Viva o 13 de Maio
Viva o 13 de Maio
Mário Maestri
Em 13 de maio, a Abolição celebra 120 anos. O Brasil foi uma das primeiras nações das Américas a instituir e a última a abolir o cativeiro. Dos nossos 508 anos de História, mais de 350 passaram-se sob o pesado látego negreiro. A Abolição já foi celebrada com vigor. Hoje, uma quase conspiração de silêncio abateu-se sobre ela. Sua negação é obra sobretudo do movimento negro, que lembra com razão a miséria atual de enorme parte do povo negro. Essa visão bem-intencionada consolida interpretações caricaturais do 13 de Maio que escamoteiam a essência da revolução abolicionista de 1888. Celebrar o 13 de Maio não significa reafirmar os mitos da emancipação social do negro em 1888 ou da princesa Isabel como a Redentora. Significa recuperar a importância da superação da escravidão e da participação dos trabalhadores escravizados na construção de passado. O povo negro pobre sempre intuiu a importância da libertação dos cativos, em 1888, não como resultado da propaganda ideológica das classes dominantes, mas devido à cristalização na consciência popular de acontecimento magno da história da população nacional.Não há sentido em antepor Palmares ao 13 de Maio. Apesar de saga luminar, a epopéia palmarina jamais propôs, e não poderia ter proposto, a destruição da escravidão como um todo. E foi derrotada, com a destruição de Palmares e a morte de Zumbi. Ao contrário, a revolução abolicionista, em 1888, foi vitoriosa ao superar para sempre a escravidão. Desconhecer o seu sentido revolucionário é menosprezar a essência escravista do passado do Brasil e o caráter singular de sua gênese. Estudos já clássicos, como Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, de Robert Conrad, apresentam a Abolição, em seu tempo conjuntural, como produto do abandono maciço das fazendas cafeicultoras, sobretudo paulistas, pelos trabalhadores escravizados, que reivindicaram relações contratuais de trabalho, nos últimos meses da escravidão. Eles registram a tensão política, social e econômica extrema sob a qual o movimento alcançou a vitória.A destruição do regime negreiro deveu-se à massa escravizada, aliada aos abolicionistas radicalizados. Em 13 de maio, a herdeira imperial apenas sancionou lei aprovada pelo parlamento das classes proprietárias, lavrando o atestado de óbito de instituição terminal. Nos 66 anos anteriores, os Braganças haviam defendido o cativeiro, com dentes e unhas. Nos momentos finais da escravidão, com a produção desorganizada pela sublevação servil, os escravistas renderam-se, reivindicavam apenas a indenização da propriedade perdida.Foi também a ação estrutural dos trabalhadores escravizados, durante séculos de cativeiro, que construiu as condições que ensejaram, mais tarde, a destruição da escravidão. Foram sobretudo a oposição permanente do cativo ao trabalho feitorizado que impôs limites insuperáveis ao desenvolvimento tecnológico da produção e determinaram altos gastos de vigilância e de coerção, abrindo espaço para formas de produção historicamente superiores. Em 1888, a revolução abolicionista destruiu o modo de produção escravista colonial, que, por mais de 300 anos, ordenara a sociedade nacional. Negar essa realidade devido às condições econômicas, passadas ou atuais, da população negra é compreender a História com idéias a-históricas.Os limites da Abolição eram objetivos. Nos tempos finais da escravidão, a classe servil era categoria em declínio que lutava sobretudo pelos direitos mínimos de cidadania, já assegurados aos trabalhadores livres. Foi a reivindicação da liberdade civil que uniu a luta de cativos rurais e urbanos, já pouco numerosos. Setecentos mil homens, mulheres, jovens e crianças - cativos e ventre-livres - obtiveram direitos civis e políticos mínimos.Com o 13 de maio de 1888, superaram-se definitivamente as diferenças entre trabalhadores livres e escravizados, iniciando-se a história da classe operária brasileira, como a compreendemos hoje. A revolução abolicionista foi o primeiro grande movimento de massas moderno e constitui até agora a única revolução social vitoriosa do Brasil.
Texto de Mário Maestri, na Zero Hora, mas visto no Depósito do Maia.
Mário Maestri
Em 13 de maio, a Abolição celebra 120 anos. O Brasil foi uma das primeiras nações das Américas a instituir e a última a abolir o cativeiro. Dos nossos 508 anos de História, mais de 350 passaram-se sob o pesado látego negreiro. A Abolição já foi celebrada com vigor. Hoje, uma quase conspiração de silêncio abateu-se sobre ela. Sua negação é obra sobretudo do movimento negro, que lembra com razão a miséria atual de enorme parte do povo negro. Essa visão bem-intencionada consolida interpretações caricaturais do 13 de Maio que escamoteiam a essência da revolução abolicionista de 1888. Celebrar o 13 de Maio não significa reafirmar os mitos da emancipação social do negro em 1888 ou da princesa Isabel como a Redentora. Significa recuperar a importância da superação da escravidão e da participação dos trabalhadores escravizados na construção de passado. O povo negro pobre sempre intuiu a importância da libertação dos cativos, em 1888, não como resultado da propaganda ideológica das classes dominantes, mas devido à cristalização na consciência popular de acontecimento magno da história da população nacional.Não há sentido em antepor Palmares ao 13 de Maio. Apesar de saga luminar, a epopéia palmarina jamais propôs, e não poderia ter proposto, a destruição da escravidão como um todo. E foi derrotada, com a destruição de Palmares e a morte de Zumbi. Ao contrário, a revolução abolicionista, em 1888, foi vitoriosa ao superar para sempre a escravidão. Desconhecer o seu sentido revolucionário é menosprezar a essência escravista do passado do Brasil e o caráter singular de sua gênese. Estudos já clássicos, como Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, de Robert Conrad, apresentam a Abolição, em seu tempo conjuntural, como produto do abandono maciço das fazendas cafeicultoras, sobretudo paulistas, pelos trabalhadores escravizados, que reivindicaram relações contratuais de trabalho, nos últimos meses da escravidão. Eles registram a tensão política, social e econômica extrema sob a qual o movimento alcançou a vitória.A destruição do regime negreiro deveu-se à massa escravizada, aliada aos abolicionistas radicalizados. Em 13 de maio, a herdeira imperial apenas sancionou lei aprovada pelo parlamento das classes proprietárias, lavrando o atestado de óbito de instituição terminal. Nos 66 anos anteriores, os Braganças haviam defendido o cativeiro, com dentes e unhas. Nos momentos finais da escravidão, com a produção desorganizada pela sublevação servil, os escravistas renderam-se, reivindicavam apenas a indenização da propriedade perdida.Foi também a ação estrutural dos trabalhadores escravizados, durante séculos de cativeiro, que construiu as condições que ensejaram, mais tarde, a destruição da escravidão. Foram sobretudo a oposição permanente do cativo ao trabalho feitorizado que impôs limites insuperáveis ao desenvolvimento tecnológico da produção e determinaram altos gastos de vigilância e de coerção, abrindo espaço para formas de produção historicamente superiores. Em 1888, a revolução abolicionista destruiu o modo de produção escravista colonial, que, por mais de 300 anos, ordenara a sociedade nacional. Negar essa realidade devido às condições econômicas, passadas ou atuais, da população negra é compreender a História com idéias a-históricas.Os limites da Abolição eram objetivos. Nos tempos finais da escravidão, a classe servil era categoria em declínio que lutava sobretudo pelos direitos mínimos de cidadania, já assegurados aos trabalhadores livres. Foi a reivindicação da liberdade civil que uniu a luta de cativos rurais e urbanos, já pouco numerosos. Setecentos mil homens, mulheres, jovens e crianças - cativos e ventre-livres - obtiveram direitos civis e políticos mínimos.Com o 13 de maio de 1888, superaram-se definitivamente as diferenças entre trabalhadores livres e escravizados, iniciando-se a história da classe operária brasileira, como a compreendemos hoje. A revolução abolicionista foi o primeiro grande movimento de massas moderno e constitui até agora a única revolução social vitoriosa do Brasil.
Texto de Mário Maestri, na Zero Hora, mas visto no Depósito do Maia.
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