quarta-feira, agosto 26, 2009

Latifúndios do Paquistão

Autor traz a público feudalismo paquistanês

Por SABRINA TAVERNISE

MUEENABAD, Paquistão - Em meio ao calor da região central do Paquistão, há um mundo oculto de servos, senhores feudais, pobreza e corrupção. Essas vidas, escondidas por trás de grandes propriedades ou aldeias com casas de barro, raramente são vistas por estrangeiros. Mas Daniyal Mueenuddin, escritor paquistanês-americano que vive ali, as trouxe à tona na coletânea de contos "In Other Rooms, Other Wonders" ("Em outros quartos, outras maravilhas").
São retratos intimistas que despertam algumas das maiores questões do Paquistão atual. Por que uma pequena elite ainda controla enormes pedaços de terra, mais de 60 anos depois da independência do país?
Por quanto tempo os latifundiários continuarão controlando a vida de camponeses do mesmo modo que os colonizadores britânicos faziam?
Mueenuddin, 46, oferece uma paisagem ricamente observada. A propriedade onde ele vive com a sua esposa, no sul do Punjab, pertenceu a seu pai, um funcionário público paquistanês, e ele costumava ir ao local quando criança.
Seus pais se conheceram na década de 1950, nos EUA. O pai dele negociava um tratado, e a mãe era uma jovem repórter do "Washington Post". Eles se mudaram para o Paquistão, mas ela logo levou os filhos de volta para os EUA, quando Mueenuddin tinha 13 anos. Ele voltou ao Paquistão depois da faculdade, em 1987, como aspirante a escritor. Deparou-se com um decadente sistema da era colonial, ao qual os proprietários -sua família- havia muito já não prestavam atenção. Administradores estavam se apropriando das terras e cultivando suas próprias lavouras.
Mueenuddin rapidamente se tornou parte do Paquistão em mutação que ele queria captar na ficção. Os administradores da propriedade eram poderosos quando ele chegou, e tirá-los da gestão da fazenda seria um procedimento delicado. Ele dormia com uma arma e temia que sua comida fosse envenenada. "Ocorreu-me que eles poderiam me matar", afirmou.
Lentamente, ele recuperou a fazenda, que atualmente prospera com a produção de manga, cana-de-açúcar e algodão.
Os personagens da sua ficção são convincentemente locais: administradores rurais corruptos, filhos mimados de latifundiários ricos e criadas desesperadas para melhorar sua posição na vida.
Os contos exploram a dinâmica de poder entre servos e seus senhores. Mueenuddin argumenta que sua atividade rural prospera porque ele trata seus trabalhadores com justiça. Paga-lhes US$ 84 por mês, mais que o triplo do valor corrente.
No Paquistão, os latifundiários raramente se envolvem detalhadamente nos negócios de suas fazendas, e os trabalhadores recebem em média US$ 25 por mês. "Eles não entendem sua própria gente", disse Mueenuddin, referindo-se à classe ruralista. "A hierarquia está tão introjetada neles que eles se comportam como superiores."
Mas o elenco de personagens está mudando, algo que a prosa de Mueenuddin capta. Os administradores rurais, que são os funcionários mais poderosos, agora participam da política em alguns lugares. Mas, em vez de tornar o sistema mais justo, diz o escritor, eles aproveitam a chance para lucrar.
Enquanto isso, a pobreza se torna mais pronunciada. E os mulás da escola fundamentalista Deobandi se tornaram poderosos no sul do Punjab, difundindo uma mensagem antixiita e anti-Estado.
Tal difusão atingiu Mueenuddin. Um grupo religioso estava construindo uma mesquita ao lado de sua propriedade, e um dia um jovem gritou para ele: "A primeira coisa que você vai perceber é uma bala atingindo-o na testa".
Ele mandou que um muro fosse construído no limite da propriedade. "As pessoas estão cada vez mais desesperadas", disse.

Texto do The New York Times, publicado na Folha de São Paulo, de 10 de agosto de 2009.


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