segunda-feira, agosto 31, 2009

Reforma da Saúde dos Estados Unidos (II)

"Indústria promove campanha de medo"


Ex-porta-voz de seguradora diz que grupos independentes são pagos para opinar e patrocinar propagandas contra a reforma

Potter vê repetição de tática usada com sucesso contra Clinton, que mostra plano público como "socialista" e cerceador de liberdades


DE NOVA YORK


As seguradoras estão usando táticas de medo para impedir a aprovação da reforma de saúde, repetindo um padrão já usado durante a tentativa de aprovação da reforma no governo de Bill Clinton (1993-2001). A afirmação é de Wendell Potter, ex-executivo e porta-voz da Cigna, uma das maiores seguradoras de saúde dos EUA. Ele depôs na Comissão de Comércio, Ciência e Transporte do Senado americano em junho e afirmou que, desde os anos 90, as seguradoras ganharam fôlego e poder para dominar o mercado. "O que temos é um sistema de saúde subordinado a Wall Street", disse. (JANAINA LAGE)


FOLHA - Por que o sr. abandonou a carreira nas seguradoras de saúde?
WENDELL POTTER - Percebi que as práticas adotadas estavam quebrando o sistema de saúde. As leis não protegem o consumidor o suficiente. Deixei meu emprego em maio de 2008, não queria mais ser um porta-voz da indústria. Decidi falar sobre o tema em junho deste ano.

FOLHA - O que são as táticas de medo das seguradoras?
POTTER - A indústria financia "grupos independentes". Oferece dinheiro para que eles atuem e assustem as pessoas espalhando que o governo vai assumir o sistema de saúde, que a reforma significa socializar o serviço de saúde e a medicina. Isso já aconteceu.

FOLHA - Quando?
POTTER - Em 2007, a indústria se mobilizou para desacreditar o filme "Sicko", de Michael Moore. Usou um grupo chamado Health Care America. A ideia era mostrar que os problemas apresentados não eram verdadeiros. Lançaram ainda a Health Benefits Coalition que, no início da década, tentava desviar a atenção de projetos de leis para direitos dos pacientes.

FOLHA - Qual é a diferença entre a ação agora e no governo Clinton?
POTTER - A estratégia é a mesma: usar aliados em negócios, na mídia conservadora e no Congresso para espalhar desinformação. Uma das diferenças é que eles têm atuado de forma mais covarde. Em 1993, eles assumiam que financiavam parte da campanha de "Harry e Louise" [propaganda que ajudou a afundar a proposta de reforma de Clinton, em que um casal de classe média se desesperava com a burocracia do plano e encorajava o povo a ligar para os representantes no Congresso].

FOLHA - Quem tem interesse em vetar ou interferir na reforma?
POTTER - Fabricantes de remédios, de equipamentos, membros da comunidade médica, seguradoras. Quem ganha dinheiro com o sistema atual.

FOLHA - Mas há propaganda a favor paga pelas farmacêuticas...
POTTER - Porque de um lado eles pagam pelos anúncios para passar uma imagem de que apoiam a reforma. De outro, atuam por meio de lobistas e grupos "independentes" para influenciar a opinião pública.

Entrevista na Folha de São Paulo, de 23 e agosto de 2009.

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