quinta-feira, junho 04, 2009

O "contador de mortos" de Recife

O "contador de mortos" de Recife

Le Monde
Jean-Pierre Langellier

Em pleno coração de Recife, a grande cidade do Nordeste brasileiro, no cruzamento das ruas Joaquim Nabuco com Guilherme Pinto, o "contador de mortos" chama a atenção de motoristas e pedestres. Mas esse grande mostrador circular não tem nada a ver com os estragos da insegurança das estradas. Seus números contam os homicídios cometidos no Estado de Pernambuco, cuja capital é Recife. Ou melhor, "contavam", pois desde 1º de maio o contador está desligado, por falta de dinheiro para sua manutenção.

Para continuar a ser informado em tempo real sobre a mortalidade de origem criminal no Pernambuco, é preciso ir até a página inicial do site PEbodycount, onde se encontra o mesmo contador. Três números registram os homicídios cometidos nas últimas 24 horas, no mês e no ano em curso. Em 31 de maio, já se contavam 1.806 vítimas desde o início do ano, sendo que a grande maioria era na cidade de Recife. Nesse ritmo, serão quase 4.500 homicídios em 2009.

O PEbodycount foi lançado em março de 2007 por quatro jovens jornalistas de Recife: Rodrigo Carvalho, Eduardo Machado, Carlos Eduardo Santos e João Valadares. Todas as manhãs, inclusive aos domingos, um ou vários deles fazem cerca de 50 telefonemas às delegacias, aos hospitais e aos necrotérios de Pernambuco. Ao meio-dia, eles atualizam o contador.

Com a ajuda de um modesto subsídio - o equivalente a cerca de € 500 (R$ 1.385) -, eles instalaram o famoso mostrador e lançou o PEbodycount, "o blog da segurança pública". Eduardo Machado explica o sentido dessa iniciativa "de protesto", independente e sem fins lucrativos: "Ao contabilizar os cadáveres, chamamos a atenção da população e do poder público para a violência de Pernambuco. Mas além da preocupação e da perplexidade passiva, contribuímos para a busca de soluções coletivas. É difícil, mas é possível".

Na ocasião do lançamento de seu blog, os jornalistas quiseram causar uma comoção, conduzindo nas ruas, durante um mês, uma operação chamada "As marcas da violência".

Assim que ficava sabendo de um assassinato, a equipe, vestida de camiseta preta, ia até os lugares de carro, enchendo o porta-malas com material de pintura. Depois de obter informações junto às testemunhas do drama ou à família, ela estendia no chão um boneco de pano de forma humana, no lugar exato, às vezes ainda manchado de sangue, onde havia caído a vítima. Ela desenhava com um pincel os contornos do cadáver antes de pintá-lo com rolo em tinta vermelha, e de escrever sua mensagem em letras brancas: "Basta".

Isso se passava em um beco, em uma calçada ou às vezes no meio da rua, sob o olhar surpreso dos passantes. Às vezes um parente do morto ajudava a equipe, como esse pai que acabara de perder, pela segunda vez, um filho, morto a tiros. Algumas dessas intervenções simbólicas foram filmadas. Elas podem ser vistas no site PEbodycount.

"Essas pessoas assassinadas não são simples números", ressalta Eduardo Machado. Além da data e do local do homicídio, o blog fornece alguns detalhes sobre a vítima e as circunstâncias de sua morte. É o que mostram alguns desses exemplos pegos meio ao acaso, nos últimos dias.

Gleibson Augusto de Amorim, 29, foi morto a tiros em Olinda, quando ele saía de sua casa com sua esposa e um sobrinho. Roberto Teixeira dos Santos, pescador em Itapissuma, 20, foi assassinado em sua casa com seu cunhado. Maria Helena dos Santos, 57, mãe de família, foi vítima de um acerto de contas certamente ligado ao tráfico de drogas em Santa Cruz do Capibaribe. Sandro Ricardo da Silva, 22, morto em Recife, havia cometido no passado alguns pequenos furtos. Ávila Naiara Santos do Nascimento, um bebê de 7 meses, teve a cabeça esmagada com um pedaço de pau por seu tio materno, um borracheiro, que havia brigado com seus pais.

No blog também há declarações dos parentes das vítimas. Um médico e sua mulher, cujo filho Igor acabara de ser assassinado, dirigiu uma carta ao governador do Estado, Eduardo Campos: "Proteja bem seus filhos para não sentir um dia a nossa indescritível dor (...). E não se esqueça de incluir o Igor em suas estatísticas oficiais".

Os organizadores do PEbodycount interpelam as autoridades, que se apressam em publicar as "boas" cifras e em dissimular as "más", lembrando-os o tempo todo de seu dever de transparência: "Para combater um fenômeno", eles observam, "é preciso primeiro poder medi-lo com precisão". Recife tem uma tradição antiga de violência. Os homens sempre adoraram possuir uma arma, branca ou de fogo, e muitas vezes se massacram por bobagens. Hoje a cidade detém o triste recorde nacional da criminalidade de vítimas entre 15 e 24 anos.

Na favela Ayrton Senna, conta o jornalista João Valadares, garotos passeiam com seus "buldogues" (revólver de cano curto), ou suas "espadas" (um calibre 38). "Lá", diz nosso colega, "o destino dos adolescentes está praticamente traçado: a prisão ou o cemitério".

Tradução: Lana Lim

Texto do Le Monde, no UOL Notícias.

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