Morales aceita que Unasul seja mediadora na Bolívia
Morales aceita que Unasul seja mediadora na Bolívia
Presidente exige que oposição desocupe prédios públicos antes de negociações
Lula disse que bloco só atuaria se boliviano fizesse opção por diálogo; Chávez apontou "mão oculta" de Bush na ação oposicionista
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A SANTIAGO
O presidente da Bolívia, Evo Morales, aceitou ontem que a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) atue como mediadora do diálogo entre seu governo e os cinco governadores de oposição, que há três semanas promovem o bloqueio de rodovias e a ocupação de aeroportos e prédios públicos.
Morales, no entanto, apresentou aos oito presidentes (mais a anfitriã Michelle Bachelet), reunidos em cúpula de emergência da Unasul em Santiago, Chile, duas condições para iniciar as negociações. Primeiro, que os opositores desocupem os edifícios do governo; segundo, que uma comissão internacional investigue o massacre de camponeses pró-governo no departamento de Pando (norte da Bolívia).
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, ofereceu sua instituição para a investigação.
O "sim" de Morales à mediação veio depois da intervenção do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Lula disse que, se Morales optasse por reprimir os opositores, não havia nada que a Unasul pudesse fazer. O bloco regional, criado há apenas quatro meses, atuaria se a opção pelo diálogo fosse de Morales.
"A posição de Lula mudou o eixo da reunião", conforme a Folha ouviu de representantes chilenos e peruanos.
Vídeo de abertura
Explica-se a frase: até então, haviam predominado as críticas do venezuelano Hugo Chávez ao que considerou "mão oculta de Bush [o presidente dos EUA] na preparação de um golpe na Bolívia".
Aliás, Morales abriu a reunião, depois da apresentação da anfitriã, Michelle Bachelet, exibindo vídeo de atos de vandalismo da oposição e de proclamações golpistas.
Também Cristina Kirchner (Argentina) criticou, embora em termos bem mais brandos, os EUA, depois de Chávez ter dito que a suposta conspiração norte-americana agora estava envolvendo a própria presidente argentina (referência à acusação dos EUA de que a campanha eleitoral da hoje presidente foi financiada por Chávez).
Lula tirou completamente o foco dos EUA com a sua observação sobre a autonomia de Morales para aceitar ou não o diálogo. Tanto que não houve, na declaração final, qualquer menção a Washington.
Lula, ao sair do Palácio de la Moneda, sede do governo chileno e da cúpula de emergência, já avançada a noite (passava das 21 horas, 22h em Brasília), festejou o resultado e a ênfase no diálogo: "Um país pobre como o Bolívia precisa de tranqüilidade para poder se desenvolver".
Já o chanceler Celso Amorim preferiu resumir o encontro em duas palavras: "pressão e diálogo". Pressão no sentido de que a condição indispensável para o diálogo é a desocupação, pelos oposicionistas, de prédios públicos ainda tomados.
O documento dá ainda, como a Folha antecipara, forte respaldo à "autoridade legítima", o presidente Evo Morales, condição, aliás, que Lula também fez questão de ressaltar, lembrando até que a legitimidade do boliviano saíra reforçada do recente referendo revogatório.
O texto faz ainda intransigente defesa da integridade territorial da Bolívia, "que não deve ser posta em questão em nenhum momento", segundo o chanceler chileno Alejandro Foxley. Parte da oposição já vinha usando uma palavra incendiária ("secessão") para tratar da autonomia dos departamentos rebelados contra La Paz.
"Mesa de diálogo"
De todo modo, o nítido respaldo a Morales, natural em se tratando de um presidente eleito e reconfirmado, vem acompanhado do aceno ao diálogo com a oposição. Falta apenas definir o formato final do que os chilenos estão chamando de "mesa de diálogo".
O que está certo é que a presidência de turno da Unasul, exercida pelo Chile, será a liderança. Houve uma proposta para que o chamado grupo de amigos da Bolívia (Argentina, Brasil e Colômbia) completasse a mesa. Mas o uruguaio Tabaré Vázquez reclamou: "Porque só três amigos, se somos todos amigos da Bolívia?".
Ficou então decidido que todos os 12 países da Unasul formarão o grupo de amigos, que se colocará à disposição de Morales para iniciar a mediação. Mas nem todos, óbvio, irão à Bolívia. Bachelet vai conversar nos próximos dias com os colegas para definir quem acompanhará a missão de pacificação.
Antes da reunião dos presidente, o chanceler Foxley dissera que o diálogo seria com "todos os setores". "Inclusive com Leopoldo Fernández, governador de Pando, cuja prisão foi decretada pelo governo e que o presidente Morales não aceita à mesa?", perguntou a Folha.
Foxley respondeu com uma frase que permite qualquer interpretação: "O que interessa é um diálogo construtivo com interlocutores dispostos a chegar a um acordo".
Ao chegar a La Paz, Morales antecipou o que seria seu discurso ante os chefes de governo. Denunciou que está em marcha o que chamou de "golpe de Estado cívico em alguns departamentos", em referência aos Comitês Cívicos, que reúnem a elite econômica e política das regiões.
Texto da Folha de São Paulo, de 16 de setembro de 2008.
Marcadores: América do Sul, América Latina, Bolívia, Governo Evo, Unasul
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