segunda-feira, agosto 24, 2009

Mantega articulou o caos na Receita

Mantega articulou o caos na Receita

O MINISTRO DA FAZENDA , Guido Mantega, trouxe sua contribuição para a teoria do caos. Demitiu a secretária da Receita Federal sem oferecer uma explicação que tivesse nexo e merecesse respeito. Feito isso, tirou férias. Retornou e tem dois problemas sobre a mesa.
Começou uma guerra de dossiês e vilezas para o preenchimento do cargo. Otacílio Cartaxo, o secretário interino, é acusado de ter esbarrado numa operação pente-fino de 2006. Uma auditoria interna desconfiou de suas contas, o caso foi entregue à corregedoria da Receita, que considerou as suspeitas infundadas e o arquivou. Agora informa-se que o Ministério Público resolveu investigar o caso, que corre em segredo de Justiça. Coisa igual, nem na Inquisição espanhola. O sujeito foi inocentado e volta a ser suspeito porque voltou a ser investigado, em segredo.
A simpatia de Mantega iria para Valdir Simão, presidente do INSS. Chumbo nele. Como sucedeu a Cartaxo, "foi investigado" (coisa que não quer dizer nada) em 2006. Seu envolvimento estaria relacionado com a ação de uma quadrilha de sonegadores desbaratada pela Polícia Federal. Em sua defesa, informou que a ação policial foi desencadeada por ele, quando dirigia a arrecadação do INSS.
Com base no que se apresenta ao público, Cartaxo e Simão são vítimas do clima de baixaria que tomou conta do processo de nomeação do novo secretário da Receita.
Mantega tem outra panela queimando sobre o fogão. Ele sabe que a escolha de Simão (que foi secretário-adjunto de Jorge Rachid, que foi adjunto de Everardo Maciel durante o tucanato) poderá resultar no pedido de demissão de cinco (ou seis) dos dez superintendentes da Receita. Provavelmente também pedirão o chapéu os inspetores das alfândegas de Cumbica e Viracopos e algo como uma dezena de auditores que ocupam cargos de chefia.
Numa época em que o país vê como os barões de Brasília nomeiam seus protegidos, faz bem à alma saber que servidores públicos concursados oferecem de volta seus postos, para retornar ao chão das repartições. Nenhum deles abrirá firma de consultoria, como ninguém aceitará convite para o conselho de administração de grandes contribuintes. Isso não é rebelião. Quando o inspetor de uma alfândega pede demissão, é louco ou honesto, o que, em certas situações, pode ser uma redundância.
Na raiz do problema está a ação desses servidores levados para a cúpula da Receita pela secretária Lina Vieira. Como ela mesma disse, a instituição tirou o foco da patuleia assalariada e mirou no andar de cima. Por exemplo: antes dela, no primeiro semestre de 2008, a delegacia de Campinas procedeu a 138 fiscalizações de pessoas físicas e cobrou R$ 1,5 milhão. No mesmo período de 2009, na gestão da doutora, fiscalizou 130 e cobrou R$ 37,2 milhões. Com as pessoas jurídicas, nessa mesma delegacia, as fiscalizações passaram de 66 para 88, e a cobrança, de R$ 189 milhões para R$ 500 milhões. Essa situação repetiu-se em dezenas de delegacias.
Outro exemplo: os bancos sentem-se desobrigados de pagar PIS e Cofins sobre as transações financeiras. Num mês do ano passado, um deles desembolsou exatos R$ 2,65. A Receita foi em cima e já obteve uma sentença que condenou uma casa a pagar R$ 2 bilhões.

Aquilo que parece um problema é um pedaço da solução. O Senado é uma coisa e a Receita Federal é outra coisa.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 29 de julho de 2009. Grifos do blogueiro.

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