quarta-feira, junho 24, 2009

09/06/2009: Peru em crise política - confrontos e mortes da Amazônia Peruana

Troca de acusações reforça tensão entre Lima e índios

Principal central sindical peruana convoca para quinta marcha contra governo García, após conflito que deixou ao menos 50 mortos

DA REDAÇÃO

A dura troca de acusações entre o governo direitista de Alan García e lideranças indígenas e a convocatória de uma marcha sindical em Lima para quinta-feira compuseram ontem o quadro de tensão no Peru, três dias após confronto entre policiais e manifestantes que deixou ao menos 50 mortos no norte do país.
Governo e movimento indígena, que reivindica a revogação de leis pró-investimento na Amazônia peruana, divergem sobre o número de vítimas. Para a Adeisp (Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana), corroborada por fontes médicas da região na sexta, ao menos 30 indígenas morreram. O governo fala em 9 manifestantes e 24 policiais mortos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), condenou "energicamente" a violência que se desatou durante ação de desbloqueio de uma estrada próxima à cidade de Bagua, a 1.400 km de Lima. A CIDH instou o Estado peruano a "esclarecer judicialmente os episódios" e alertou quanto ao uso desproporcional das forças de segurança.
Hoje, o Conselho Permanente da OEA, em Washington, fará uma sessão extraordinária sobre o confronto peruano.
A oposição e ONGs locais e internacionais acusaram o governo de estar promovendo uma "limpeza" de corpos na região, ainda sob toque de recolher. Lima negou, e os opositores não apresentaram provas.
Segundo o presidente do Conselho de Ministros (premiê) Yehude Simon, o principal líder da Adeisp, Alberto Pizango, refugiou-se na Embaixada da Nicarágua em Lima após ser acusado pelo governo de incitar a violência.
Walter Categari, diretor da Adeisp, disse à Folha que a orientação da associação, que representa 450 mil pessoas de 65 povos indígenas na Amazônia peruana, é seguir a mobilização que completa dois meses hoje, com bloqueios de estradas e ocupações de instalações petrolíferas. "Se pararmos agora, seremos derrotados."
Ontem, a principal central sindical peruana, a CGTP, convocou para quinta uma "Jornada Nacional de Luta", em resposta à violência na Amazônia, acentuando a pressão sobre o governo Alan García, que completa três anos em julho.

Negociação no Congresso
No Congresso, o Partido Nacionalista -de Ollanta Humala, derrotado por García nas eleições de 2006-, anunciou que convocará uma sessão extraordinária para debater o decreto 1.090, chamado de lei florestal.
O adiamento do debate sobre o decreto 1.090 foi um estopim da violência da sexta. No dia anterior, a maioria governista aprovara projeto para congelar o tema no Parlamento até que a mesa de diálogo -formada pelo Executivo e lideranças indígenas, neste momento já em impasse-, chegasse a um acordo.
A norma é um dos pilares do conflito no Peru porque reduz a área de proteção florestal no país e esboça um amplo plano de regulação do investimento na Amazônia.
Ativistas indígenas dizem que estarão disponíveis para atividade econômica mais 45 milhões de hectares, ou 60% da floresta, e que, contrariando legislação internacional adotada pelo Peru, as comunidades indígenas não foram consultadas.
Nos últimos dez anos, cresceu enormemente a ocupação da floresta peruana por empresas mineradoras e petrolíferas. A subsidiária da Petrobras no país explora um lote, com produção de 16 mil barris/dia, e detém concessão de outros cinco lotes ainda em prospecção.


Com agências internacionais.

Notícia da Folha de São Paulo, de 9 de junho de 2009.

Opositor pede investigação internacional

DA SUCURSAL DO RIO

Colunista do jornal "La República", Javier Diez Canseco é antigo militante da esquerda peruana. A partir da democratização do país, em 1978, foi constituinte, senador e congressista por vários mandatos até ser derrotado ao disputar a Presidência em 2006.
Em entrevista por telefone, de Lima, ele defende investigação internacional sobre as mortes em Bagua e diz que parte da solução do conflito está no Peru se reconhecer como Estado plurinacional. Abaixo, trechos da entrevista. (CLAUDIA ANTUNES)

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FOLHA - Ao lançar a repressão contra os indígenas, o governo sabia que poderia desencadear reação também violenta?
JAVIER DIEZ CANSECO
- Na região onde ocorreram os conflitos estão ex-combatentes da guerra com o Equador [1995], nativos das etnias awajum e ashaninka que têm experiência com uso de armas. Há também as rondas camponesas, que derrotaram o [grupo maoísta] Sendero Luminoso em várias zonas e às vezes se confundem com a delinquência.
Além disso, o governo sabia que havia 38 policiais armados retidos pelos nativos numa base de bombeamento de petróleo. Há vídeos da ofensiva da polícia e da reação dos nativos. A polícia usou franco-atiradores em Bagua. Um dos dirigentes indígenas, Santiago Manuin, tem oito balas no corpo.
Isso não é bala perdida.

FOLHA - O governo diz que parte dos policiais foi degolada.
DIEZ CANSECO
- Essa versão parece vir do fato de a etnia awajum ser uma etnia guerreira. Não descarto que tenha ocorrido. Não justifico nem aceito. Mas não sei a versão exata, por isso creio que é necessária uma investigação internacional.

FOLHA - Que grupos formam a Associação Interétnica pelo Desenvolvimento da Selva Peruana, que lidera os protestos?
DIEZ CANSECO
- A Aidesep agrupa cerca de 60 etnias em oito regiões da Amazônia peruana. Existe há 30 anos e é encarregada da educação bilíngue. Recebeu prêmios internacionais. Não é um grupo de loucos.

FOLHA - O Peru sempre teve uma divisão forte entre a costa e o interior. Qual é a solução?
DIEZ CANSECO
- Os grupos que comandaram o Estado no Peru nunca reconheceram o caráter plurinacional do país. O Peru não é um país homogêneo, é diverso. Essa plurinacionalidade implica direitos culturais, judiciais, políticos e territoriais.
É uma ideia que está sendo formalizada hoje nas Constituições do Equador, da Bolívia. Até na Colômbia o tema das etnias amazônicas foi reconhecido. No Peru isso não aconteceu. A isso se soma a batalha que o governo trava para abrir a exploração dos recursos naturais às transnacionais.

Entrevista na Folha de São Paulo, de 9 de junho de 2009.


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