavam 10 mil assinaturas; no início deste mês, mais de 90 mil israelenses já tinham assinado.

Pesquisas de opinião recentes apóiam a idéia de que a maioria dos israelenses prefere uma celebração mais modesta, com o dinheiro adicional gasto em áreas como educação e saúde.

Ciente do sentimento popular, quando a equipe do 60º aniversário apresentou suas propostas no domingo, ela disse que pelo menos 35% da verba seria gasta em projetos educacionais, de infra-estrutura e memoriais.

Os planos incluem a criação de 60 áreas de piquenique com acesso para deficientes, a conclusão de uma trilha ao redor do Mar da Galiléia e a inauguração de uma ciclovia trans-Israel. Os alunos das escolas caminharão até Jerusalém seguindo os passos dos combatentes de 1948, e 60 memoriais da guerra serão construídos por todo o país e serão adotados e mantidos pelos jovens locais.

As festividades de fato, de 7 a 9 de maio, que usarão cerca de 20% da verba, deverão incluir um show de sons e luzes de vasta proporção a ser realizado simultaneamente em oito locais, de Tiberias, no norte, a Eilat, no sul; festas de praia gratuitas; e uma exibição aérea e naval maior do que a habitual.

De certa forma, o 60º aniversário, cujo tema oficial é "Fortalecendo as Crianças de Israel", ocorre em um momento desafortunado. Um relatório de fevereiro do Instituto Nacional de Seguridade Social indicou que uma em cada três crianças israelenses trabalha, com algumas delas ainda assim continuando pobres. O ano letivo começou com os professores colegiais em greve por dois meses por causa dos baixos salários e más condições das salas de aula. Para aumentar a aversão nacional, casos extremos de abuso de crianças recentemente foram destaque nos noticiários.

Os israelenses falam de uma sensação arrepiante de desmoralização. A guerra de 2006 no Líbano foi amplamente considerada um fracasso e, por sete anos, Israel, com todo seu poderio militar, foi incapaz de impedir que os foguetes rudimentares feitos em Gaza atingissem a cidade de Sderot.

Os críticos do movimento de austeridade o acusam de populismo, derrotismo e demagogia.

"Nós enlouquecemos?", escreveu um jornalista, Sever Plocker, questionando a campanha antifestividade no "Yediot Aharonot", o popular jornal hebraico. "O que há de errado com nossa mente coletiva? O Estado de Israel está prestes a comemorar 60 anos de independência em um clima de amargura, depressão e relutância pública em 'desperdiçar dinheiro em comemorações'."

Shalom Kital, outro jornalista israelense veterano e membro do comitê consultivo do governo para os eventos do 60º aniversário, comparou o país a um homem que teve um ano ruim. "Quando chega seu aniversário, ainda assim a família se reúne para celebrar", ele disse em uma entrevista. "A solução não é se enfiar em um bunker e chorar."

Ambos os lados concordam que realmente não se trata do dinheiro. A verba de US$ 28 milhões representa uma fração minúscula do orçamento anual do governo e faria muito pouco para consertar os males sociais do país. As autoridades também notaram que a soma é bem menor do que os quase US$ 70 milhões gastos no 50º aniversário em 1998 e enfatizaram que grande parte do dinheiro não será gasto em fogos, mas em projetos educativos e de infra-estrutura que terão um efeito mais duradouro.

Mesmo assim, os sentimentos ambíguos da população refletem um amplo desprezo pelo governo e uma profunda desconfiança em relação aos políticos. Uma pesquisa publicada no final de março no jornal hebreu "Maariv" perguntava qual dos cinco candidatos potenciais, incluindo líderes do governo e da oposição, era o mais adequado para o cargo de primeiro-ministro. A maioria dos entrevistados, quase 31%, optou por "nenhum dos citados acima". (Não foi fornecido o tamanho da amostragem e nem a margem de erro.)

Sucessivos governos israelenses foram amplamente criticados por "ziguezaguearem", carecerem de uma agenda clara e de uma estratégia a longo prazo. Por causa da instabilidade crônica das coalizões de governo, os ministros freqüentemente não permanecem tempo suficiente em seus cargos para realizarem um projeto até o fim.

As comemorações do 60º aniversário são um exemplo. A verba especial foi aprovada há dois anos, mas foi apenas no domingo que Ruhama Avraham Balila, a ministra encarregada dos eventos do aniversário, revelou os detalhes do plano, deixando a maioria dos israelenses se perguntando por meses como o dinheiro seria gasto.

Avraham Balila insistiu em uma coletiva de imprensa que ela e uma pequena equipe de quatro pessoas estavam trabalhando em um ritmo "vertiginoso". O problema, ela disse, foi o fato dela ter sido nomeada para o cargo apenas em agosto passado. Um predecessor deixou o governo em protesto após a guerra no Líbano, e outro trocou de cargo em uma reforma ministerial. Aparentemente, nada tinha sido feito.

"Nós tivemos que começar do zero", disse Ilan Marciano, um porta-voz de Avraham Balila.

Após a apresentação dos planos, a petição de Avni continuou crescendo, em cerca de 1.000 assinaturas por dia. Um comentarista de rádio se queixou que os muitos projetos devem de qualquer forma se enquadrar dentro dos orçamentos normais dos ministérios do governo. Outros israelenses permaneceram céticos sobre quem se beneficiaria com eles.

"Eu estou relativamente certo de que a verba imensa não vai resultar em nada de bom", disse Cindy Shulkin, uma assistente social de Jerusalém cuja filha Liron, 15 anos, dançará no principal evento de abertura do Dia da Independência. "Apesar de que acho que há um valor em celebrar. As pessoas se tornaram cínicas demais."

Tradução: George El Khouri Andolfato

Texto do The New York Times, no UOL (para assinantes).

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quinta-feira, maio 22, 2008

Invasão da Venezuela?

Ontem, um “post” do Blogoleone, citando a BBC Brasil, indicava que a Venezuela havia reclamado que um avião militar dos Estados Unidos havia invadido seu espaço aéreo. A notícia da BBC dava conta também que supostamente cerca de 60 militares colombianos teriam penetrado em território venezuelano. Tudo isso teria acontecido no sábado passado.

Hoje, dia 21, o jornal Folha de São Paulo, informa que o embaixador dos Estados Unidos em Caracas, convocado pelo ministério das Relações Exteriores venezuelano, admitiu a invasão do espaço aéreo, mas que a invasão ocorreu por “erro de navegação”. Na Folha, o ministro das relações exteriores da Venezuela afirma que não ficou satisfeito com as explicações do embaixador dos Estados Unidos. Este, por sua vez, reafirmou ao chanceler venezuelano “nossas preocupações sobre supostos vínculos do governo da Venezuela com as Farc”.

Por outro lado, o governo colombiano continua negando que seus militares tenham atravessado a fronteira para a Venezuela.

Um avião militar dos Estados Unidos invadindo o espaço aéreo de algum país devido a “erro de navegação”? Para mim isto parece tão provável quanto o seriado Lost ser um “reality show”. Historicamente os Estados Unidos têm invadido o espaço aéreo de diversos países; como a antiga União Soviética (um avião de espionagem, modelo U2, acabou derrubado por lá), Cuba, na crise dos mísseis de 1962 (a acreditarmos no filme “Treze Dias que Abalaram o Mundo” de Kevin Costner, outro U2 foi abatido sobre o espaço aéreo cubano), ou um avião que foi interceptado pela força aérea chinesa, tendo os militares que ocupavam o avião ficado retidos naquele país por alguns dias. Não sei se estes vôos de espionagem são realmente necessários, uma vez que os Estados Unidos tem tecnologia de ponta no uso de satélites artificiais de espionagem. Mas certamente podem ser um ato provocativo.

Vamos aguardar. Em março tivemos aquele episódio de invasão do território equatoriano por parte de militares colombianos atrás de guerrilheiros das FARC, agora temos este episódio de invasão do espaço aéreo venezuelano por um avião militar norte-americano por “erro de navegação”. Será que teremos mais alguns incidentes pela frente?


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quarta-feira, maio 21, 2008

Letícia e a Companheira Estela

A colega blogueira Letícia Coelho gosta de chamar a ministra Dilma de "companheira Estela". Acho isso um despropósito, é como ficar chamando o coronel Brilhante Ustra de "doutor Tibiriçá", hoje em dia, porque se praticava tortura no DOI em São Paulo nos anos 1970, e ele era um dos interrogadores que se escondia atrás de pseudônimos. Dilma também se escondeu atrás de um pseudônimo quando lutava contra o regime militar, e isso passou. Hoje a antiga companheira Estela é ministra da Casa Civil do atual Governo Federal do Brasil, e o antigo doutor Tibiriçá é um oficial da reserva do exército brasileiro. Ambos, Estela e Tibiriçá ficaram para trás. Fazem parte daquilo que hoje são estes cidadãos brasileiros, mas não creio que sejam guias de conduta para nenhum dos dois hoje em dia.
Quem viu o desenho animado da Disney O Rei Leão há de lembrar que em certo momento o macaco Rafiki dá uma pancada do leão Simba. O leão pergunta ao macaco por quê ele fizera aquilo. O macaco respondeu que não importava porquê ele havia feito aquilo, o ato já estava no passado. O leão replicou que estava no passado, mas ainda estava doendo. O macaco comentou que de fato, o passado podia doer, mas não devia ser determinante para as ações que o leão precisasse ou devesse tomar. Pois é. O passado pode nos influenciar, até ser fundamental para nossa identidade, mas tomamos nossas decisões com base no presente, e em como queremos que seja o nosso futuro.

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segunda-feira, maio 19, 2008

Açúcar e Subsistência

Açúcar e subsistência

COM A ALTA acentuada nos preços mundiais dos alimentos, vale lembrar que o "novo" debate sobre etanol versus comida é, na verdade, um debate muito "velho" sobre a cana-de-açúcar versus safras de subsistência. E essa é uma polêmica com antecedentes consideráveis no Brasil. A questão sempre ocupou os pensamentos dos governantes coloniais do Brasil. Para eles, estava conectada ao risco de inquietações sociais. A prosperidade nos setores de exportação muitas vezes gerava escassez e preços altos para a comida no mercado interno, especialmente no caso dos consumidores urbanos. Com base nessa experiência, os governos temiam fome e desordem.
A questão se tornou aguda na década final do regime colonial. Nos anos 1790, um grande levante de escravos aconteceu na colônia caribenha francesa conhecida então como Saint Domingue -e hoje como Haiti. A produção colonial francesa de açúcar, que dominava os mercados mundiais, foi destruída. Em conseqüência, o açúcar brasileiro voltou a atrair forte demanda internacional.
Os plantadores de cana-de-açúcar da Bahia se beneficiaram dessa alta de preços e da demanda internacional. O bispo Azeredo Coutinho, ex-senhor de engenho tornado prelado e economista, argumentou, em "Memória sobre o Preço do Açúcar", publicado em 1791, que os brasileiros deveriam tirar a máxima vantagem da "providencial revolução" na colônia francesa. Ele recomendou que todas as restrições à produção de açúcar fossem removidas.
As "restrições" que o bispo deplorava eram as leis coloniais que obrigavam os agricultores a cultivar safras de subsistência, como a mandioca. Sem essas restrições legais, eles poderiam explorar todas as suas terras para a produção de cana a fim de aproveitar a elevação no preço do açúcar. Era exatamente isso, de fato, que vinham fazendo ao longo da década de 1790. Como resultado, o preço da mandioca triplicou em quatro anos. Luis dos Santos Vilhena, professor de grego em Salvador, condenou o bispo por suas idéias "européias", as quais, alegava, não levavam em conta as condições locais do Brasil colônia, no qual a oferta de alimentos não era elástica. Mas os agricultores não aceitavam a crítica. Manuel Ferreira da Câmara escreveu que as medidas de proteção à agricultura de subsistência se deviam à "piedade e ao zelo mais religioso que político".
Uma velha discussão, portanto, mas com uma reviravolta tipicamente brasileira: no Brasil do final da era colonial, era um bispo que defendia os agricultores e o mercado livre, enquanto um professor de grego argumentava pela caridade cristã e em defesa dos pobres.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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"Do Comando Sul"

Do Comando Sul

No topo das buscas de Brasil no Yahoo e nos sites de "New York Times" e "Washington Post", ontem, o texto "EUA reasseguram Brasil sobre frota e águas territoriais", de Raymond Colitt, da Reuters. Foi uma entrevista em Brasília do chefe do Comando Sul dos EUA, quanto ao restabelecimento da Quarta Frota, voltada à América Latina -e "foco de preocupação" por aqui, como admite o almirante americano. Diz que os EUA vão respeitar as 200 milhas, onde estão as novas reservas de petróleo do Brasil, e que a Quarta Frota tem propósitos "principalmente" pacíficos.

Texto da coluna Toda Mídia, na Folha de São Paulo, de 16 de maio de 2008. Então tá. Veremos...


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Quem afunda a oposição?

QUEM AFUNDA A OPOSIÇÃO?

Paulo Henrique Amorim

Máximas e Mínimas 1123

. Assistir ao depoimento de Dilma Rousseff no Senado reforçou a convicção de que, com louváveis exceções, o Senado da República, na célebre expressão de Oswaldo Aranha, é “um deserto de homens e de idéias”.

. No depoimento de Rousseff, a paisagem seca e árida combinou melhor com a bancada da oposição.

. Vamos supor que já fosse possível fazer uma enquête.

. Quem afunda mais a oposição?

. Agripino Maia, que lançou a candidatura de Rousseff à Presidência ?

. Arthur Virgilio Cardoso, que ficou com medo da Dilma ?

. Heráclito Fortes, que vai ser contratado para o elenco do Tom Cavalcanti ?

. O presidente do PSDB, Sérgio Guerra, que não oferece uma única idéia que se possa levar para casa ?

. Mário Couto, que não consegue – ou não quer – distinguir “dossiê” de “banco de dados” ?

. Ou Álvaro Dias, que vazou o “dossiê” ?

. É um duelo de titãs.

Texto do Conversa Afiada, do Paulo Henrique Amorim.


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Colômbia X

Justiça colombiana pede investigação de Uribe por compra de votos

A Suprema Corte da Colômbia pediu ao Congresso a abertura de uma investigação sobre o presidente Álvaro Uribe e outros membros do governo pela suposta compra de votos para a aprovação da emenda que instituiu a possibilidade de reeleição presidencial no país.

A Suprema Corte também decidiu manter na prisão a ex-deputada Yidis Medina, que no mês passado disse numa entrevista ter recebido de funcionários do governo uma oferta de indicações para cargos públicos para que votasse pela aprovação da emenda.

Medina disse na ocasião que Uribe conhecia a proposta, mas que ela nunca foi cumprida.

O voto dela foi considerado vital para a aprovação da emenda em uma comissão da Câmara de Deputados, em 2004. Uribe foi reeleito em 2006.

Depósitos bancários

Segundo afirma uma reportagem publicada nesta semana pela revista colombiana Cambio, a ex-deputada entregou à Justiça comprovantes de depósitos bancários que teriam sido feitos a outro deputado, Teodolindo Avendaño, que como ela tinha posição inicialmente contrária à reeleição.

Avendaño faltou à votação sobre a reforma constitucional para a reeleição, que acabou sendo aprovada por 18 votos a favor (incluindo o de Medina) e 16 contra.

Segundo um comunicado da Suprema Corte, a confissão de Medina e as provas que apresentou serão enviadas à Comissão de Acusação e Investigação da Câmara dos Deputados e à Procuradoria-Geral “para que as autoridades competentes conheçam a suposta lista de delitos nos quais possam ter incorrido outros congressistas e vários funcionários e ex-funcionários do Estado”.

Em sua confissão, feita em troca de uma possível redução da pena pelo crime de corrupção, a ex-deputada disse que as ofertas para que mudasse seu voto foram feitas por vários funcionários do governo.

Medina mencionou o ex-ministro do Interior e atual embaixador da Colômbia na Itália, Sabas Pretelt, o ministro da Proteção social, Diego Palacio, o ex-secretário-geral da Presidência da República Alberto Velásquez e outras pessoas.

Uribe nega

Assim que a confissão de Medina se tornou pública, Uribe negou que seu governo tivesse comprado votos para aprovar a reeleição no Congresso, e o ministro Diego Palacio desafiou a ex-deputada a provar suas afirmações.

Apesar do envio da confissão da ex-deputada e de documentos apresentados por ela à Câmara, hoje não parece muito provável que o Congresso decida abrir um processo contra Uribe, já que a coalizão governista tem a maioria do Poder Legislativo.

Ao contrário dos congressistas, que são interrogados pela Suprema Corte, os presidentes na Colômbia só podem ser investigados pela Câmara dos Deputados e julgados pelo Senado.

No último século, somente um presidente colombiano, o ditador Gustavo Rojas Pinilla (1953-1957), foi condenado pelo Senado, mas ainda assim dois anos após deixar o poder.

Texto da BBC Brasil.


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60 Anos de Israel: Intelectuais...

Cumprimentos envenenados de intelectuais questionam existência de Israel
O direito de existir de Israel é questionado diariamente -não apenas por palestinos radicais, mas também por intelectuais proeminentes. Enquanto o país celebra seu 60º aniversário, estes propagam seus argumentos contra Israel em mensagens fantasiadas de congratulações pelo aniversário

Henryk M. Broder

Se você dirigir para o Norte a partir de Tel Aviv por cerca de 15 minutos, chegará a Herzliya, um assentamento fundado em 1924 por sete famílias de imigrantes, batizado com o nome de Theodor Herzl, pai do sionismo moderno. Hoje a cidade abriga mais de 80.000 pessoas, além de inúmeros turistas. Herzliya tem um longo calçadão na frente do mar com muitos hotéis, um porto para iates e até um pequeno aeroporto.

E, é claro, há um monumento a Theodor Herzl. É um enorme tanque de água ao lado da estrada, com uma figura masculina magra no alto, com os braços cruzados, olhando para baixo, para "sua" cidade, com uma pose em que Herzl é freqüentemente retratado -de visionário.

O homem que escreveu "The Jewish State" (o Estado judeu) morreu aos 44 anos em 1904, 44 anos antes da fundação do Estado de Israel. Os que acreditam na cabala e no misticismo dos números talvez vejam uma mensagem escondida nesses dígitos: é difícil não se perguntar o que Herzl pensaria se visitasse Herzliya hoje.
Provavelmente pensaria: "Não era assim que imaginava, mas gosto". Ele veria um centro de alta tecnologia com laboratórios nos quais centenas de especialistas trabalham para Microsoft, Motorola e Nokia, cercado de shoppings e restaurantes. Há 20 anos, esta era uma área de oficinas mecânicas e depósitos e há 40 anos não havia nada além de vento uivando entre as dunas.

O país inteiro mudou tão rapidamente quanto a pequena cidade de Herzliya. Outras sociedades demoraram 150 anos para passar da economia agrícola para a era pós-industrial, mas Israel o fez em 60 anos. Algumas vezes, começar do zero pode ser uma vantagem.

Algo, porém, não mudou, um elemento estranhamente constante na vida turbulenta e problemática do menor grande poder mundial. Algo que nem o visionário Herzl poderia prever. A existência de Israel agora é questionada diariamente -não apenas por organizações palestinas militantes, como a Fatah, o Hezbollah e o presidente do Irã, mas também por agradáveis intelectuais europeus que estudam "a questão do Oriente Médio" com a dedicação de alguém que há muito terminou todos seus outros deveres de casa.

Recentemente, um grupo de pensadores alemães, inclusive o cientista político Johano Strasser, a parlamentar do Partido Verde Cláudia Roth e o autor Gert Heidenreich, publicou um artigo chamado de "Congratulações e preocupações" para marcar o 60º aniversário de Israel.

Nele, eles elogiam o "desenvolvimento, a diversidade cultural, os sucessos científicos e tecnológicos, a produtividade intelectual e o pluralismo democraticamente organizado" de Israel. No entanto, eles também questionam se os israelenses estão realmente fazendo o suficiente para resolver o conflito com seus vizinhos.

Israel, advertem os autores, está ameaçando "sua própria existência", "fazendo o mundo todo de tolo", e "se enganando". O artigo pede aos políticos alemães que "não percam a noção da conexão entre a situação econômica e política extremamente difícil dos palestinos por um lado e a incerteza e a ameaça que Israel enfrenta pelo outro".

O artigo inteiro é uma coleção de declarações baratas reunidas por astronautas amadores passeando pelo espaço virtual em seus console de jogos, convencidos que tudo depende de seus talentos de navegação.

O artigo "Congratulações e preocupações" foi precedido por outra declaração de posicionamento: "Amizade crítica", escrito por 25 cientistas políticos que acusaram Israel de usar o Holocausto para seus próprios fins políticos e que pedem que se repense o "relacionamento especial" entre a Alemanha e Israel para que "o discurso interno alemão" entre "não judeus, judeus e muçulmanos alemães" seja mais amplo e imparcial.

"Total falta de substância histórica"
Em 2002, uma carta aberta assinada por 120 acadêmicos gerou uma comoção por toda a Europa. A carta pedia que as relações acadêmicas fossem congeladas entre Israel e os países europeus, em protesto contra as políticas israelenses. Em outras palavras, a cooperação científica e cultural entre os países deveria ser interrompida. A carta passou praticamente despercebida na Alemanha por uma simples razão: apenas duas das 120 assinaturas eram alemãs.

Enquanto isso, não há quase autor famoso que não tenha feito algum tipo de declaração sobre Israel. Jostein Gaarder, autor norueguês do sucesso "O Mundo de Sofia", tirou Israel das páginas da história com as palavras: "Não mais reconhecemos o Estado de Israel". Gore Vidal, autor americano que vive um exílio alto imposto na Itália, Breyten Breytenbach, da África do Sul, e o autor português José Saramago também expressaram suas opiniões, este último comparando a situação em Ramallah com Auschwitz. Quando perguntado onde estariam as câmaras de gás, ele teria respondido: "Não há câmaras de gás, ainda."

No degrau abaixo, encontramos pessoas como Thilo Bode, ex-diretor do Greenpeace da Alemanha. Bode acredita que "é imoral não criticar Israel". Segundo Bode, os alemães devem ajudar "Israel a aprender a lição que a própria Alemanha aprendeu com sucesso, ou seja, sobre os custos históricos de subjugar os outros".

A coisa mais notável sobre tais declarações não é apenas a segurança com a qual são feitas, mas também a total falta de substância histórica: as mesmas pessoas que se sentem responsáveis pelo destino dos palestinos e são levadas a dar conselhos a Israel querem ser liberadas da responsabilidade histórica pelo destino dos judeus, que pesou sobre elas por mais de 60 anos. Já no final dos anos 60, o revolucionário de Berlim Dieter Kunzelmann pediu aos alemães que superassem seu "problema judaico".

Pouco mudou até hoje. Exceto que o discurso tornou-se um pouco mais sutil. Partes significativas da inteligência alemã vêem como sua obrigação vigiar dia e noite para que os judeus (em outras palavras, os israelenses) não deslizem e desperdicem o crédito moral que ganharam sendo vítima dos nazistas. O pecado original de Israel não é a forma que trata os palestinos, mas sim tornar tão difícil para esses bons alemães gostarem dos judeus.

Há muitos anos, surgiu um artigo na revista alemã Die Zeit com um apelo aos "homens responsáveis pelo governo de Israel". O autor dizia que eles deveriam fazer uma pausa e reconhecer "como foram longe no caminho que recentemente levou outros povos à perdição".

Isso foi em 1948, apenas quatro meses após a fundação de Israel. O autor? A jornalista intelectual alemã Marion Dönhoff.

Tradução: Deborah Weinberg
Texto do Der Spiegel, republicado no UOL.

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sábado, maio 17, 2008

A credibilidade da revista da Editora abril na Blogosfera

Viva o 13 de Maio

Viva o 13 de Maio

Mário Maestri


Em 13 de maio, a Abolição celebra 120 anos. O Brasil foi uma das primeiras nações das Américas a instituir e a última a abolir o cativeiro. Dos nossos 508 anos de História, mais de 350 passaram-se sob o pesado látego negreiro. A Abolição já foi celebrada com vigor. Hoje, uma quase conspiração de silêncio abateu-se sobre ela. Sua negação é obra sobretudo do movimento negro, que lembra com razão a miséria atual de enorme parte do povo negro. Essa visão bem-intencionada consolida interpretações caricaturais do 13 de Maio que escamoteiam a essência da revolução abolicionista de 1888. Celebrar o 13 de Maio não significa reafirmar os mitos da emancipação social do negro em 1888 ou da princesa Isabel como a Redentora. Significa recuperar a importância da superação da escravidão e da participação dos trabalhadores escravizados na construção de passado. O povo negro pobre sempre intuiu a importância da libertação dos cativos, em 1888, não como resultado da propaganda ideológica das classes dominantes, mas devido à cristalização na consciência popular de acontecimento magno da história da população nacional.Não há sentido em antepor Palmares ao 13 de Maio. Apesar de saga luminar, a epopéia palmarina jamais propôs, e não poderia ter proposto, a destruição da escravidão como um todo. E foi derrotada, com a destruição de Palmares e a morte de Zumbi. Ao contrário, a revolução abolicionista, em 1888, foi vitoriosa ao superar para sempre a escravidão. Desconhecer o seu sentido revolucionário é menosprezar a essência escravista do passado do Brasil e o caráter singular de sua gênese. Estudos já clássicos, como Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, de Robert Conrad, apresentam a Abolição, em seu tempo conjuntural, como produto do abandono maciço das fazendas cafeicultoras, sobretudo paulistas, pelos trabalhadores escravizados, que reivindicaram relações contratuais de trabalho, nos últimos meses da escravidão. Eles registram a tensão política, social e econômica extrema sob a qual o movimento alcançou a vitória.A destruição do regime negreiro deveu-se à massa escravizada, aliada aos abolicionistas radicalizados. Em 13 de maio, a herdeira imperial apenas sancionou lei aprovada pelo parlamento das classes proprietárias, lavrando o atestado de óbito de instituição terminal. Nos 66 anos anteriores, os Braganças haviam defendido o cativeiro, com dentes e unhas. Nos momentos finais da escravidão, com a produção desorganizada pela sublevação servil, os escravistas renderam-se, reivindicavam apenas a indenização da propriedade perdida.Foi também a ação estrutural dos trabalhadores escravizados, durante séculos de cativeiro, que construiu as condições que ensejaram, mais tarde, a destruição da escravidão. Foram sobretudo a oposição permanente do cativo ao trabalho feitorizado que impôs limites insuperáveis ao desenvolvimento tecnológico da produção e determinaram altos gastos de vigilância e de coerção, abrindo espaço para formas de produção historicamente superiores. Em 1888, a revolução abolicionista destruiu o modo de produção escravista colonial, que, por mais de 300 anos, ordenara a sociedade nacional. Negar essa realidade devido às condições econômicas, passadas ou atuais, da população negra é compreender a História com idéias a-históricas.Os limites da Abolição eram objetivos. Nos tempos finais da escravidão, a classe servil era categoria em declínio que lutava sobretudo pelos direitos mínimos de cidadania, já assegurados aos trabalhadores livres. Foi a reivindicação da liberdade civil que uniu a luta de cativos rurais e urbanos, já pouco numerosos. Setecentos mil homens, mulheres, jovens e crianças - cativos e ventre-livres - obtiveram direitos civis e políticos mínimos.Com o 13 de maio de 1888, superaram-se definitivamente as diferenças entre trabalhadores livres e escravizados, iniciando-se a história da classe operária brasileira, como a compreendemos hoje. A revolução abolicionista foi o primeiro grande movimento de massas moderno e constitui até agora a única revolução social vitoriosa do Brasil.

Texto de Mário Maestri, na Zero Hora, mas visto no Depósito do Maia.

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sexta-feira, maio 16, 2008

Os chapéus de Gaspari


OS CHAPÉUS DE ELIO GASPARI

Paulo Henrique Amorim

Máximas e Mínimas 1123

. O colonista de "Livros" da Folha (da Tarde *) e do Globo, Elio Gaspari, usa muitos chapéus.

. O chapéu da família Marinho.

. O chapéu da família Frias.

. O chapéu tucano.

. O chapéu contra a privataria, embora jamais tenha falado do Daniel Dantas ...

(Clique aqui para ler por que o PiG não fala mal de Dantas. Note que a irmã de Dantas financiou uma empresa da filha de Serra)

. O chapéu anti-Lula.

. O chapéu "independente".

. O chapéu contra a tortura.

. O chapéu Golbery.

. O chapéu contra a ditadura.

. O chapéu Geisel.

. O chapéu Harvard.

. O chapéu Jorge Paulo Lehman.

. O chapéu Heitor Aquino Ferreira.

. O chapéu Companhia das Letras.

. O chapéu família Moreira Salles.

. O chapéu comunista.

. O chapéu americano.

. É por isso que não se entende o que ele diz.

. É uma charada.

. É por isso que ele se especializa em fazer denúncias em tom grave – sobre questões irrelevantes.

. É que ele se embaralha com tanto chapéu.

. É o malabarista que joga muitas garrafas para cima – e, de vez em quando, uma cai no chão ...

. É porque, na verdade, todos esses chapéus são um disfarce.

. Gaspari só usa um chapéu.

. O chapéu do Serra.

. Gaspari é o único conselheiro em que Serra confia.

. Eles se falam três vezes por dia (de preferência de madrugada, porque os dois não dormem à noite) (*2).

. Todos os políticos de São Paulo sabem disso: Gaspari é o Governo Serra na sombra.

. Só a Folha não sabe disso.

. Ou não quer saber.

. Serra é o único político que comprou a ficha do Gaspari.

. Como demonstrou no romance-reportagem "Castelo de Âmbar", Mino Carta revelou que Gaspari pretende governar o Brasil.

. Como não conseguiu governar o Brasil ainda, Gaspari resolveu governar o passado do Brasil.

. E deu uma visão – ainda incompleta e muito peculiar – do passado recente do Brasil.

. E deu a versão "Heitor Aquino" daquilo que Gaspari chama de "ditadura".

. Gaspari vai co-presidir o Brasil com o presidente eleito José Serquércia.

. Vai ser o Dick Cheney do presidente eleito

. A ligação Gaspari-Serra é antiga.

. No governo do Farol de Alexandria, quando o presidente eleito queria derrubar Pedro Malan para ser o Ministro da Fazenda – Serra quer sempre derrubar alguém ... –, Gaspari defendeu o Governo tucano, menos o que chamava de "ekipeconômica".

. Malan.

. Era preciso derrubar Malan.

. Agora, é preciso derrubar Geraldo Alckmin.

. Por isso, o Conversa Afiada convida o amigo leitor a jogar fora tudo o que o PiG disser que Serra disse de Alckmin.

. Basta ler o Gaspari.

. Ali está o verdadeiro Serra, na sua essência mais pura.

. Neste domingo, por exemplo, Serra/Gaspari diz que Alckmin vai desistir, porque não adianta ser candidato de um partido rachado.

Este é mais um texto do Paulo Henrique Amorim, no seu Conversa Afiada. Paulo Henrique Amorim parece estar numa cruzada para brigar com quase todo mundo no meio jornalístico. Curiosamente quando o vejo (o Paulo Henrique Amorim) na TV Record ele não parece tão independente de seus empregadores, como quando atua em seu saite na Web.

Estou colocando este texto aqui como uma espécie de contraponto, pois eu gosto muito de ler o que escreve o Elio Gaspari, tanto que não perco as suas colunas na Folha de São Paulo, às quartas e aos domingos. Muitas vezes copio o conteúdo total ou parcial destas colunas para cá. Eu tendia a achar que Gaspari seria uma unanimidade (não, eu não concordo com Nelson Rodrigues que toda unanimidade seja burra, embora dizer que toda unanimidade é burra dá uma frase de efeito legal).

Vejo agora que Gaspari não é esta unanimidade. Está feito o registro.

A foto do Gaspari também veio da página do Paulo Henrique Amorim.

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"Judeu dia e noite" - 60 anos de Israel

A visão de um 'judeu dia e noite'

O sobrevivente do Holocausto, Tommy Lapid, sua esposa, a escritora Shulamit Lapid, e o filho deles, o jornalista e apresentador de televisão, Yair Lapid, falam sobre sua vida, seus sucessos e seus temores no dia a dia em Israel, que celebra o 60º aniversário de sua fundação na quinta-feira


Martin Doerry e Christoph Schult

Spiegel - Tommy, onde você estava em 14 de maio de 1948, quando David Ben-Gurion proclamou o Estado de Israel em Tel Aviv?
Tommy Lapid -
Eu vivia na Iugoslávia, sob o regime de Tito. Quando eu soube da declaração da independência, eu fiquei muito feliz com o fato do meu povo finalmente ter um Estado próprio. Mas nem sonhava que eu me tornaria um israelense. Tito tinha selado hermeticamente a Iugoslávia. Mas então algo inesperado aconteceu. Tito tinha um amigo, o pintor e comunista Moshe Pijade. Eles estiveram na prisão juntos, e quando Tito se tornou presidente, Pijade disse para ele: nós somos amigos há 40 anos. Eu nunca pedi um favor a você. Mas agora eu lhe imploro: deixe meu povo partir. No meio da guerra israelense da independência, minha mãe e eu chegamos a Haifa em um navio. Era meu 17º aniversário. Nós ainda estávamos no porto quando me alistei no exército.

Spiegel - Shulamit, onde você estava em 14 de maio de 1948?
Shulamit Lapid -
Na casa dos meus pais em Tel Aviv. Meus pais tinham um rádio, o que era bastante incomum na época. Todos os vizinhos se sentaram em nosso apartamento, escutando ansiosamente o rádio para saber o resultado da votação na ONU. Quando a maioria votou a favor do reconhecimento de Israel, eu fui tomada por um sentimento de redenção, como se o Messias estivesse chegando. Nós fomos para a rua e dançamos. Meus pais eram da Romênia. Eles vieram para a Palestina em 1934. Pessoas da Rússia, Polônia, Alemanha e Tchecoslováquia viviam em nosso prédio de apartamentos.

Spiegel - Mas você se sentia em casa na Palestina?
Lapid -
Toda criança falava a língua de seus pais em casa, mas fora de casa nós só falávamos hebreu. Nós tínhamos vergonha das línguas de nossos pais, porque simbolizavam a Diáspora, o passado. Nós, por outro lado, éramos o futuro. Nós viemos ao mundo como "novos judeus". Há uma grande diferença entre aqueles que imigraram antes do Holocausto e aqueles que vieram após o Holocausto. Meus pais eram sionistas que imigraram por idealismo. Aqueles que vieram após o Holocausto estavam, em grande parte, buscando refúgio -como Tommy e sua mãe.
Tommy Lapid - Eu era originalmente de Novi Sad, que foi ocupada pela Hungria na Segunda Guerra Mundial e atualmente faz parte da Sérvia. Quando os alemães chegaram, minha mãe estava visitando sua irmã em Budapeste. Era a noite de 19 de março de 1944. Meu pai, meu avô e eu tínhamos ido para a cama, sem saber o que estava para acontecer. Às 5 horas da manhã, um homem da Gestapo tocou nossa campainha. Ele foi muito educado quando disse ao meu pai: "O senhor é o dr. Bela Lampel? Por favor, se vista e venha conosco". Eu não tinha idéia do que aquilo significava, mas meu pai entendeu muito bem. Ele me abraçou e me disse: "Meu filho, ou verei você de novo ou não". Eu nunca mais o vi.

Shulamit Lapid - Todavia, Tommy sempre diz que comparado aos judeus poloneses, ele sua situação foi relativamente fácil...
Tommy Lapid - ...porque minha mãe e eu não fomos enviados para um campo de concentração, Shula. Nós fomos levados ao gueto de Budapeste. Nós vivíamos em um porão. Do lado de fora, as pessoas estavam morrendo como moscas de fome e frio. Certa manhã, os nazistas húngaros nos forçaram a marchar pela neve. Nós sabíamos o que estava prestes a acontecer. Eles abririam buracos no gelo do Danúbio congelado, perfilariam os judeus diante deles e atirariam, para que caíssem pelos buracos na água. Nós já estávamos fora do gueto quando um avião soviético repentinamente passou de forma rasante sobre nossas cabeças. A multidão se dispersou e naquele momento minha mãe me arrastou até um sanitário. Nós esperamos até que o grupo fosse embora. Quando saímos nós estávamos no meio da neve no meio de Budapeste, com a Estrela de Davi amarela em nossos casacos. Pode soar absurdo, mas minha mãe conseguiu me levar de volta ao gueto, porque era de longe o lugar mais seguro para nós. Foi lá que fomos libertados pelos soviéticos pouco tempo depois.

Spiegel - Muitos sobreviventes do Holocausto se queixam de que ninguém queria ouvir suas histórias nos primeiros anos após a fundação de Israel. Quanto tempo levou para você contar para sua esposa a respeito?
Shulamit Lapid -
Você não me contou nada. Eu nunca ouvi sua história até as crianças serem velhas o suficiente e então você contou para elas.

Tommy Lapid - De certa forma nós tínhamos vergonha do que tinha acontecido conosco. Nos primeiros anos, nós nos alimentávamos do mito dos heróicos sabres, como os judeus nascidos em Israel são chamados. Eles nos encaravam com desprezo, porque presumiam que teriam combatido os nazistas se estivessem no nosso lugar. Tolice.

Yair Lapid - Eu cresci com este mito. Era como uma chama entregue para mim, para manter a memória viva. Nós fomos juntos para Budapeste quando eu tinha 22 anos.

Tommy Lapid - Eu mostrei para ele o porão e o sanitário.

Yair Lapid - Nós dois choramos lá. Os húngaros passavam por nós se perguntando por que dois homens adultos estavam parados diante de um sanitário, chorando.

Spiegel - Você disse certa vez que perdeu Deus naquele porão no gueto de Budapeste.
Lapid -
A Bíblia não é uma experiência religiosa para mim. Este livro reúne toda a cultura do judaísmo: nossa língua, nossa história, nossa geografia. Deus é apenas um subproduto da Bíblia.

Shulamit Lapid - Na Diáspora, os judeus basicamente estudavam o livro de leis conhecido como Talmud. Em Israel, eles retornaram à Bíblia. Mais recentemente, jovens israelenses seculares estão voltando às raízes do judaísmo, não por estarem se tornando religiosos no sentido mais rígido, mas porque buscam espiritualidade. Yair, você acabou de escrever um livro sobre a Bíblia. Por quê?

Yair Lapid - Porque papai não queria nada com a Bíblia.

Shulamit Lapid - É verdade que, de certa forma, você foi privado do judaísmo tradicional. Nós não rezamos e nem freqüentamos a sinagoga.

Yair Lapid - Eu tive que encontrar meu próprio caminho para o judaísmo, e comecei basicamente com uma folha de papel em branco. Eu me lembro de uma conversa na qual papai me perguntou: "Por que você acredita em Deus?" Eu disse: "Por razões políticas". Eu acredito em um Deus político. Nós não podemos esperar que o motivo de nossa existência se crie sozinho. Nós devemos desenvolver um alicerce para nós mesmos. Foi muito fácil para a geração dos meus pais, porque eles tiveram o Holocausto e a ameaça à existência de Israel. Minha geração precisa de novas raízes. A Bíblia é simplesmente a raiz.

Shulamit Lapid - Eu também me interesso nas tradições religiosas. Tem a ver com minha infância. Mas estes anseios permanecem não realizados, porque sou casada com um ateísta fanático. Mas tenho alguma simpatia pelo mundo dos judeus ortodoxos.

Yair Lapid - Os judeus ortodoxos ainda vivem como se estivessem na Idade Média. De forma interessante, eles correspondem a cerca de 8% da população israelense há décadas, apesar de terem até 10 filhos, ou mais. Isto sugere que deve haver muitos que voltam as costas à ortodoxia.

Tommy Lapid - Eles descobrem que há outras coisas além do Talmud, incluindo coisas muito belas com minissaias.

Spiegel - O escritor israelense A.B. Jehoshua arrumou uma briga com os judeus americanos há algum tempo quando disse que um judeu só pode ser completo se viver em Israel.
Tommy Lapid -
É muito difícil ser um judeu não religioso fora de Israel. A sinagoga mantém os judeus juntos na Diáspora. Em Israel, você é judeu dia e noite. Nós nem mesmo pensamos a respeito, como um cidadão holandês não passa o dia todo pensando no fato de ser um cidadão holandês. É algo certo.

Yair Lapid - Os judeus ortodoxos freqüentemente perguntam a você: "Você é primeiro um israelense ou um judeu?" Eu não vejo diferença entre os dois. Afinal, eu também sou simultaneamente filho dos meus pais, marido da minha esposa e pai dos meus filhos. Ser um judeu e um israelense são coisas inseparáveis. Eu certa vez fui aos Estados Unidos, onde abri uma empresa. Mas só consegui agüentar por meio ano antes de voltar a Israel. Eu perdi muito dinheiro e a empresa, que atualmente vale US$ 40 milhões. Mas mesmo assim nunca lamentei por um segundo. Eu não poderia viver em nenhum outro lugar.

Spiegel - O escritor David Grossman pintou recentemente um quadro bastante sombrio de Israel. Ele disse que os valores que guiavam o país durante sua fundação se perderam.
Tommy Lapid -
Israel é uma tremenda história de sucesso. Quando cheguei, havia 600 mil judeus vivendo aqui. Atualmente há perto de 6 milhões. Nós temos uma das maiores indústrias de alta tecnologia do mundo e um alto padrão de vida. Há apenas uma coisa que não conseguimos: tornar o país mais seguro para os judeus.

Spiegel - De fato, a situação parece estar piorando.
Tommy Lapid -
É verdade. No passado, nós tínhamos um problema com os árabes, mas hoje é com todo o mundo islâmico. Vocês no Ocidente têm o mesmo problema, mas ainda não perceberam. Eu comparo este momento ao período antes da guerra, quando os judeus na Alemanha alertaram contra Hitler, e todos no mundo ocidental, com exceção de Winston Churchill, disseram que era um problema alemão. Atualmente nós israelenses estamos alertando contra os muçulmanos, e o mundo diz: é um problema israelense. O cientista político americano Samuel Huntington está certo em sua teoria de choque de civilizações. Infelizmente, nós em Israel estamos na linha de frente deste conflito.

Yair Lapid - Eu vejo isto de uma forma completamente diferente, e tem a ver com a primeira parte de nossa conversa. No banco de dados de nossas experiências, existe a possibilidade de que virá alguém e tomará nosso mundo, independente de quão estável pareça. Eu nunca experimentei algo assim, o que não me torna ingênuo ou incapaz de ver as coisas mais realisticamente. Israel está longe de enfrentar uma ameaça à sua existência. Nós estamos muito fortes, tanto econômica quanto militarmente, para isso. Se algo ameaça Israel, é esta forma de pensamento paranóide que nos faz pensar: "Oh, Deus, eles vão nos matar em dois segundos! O que devemos fazer?" Você trouxe isso consigo da Diáspora, papai -juntamente com seu sotaque horrível!

Tommy Lapid - Eu chamo isso de experiência!

Yair Lapid - Eu já sou velho o bastante para saber que a experiência é superestimada. Sua experiência é completamente irrelevante para nossa situação atual. Há uma diferença entre uma pequena comunidade ser conduzida para um parque e assassinada e todas estas comunidades unindo forças para assegurar que algo assim nunca mais aconteça de novo.

Tommy Lapid - Então é minha experiência do passado que torna sua vida relativamente segura hoje.

Yair Lapid - Talvez. É claro, eu também me preocupo com a disseminação do extremismo islâmico, e é claro que os palestinos querem destruir o Estado de Israel. É o que diz todo livro escolar na Faixa de Gaza. Mas ainda assim não significa que são capazes de nos destruir. E quando finalmente perceberem isso, eles escolherão a segunda melhor opção, que se chama paz.

Shulamit Lapid - Nós somos controlados por slogans. Em Israel, todo pai e toda mãe diz aos seus filhos: "Esta agora é a última guerra". Nós acreditamos nesses slogans e nos decepcionamos quando a vida não corresponde. Mas podemos ler nos livros de história que períodos históricos freqüentemente duram 100 ou 200 anos. Devido à nossa curta expectativa de vida, nós temos dificuldade de nos vermos como parte dessa história.

Tommy Lapid - É verdade que a história parece mais condensada do que realmente é. Todavia, eu não tenho nenhuma esperança de que os árabes recobrarão o juízo. Após a guerra da independência, havia aquele chefe da delegação americana na ONU, Warren Austin, que disse que os judeus e árabes deveriam resolver seu conflito "com um verdadeiro espírito cristão". Eu não sei se judeus podem se comportar como bons cristãos, mas os árabes muçulmanos certamente não.

Spiegel - O escritor judeu Leon de Winter prevê que Israel não mais existirá em 30 anos e que, em seu lugar, haverá uma grande Palestina com uma minoria judaica.
Tommy Lapid -
Bem, eu também não sou tão pessimista. Nós reconhecemos os riscos, mas também devemos nos lembrar que em todas as guerras que Israel teve que travar desde sua fundação, morreram menos judeus do que em uma pequena cidade polonesa durante o Holocausto.

Yair Lapid - Onze cidadãos israelenses foram mortos nos ataques terroristas desde o início do ano. Mais pessoas morrem em acidentes de carro em Israel em um único fim de semana. Parece mais perigoso do que realmente é. Quando visitei Nova York pela primeira vez, amigos me alertaram para não ir ao Central Park, dizendo que eu seria assaltado lá. E então você entra no Central Park e não acontece nada. Em comparação a alguns países europeus, nós estamos nos saindo muito bem.

Spiegel - Shulamit, por que o conflito árabe-israelense não aparece em seus livros?
Shulamit Lapid -
Por que é uma questão muito grande. Além disso, nós também temos outros problemas -com o ensino, por exemplo, com a economia. Nós temos mais pobres do que costumávamos.

Yair Lapid - O conflito árabe-israelense é o maior problema, mas pequenos problemas moldam nossas vidas cotidianas de israelenses. A menos que uma guerra esteja acontecendo, o conflito árabe-israelense é irrelevante no cotidiano.

Shulamit Lapid - Isto é típico de Tel Aviv. Em Sderot, que é atingida quase que diariamente por foguetes da Faixa de Gaza, eles vêem as coisas um pouco diferente. Eu sempre me solidarizei com a periferia. Beersheba, à beira do Deserto de Negev, está no centro de minhas histórias de detetive, enquanto uma repórter local desajeitada é a heroína.

Yair Lapid - A maior tragédia do conflito entre israelenses e palestinos e que todos sabem como vai acabar. Nós dividiremos a região. Israel devolverá grande parte da Cisjordânia e a bandeira palestina tremulará nos prédios públicos de Jerusalém Oriental. A única questão não respondida é quantas pessoas ainda terão que morrer até lá. E então lutaremos contra os extremistas de ambos os lados, incluindo nossos extremistas, os colonos. Quando você olha para a história das guerras, elas geralmente giram em torno de uma alegação: "Meu deus é melhor do que o seu".

Spiegel - A disputa divide a família de seus amigos, os Olmert. O primeiro-ministro Ehud Olmert, veio do movimento nacionalista Likud, de direita, e se deslocou para o centro político. Sua esposa Alisa e seus filhos estão alinhados com o movimento de paz israelense.
Yair Lapid -
Uma divisão tão profunda não existe em nossa família.

Tommy Lapid - Além disso, a esquerda israelense está praticamente morta.

Shulamit Lapid - Isso não é verdade, Tommy. O centro político se tornou a esquerda.

Tommy Lapid - O movimento de paz foi destruído por seu maior sucesso, a retirada da Faixa de Gaza. Sharon fez o que o movimento de paz exigiu por anos. E o que obtivemos? O Hamas governa Gaza e o terror continua sem pausa.

Spiegel - Mas foi você e seu amigo Ehud Olmert que convenceram Sharon a sair de Gaza.
Tommy Lapid -
É verdade. Nós queríamos sair de Gaza. Foi a ação certa. Ao mesmo tempo, foi uma espécie de teste que revelou as intenções dos palestinos. Uma retirada da Cisjordânia será muito difícil, por dois motivos: o que faremos se o Hamas também vencer as eleições lá, ou assumir o poder à força? E o que faremos com nossos colonos? Como evacuaremos dezenas de milhares de pessoas?

Spiegel - Yair, você se tornou um jornalista como seu pai. Você pode se imaginar seguindo os passos dele e ingressando na política?
Yair Lapid -
Eu já pensei a respeito.

Tommy Lapid - Yair é modesto demais. Na verdade, dificilmente passa um mês sem que Ehud Barak, o presidente do Partido Trabalhista, lhe pergunte a respeito.

Shulamit Lapid - Eu não acho que Yair leva jeito para isso.

Tommy Lapid - É verdade. Ele é bondoso demais.

Spiegel - Tommy, você escreveu um guia de viagem há muitos anos. Onde você levaria atualmente os turistas que chegam pela primeira vez a Israel?
Tommy Lapid -
Para Jerusalém, apesar de não gostar da cidade. Jerusalém é tradicional, tediosa e religiosa demais. Mas é uma cidade que não pode ser comparada a nenhuma outra cidade no mundo.

Shulamit Lapid - Eu os levaria para a casa de Yair. Lá eles conheceriam seus amigos, que levam uma vida completamente normal, feliz e descontraída -muito longe da imagem que as pessoas no exterior têm de Israel.

Yair Lapid - Eu os convidaria ao Genki. É um clube em Tel Aviv. Eles têm um palco onde os convidados cantam canções israelenses, e então todos cantam junto e dançam sobre as mesas. Na minha opinião, vitalidade é o que melhor caracteriza Israel.

Tommy Lapid - Não, se há uma palavra que caracteriza nós, judeus, é inteligência. Nós produzimos mais ganhadores do Nobel per capita do que qualquer outro povo no mundo. É a inteligência que nos distingue.

Shulamit Lapid - Então por que freqüentemente agimos de forma tão estúpida?

Tommy Lapid - É uma boa pergunta.

Spiegel - Tommy, Shulamit, Yair, obrigado por esta entrevista.

Tradução: George El Khouri Andolfato
Texto do Der Spiegel, republicado no UOL (para assinantes).

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