Magistrados estão sendo intimidados
Magistrados estão sendo intimidados, diz juiz
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
O juiz federal Sérgio Fernando Moro afirmou ontem que vê na atual discussão sobre combate ao crime organizado uma tentativa de limitar os métodos de investigação, o que considera um retrocesso para o Brasil. Disse que considera preocupante isso ocorrer dentro do atual "cenário de intimidação dos magistrados".
Titular de vara especializada no combate à lavagem de dinheiro em Curitiba, Moro criticou a proposta do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, de se criar varas especiais para apurar abuso de autoridade. Para o magistrado, o ministro "peca pela retórica excessiva".
Moro rebateu ainda a afirmação de Mendes de que juízes, procuradores e delegados de varas especializadas trabalham "a seis mãos", o que comprometeria a independência do magistrado na hora de julgar. "Isso é fantasia", disse.
Sobre a influência do caso Satiagraha nesse cenário de "intimidação", afirmou que isso pode ter "acendido o pavio de uma situação que já estava latente".
No Satiagraha, que investiga Daniel Dantas, Mendes entrou em choque com o juiz federal Fausto Martin De Sanctis, que decretou duas prisões do banqueiro. A segunda foi 24 horas após Mendes ter autorizado a soltura dele. A atitude do juiz foi interpretada como uma "afronta" pelo ministro.
"Até ontem, as capas das revistas diziam que o Brasil era o país da impunidade. Agora, falam que o Brasil é um Estado policial. Tenho a sensação de que perdi alguma coisa, de que dormi cinco anos e não vi essa transformação tão rápida de um estado para o outro", disse.
Moro defende o uso de métodos especiais para o combate ao crime organizado, como as escutas telefônicas legais, que considera ser uma importante ferramenta para desmontar uma estrutura criminosa cada vez mais sofisticada.
Nesta semana, o Conselho Nacional de Justiça, também presidido por Mendes, aprovou a centralização pelo órgão do número de escutas telefônicas em todo o país. O órgão saberá quantas interceptações foram autorizadas por cada juiz.
"A dúvida que existe, dentro desse cenário de intimidação, é o que será feito no futuro com as informações sobre o número de escutas de cada magistrado."
A polêmica sobre as escutas telefônicas ganhou força depois que uma conversa privada do presidente do Supremo foi divulgada pela imprensa.
"Temos que separar as coisas. O que houve no caso do ministro Gilmar Mendes foi um absurdo, uma escuta ilegal, o que não tem nada a ver com as escutas legais, que ajudam, e muito, a desvendar um crime. Precisamos abandonar o excesso de retórica", afirmou.
A procuradora regional Janice Ascari, que participou ontem de um evento com Moro no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, defendeu o Ministério Público e disse que os procuradores "não são uma milícia, são profissionais do Direito".
Em discurso, De Sanctis, defendeu penas mais duras para o crime de colarinho branco.
A assessoria do Supremo informou que o ministro não iria comentar as declarações.
Texto da Folha de São Paulo, de 12 de setembro de 2008.
Marcadores: judiciário, justiça
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