segunda-feira, agosto 31, 2009

Revoltada, Islândia se arrasta para fora da dívida (ou, depois do vendaval)

Revoltada, Islândia se arrasta para fora da dívida

Por LANDON THOMAS Jr.

REYKJAVIK, Islândia - Poucos meses depois que um colapso bancário épico empurrou a Islândia para os braços do Fundo Monetário Internacional, essa nação-ilha está envolvida em um ferrenho debate sobre como pagar seus credores sem ceder demais sua prezada independência.
O equilíbrio que a Islândia conseguir para satisfazer as exigências políticas da comunidade financeira global e os desejos de sua população (300 mil habitantes) cada vez mais revoltada será observado de perto enquanto os programas do FMI para economias arrasadas -como Lituânia, Ucrânia, Hungria e Romênia- entram em uma fase crucial.
"Quando se impõe austeridade, [o processo] torna-se muito doloroso e cobra um preço", disse Simon Johnson, ex-economista do FMI que hoje é professor no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA. Mas muitos islandeses estão culpando o FMI neste caso, ele diz, e isso não se justifica.
"A Islândia é um país rico que se comportou descuidadamente e ajudou a desestabilizar o sistema financeiro mundial", disse Johnson. "Eles terão de engolir o remédio."
Enquanto o governo islandês, de inclinação esquerdista, não põe a coisa de modo tão claro, essa é em geral a tese que defende.
A primeira população a derrubar seu governo em consequência da crise financeira global, os islandeses puderam ver o governo que o substituiu cair também, deixando o país sem timoneiro -a menos que consiga aprovar no futuro próximo um acordo para pagar ao Reino Unido e à Holanda o empréstimo de US$ 5,7 bilhões que usou para compensar os depositários estrangeiros por prejuízos nos bancos da Islândia.
"Isso é um ataque à nossa soberania", disse o ministro da Saúde, Ogmundur Jonasson. "Lembra-me dos velhos tempos coloniais. Gordon Brown não teve palavras duras para os Estados Unidos quando o Lehman Brothers caiu e bilhões de libras foram para os EUA. Isso foi amizade -aqui é 'Peguem o sujeitinho e o encostem na parede'."
Não aprovar a lei, segundo o governo (a maior parte dele, pelo menos), levaria o FMI e outros credores externos a retirar os fundos, ameaçando ainda mais a frágil situação do país.
Mas os críticos dizem que aprová-la aumentará o peso da dívida da Islândia para 200% do PIB, tornando-a um dos países mais alavancados do mundo. Em última instância, eles dizem, poderá levar a Islândia à moratória.
No centro desse debate está o Icesave (ou "Iceslave" como é chamado na Islândia). As contas do Icesave eram uma aposta exclusiva do Landsbanki, o mais agressivo dos bancos falidos do país, para aumentar o caixa estendendo sua rede de filiais da pequena Reykjavik para Londres. A reação ao acordo para bancar essas contas envolve a crescente raiva que os islandeses têm hoje de banqueiros, credores estrangeiros e tecnocratas do FMI -não necessariamente nessa ordem.
Lilja Mosesdottir é economista e membro do Parlamento pelo Partido Verde, no governo. Mas diz que, se fosse votar hoje, votaria contra a proposta do governo. Mosesdottir, que é nova na política, chegou ao poder recentemente, quando o Partido Conservador foi derrubado pela "revolução das panelas".
"É como depois de uma guerra, e você é o perdedor", ela disse, em um rápido intervalo para o café durante as negociações sobre o acordo. "Este é um acordo que levará à moratória da soberania, e não queremos que isso aconteça."
Se ela tem razão ou não sobre a moratória, a analogia da guerra é válida. A Islândia perdeu bilhões, e hoje outros países ditam os termos de sua recuperação.
O ressentimento dos habitantes tem origem na crença de que a principal virtude da Islândia, uma autoconfiança inflexível, foi ameaçada por seus banqueiros e os credores estrangeiros.
Enquanto a retórica cresce, o ministro das Finanças da Islândia, Steingrimur J. Sigfusson, um antigo esquerdista, se encontra na estranha posição de defender o Icesave, assim como as severas restrições econômicas que o país foi obrigado a suportar para se qualificar para mais dinheiro do FMI e de credores nórdicos. Essas medidas incluem grandes cortes nos gastos de saúde e o aumento dos preços do combustível. As taxas de juros mais altas empurraram o desemprego de 1% para cerca de 8% em pouco mais de um ano.
Sigfusson rejeita qualquer ideia de moratória e afirma que o acordo para pagar os credores foi o melhor que se poderia alcançar. Com um prazo de 15 anos, baixa taxa de juros e um período de sete anos de carência, o acordo é flexível o suficiente para permitir que a Islândia o pague, ele diz, especialmente se a economia se recuperar e o governo conseguir vender os ativos estrangeiros do Landsbanki.
"Essa é a maior tragédia de todas, mas tem de ser feita", ele disse. Quanto à crença de que é o FMI, e não o governo, quem dita as políticas, Sigfusson admite que está em contato com o representante do FMI no país.
Essas amenidades são de pouco consolo para muitos islandeses cujas dívidas pessoais dispararam no rastro da queda vertiginosa da moeda local, a krona.
Gunnar Sigurdsson, diretor de teatro, diz que o empréstimo para seu carro duplicou desde o início da crise; os pagamentos de sua hipoteca aumentaram cerca de 35%.
A falência pessoal é inevitável, ele diz. Sigurdsson agora tenta fazer um documentário -voltando sua câmera para os principais políticos e banqueiros da Islândia e, se tiver sorte, para Dominique Strauss-Kahn, o diretor do FMI. "Estou cansado dessa idiotice", ele disse. "Quero apenas respostas."

Texto do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 3 de agosto de 2009.


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