segunda-feira, agosto 31, 2009

Reforma na Saúde dos Estados Unidos (I)

Lobby emperra projeto de Obama de reforma na saúde


Presidente recua da ideia de seguro público e dilui apoio democrata sem adesão opositora

Seguradoras, médicos e hospitais têm estimado em US$ 1,4 milhão por dia gasto para bancar ação de mais de 350 lobistas no Congresso

JANAINA LAGE
DE NOVA YORK


A forte campanha realizada por seguradoras, hospitais e associações de médicos resultou na mudança de um dos principais pontos da reforma do sistema de saúde: a inclusão de um plano público. O que era mencionado como um dos pontos essenciais do projeto é citado agora como uma mera possibilidade pelo presidente.
Ao ceder à principal reivindicação dos grupos de lobby no Congresso, o presidente Barack Obama viu seu apoio diluído entre os democratas e continuou sem avanços expressivos nas negociações com republicanos. Alguns analistas dizem que a mudança ameaça o êxito da reforma, principal item da agenda doméstica de Obama.
Na prática, a reforma não satisfaz as reivindicações dos republicanos e ficaria aquém das expectativas dos democratas mais à esquerda, que amargaram o fracasso da tentativa de reforma no governo de Bill Clinton (1993-2001).
Obama diz que os republicanos estão tentando repetir a estratégia que resultou, à época, na perda da maioria na Câmara dos Representantes (deputados) na eleição subsequente.
As companhias temem que, ao oferecer um plano público subsidiado ao menos em parte com impostos pagos pelos contribuintes, o governo ofereça prêmios de seguros com valor tão baixo que afete a concorrência e as margens de lucro. O governo dizia que a medida estimularia melhores serviços.
As maiores empresas já contrataram mais de 350 ex-membros do governo e do Congresso para atuar junto a deputados e senadores. Estimativas dão conta de que o gasto em lobby chega a US$ 1,4 milhão por dia.
O setor de saúde americano funciona hoje como uma espécie de bomba relógio, com previsão de gastos equivalente a um quinto do PIB em dez anos. Mesmo quem é contra a proposta original de Obama diz ser favorável a uma reforma.
Em uma economia em crise onde a maior parte da população obtém o plano de saúde via empregador, aumenta o número de pessoas sem cobertura. Dados do instituto Gallup indicam que 16,2% dos americanos não têm plano. Há receio de que a reforma leve a uma explosão do deficit público -e que parte dos custos tenha de ser compensada com impostos.
"O sistema é uma bagunça por ser baseado em uma política de reembolsos. Hospitais e médicos recebem valores que não refletem o seu custo real. Quando você mexe nisso, está tirando dinheiro desses grupos. Começa a briga política, nem sempre limpa", disse à Folha Amitabh Chandra, especialista em política de saúde da Universidade Harvard.
Além dos 47 milhões sem plano, outros 25 milhões têm cobertura insuficiente.

Guerra psicológica
Um dos temas mais assustadores para o eleitorado americano é o aumento da presença do Estado, considerado mau administrador, na economia.
As campanhas contra o projeto jogam com o imaginário de uma América "socialista" em que a população enfrentaria racionamento, não poderia mais escolher seu plano ou manter seu médico, hipóteses negadas pelo governo.
"Obama perdeu o controle sobre a discussão", diz Wendell Potter, ex-executivo de uma grande seguradora. Antes de entrar em férias, Obama disse ontem que o debate não deveria ser dominado por "distorções" e "deturpações". Ele voltou a negar rumores como financiamento para aborto e estímulo à eutanásia, levantadas por grupos de extrema direita.
Tanta exposição não resultou somente em perda de apoio político, mas também popular. Pesquisa do "Washington Post" afirma que 50% dos entrevistados desaprovam a maneira como ele conduz a reforma da saúde, o maior patamar de rejeição desde que foi eleito.
A reforma é hoje a maior preocupação para 1 em cada 4 americanos.
Só perde para a economia.

Notícia da Folha de São Paulo, de 23 de agosto de 2009.

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