10/06/2009: Continua a crise na Amazônia Peruana
Anúncio acusando índios acirra crise no Peru
Propaganda que fala em "selvageria e ferocidade" de indígenas no confronto com a polícia leva ministra do governo García a renunciar
Líder dos protestos contra exploração da Amazônia obtém asilo na Embaixada da Nicarágua; Congresso deve discutir tema hoje
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo conservador de Alan García provocou controvérsia e polarizou ainda mais o clima político no Peru ao lançar propaganda na TV na qual acusa indígenas de assassinarem com "selvageria e ferocidade" 25 policiais durante confronto no norte, na sexta-feira.
A rejeição ao anúncio, que não menciona os indígenas que morreram no episódio -9, segundo o governo, e ao menos 30, segundo lideranças das manifestações-, levou Carmen Vildoso, titular do Ministério da Mulher, a pedir demissão ainda anteontem.
O presidente do Conselho de Ministros (premiê),Yehude Simon, criticou Vildoso: "Uma coisa é sentir dor e dizer que lamentamos. Mas não somos culpados [pelo ocorrido]".
Segundo a agência France Presse, a pressão sobre o governo fez com que a propaganda, no ar desde domingo, deixasse de ser exibida ontem.
O vídeo de pouco mais de um minuto exibe fotos de corpos de policiais sob o título "Assim atua o extremismo contra o Peru". Repisando o discurso do presidente García, a propaganda diz que os manifestantes querem impedir que o país se beneficie das reservas de gás e de petróleo sob a floresta. "Não houve enfrentamentos. Houve assassinato ", diz o vídeo.
Na sexta, forças de segurança do governo agiram para liberar uma estrada no norte do Peru, próxima à cidade de Bagua, a 1.400 km de Lima, bloqueada por indígenas. Durante a operação e arredores, ao menos 25 policiais morreram -10, de um grupo de 38 que havia sido feito refém, foram assinados pelos manifestantes.
Ontem, a delegação peruana na OEA (Organização dos Estados Americanos) defendeu a ação em uma sessão extraordinária do Conselho Permanente para tratar do tema, em Washington. A embaixadora Maria Zavala disse que o país atuou contra uma "conspiração" que ameaçava o abastecimento do país e que policiais foram "torturados e mortos".
Os manifestantes afirmam que houve ataque deliberado contra o bloqueio e contra lideranças. Afirmam que o toque de recolher na região ajudou o governo a "limpar" corpos.
Ontem foi mais um dia em que ONGs e organizações de direitos humanos pediram investigação independente do episódio, o mais sangrento do arrastado conflito entre o governo Alan García, que assumiu em 2006, e os indígenas.
Luis Benavente, diretor do Grupo de Opinião Pública da Universidade de Lima, está entre os analistas políticos que acusam o governo de alimentar a polarização com a propaganda. "O governo só faz piorar as coisas. A morte dos policiais é um crime, mas não apaga os erros do governo", disse à Folha.
Asilo e tensão regional
Se a situação na região de Bagua acalmou, com a volta dos indígenas a suas comunidades, os analistas temem que discursos como o do anúncio insuflem a mobilização em curso em regiões como Tarapoto e Loreto, no nordeste peruano.
Os indígenas agrupados na Aidesep (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana) protestam há dois meses exigindo a revogação de uma série de decretos que facilitam a exploração econômica em 60% da Amazônia peruana. Argumentam que, contrariando convênios internacionais adotados pelo país, não foram consultados sobre as leis.
Hoje, o Congresso debaterá a validade de um dos decretos, o 1090, da Lei Florestal. Segundo o jornal peruano "El Comércio", até o bloco governista, que bloqueou o tema na semana passada, aceitou tratá-lo em plenário ontem.
O premiê Yehude Simon tentava ontem ressuscitar uma mesa de diálogo com os indígenas, com a mediação da Igreja Católica. O discurso duro do presidente e o pedido de asilo político na Nicarágua por Alberto Pizango, a principal liderança indígena, tornam improvável que isso ocorra logo.
O asilo de Pizango, acusado de sedição por Lima, também contribui para aumentar a reverberação regional da crise. Ontem, o Peru evitou criticar a Nicarágua do esquerdista Daniel Ortega, uma vez que recentemente concedeu asilo político a oponentes dos governos Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia).
O governo García insinua que os protestos têm influência dos governos vizinhos esquerdistas e ontem vazou que -EUA, França e Bolívia- rejeitaram o pedido de Pizango.
Os dois primeiros países consideraram, segundo disse uma fonte da Chancelaria peruana à agência Efe, que ele tem garantias para ser julgado no Peru. A Bolívia, segundo a mesma fonte, decidiu não conceder asilo para não piorar as relações com Lima. (FLÁVIA MARREIRO)
Com agências internacionais
NA INTERNET - Veja o vídeo http://www.youtube.com/watch?
Texto da Folha de São Paulo, de 10 de junho de 2009.
Funai identifica movimento de indígenas peruanos rumo ao Acre
LUCAS FERRAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A crise no Peru já provoca, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), movimentação de grupos de diversas etnias indígenas rumo ao Brasil, especificamente para o Acre.
A Funai já identificou pelo menos dois grupos indígenas peruanos que, atipicamente, começaram a frequentar as matas brasileiras, nas cabeceiras de rios da fronteira.
Apesar da distância -Bagua fica a mais de 3.000 km de Assis Brasil (AC)-, o motivo para a fuga, segundo a Funai, é o mesmo que originou os conflitos que deixaram ao menos 34 mortos: a lei pró-investimentos na Amazônia peruana, editada pelo governo Alan García.
A ação de empresas petrolíferas, garimpeiros e madeireiras, além da constante presença de narcotraficantes, tem afugentado índios, principalmente isolados, afirma o sertanista brasileiro José Carlos Meirelles, coordenador da Frente de Proteção Etno-Ambiental do rio Envira, no Acre. Inexiste também, conta ele, fiscalização por parte de autoridades peruanas nas reservas indígenas já demarcadas no país.
Meirelles, que é do Departamento de Índios Isolados da Funai, órgão onde trabalha desde 1971, frequentemente percorre as matas da Amazônia peruana e brasileira.
Foi o sertanista quem registrou a presença de grupos indígenas do Peru no Brasil. Eram índios isolados, que não têm contato com brancos ou índios aculturados. No ano passado, ele localizou num sobrevoo duas malocas na cabeceira do rio Envira, no Acre, de um grupo apelidado de Mascko-Piro. Na sua conta, eram cerca de cem integrantes.
Um segundo grupo, este maior, entre 300 e 400 indígenas, também foi avistado nas cabeceiras dos rios.
Embora sejam índios com características nômades, a constatação de que têm presença cada vez maior no Brasil decorre do fato de terem sido avistados no país no verão e inverno amazônicos. "Como a temporada de caça ao índio no Peru está aberta, é óbvio que vão buscar o lado mais seguro."
Texto também da Folha de São Paulo, de 10 de junho de 2009. O grifo é do blogueiro.
Marcadores: Amazônia, Amazônia Peruana, crise política, Peru
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