quarta-feira, junho 10, 2009

29/05/2009: Notícias de um Paquistão em chamas

Taleban ameaça novos atentados em grandes cidades paquistanesas

Em retaliação à ofensiva no Swat, grupo assume autoria de ataque contra base do serviço secreto e promete mais terror antes de explosões em série matarem 13

DA REDAÇÃO

No mesmo dia em que assumiu a autoria do atentado contra o complexo de segurança de Lahore, que deixou 30 mortos anteontem, o Taleban ameaçou atacar grandes cidades paquistanesas em retaliação à ofensiva do Exército na região do vale do Swat.
Horas depois, explosões sequenciais mataram 13 paquistaneses e feriram cerca de cem pessoas em dois pontos do país.
Um líder regional do Taleban exortou moradores de quatro cidades, entre elas Lahore (segunda maior do país) e a capital, Islamabad, a abandonarem suas casas, como fizeram os habitantes do Swat e distritos vizinhos. Desde o início do mês, quando foi deflagrada a operação contra o Taleban, 2,4 milhões de civis fugiram da região, segundo estimativa da ONU.
"Queremos que o povo de Lahore, Rawalpindi, Islamabad e Multan deixe essas cidades, pois planejamos grandes ataques nos próximos dias", ameaçou Hakimullah Mehsud, um dos líderes da facção paquistanesa do Taleban, à Reuters.
"Nosso alvo são as Forças de Segurança, que estão matando inocentes no Swat e em áreas vizinhas", afirmou Mehsud, que disse lamentar a morte de civis no atentado de Lahore.
A ofensiva contra o Taleban, lançada em resposta ao avanço do grupo nas cercanias da capital paquistanesa, já provocou 1.190 baixas entre os insurgentes, estima o Exército. Não há dados sobre as vítimas civis.
Apesar da promessa de poupar civis feita por Mehsud, duas bombas explodiram no final da tarde em um mercado de Peshawar, capital da conflagrada Província da Fronteira Noroeste, vizinha ao Afeganistão. Foi o atentado mais violento do dia, que matou ao menos seis pessoas e feriu cerca de 70.
"Foi um estouro repentino. Tudo em volta pegou fogo, e uma nuvem de fumaça tomou o céu", descreveu o lojista Khair Uddin, atingido nas mãos e peito por estilhaços. Dois suspeitos de planejar o atentado morreram baleados por policiais, e outro foi detido no local.
Menos de meia hora depois do ataque ao mercado, um homem-bomba explodiu um posto de controle na entrada da cidade, matando quatro policiais.
Em Dera Ismail Khan, um ataque ao posto próximo à prefeitura matou um policial, dois civis e deixou 16 feridos.
As ameaças não vão barrar o cerco ao Taleban no Swat, segundo o Exército paquistanês. O governo provincial anunciou ontem que 90 mil alunos do Swat, Dir e Bunner passarão de ano na escola sem realizar os exames finais, indicando que não há previsão para o fim dos combates.
Os militares têm planos de expandir operações até o Waziristão, também tomado por insurgentes pashtuns, grupo étnico que habita o cinturão tribal paquistanês e é majoritário no vizinho Afeganistão.
A ofensiva tem respaldo da Casa Branca, que considera a estabilização do Paquistão vital para a segurança afegã.
Removido do poder no Afeganistão com a invasão dos EUA de 2001, o Taleban tem se expandido no Paquistão, onde atua como rede de milícias semiautônomas, chefiadas por líderes tribais pashtuns.


Com agências internacionais

Notícia da Folha de São Paulo, de 29 de maio de 2009.

Risco Paquistão é medido em escala nuclear

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Em conversa com a Folha em Davos, há um ano e meio, o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, jurava que todos os problemas de seu país estão além-fronteiras, mais exatamente "nos países vizinhos" (ele evidentemente se referia ao Paquistão).
Na época parecia uma maneira simplória de tirar dos ombros o fardo do fracasso em estabilizar o país depois da ocupação por tropas da coalizão liderada pelos EUA.
Continua parecendo escapismo, mas bem menos depois que a guerra permanente na região tornou-se mais intensa no Paquistão. E menos ainda depois do atentado de anteontem em Lahore, cidade-ícone do que há de liberal na cultura paquistanesa e centro de sua comunidade cinematográfica.
É eloquente que Imran Khan, repórter da rede qatariana Al Jazeera, com a experiência da cobertura de 13 atentados na mesma área, diga agora que "o ataque em Lahore tem todas as indicações de algo mais organizado e mais letal".
Combina à perfeição com a avaliação de Karzai à Folha, segundo a qual nem mesmo o Taleban afegão é um problema feito em casa. "A versão nativa dos membros do Taleban não é extremista. São estudantes de escolas religiosas" (o que passa por cima do fato de que as madrassas, as escolas religiosas, são muitas vezes centros de formação de extremistas).
Seja como for, a comunidade acadêmica e diplomática internacional já assumiu uma nova designação para aquele ponto que é o mais explosivo do planeta hoje: Afe-Paqui, para designar o fato de que a crise no Afeganistão é inseparável da crise no Paquistão, mais ou menos nos termos da avaliação do presidente afegão.
Daria até para dizer que a estabilização do Afeganistão depende da estabilização do Paquistão, mas o inverso não é necessariamente verdadeiro. O Paquistão, não o Afeganistão, passou a ser (ou sempre foi, se Karzai tiver razão) a chave da estabilidade no subcontinente indiano.
O repórter da Al Jazeera dá uma ideia do tamanho da encrenca: "O medo agora entre muitos amigos, particularmente aqueles com os quais falei em Lahore, é que, mesmo que o Exército paquistanês vença a batalha pelo vale do Swat, o próprio Paquistão estará em risco".
O Paquistão tem 170 milhões de habitantes -é o sétimo país mais povoado do planeta. Tem pouco menos de 1 milhão de homens nas Forças Armadas, a sétima maior potência militar do mundo. Como se não bastasse, possui armas atômicas.

Comentário na Folha de São Paulo (29/05/2009), sobre o mesmo assunto.


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