quarta-feira, junho 24, 2009

A paz sinistra do Sri Lanka

A paz sinistra do Sri Lanka

Suketu Mehta

Fim da guerra não significou o fim das perseguições políticas

No Sri Lanka, a paz poderá afinal ser pior do que a guerra civil que acaba de terminar -e não apenas para os rebeldes dos Tigres Tâmeis, que saíram perdedores. O governo está em um clima de triunfo, e há medo nas ruas de Colombo. Jornalistas, ativistas de direitos humanos e acadêmicos críticos ao governo estão sendo mortos, atacados ou ameaçados.
O Sri Lanka desafia os estereótipos religiosos, com homens-bombas hindus e católicos e esquadrões da morte budistas; os muçulmanos são os menos violentos de seus povos. É o país mais belo que já vi e também o mais sangrento; a guerra custou 100 mil vidas.
Visitei os rebeldes em um acampamento remoto na selva no início de 2002, pouco depois que um cessar-fogo foi declarado. No território dominado pelos tâmeis, eles viviam em condições péssimas, graças a um bloqueio do governo. Quando eu queria ouvir o noticiário da BBC, alguém montava em uma bicicleta e pedalava para acionar um gerador que fornecia eletricidade ao rádio.
Tudo o que eles tinham para se sustentar era uma crença inabalável em uma pátria independente. Por isso enfrentaram o governo durante um quarto de século -até que o Ocidente os designou como terroristas e os chineses entraram com dinheiro. No ano passado a China deu US$ 1 bilhão para o Sri Lanka lutar a guerra, o que virou a maré contra os rebeldes. Em troca, a China conseguiu acesso a um porto profundo na ilha-país.
No Sri Lanka, assim como em outros lugares, a China tem conduzido uma política externa amoral. A China não é uma potência colonial; ela não tem interesse em adquirir terras ou em aumentar sua população. O que ela quer são recursos. Até 2020 a China só terá reservas domésticas suficientes para se abastecer de 6 de 45 minérios estratégicos. Antecipando essa carência, o governo chinês apoia alguns dos piores tiranos do planeta: Robert Mugabe, do Zimbábue, a junta bizarra de Mianmar, Kim Jong-il, da Coreia do Norte, Omar al Bashir, do Sudão.
Pequim não se importa, desde que consiga manganês ou bauxita. Sua política oficial é a não interferência nos assuntos internos desses países. Mas ela interfere por seus governos no Conselho de Segurança da ONU, onde veta qualquer ação contra seus clientes.
A dissidência é tão perigosa em Colombo quanto em Pequim. Uma amiga do Sri Lanka bem relacionada nos círculos sociais e políticos de Colombo me disse: "As pessoas que estão sendo mais atingidas no momento são os jornalistas e as ONGs internacionais. Tenho amigos que tiveram vistos revogados depois de viver aqui 20 anos e são expulsos ou presos por causa de informação aparentemente inofensiva". Então, temendo quem poderia estar monitorando sua ligação, ela acrescentou: "Acredito que você esteja ouvindo minha mensagem alto e claro". Catorze jornalistas críticos do governo foram assassinados desde 2006.
Nas ruas, há uma orgia de nacionalismo que poderá se inverter e alimentar-se de si própria. O que a maioria dos estrangeiros não percebe é que houve outra guerra civil no país na década de 1980, uma rebelião estudantil maoísta que custou quase tantas vidas quanto a guerra com os tâmeis.
Os Tigres foram ruins para o Sri Lanka e piores para os tâmeis que eles alegavam representar. Começaram com um movimento de libertação nacional e se transformaram em um bando assassino.
Mas não há desculpa para o governo matar dezenas de milhares de civis ou prender em massa a população tâmil do norte. O Sri Lanka deve implementar um mecanismo constitucional para compartilhar o poder com os tâmeis. Um país que protege suas minorias também protege por extensão os direitos de cada pessoa da maioria.


Suketu Mehta é autor de "Maximum City: Bombay Lost and Found"

Texto do The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 15 de junho de 2009.

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