segunda-feira, abril 28, 2008

Pequeno Escândalo

Pequeno escândalo

QUANDO SE está no governo, há uma enorme dificuldade de aceitar a sua ineficiência.
É curioso ver como os candidatos a cargos executivos a "enxergam" apenas enquanto estão em busca do poder. Tão logo têm sucesso, são atacados por cegueira intransponível e aumentam os impostos para supostamente corrigi-la. Agora ela é vista como produto da falta de recursos, que pode comprometer sua administração virtuosa. A história nacional mostra um processo geológico: mais recurso acaba sempre numa ineficiência de "nível superior" que se acumula sobre a de "nível inferior"...
Cada chefe de Executivo (de prefeito a presidente) antropomorfiza seu cargo. Ele se supõe o próprio Estado e, conseqüentemente, a acusação de ineficiência é introjetada como crítica pessoal. Não consegue aceitar que essa ineficiência não tem dono, não tem origem e, aparentemente, não terá fim. Ela apenas é! Trata-se de um fenômeno quase "natural": uma infecção que o organismo nacional hospeda desde os tempos coloniais e à qual se ajusta sem nunca querer saber quanto lhe custou em termos de dificuldades para a construção de uma sociedade mais desenvolvida e mais equânime. Isso, é claro, não se refere às políticas que melhoram a igualdade de oportunidades dos cidadãos economicamente mais humildes. Estas são necessárias (ainda que não suficientes) para a continuidade de políticas econômicas razoáveis num regime politicamente aberto com sufrágio universal. Mas nem elas podem justificar o desperdício produzido pela ineficiência.
Há crescentes evidências de que o Brasil tem o Estado mais caro do mundo quando se compara o que ele arrecada da sociedade com o volume e a qualidade dos serviços que lhe devolve.
Recentemente, um economista do Ipea acrescentou mais uma demonstração a essa tese. No 20º Seminário de Política Fiscal, realizado no Chile em janeiro deste ano, o senhor Márcio Bruno Ribeiro apresentou um trabalho ("Eficiência do Gasto Público na América Latina") que deve merecer muita atenção. Usando um número enorme de fontes e técnicas de medição sofisticadas, mostrou a triste situação em que se encontra o país nessa matéria.
Quando se compara o "consumo do governo" com o "desempenho do setor público", ocupamos o 16º lugar (o penúltimo, antes da Bolívia) entre os 17 países latino-americanos. E, quando se corrige o ranking por "outras variáveis explicativas", ainda somos o 10º colocado entre eles. Trata-se, obviamente, de um pequeno escândalo.

Texto de Antonio Delfim Netto, na Folha de São Paulo, de 16 de abril de 2008 (para assinantes).

Marcadores: , ,

Colômbia VI

Uribe revela que é investigado por massacre

Colombiano nega denúncia e usa fato para criticar Justiça: "É preciso cuidado para não estimular acusações a cidadãos honrados"

Críticas vêm após prisão de primo do presidente por elo com paramilitares; governo diz, porém, que não criará tribunal especial para caso

DA REDAÇÃO

Os novos desdobramentos do escândalo do envolvimento de políticos ligados ao governo Álvaro Uribe com paramilitares colombianos levaram o presidente a elevar o tom contra a Justiça e a admitir que ele próprio é alvo de investigações.
Um dia após seu primo e antigo aliado político, Mário Uribe, ser preso por supostos laços com os paramilitares, o presidente disse que um ex-paramilitar atualmente preso o acusa de ter participado de uma reunião na qual foi tramado um massacre que deixou 15 pessoas mortas em 1997, em Aro, no departamento de Antioquia, então governado por Uribe.
A auto-acusação serviu como pretexto para o presidente criticar o trabalho da Justiça, já que ele apontou inconsistências no depoimento que o incrimina -um dos generais que teria participado da reunião havia morrido meses antes de ela ter ocorrido.
"Desde 1988, a força pública colombiana sabe aonde fui, onde dormi e com quem me reuni", disse Uribe, que desde então só anda com escolta. "Devido à imaginação dos bandidos, é preciso que tenhamos muito cuidado para que os magistrados não os estimulem para que acusem cidadãos honrados."
O presidente disse que a Justiça adota uma "solidariedade corporativa" para se proteger das críticas contra a sua atuação e a atacou por vazar informações. "Isso é muito grave; por exemplo, a presidente do Senado ligou para a Corte [Suprema] para saber se havia um processo contra ela e não quiseram responder. Mas depois um magistrado contou a um jornalista, e foi dessa maneira que ela ficou sabendo o que estava acontecendo", criticou.
Apesar das críticas, o presidente negou que o governo tenha decidido criar um tribunal especial para julgar o escândalo da parapolítica, tirando o poder da Corte Suprema no caso.
A negativa veio depois que o presidente da corte, Francisco Javier Ricaurte, afirmou que "há uma estratégia para colocar em dúvida as decisões da Justiça". "Todas as nossas decisões estão sendo tomadas com estrito apego às leis. A opinião pública não pode ter dúvidas sobre a ética dos magistrados."
Em resposta, o ministro da Justiça de Uribe, Carlos Holguín, disse: "Não estamos interferindo na Justiça, não houve a mínima ação nesse sentido. Estamos agindo com respeito. Mas o respeito às instituições e à sua independência não impede a discussão de propostas".
Além da criação de um tribunal especial, outra proposta em discussão na Colômbia é a dissolução do Congresso e a convocação de uma Assembléia Constituinte. Ontem, Uribe rechaçou a idéia. "Isso de mudar a Constituição a toda hora é um erro. Os povos que conseguiram grande desenvolvimento são os que tiveram estabilidade nas normas constitucionais."

Primo
Uribe não quis defender o primo, mas pediu que ele não seja considerado culpado antes do tempo. As investigações contra Mario Uribe comprovaram que ele se reuniu em 2002 com Salvatore Mancuso, líder das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), grupo paramilitar vinculado ao narcotráfico que na época controlava várias partes do país por meio de massacres e expulsões de camponeses. Mario Uribe nega.
"O que temos que fazer é deixar que a Justiça complete as investigações, defina se o julgam ou não, se o condenam ou não", disse o presidente.
Desde 2006, 32 parlamentares já foram presos por acusações de vinculação com paramilitares. A maioria deles é de aliados do presidente.
Apesar disso, Uribe nega que o país viva uma crise. "A Colômbia não está em um tempo de crise, mas em um tempo de remédios. Nós quase dobramos o orçamento da Justiça", disse ele em entrevista ao jornal americano "The New York Times". Ele salientou a redução da criminalidade na Colômbia durante o seu governo, o que relaciona à redução dos grupos paramilitares.


Com agências internacionais

Marcadores: , ,

sábado, abril 26, 2008

Colômbia V

Uribe preocupado com o papel da Corte Suprema

Quarta, 23 de abril de 2008, 10h44

Trinta e três congressistas na cadeia, 62 investigados pela Corte Suprema de Justiça ou pela Promotoria Geral, outras tantas dezenas na mira da justiça. Em qualquer lugar do mundo exceto a Colômbia os números da maior crise institucional vivida por um país "democrático" teriam produzido terremotos políticos que teriam convertido em ruínas os partidos envolvidos. Sem falar do Presidente da República, beneficiário direto desses partidos em termos eleitorais.

Mas não, estamos aqui no psicotrópico, no reino do teflon instituído por Álvaro Uribe Vélez. (Teflon, pois Uribe parece escapar a toda corrupção que o cerca, nada o parece atingir) Já não é somente a Uribe que não se consegue pegar com acusações de corrupção e criminalidade, mas o efeito teflon também se alastra entre seus partidários. Com um Congresso desbaratado e a ponto de ser totalmente desmantelado, tudo segue na mesma, continuam inventando reformas constitucionais e políticas inócuas para disfarçar a crise e o poder uribista salpicado de paramilitarismo. Amparado por 84% de aprovação popular nas pesquisas, com um país supostamente feliz com o crime, a máfia e a impunidade.

Claro, todos os congressistas presos e investigados estão envolvidos com o paramilitarismo de extrema direita, hoje supostamente desmobilizado. Relações que vão gradualmente desde a conformação e orientação desses grupos que produziram pelo menos 40 mil mortos nos últimos anos, até a eleição forçada pelo apoio armado das então denominadas Autodefesas Unidas da Colômbia. E não são congressistas quaisquer os implicados. São chefes dos partidos uribistas, como o da "U", a presidente do Congresso Nancy Patrícia Gutiérrez, o primeiro do presidente, senador Mario Uribe - preso na noite desta terça-feira 22 em Bogotá, na Colômbia, após ter seu pedido de asilo negado pela embaixada da Costa Rica - o político que o substituiu em seu cadeira quando foi para a cadeia, quem também está na prisão, além de influentes caciques regionais.

Há seis anos, o chefe dos paramilitares, então em vias de desmobilização e hoje detido, Salvatore Mancuso, disse o que parecia um delírio: "temos 30% do Congresso". Contudo, pelo andar da carruagem, essa porcentagem já foi superada. E, justamente, como se diz em assuntos eleitorais, "faltam dados de outros municípios".

Em todo esse caso, o mais sensato seria, pelo menos, forçar a perda dos currais eleitorais dos partidos com congressistas presos, mas não, o efeito teflon opera e até aqui, aquele que vai para a cadeia é substituído por outro, eleito por pouquíssimos votos do restante eleitoral. E agora, são os substitutos que começam a ir para a prisão!

Não poucos dentre os congressistas já implicados e alguns condenados a penas mínimas de prisão, tentam pôr em prática uma espécie de pacto de silêncio, uma "Omertá" - voto de silêncio entre mafiosos, pacto de nunca colaborar com a polícia - à colombiana a fim de conter esta bola de neve. Mas a bola estourou, e os sinais disso estão aparecendo. O final grosseiro, a grande investida da desinstitucionalização definitiva do país, já foi proposta pelo governo: como a Promotoria e a Corte Suprema, bem ou mal, agiram corretamente contra a chamada parapolítica, numa proposta que raspa no ditatorial governo nacional pondo sobre a mesa a criação de um novo tribunal que substituiria a Corte e a Promotoria, tribunal nomeado a dedo pelo presidente Uribe.

Quer dizer, uma cortesia de bolso para resolver o assunto e para deixar contente o Ministro do Interior Carlos Holguín, quem já pediu aos tribunais que atuem com menos severidade. Tudo passaria por uma pequena reforma na Constituição que permita criar a nova corte arranjada. Sim, já sei, os leitores do Terra no mundo hispânico estarão pensando que este Morales que vos escreve é um mentiroso, que não se pode administrar um regime democrático por meio de arranjos e engendros desse tipo para evadir a justiça. Mas não. Senhoras e senhores, na Argentina, no México, na Espanha, no Equador: o governo quer acabar com a rede judicial, defender a instituição bicameral do Congresso cuja metade está podre e tudo isso sob o pretexto de não gerar uma crise institucional, igual a esta instalada hoje com a prisão de todos estes congressistas. Porém, que pior crise do que esta que pode chegar a romper a separação dos poderes, criar aparatos "judiciais" dependentes do palácio presidências e brincar com a Constituição, dentro da própria Constituição?

A reforma contra a impunidade em princípio seria apresentada no próximo dia 20 de julho. A quem? Ao mesmo Congresso, que embora dizimado, mantém as maiorias absolutas a favor de Uribe. Sim, é de dar risada, eu sei. Mas é assim! A própria presidente do Congresso, investigada por envolvimento com a parapolítica já concedeu, era só o que faltava, sua benção ao engendro: "é necessário um ajuste mais profundo". O presidente do partido da "U", Carlos Garcia Orjuela (também investigado e não distante de ir para a prisão) disse que "precisa-se de uma reforma profunda, a qual a parapolítica (pela qual ele é investigado) impede".

Outras vozes condenaram de imediato a proposta: os liberais consideram que é uma barbaridade e um atropelo ao Estado de Direito, e a esquerda do Pólo Democrático Alternativo, na figura de seu presidente Carlos Gaviria, pronunciou-se: "É questionável que o presidente Uribe comece a influir na órbita da Corte Suprema, porque as sentenças que esta emite, independentes como evidentemente são, não se ajustem a seus propósitos políticos". E esperava-se o pronunciamento da própria Corte Suprema. Os paramilitares e políticos "legais" aderentes tomaram o poder na marra, comprando, intimidando, matando. Ainda hoje esses grupos aparentemente desmantelados se rearmaram e se organizaram nacionalmente: são chamados de Águias Negras. De novo clamam os fuzis e de novo manejam os negócios do narcotráfico. Mais uma vez, elegeram um Congresso igual caso a Colômbia desmantele definitivamente a estrutura mafiosa que a governa, especificamente em diversas regiões do país e em boa parte do Congresso.

Por enquanto a única decisão, além de conseguir a defesa na Justiça, parece ser acabar com a possibilidade de que os partidos substituam seus próprios presos no Congresso. Fala-se da teoria do "assento vazio", isto é, o partido perde definitivamente a cadeira parlamentar de quem vai para a cadeia. Com isso, evitar-se-ia nomear substitutos que teriam o mesmo trânsito até as grades. Mas a leva de 90 ou 100 congressistas vão para a cadeia e deixarão seus assentos no Congresso vazios, é quase um fato. Por isso inventaram a pequena reforma e o pequeno tribunal para cortar desde a raiz o desmantelamento. A ponta da impunidade.

A única reforma de verdade seria convocar uma Assembléia Constituinte que definisse em justiça e em caráter normativo os caminhos a serem seguidos. Mas os antecedentes não são bons para o governo. Ganhador de duas eleições presidenciais, Uribe perdeu no início de seu primeiro mandato um referendo com o qual pretendia reformar a Constituição de maneira profunda. Que as urnas tenham sido favoráveis a ele, isso não quer dizer que também estariam de acordo com suas idéias de reforma fundamental da legitimidade. Por isso, o governo também não soa com o pedido de revocatória do Congresso nem de convocação de novas eleições. Hoje, mesmo com a mancha do paramilitarismo, os 84% de aprovação a Uribe segundo as pesquisas não necessariamente converter-se-iam em 84% de votos para referendar o projeto da Segurança Democrática. Quantas vezes será necessário castrar o cachorro?


Terra Magazine

Leia esta notícia no original em:
Terra - Terra Magazine
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2771054-EI6580,00.html

Marcadores: , ,

quinta-feira, abril 24, 2008

Gilmar Mendes, presidente do STF

O jornal Folha de São Paulo noticiou a posse do ministro Gilmar Mendes como presidente do Supremo Tribunal Federal, STF.
Segundo o que o jornal informou, Gilmar Mendes reclamou dos movimentos sociais que agem "no limite da legalidade", às vezes contra a "coletividade". Ou seja, já sabemos o novo presidente do STF aparentemente vê os movimentos sociais com olhos conservadores, digamos assim.

Marcadores: , ,

Estado Policial?

Ontem eu estava na sala, e a TV sintonizada no Jornal da Globo.
Resolvi prestar atenção na notícia da posse do ministro Gilmar Mendes como presidente do Supremo Tribunal Federal. Me chamou a atenção, a palavra do presidente federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, Cezar Britto. O pequeno trecho do discurso do ilustre advogado apresentado pelo telejornal falava em "estado policial". Estado policial? Como talvez dissesse Mino Carta, meus envergonhados botões ficaram sem palavras. Estado policial aonde cara pálida? Será que ele está vexado com as atividades da Polícia Federal? Será que acha a atuação da Polícia Federal excessiva? Por quê?
Curiosamente a Folha de São Paulo não deu uma palavra sobre esta reclamação. Em pequena nota, de seis linhas, por umas 50 colunas, informa que o advogado falou mal das privatizações e dos juros pagos ao sistema bancário. Segundo o jornal paulista, "desagradando petistas e tucanos" com a sua fala.

Marcadores: , ,

Colômbia IV

Analista vê crise institucional inédita no país

DE CARACAS

Especialista no envolvimento dos paramilitares na política, a pesquisadora Laura Bonilla diz que a atual crise é inédita na história do Congresso colombiano e vê o risco de uma solução autoritária ao problema. Bonilla trabalha na Corporação Novo Arco-Íris, ONG pioneira nas investigações acadêmicas sobre a parapolítica, e é co-autora do livro "Parapolítica: a Rota da Expansão Paramilitar e os Acordos Políticos". Leia, a seguir, a entrevista à Folha, por telefone. (FM)

FOLHA - Qual a diferença entre o caso de Mario Uribe e os dos demais parlamentares?
LAURA BONILLA
- Além de ser primo do presidente, foi um grande aliado seu durante toda a carreira política. Talvez seja a pessoa mais próxima à Presidência envolvida nesse tema. De todos os políticos envolvidos, é o que tem o maior peso. É um congressista de altíssimo status, que escolheu ser eleito com votos do paramilitarismo, para manter sua força política.

FOLHA - É uma crise inédita?
BONILLA
- A Colômbia está entrando numa crise institucional nunca antes conhecida. Hoje, são 60 congressistas que estão implicados juridicamente neste processo. É um número muito alto, mais de 35% do total. É uma crise que pode levar a uma dissolução do Congresso pelo presidente, trazendo uma saída autoritária ao problema.

FOLHA - A sra. concorda com a criação de um tribunal apenas para julgar a parapolítica?
BONILLA
- Não, muito menos se o tribunal for no próprio Congresso. Que o Congresso julgue a si mesmo é uma incongruência muito grande. Infelizmente para o país, as investigações estão saindo quase ao pé da letra do que havíamos investigado.

FOLHA - Qual é o grau de envolvimento do próprio Uribe com a parapolítica?
BONILLA
- Os políticos envolvidos foram eleitos com os votos obtidos pela via da coação armada, por via da fraude eleitoral. Esses mesmos votos elegeram o presidente. Pode ser que ele não tenha precisado desses 3 ou 4 milhões de votos. Mas eu penso que não, foram votos necessários para que Uribe fosse hoje quem é. Ele faz alianças com pessoas que têm alianças ilegais. A Presidência tem vícios de ilegalidade também. Não acredito que os paramilitares tenham posto armas nos pescoços das pessoas e dito: "Votem por esses congressistas, e, para presidente, votem livremente". Há muitíssimos indícios, mas o problema é que o presidente só pode ser investigado por uma comissão da Câmara dos Representantes onde 10 dos 15 parlamentares são de sua bancada.

FOLHA - O escândalo, iniciado em 2006, nunca arranhou a imagem do presidente. Por quê?
BONILLA
- Aqui, é mais fácil que se condene alguém moral ou socialmente por temas como o narcotráfico ou seqüestro do que por um massacre. Outro fator é que as Farc ocuparam quase toda a agenda midiática por causa dos seqüestrados. Com os paramilitares, nunca houve uma cobertura desse tipo.

Texto da Folha de São Paulo, de 23 de abril de 2008 (para assinantes).

Marcadores: , , ,

Colômbia III

Primo de Uribe é preso em escândalo da parapolítica

Mario Uribe é acusado por Procuradoria de supostos laços com paramilitares

Além de parente, detido é aliado político do presidente colombiano desde 1985; ex-senador fez pedido de asilo à Costa Rica, que negou


FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

Mario Uribe, ex-senador e primo do presidente Álvaro Uribe, foi preso ontem à noite por determinação da Procuradoria colombiana, que o acusa de envolvimento com grupos paramilitares. Ele foi detido assim que deixou a Embaixada da Costa Rica em Bogotá, onde se refugiara de manhã.
Pouco antes, a Chancelaria do país centro-americano negara, por "improcedente", um pedido de asilo político feito por Mario Uribe.
A prisão de um dos colaboradores mais antigos do presidente colombiano aproxima ainda mais a Casa de Nariño (sede do governo) do escândalo da parapolítica, que, iniciado no final de 2006, já levou 32 parlamentares à prisão, quase todos governistas.
Na semana passada, outros dois aliados de Uribe começaram a ser investigados pela Corte Suprema de Justiça por supostos nexos com os paramilitares: Nancy Gutiérrez, presidente do Senado, e Carlos García, presidente do Partido de la U, que iniciou neste ano uma campanha para que o presidente possa disputar um terceiro mandato consecutivo.

Tribunal especial
A infiltração dos paramilitares na política acendeu a discussão sobre a dissolução do Congresso. O presidente Uribe, que tem se oposto à idéia, recebeu de juristas próximos a ele a proposta de criação de um tribunal especial para cuidar do caso, hoje sob a responsabilidade da Corte Suprema.
As investigações contra Mario Uribe comprovaram que ele se reuniu em 2002 com Salvatore Mancuso, líder das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), grupo paramilitar vinculado ao narcotráfico que na época controlava várias partes do país por meio de massacres e expulsões de camponeses.
Mario Uribe tem negado envolvimento com os "paras". O presidente Uribe, que já reclamou de supostos excessos cometidos nas investigações, se disse em nota "condoído" pela prisão. "Assumo esta dor com patriotismo..., com o único interesse de proteger as instituições, proteção que também depende dos titulares de outros Poderes", disse.
As AUC são acusadas de coagir e comprar votos nas regiões que controlavam em favor de candidatos aliados nas eleições de 2002 e de 2006, com o objetivo de ter influência política tanto regional quanto nacional.
A organização está hoje oficialmente desmobilizada, embora vários de seus antigos membros tenham fundado outros grupos paramilitares, como as Águias Negras.

Aliança antiga
Junto com Álvaro, Mario Uribe fundou no departamento de Antioquia, em 1985, o movimento "Setor Democrático" do Partido Liberal, ao qual os dois estavam filiados na época. No ano seguinte, fazendo uma dobradinha, Mario foi eleito deputado, e seu primo, senador.
Desde então, Mario nunca mais deixou de ser reeleito para o Congresso. O ex-senador, que renunciou em outubro por causa das investigações, é o diretor nacional do partido Colômbia Democrática, fundado em 2003 com o apoio do presidente Uribe, eleito no ano anterior.
De acordo com a ONG Corporação Novo Arco-Íris, o partido é parte de um movimento que levou à criação de várias agremiações para abrigar políticos vinculados às AUC. Atualmente, todos os parlamentares da legenda estão presos.

Repercussão
A prisão deverá repercutir nos EUA, onde a Câmara de Representantes, de maioria democrata, adiou por tempo indefinido a ratificação do Tratado de Livre Comércio (TLC) assinado em 2006 entre Uribe e o colega George W. Bush.
O adiamento foi impulsionado pela onda protecionista que toma conta dos EUA em crise econômica, em plena corrida eleitoral. Mas o motivo alegado pela oposição democrata é a má situação dos direitos humanos na Colômbia.
Até agora, a popularidade de Uribe não foi atingida pelo escândalo. Com 84% de apoio, ele é o presidente mais popular da América Latina, segundo levantamento de pesquisas locais feito nesta semana pela consultoria mexicana Mitofsky.

Texto da Folha de São Paulo, de 23 de abril de 2008 (para assinantes).

Marcadores: , , ,

Lugo do Paraguai

E o ex-bispo Fernando Lugo foi eleito presidente do Paraguai, no pleito ocorrido domingo passado.
Não conheço as idéias do ex-bispo. Até agora as únicas coisas relevantes sobre ele ditas pela nossa imprensa, além dele ter sido bispo da Igreja Católica, é que ele foi eleito por uma ampla coalizão de partidos, desde a centro-direita até matizes de esquerda, e que ele quer rever os acordos que permitiram a construção da usina hidrelétrica de Itaipu.
Diz o ditado que "o futuro a Deus pertence". Assim, sabe-se lá como será o futuro do governo do presidente eleito Fernando Lugo.
Em todo o caso, fico feliz que o povo paraguaio tenha eleito um candidato que não pertence ao Partido Colorado, partido este hegemônico no país nos últimos 60 anos, que foi sustentáculo da ditadura de Alfredo Stroessner, que durou 35 anos.
Parabéns, Paraguai.

Marcadores: ,

Do Blog do Gilmar da Rosa: Roendo as Unhas

Roendo as unhas


O jornalista Luis Eduardo Amaral que assina a coluna Roendo as unhas no Correio do Pampa, semanário local além de outros seis jornais na região aborda nesta semana as “verdades” que circulam em nosso meio e o comportamento de alguns “colegas” seus, de diplomas, exclusões e festas ocorridas por estas bandas. O Amaral é um fazendeiro de direita, mas não é tartufo. Tem posição e as defende abertamente. Publico um tópico de sua coluna desta semana em que fui citado pelo jornalista. Diz ele:

Mais Verdades III

Enquanto repórteres, colunistas e radialistas fogem da verdade para não perderem o emprego, ou atrapalhar a captação de anúncios, a conquista de cargos públicos ou a eleição de algum amigo, a verdade em Livramento tem nome, sobrenome e nenhum diploma de doutor ou jornalismo. É Gilmar da Rosa, uma revelação entre os blogs de nossa região. Um homem sem papas na língua e um sujeito de muita coragem. E todos sabem que a minha ideologia é completamente contrária a dele. Ele é um socialista, diria extrema esquerda. E acredito que esquerda e a direita são classificações para placas de trânsito e para atletas de futebol. No entanto ele fala da política santanense sem medo de sofrer represálias...E sofre. Fala da imprensa (inclusive critica esta minha coluna vez em quando) sem medo de ser criticado ...e é criticado. Certo é que este jornal, Gilmar e eu não seremos tão cedo homenageados por órgãos públicos comandados por políticos de caráter duvidoso ou por prêmios comprados, mas somos diariamente homenageados por nossos leitores e por nossas consciências.

Fiz questão de publicar este tópico do jornalista Luis Eduardo Amaral para demonstrar que valores éticos e morais não têm ideologia. Dignidade, hombridade, retidão e decência são qualidades inerentes aos homens e mulheres de bem e honrados. O Amaral mesmo sendo direitoso, sempre foi um bom companheiro para as “rodas etílicas de discussões”. Aliás, a próxima é por conta dele. Clique no link vermelho acima ou acesse www.roendoasunhas.com.br.



Texto do Blog do Gilmar da Rosa.


Marcadores: , ,

sábado, abril 19, 2008

Crise na Argentina

Popularidade de Cristina Kirchner despenca de 70% para 23%
O governo argentino procura controlar a mídia, na maioria hostil, com um "Observatório de Discriminação na Mídia" que causou alarme no mundo jornalístico

Jorge Marirrodriga
Em Buenos Aires


Depois de demonstrar que controla a Plaza de Mayo -primeiro com os piqueteiros violentos e depois com seus simpatizantes-, o governo argentino procura controlar os jornalistas com o relançamento de um "Observatório de Discriminação na Mídia", uma iniciativa que disparou alarmes no mundo jornalístico argentino, que na terça-feira, por meio da Associação de Entidades Jornalísticas, denunciou que a presidente Cristina Kirchner quer "controlar o jornalismo para organizá-lo", em uma tentativa "anacrônica" e "perversa".

As más relações entre o kirchnerismo e a imprensa não são novidade. O governo considera a mídia um elemento de distorção de sua imagem diante do público, e desde que Néstor Kirchner chegou ao poder em 2003 decidiu falar "diretamente à população", desde os discursos oficiais, nos quais atacou jornalistas locais com nome e sobrenome. Os Kirchner nunca convocaram uma entrevista coletiva, e as poucas entrevistas que Cristina concedeu à mídia estrangeira -nunca como presidente- não ocorreram em solo argentino. Seus altos índices de popularidade, em torno de 70%, pareciam respaldar essa estratégia.

Mas a greve de produtores agropecuários gerou uma mudança substancial na situação dessas relações. O índice de popularidade de Cristina despencou para 23%, especialmente depois que os argentinos viram a presidente zombar dos manifestantes contra ela -chamou de senhoras elegantes as mulheres que saíram à rua em alguns bairros- e premiar o líder dos grupos de choque oficialistas, Luis D'Elía, com um lugar de honra no palco durante seus principais atos presidenciais durante a crise. Exatamente em um deles, a enorme manifestação realizada na Plaza de Mayo na semana passada, Cristina acusou os grevistas do campo de golpistas apoiados "não por tanques, mas por generais da mídia".

Três dias depois a faculdade de ciências sociais da Universidade de Buenos Aires -entidade pública que recebe verbas do governo- emitia um duríssimo comunicado contra a cobertura da mídia argentina durante a greve, acusando-a de parcialidade contra o governo e dando diversos exemplos.

O relatório não criticava que a agência oficial Telam não tivesse transmitido um só despacho sobre os protestos contra a presidente na primeira noite de panelaços, ou que os dois canais de jornalismo 24 horas demorassem mais de uma hora para transmitir imagens das ruas de Buenos Aires bloqueadas pelos manifestantes.

Com o relatório oficial quente e menos de 24 horas depois, Cristina aproveitou um discurso devido à entrega de moradias oficiais para reclamar "o direito de que todas as vozes plurais e democráticas também possam ter acesso a todos os meios de comunicação". E acrescentou: "Precisamos refletir sobre quem são os titulares de direito da informação". A presidente se considera vítima de uma discriminação por parte da imprensa argentina e lembrou a existência de um observatório que "deve funcionar exatamente contra a discriminação".

A reação da mídia argentina veio na terça-feira em forma de um comunicado no qual acusa o governo, e especialmente Cristina, de ter "um olhar de suspeita" que "o faz ver conspirações por toda parte". A Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas (Adepa) utiliza as próprias palavras da presidente, que exigiu "um relato na mídia que dê lugar a todas as opiniões". A Adepa qualificou a intenção do governo de supérflua, anacrônica e perversa e lembrou que o jornalismo não está para servir os governos.

A declaração de hostilidades contra a imprensa, incluindo aquela que até agora havia sido menos dura contra o governo, é um sintoma de radicalização de um governo que até o momento havia cuidado milimetricamente entre o modelo social-democrata encarnado por Chile e Brasil e o populismo vigente na Venezuela e Bolívia, cujos mandatários protagonizaram duros confrontos com a imprensa crítica. O presidente Carlos Menem (1990-1999) já tentou com a Lei de Ética Pública limitar a atuação da imprensa. Mas a lei foi batizada de "Lei Mordaça" e não está em vigor.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do El País, no UOL (para assinantes). Comentário meu: lá como cá. Na verdade não posso avaliar o que a imprensa argentina anda dizendo do governo da Sra. Cristina Fernández. É certo que a imprensa não é para ser porta-voz do governo. Contudo se a empresa jornalística quer ser uma voz de oposição, é bom que ela diga isto claramente, e não se esconda atrás de supostas objetividade e imparcialidade.

Marcadores: ,

quinta-feira, abril 17, 2008

Colômbia II

Ex-parlamentar promete revelar o que a fez apoiar emenda da reeleição de Uribe

DE CARACAS

Em meio ao movimento político para que Álvaro Uribe possa se candidatar a seu terceiro mandato consecutivo, uma ex-parlamentar admitiu que uma negociação com o governo a levou a mudar o seu voto para aprovar a emenda que permitiu a reeleição do presidente colombiano, em 2004.
Atualmente sem mandato e dizendo-se abandonada, Yidis Medina promete revelar sua versão por meio de um livro e de um vídeo gravado na época.
O apoio de Medina, na época integrante da Primeira Comissão do Congresso, foi considerado decisivo para que a reeleição fosse aprovada. Um levantamento da revista "Semana" mostrava que, a dois dias da votação, havia nessa comissão 16 a favor da proposta, outros 16 contra e 3 indecisos.
Medina estava no grupo de indecisos, mas havia se comprometido a votar contra a reeleição presidencial com um grupo de parlamentares.
No dia da votação, 4 de junho de 2004, porém, ela foi um dos 18 parlamentares que apoiaram a reeleição, aprovada por apenas dois votos de diferença -outro parlamentar, Teodolindo Avendaño, sumiu da sessão na hora de dar o seu voto.
A atuação de Avendaño e Medina criou polêmica na época, mas foi logo esquecida. Dois anos depois, Uribe conseguiu facilmente seu segundo mandato, com 62% dos votos.
O assunto só voltou à tona na semana passada, quando, em entrevista ao jornal "Espectador", Medina disse que os dois foram convencidos a atuar em favor da reeleição por altos funcionários do governo, mas que depois ela foi "bastante esquecida" pelo governo. "Nunca conheci alguém mais ingrato."
No fim de semana, o jornalista Daniel Coronell, da "Semana,", revelou que tem em seu poder um vídeo no qual Medina relata como mudou o seu voto. Na época, ela disse que só autorizaria sua publicação "se falharem comigo". Agora, a ex-congressista deu sinal verde.
Para o senador oposicionista Gustavo Petro, do esquerdista Pólo Democrático, o caso Medina revela que "negociações fisiológicas" foram determinantes para mudar a Constituição e permitir a reeleição. (FM)

Da Folha de São Paulo, em 9 de abril de 2008.

Marcadores:

Colômbia I

Após 29 prisões, Colômbia debate se dissolve Congresso

No total, 51 parlamentares são investigados por supostos vínculos com paramilitares

Antecipação de eleições, marcadas para 2010, divide opiniões; apesar de maioria de acusados ser governista, escândalo não abala Uribe

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

A mais recente onda de parlamentares presos por vinculação aos paramilitares reacendeu na Colômbia um acirrado debate político sobre a necessidade de dissolver o atual Congresso e antecipar as eleições.
Os números do chamado escândalo da parapolítica impressionam e não param de crescer. O senador governista Humberto Builes tornou-se ontem o quinto congressista preso nos últimos dias -e o 29º no total- por suposta vinculação com grupos paramilitares.
Ao todo, as investigações em torno do maior escândalo da história do Parlamento colombiano envolvem 51 parlamentares, o equivalente a 20% de todos os parlamentares. Desses, 5 já foram condenados.
Quase todos pertencem à base de apoio do presidente Álvaro Uribe, mas a sua imagem até agora não foi arranhada. Sua popularidade ultrapassa os 80%, segundo as últimas pesquisas, principalmente por sua política de segurança.
A antecipação das eleições tem provocado divergências tanto no governo quanto na oposição. Ontem, por exemplo, a bancada do esquerdista Pólo Democrático Alternativo decidiu não apoiar a antecipação das eleições, contrariando a opinião de seu principal líder, o senador Gustavo Petro.
"Existe um grave problema de legitimidade no Congresso, e é preciso, portanto, fazer uma reforma política estrutural que tire os pilares que permitiram ao paramilitarismo tomar a política. E também é preciso antecipar todas as eleições", disse Petro à Folha por telefone.
Segundo o líder oposicionista, a reforma teria de resolver, entre outros problemas o clientelismo político por meio da compra de votos e a infiltração do narcotráfico na política.

"Discussão demagógica"
Do lado governista, também há divergências. Um dos que se opõem à dissolução do Congresso é Luis Guillermo Giraldo, secretário-geral do Partido Social da Unidade Nacional, que teve dois de seus senadores presos (ambos expulsos) e tem outros dois sob investigação.
"É uma discussão demagógica. Os procedimentos institucionais levam pelo menos um ano. Então, estaríamos em 2009 votando por um novo Congresso, quando, em março de 2010 se elege um novo Congresso", disse. "Seria uma saída extra-institucional, à qual o país não pode recorrer."
Giraldo também diz se opor a uma profunda reforma política. "Os instrumentos principais são os legais. O que ocorre é que, infelizmente, temos um agente ilegal que se chama narcotráfico, com uma capacidade imensa de corrupção."
Para o analista Jaime Zuluaga,da Universidade Nacional da Colômbia, a legitimidade do Congresso está "seriamente afetada", mas a medida mais importante seria uma punição severa aos envolvidos.

Da Folha de São Paulo, em 9 de abril de 2008.

Marcadores:

quarta-feira, abril 16, 2008

Deixem Lula falar com a patuléia

Deixem Lula falar com a patuléia

LULA CONSEGUIU construir sua agenda e ninguém conseguirá tirá-lo do trilho. É um cestão com progresso (5,4%) e aumento do consumo das famílias (13,4%). Há mais carne no prato e menos mês no fim do salário.
Nosso Guia impôs sua agenda falando diretamente à patuléia. É injusto querer limitar seus movimentos. Em 2002, quando FFHH recebeu seu 18º título de doutor honoris causa na Universidade de Oxford, vivia sua campanha, no mundo encantado que tanto aprecia. Pulando de palanque em palanque e torturando a gramática, Lula faz campanha em outro mundo, o de seus encantos.
Assim como a estabilidade da moeda saiu da agenda de FFHH , impondo-se a Lula e ao PT, o cestão de Nosso Guia haverá de demarcar os rumos da política brasileira por um bom tempo. Seria aquilo que o governador Aécio Neves chama de "Pós-Lula".
O "Pós-Lula" já começou. É um quadro no qual não adianta xingar os programas sociais. O coração dessas iniciativas, como a leis trabalhistas de Getúlio Vargas, o fundo de garantia de Castello Branco, o Funrural de Emílio Médici, tornaram-se parte da sociedade brasileira. Podem mudar, mas não acabam. Pelo contrário, acabará quem propuser que acabem.
No bojo desse êxito está o desafio do "Pós-Lula". Já não há cartões para distribuir ao andar de baixo. O baú da transferência de renda esvaziou-se, ajudando a criar um Brasil diferente. Não se trata mais de pensar na família que está na miséria, mas de milhões de pessoas que saíram dela, ou que viajaram no "elevador social".
Coisas que hoje parecem idéias de jerico poderão entrar na agenda. Por exemplo: a universalização de um plano de saúde básico. É desnecessário lembrar que esse é um dos principais assuntos da campanha eleitoral americana. Seria necessário misturar o SUS com as operadoras de serviços privados. Coisa dificílima, mas, quando se trata de tungar a Viúva, é matéria fácil. Até hoje ela não conseguiu receber regularmente o dinheiro que gasta com o atendimento, na rede pública, de segurados de empresas privadas.
Por que São Paulo, como Nova York, Londres e Paris, têm bilhete único de transporte público, e o Rio de Janeiro não tem? Teria, segundo o governador Sérgio Cabral, no final deste ano, mas a promessa ficou para maio de 2009 e há um forte cheiro de empulhação no palavrório disponível. Por que o programa de regularização de lotes urbanos só é um êxito em Manaus?
No "Pós-Lula" será necessário mudar a qualidade da discussão de assuntos desse tipo. Em geral, os burocratas sacralizam um obstáculo e esterilizam as propostas. Assim, o ressarcimento do SUS não anda porque as operadoras vão à Justiça. Lorota. O jogo virará no dia em que o ministro da Saúde mostrar ao país o caso de um magano que paga ao plano de saúde e, tendo batido com o carro, foi para um pronto-socorro onde seu tratamento custou uma fortuna, mas o SUS levou um beiço.
No dia em que governadores e prefeitos botarem a boca no mundo, virarão o jogo dos transportes públicos em todas as cidades dominadas por cartéis semelhantes ao do Rio de Janeiro.
Na área da educação e da segurança pública, há dezenas de temas semelhantes. Cada um terá sua trava, mas nenhuma dessas travas resiste à exposição pública. Talvez a principal novidade do "Pós-Lula" seja que a patuléia veio para ficar.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 2 de abril de 2008 (para assinantes).

Marcadores: ,

terça-feira, abril 15, 2008

A estratégia Dilbert e o combate à crise financeira

Krugman: a estratégia Dilbert e o combate à crise financeira


Paul Krugman

Qualquer um que trabalhou em uma grande organização -ou que leia a tira de quadrinhos "Dilbert"- está familiarizado com a estratégia "mapa organizacional". Para esconder sua falta de qualquer idéia sobre o que fazer, os gerentes às vezes fazem um grande show de reorganização das caixas e linhas que dizem quem presta contas a quem.

Agora você entende o princípio por trás da nova proposta do governo Bush de reforma financeira: se trata da criação da aparência de estar respondendo à crise atual, sem realmente fazer nada significativo.

Os eventos financeiros dos últimos sete meses, especialmente os das últimas duas semanas, convenceram a todos, exceto alguns poucos teimosos, de que o sistema financeiro americano precisa de uma grande reforma. Caso contrário, nós nos arrastaremos de uma crise a outra -e as crises se tornarão cada vez maiores.

O socorro ao Bear Stearns, em particular, foi um evento alterador de paradigma.

Tradicionalmente, bancos que recebem depósitos são regulados desde os anos 30, porque a experiência da Grande Depressão mostrou como o fracasso dos bancos pode ameaçar toda a economia. Supostamente, instituições que não recebem depósitos como o Bear não precisam ser reguladas, porque a "disciplina do mercado" asseguraria sua administração responsável.

Mas no momento crítico, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) não quis arriscar em esperar que o mercado fizesse sua parte. Em vez disso, ele correu em socorro ao Bear, arriscando bilhões de dólares dos contribuintes, porque temia que o colapso de uma grande instituição financeira colocaria em risco o sistema financeiro como um todo.

E se agentes financeiros como o Bear receberão o tipo de socorro antes reservado aos bancos que aceitam depósitos, a implicação parece óbvia: eles também precisam ser regulados como os bancos.

Mas o governo Bush passou os últimos sete anos tentando acabar com a supervisão do setor financeiro pelo governo. Na verdade, o novo plano foi originalmente concebido como uma forma de "promover um setor competitivo de serviços financeiros que servirá de exemplo ao mundo e apoiará uma contínua inovação econômica". Na linguagem dos banqueiros isto significa se livrar de todas as regulações que incomodam os grandes operadores financeiros.

Para reverter o curso agora, e buscar uma maior regulação, o governo teria que recuar de sua ideologia de livre mercado -e também teria que enfrentar o fato de que estava errado. E este governo nunca, jamais, admite que cometeu um erro.

Portanto, em um esboço do discurso que seria feito na segunda-feira (31/03), o secretário do Tesouro, Harry Paulson, declara: "Eu não acredito que seja justo ou preciso culpar nossa estrutura regulatória pela atual turbulência".

E certamente, de acordo com o sumário executivo do novo plano do governo, a regulação se limitará às instituições que recebem garantias federais explícitas -isto é, instituições que já são reguladas e não foram a fonte dos problemas atuais. Quanto ao restante, ele alegremente declara que "a disciplina do mercado é a ferramenta mais eficaz para limitar o risco ao sistema".

O governo, portanto, não aprendeu nada com a crise atual. Mas ele pretende, por questões políticas, fingir que está fazendo algo.

Assim, o Tesouro anuncia, com grande estardalhaço -você já sabe o que está por vir- seu apoio a um rearranjo das caixas no mapa organizacional. OCC, OTS e CFTC ficam de fora; PFRA e CBRA estão dentro. Quem liga.

Será que a reorganização destas caixas fará qualquer diferença? Eu fiquei decepcionado ao ver alguns veículos de notícias relatarem como fato a história para acobertamento criada pelo governo -a alegação de que a falta de coordenação entre as agências regulatórias foi um fator importante em nossos problemas atuais.

A verdade é que não foi nada disso o que aconteceu. Os vários órgãos reguladores de fato agiram de forma bem coordenada. Infelizmente, eles coordenaram na direção errada.

Por exemplo, houve um evento para fotos em 2003 no qual as autoridades de múltiplas agências usaram tesouras de poda e motosseras para cortar pilhas de regulações bancárias. A ocasião simbolizou a determinação compartilhada dos nomeados por Bush de suspender a supervisão adulta no momento em que o setor financeiro estava começando a agir de forma descontrolada.

Ah, e o governo Bush bloqueou ativamente os governos estaduais que tentavam proteger as famílias contra empréstimos predatórios.

Logo, o plano do governo terá sucesso? Eu não estou perguntando se terá sucesso em impedir uma futura crise financeira -este não é o propósito. A pergunta é, na verdade, se terá sucesso em confundir a questão o suficiente a ponto de impedir uma reforma real.

Vamos esperar que não. Como eu disse, as crises financeiras estão ficando cada vez maiores. Há uma década, a perturbação sofrida pelo mercado após o colapso do Long-Term Capital Management foi considerada um evento imenso, assustador; mas em comparação ao atual terremoto, a crise do LTCM foi um pequeno tremor.

Se não reformarmos o sistema desta vez, a próxima crise poderá ser muito maior. E eu não quero realmente passar por uma repetição dos anos 30.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Texto do The New York Times, reproduzido no UOL (para assinantes).

Marcadores: , , ,

Eleitores demonstram cansaço da política (ruim) da Itália

Eleitores demonstram cansaço da política (ruim) da Itália
Os italianos se aproximam da eleição em um clima de tédio e pessimismo

Miguel Mora
Em Nápoles


Faltam 15 dias para que a Itália volte às urnas, passaram apenas dois anos desde a última eleição, a legislatura morreu na metade do caminho com um escândalo televisionado ao vivo para o mundo todo, já estamos há um longo mês em campanha eleitoral, a mussarela nem é mais o que era, a Alitalia diz que quer ser francesa e o repetitivo populismo berlusconiano -sorrisos brancos, interesses obscuros, demagogia, nacionalismo, piadas e insultos, a vida continua a mesma desde 1994- domina em todas as pesquisas.

Pode acontecer qualquer coisa porque ainda há uma legião de indecisos (cerca de um terço), e Walter Veltroni, o temperado líder da centro-esquerda, tenta contentar a todos percorrendo a Itália povoado por povoado, prometendo reformas, luta contra as máfias, e pouco a pouco reduziu sua desvantagem para 6 pontos (8,5 segundo Berlusconi). Além disso, o Senado parece se dirigir para um novo empate, o que voltaria a tornar o país ingovernável, depois de 27 governos em 30 anos.

É fácil adivinhar: a esta altura da Segunda República, e com o que está caindo sobre muitas famílias -a cesta básica subindo 20% ao ano, a luz e o gás nas nuvens, os salários estagnados, o medo generalizado da imigração, a forte precarização...-, muitos italianos estão fartos de eleições, da casta dos políticos, do Vaticano, dos clãs, das máfias e dos lobbies que retro-alimentam a eterna canção lampedusiana, deixemos que tudo mude para que tudo continue igual.

"Estamos preocupados porque a abstenção pode ser muito alta", reconhece Donato Mosella, candidato do Partido Democrático pela região da Campânia. Filho de imigrantes no Brasil, cristão de base e homem espiritual que olha nos olhos, Mosella é um dos milhares de aspirantes a ocupar um dos mais de mil lugares que serão distribuídos nas urnas nos dias 13 e 14. Mas sua percepção de sua região e de seu país está tão cheia de desesperança quanto a de muitos compatriotas: "Muita gente ainda respeita mais o crime organizado do que o Estado. Os limites entre legalidade e ilegalidade são muito difusos. A política, a causa parcial de um sistema eleitoral que nos afasta dos eleitores, se vê impotente para frear isso, mas a antipolítica produz efeitos muito piores. Se não tivermos fé na política, em que vamos ter?"

Mas no ambiente se respira algo pior, menos conjuntural: em Milão, na Sardenha, na Sicília, em Nápoles ou em Roma é muito fácil encontrar gente que perdeu a fé em seu próprio país. "A Itália é um romance noir", afirma Massimo Carlotto, 51 anos, autor de livros policiais provocadores, que denunciam a crescente infiltração das máfias, nacionais e estrangeiras, na polícia, na magistratura, na política e na economia. "A escrita noir se tornou subversiva nos tempos de Berlusconi", explica Carlotto em um bar de Cagliari, Sardenha, "mas contamos só a realidade. Os eleitores sabem que tudo o que escrevemos é verdade. Mas é vendido como ficção e ninguém faz nada".

"Estamos mal, pior que nunca, a decadência moral é absoluta, vivemos em uma falsificação permanente e não fazemos outra coisa além de nos lamentarmos porque o mundo não se adapta a nós", diagnostica o escritor napolitano Maurizio Braucci. "Precisamos de uma revolução cultural, estabelecer novos desejos, menos egoístas e mais coletivos, mas as pessoas devem se mobilizar de baixo", diz, "porque a política não funciona mais como motor de mudança social. A política exalta nossos vícios e não nossas virtudes."

Braucci, 41 anos, decidiu, assim como Roberto Saviano e Carlotto, dar um passo à frente e denunciar. A Itália, segundo o autor de "Il Mare Guasto" (O mar podre), "vive uma 'comedia dell'arte' sem nada de arte" e precisa "repensar o Estado" para enfrentar seus problemas: "Os empresários e as elites se comportam de modo criminoso com o meio ambiente e a segurança; os sindicatos têm uma cultura de posto de trabalho e não de trabalho; a precariedade laboral precarizou a vida; há um corporativismo paralisante à esquerda e à direita, e a Igreja é um enorme problema cultural porque faz política mas não utiliza sua autoridade moral para denunciar a conexão família-criminalidade que favorece as máfias".

Mulheres, pequenos e médios empresários, muitos jovens respiram esse mesmo cansaço. "Temos um país burocrático, velho e clientelista. Por isso perdemos o orgulho de nação", diz Elvira Zingone, dona de uma agência de viagens de idiomas.

Residente na Espanha durante sete anos, Zingone voltou em 2001 à Itália cheia de ilusão. Agora tem 41: "E já a perdi, mas votarei em Veltroni confiando que não nos engane, ele também". Abrir a empresa foi uma odisséia, ela conta: "Pagamos impostos altíssimos e se você quer pedir uma ajuda da União Européia precisa de seis meses de papelada. Se o Estado o trata como se fosse roubar, no final você desiste".

Enquanto isso, toda noite, a discussão política toma conta dos canais de televisão. É o novo espetáculo do horário nobre. Ouve-se "um falatório contínuo, uma retórica brilhante mas vazia de conteúdo", afirma Zingone. Poucas idéias simples, raras propostas globais e os cidadãos fazendo de público. É o caldo de cultivo ideal para o populismo, como avisou Ezio Mauro, diretor do jornal "La Repubblica".

O veterano senhor Marino, dono de uma pizzaria aberta em 1934 junto ao porto de Nápoles, não é menos pessimista: "A Itália já não é tão bela como era. Tudo está parado. O nível intelectual despencou, temos políticos incompetentes e ficamos para trás da Espanha e da França".

Dir-se-ia que se algo mudar será para pior, como no caso do lixo de Nápoles. As máfias e as ecomáfias manipulam, segundo cálculos diversos, 6% do PIB. "A Camorra está em prefeituras, bairros, famílias, becos. É como uma hidra", resume com um gesto resignado o comissário chefe da polícia de Nápoles, Angelo Mastropaolo. "Quando você detém um deles, logo surgem outros três."

Na Calábria, a 'Ndrangheta encenou esta semana uma nova guerra aberta: quatro mortos, incluindo uma menina de 5 anos, filha de um chefão...

"Força Berlusconi!", exclama alegre Antonella Esposito, bela atendente de um supermercado napolitano. Tem 35 anos, é mãe de um filho e se declara beata de Jesus e da Madonna. Seu otimismo parece comovente: "A Itália continua sendo linda demais".

Na guarida da Camorra
"Scampia é o não-lugar", diz Tonino Tornaiuolo, um jovem de 21 anos que nasceu e vive nesse bairro da periferia norte de Nápoles, uma enorme cidade-dormitório na qual vivem cerca de 80 mil pessoas. As casas são agrupadas em lotes e imensas avenidas separam uns dos outros: "Exceto um pequeno bar e um quiosque, não há lojas de nenhum tipo, não há hospital, nem bares e restaurantes. Por isso quando você sai a única coisa que pode dizer é: e agora, para onde vou?"

O bairro foi construído nos anos 1970 e serviu para realojar as famílias que viviam em situação de risco no centro histórico e muitas outras que perderam suas casas no terremoto de 1980. Com elas chegaram cerca de 800 ciganos eslavos procedentes da Iugoslávia. Mais de 25 anos depois, Scampia é um supermercado da droga e um modelo de abandono. Os ciganos continuam vivendo em seus barracos embaixo de um viaduto, e embora seus filhos tenham nascido aqui continuam sem documentos. Muitos jovens -há 75% de desemprego juvenil- caem nas redes da Camorra, que decide a escala hierárquica dos "camelos". "Aqui o Estado é a Camorra", explica Tonino. "É o bairro mais novo de Nápoles, mas falta fazer tudo. Desde os 11 anos as famílias captam os meninos para avisar se a polícia está chegando, e depois vão subindo até que começam a passar droga."

Alguns jovens de Scampia se rebelaram contra essa situação com o apoio do padre jesuíta Fabrizio Balletti e seu centro de formação Gonzalo Hurtado. Graças a eles, Scampia é hoje um símbolo de esperança e um modelo de resistência cultural à Camorra. "Não é preciso defender a Deus, ele se defende sozinho", exclama o padre Balletti, de 70 anos.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do jornal El País, reproduzido no UOL (para assinantes).

Marcadores: ,

sexta-feira, abril 11, 2008

O dinheiro ilícito: a globalização chega às máfias


O crime organizado movimenta 20% da economia mundial, segundo o FMI. Os principais dirigentes dessa economia ilícita são os oligarcas russos. Em 20 anos, apesar da luta ferrenha contra a droga, houve uma ascensão das máfias


Andy Robinson
Em Madri


Proibição draconiana da droga e permissividade absoluta de toda atividade empresarial e financeira. Este poderia ser um bom resumo da agenda global dos EUA e do G-7 nos anos 1980 e 90, acelerada depois da queda da União Soviética.

A proibição apresentou uma chamada guerra contra as drogas nas selvas da América Latina e a prisão maciça de jovens -principalmente afro-americanos- nos EUA. O modelo de criminalização americano foi exportado com a padronização global de leis contra o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro, e com a criação de uma Força-Tarefa de Ação Financeira (FATF na sigla em inglês) para lutar com grande êxito contra a lavagem de dinheiro.

Ao mesmo tempo, exportava-se o modelo anglo-americano de liberalização financeira, desregulamentando enormes fluxos de capital enquanto equipes de economistas de Chicago aterrissavam na antiga URSS e seus satélites para ajudar reformistas como Igor Gaidar na privatização-relâmpago de suas economias.



Vinte anos depois, fica claro que essa combinação particular de proibição e liberalização coincidiu com uma ascensão inédita do crime organizado e uma economia na sombra tão globalizada quanto a do McDonald's e da Toyota, uma economia responsável por 1 em cada 3 ou 4 euros gastos em escala mundial (entre 17% e 25% do PIB mundial), segundo estimativas do FMI. "É difícil quantificar, mas o dinheiro ilícito alcança bilhões de dólares", disse John Carlson, da FATF.

Grande parte dessa economia criminosa -explica Misha Glenny em seu novo livro "McMafia"- é administrada por máfias, muitas delas em países ex-comunistas, que financiam uma ampla gama de atividades criminosas: tráfico de heroína, cocaína, carros roubados, armas, prostituição, órgãos humanos, animais exóticos em risco de extinção...

Glenny nos apresenta uma galeria terrível de personagens que habitam essas economias sem lei e que fazem sua própria história universal da infâmia. Como Tsvetomir Belchev, chefe de uma máfia de tráfico de mulheres que contrata garotas como camareiras na Bulgária e as obriga a trabalhar na chamada rota da vergonha de prostituição entre a Alemanha e a República Checa. Ou Dawood Ibrahim, o gângster indiano de Bombaim que aproveita o colapso do socialismo de mercado de Nehru para traficar primeiro com ouro e depois drogas, e transformou Dubai no centro mundial de lavagem de dinheiro. Ou Leonid Kuchma, o mafioso ex-primeiro-ministro da Ucrânia, que mandou liquidar um jornalista: "Deportem o imbecil e o tirem do caminho". Seu cadáver apareceu meses depois.

Mas os verdadeiros chefões são os oligarcas russos mais ou menos ligados a mafiosos, que aproveitam tanto as privatizações -denunciadas como "saque de bens públicos" pelo prêmio Nobel de economia Joe Stiglitz-, quanto o tráfico de drogas e de armas. Em meados dos anos 90, calcula Glenny, até 50% da economia russa eram negras, Moscou era a cidade com mais Mercedes-Benz matriculadas no mundo. Custava 5 mil euros eliminar um rival. Agora estamos na fase de "internacionalização desse capitalismo gângster russo", diz Glenny. A queda da URSS e os mercados mundiais pouco controlados causaram um incrível crescimento do crime organizado nas últimas duas décadas.

O proibicionismo ajudou os gângsteres quase tanto quanto o laissez-faire. Ao erradicar a coca em um país, ela se deslocou para outro. Enquanto os EUA armavam a Colômbia, no Canadá se cultivava maconha até um número equivalente a 5% do PIB da província da Columbia Britânica. Israel é hoje o centro mundial de produção de ecstasy. Pablo Escobar morreu, mas depois de quase 40 anos de guerra contra a droga "o consumo e a dependência são mais altos que nunca", indica Glenny. A guerra contra o terror teve um efeito semelhante no Afeganistão, onde o cultivo da heroína cresceu de forma espetacular.

Por tudo isso, "não é descabido pensar que em vez de proibir as drogas e permitir a livre circulação de capitais, se deveria fazer justamente o contrário", explica o criminologista Michael Woodiwiss, da Universidade de Bristol. "Seria preciso aplicar duras regulamentações sobre os mercados financeiros". Os americanos deveriam saber disso: "Durante a proibição (do álcool) e permissividade financeira, o crime foi endêmico". Quem pôs fim a ele não foi Elliot Ness, mas a regulamentação do mercado, a criação do FBI e em geral as políticas sociais do New Deal de Roosevelt.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

La Vanguardia, reproduzido no UOL (para assinantes).

Marcadores: , , ,

quarta-feira, abril 09, 2008

Fábrica de Preservativos na Amazônia

Eu ouvi a notícia pela primeira vez na Voz do Brasil de segunda-feira, 7 de abril. Informava que o governo brasileiro tinha montado uma fábrica de preservativos no estado do Acre, que usaria como insumo o látex produzido nos seringais da reserva Chico Mendes. Com o empreendimento o seringal, e conseqüentemente parte da floresta, seria preservado, e cerca de uma centena de trabalhadores fariam a fábrica funcionar, além destes mesmos trabalhadores poderem ter voz ativa na gestão da fábrica.
Como talvez dissesse o colunista da Folha de São Paulo José Simão, o Macaco Simão, uma fábrica estatal de camisinhas? Como vai se chamar? "Condonmbrás"? "Preserbrás"? "Preservabrás"? "Vênus-brás"? Afinal é uma estatal, e tempos atrás quase toda estatal de renome tinha este sufixo, "brás", no nome. Estão aí ainda a Petrobrás e a Eletrobrás para não me deixarem mentir.
Mas a notícia parece que passou batida pela nossa imprensa. Só vi menção à nova indústria na coluna Toda Mídia, da Folha de São Paulo, e só estava lá porque esta coluna é especializada em "rastrear" portais de notícia na Internet. A coluna, editada pelo Nelson de Sá, informava que a fábrica foi citada pela BBC, pelo Miami Herald, pelo Daily Telegraphy britânico, e pelo saite ambientalista Tree Hugger.
E embora o nome da indústria não seja claramente divulgado, o nome do produto, os preservativos, será "Natex", provável alusão ao látex a partir do qual é produzido.

Marcadores:

terça-feira, abril 08, 2008

A Despedida de Mário Magalhães como Ombudsman da Folha

Despedida


NO ANO QUE passou, quando as noites de domingo se insinuavam, e tantas famílias saíam para o último passeio do fim de semana, a minha sabia que ficaríamos em casa -ou pelo menos não iríamos todos. Era hora de eu começar a longa e solitária jornada madrugada adentro para terminar de esquadrinhar jornais e revistas.
De manhã, com as olheiras a denunciar o sono roubado, leria as edições do dia e escreveria a mais encorpada crítica semanal, a da segunda-feira. Hoje à noite, se alguém me chamar, terá companhia.
Esta é a 51ª e derradeira coluna dominical que escrevo como ombudsman da Folha. Assumi em 5 de abril de 2007, e o meu mandato se encerrou anteontem. Embora o estatuto autorize a renovação por mais dois períodos, não houve acordo com a direção do jornal para a continuidade.
A Folha condicionou minha permanência ao fim da circulação na internet das críticas diárias do ombudsman. A reivindicação me foi apresentada há meses. Não concordei. Diante do impasse, deixo o posto. Oitavo jornalista a ocupar a função, torno-me o segundo a não prosseguir por mais um ano. Todos foram convidados a ficar. Sou o primeiro a ter como exigência, para renovar, o retrocesso na transparência do seu trabalho.
A crítica da quinta foi a última que circulou na Folha Online, com acesso a não-assinantes da Folha e do UOL.
A partir de agora, os comentários produzidos pelo ombudsman durante a semana só poderão ser conhecidos por audiência restrita, de funcionários do jornal e da empresa, que os recebe por correio eletrônico. Os leitores perdem o direito. Era assim nos primórdios do cargo, criado em 1989. A internet engatinhava.
Como se constata no site www.folha.com.br/ombudsman, desde 2000 as críticas vão ao ar. Por oito anos, os leitores puderam monitorar a atividade cotidiana de quem tem a atribuição de representá-los.
Não poderão mais.

Regras
O comando da Folha esgrimiu um argumento para a decisão: no ambiente de concorrência exacerbada do mercado jornalístico, idéias e sugestões do ombudsman são implementadas por outros diários.
De fato, isso ocorre.
E continuará a ocorrer.
Quase 20 anos atrás, as críticas ainda denominadas internas eram distribuídas em papel à Redação.
Acabavam nas bancadas de outros jornais. Um deles veiculou publicidade alardeando elogio do ombudsman.
Com a difusão por e-mail, será ainda mais difícil conter a distribuição irregular das anotações do ouvidor. Eventuais interessados, se bem articulados, terão como lê-las. Que segredo sobrevive a centenas de destinatários?
Já os leitores ditos comuns, os que fazem a fortuna de toda empreitada jornalística de sucesso, serão barrados. A medida não resolve o problema a cuja solução se propõe, mas prejudica quem é alheio a ele.
A não-renovação do mandato é legítima, respeita a Constituição do jornal. Sua direção tem a prerrogativa de convidar ou não o ombudsman a permanecer. E de estabelecer as normas. Não há quebra de contrato, e sim respeito.
No meu caso, haveria mudança de regra no meio da gestão, composta de um a três mandatos. Regras, como a Folha recomenda, devem ser estabelecidas antes do jogo.

Autópsia
Não é praxe dos jornais impressos do mundo inteiro compartilhar na rede o que muitos deles chamam de memorando interno do ouvidor.
Assim como, na conferência da Organização dos Ombudsmans de Notícias, com participantes de 13 países, não encontrei quem digitasse todo santo dia, como fazemos aqui, uma crítica ou memorando.
A Folha deu um passo ousado na imprensa brasileira ao nomear um ombudsman. Radicalizou e tornou públicas as críticas antes limitadas à Redação. Mais do que as colunas dominicais, essa espécie de parecer se destina a uma autópsia das edições. Em minúcias, identifica suas fraquezas, sem desprezar as virtudes. Expõe as vísceras do jornal.
O desafio do ombudsman é ser a melhor síntese possível dos interesses dos leitores. A eles interessa que o jornal seja bom. Nas críticas, o ombudsman busca contribuir para que o jornal do dia seguinte seja melhor que o da véspera.
Essa confluência faz do ombudsman um benefício potencial ao leitor e ao jornal.
Mesmo com as críticas vetadas aos leitores, a Folha não perderá a primazia em transparência no jornalismo nacional. As colunas de domingo persistirão, e a publicação de um artigo como este expressa tolerância com o pensamento divergente. Quantos jornais o imprimiriam, se o objeto de análise fossem eles?

Regressão
A despeito desse cenário, a restrição imposta configura regressão na transparência. O projeto editorial da Folha diagnostica "um jornalismo cada vez mais crítico e mais criticado". Reconhece que "o leitor fiscaliza a pauta de compromissos" do jornal.
O ombudsman deve ser um instrumento dos leitores. Se 80% dos pronunciamentos semanais ficam inacessíveis (as críticas de segunda a quinta; não escrevo às sextas), reduz-se a fiscalização dos leitores sobre aquele cuja atribuição é batalhar em nome deles.
Essa peleja não implica, em um exemplo, advogar o alinhamento do jornal com partidários ou opositores das pesquisas com células-tronco embrionárias, mas incentivar o equilíbrio no noticiário e nos espaços de controvérsia.
O ombudsman incapaz de zelar pela manutenção da transparência do seu ofício carece de autoridade para combater pela transparência do jornal. Como cobrar o que se topou diminuir?
A tendência mundial é de expansão da transparência das organizações jornalísticas. A novidade da Folha aparece na contramão.

Agradecimentos
A crítica diária é valiosa como instrumento de diálogo entre os leitores e o ombudsman. O que ele pensa disso e daquilo? Por vezes, a resposta se encontra nos apontamentos do dia. Na semana passada, foi possível conferir se eu perguntei à Folha quem lhe forneceu o dossiê do momento. A resposta significaria romper o compromisso de sigilo com a fonte. Um ministro disse que eu perguntei. Não é verdade.
Se fosse responder aos leitores sem a chance de lhes remeter à crítica on-line, não sei se daria conta do atendimento. Em 1991, primeiro ano do qual sobreviveu estatística, houve 3.748 contatos com o ombudsman. Em 2007, o recorde de 13.374.
Em janeiro, fevereiro e março de 2008, registraram-se marcas inéditas. O salto de 24% na comparação com idêntico trimestre do ano anterior projeta resultado anual superior a 16.500, sem considerar o impacto de eventos como eleição e Olimpíada.
O vigor do Departamento de Ombudsman é manifestação da mudança de comportamento de cidadãos e consumidores de notícias: a fé nos relatos jornalísticos dá lugar ao ceticismo; troca-se a submissão a versões pela leitura crítica; a passividade, por cobrança. Essa é a principal característica do jornalismo do século 21. Merece ser saudada pela sociedade e pelos jornalistas.
Na chegada, eu pensava ter muito a dizer. Ao partir, sei que tenho muito a ouvir.
Gostaria de ter falado de outros assuntos, dos anúncios de prostituição aos interesses cruzados do jornal. Fica para outra vez.
Pelo ano em que fui feliz, agradeço à confiança que a direção da Folha depositou em mim. Tive liberdade para escrever o que quis. Uma executiva me disse que o jornal precisava de um "ombudsman crítico". Tentei desempenhar escrupulosamente a missão.
Sou muito grato à minha supersecretária, Rosângela Pimentel, e ao meu assistente, o futuro jornalista Carlos Murga. Na Secretaria de Redação, devo a Suzana Singer e Alba Bruna Campanerut.
Na editoria de Arte, a Fábio Marra e Julia Monteiro. Ao colocar a coluna no papel e me salvar de vexames maiores, Vanessa Alves coordenou um time talentoso e generoso.
Minha gratidão maior é para quem me deu lições inestimáveis -hoje à noite, em casa ou na rua, não esquecerei o brinde aos leitores da Folha.

Esta despedida está na Folha de São Paulo, de 6 de abril de 2008 (para assinantes).

Marcadores: ,

O espectro do blog ronda o comunismo

O espectro do blog ronda o comunismo

COMEÇOU UMA bonita briga, a da ditadura cubana com os blogueiros. Os septuagenários veteranos da Sierra Maestra têm uma nova guerrilha pela frente. Em vez de viver escondida no mato, ela está na rede de computadores e seu símbolo mais visível é Yoani Sanchez, uma micreira filóloga de 32 anos que publica a página "Generación Y" (1,2 milhão de visitas em fevereiro). No lugar dos fuzis, cabos, pen-drives e celulares com câmeras.
À primeira vista, os velhotes têm vantagem. Havana tem um só ponto de navegação pela internet acessível ao público. Fica numa pequena sala e custa 5 dólares por hora (um terço do salário mensal da terra). Dos 11 milhões de cubanos, só 200 mil têm acesso à rede, passando pelo único provedor, que pertence ao governo. Essa modalidade de bloqueio é burlada por um mercado negro de senhas e de acessos noturnos em empresas estrangeiras ou mesmo em agências estatais. Até parabólicas clandestinas já apareceram e a maior parte delas é usada para baixar músicas ou filmes.
No caso de Yoani (www.desde cuba.com/generaciony), seu blog vai completar o primeiro ano de existência e está hospedado num sítio alemão. Ela transmite suas mensagens valendo-se de algumas astúcias. Numa, fantasia-se de turista alemã, entra num hotel e despacha o texto previamente gravado. Não se pode dizer que o blog seja um palanque de dissidentes, mas, mesmo assim, no último fim de semana o Grande Irmão envenenou-o com filtros que dificultavam o acesso dos cubanos ao endereço. Yoani informa que já conseguiu se desvencilhar da macumba: "A reprimenda é tão inútil que dá pena, tão fácil de burlar que vira incentivo".
A moça tem muita graça. Raúl Castro libera os eletrodomésticos e ela saúda a chegada dos aparelhos de ar refrigerado, lembrando que as torradeiras virão daqui a dois anos: "Nesse ritmo, as antenas parabólicas chegarão lá pela metade do século e meus netos conhecerão os GPS quando estiverem na adolescência". Ouvindo o discurso de posse do comandante Raúl, ela se considerou um Champollion reencarnado, decifrando os hieróglifos da pedra da Roseta, "mais fáceis de desentranhar que o estatismo tedioso da política cubana".
Yoani lista outros dez blogs da ilha. Um, o Havanascity, com bonitas fotografias da cidade. Outro, "Lo que yo y otros pensamos sobre la realidad cubana", é pesado como o próprio nome. Todos carregam um certo gosto pela literatura. Lembram a lição de um engenheiro de computadores de São Petersburgo que, nos últimos meses do comunismo, recomendava: "Se você quer achar a democracia nesta cidade, procure a música".
Nos anos 80 o banqueiro George Soros financiou o movimento democrático da Tchecoslováquia doando computadores, copiadoras e aparelhos de fax à Fundação Carta 77. Em 1991, durante a tentativa fracassada de golpe na Rússia, foram as máquinas de fax que garantiram a comunicação dos aliados de Boris Yeltsin. Comparados com a versatilidade da rede e dos pen drives, os equipamentos de Soros são carroças.
Por enquanto, os blogs cubanos são mercadoria para consumo externo, pois na ilha eles só estão acessíveis para a nomenklatura ou a turma do mercado negro. Se Raúl Castro não puder conviver nem com isso, suas prometidas mudanças acontecerão em 2131, quando completará 200 anos.

Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 26 de março de 2008 (para assinantes).

Marcadores: , , , ,

sexta-feira, abril 04, 2008

Mulheres Turcas

Feministas turcas criticam o pedido do governo para que tenham mais filhos

O corpo e a imagem da mulher são "campos de batalha ideológicos", afirma a escritora Elif Safak


Ricardo Ginés
Em Istambul


"Se não quisermos que nossa população (turca) diminua, cada família deve ter pelo menos três filhos (...) Cada filho é uma bênção." Por motivo do Dia Internacional da Mulher, o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, de origem islâmica, dirigiu-se assim a seu público em Usak, uma pequena cidade no oeste da Anatólia.

Na declaração, que foi transmitida pouco depois pela rede nacional CNNtürk, Erdogan, com sua tradicional veemência retórica, advertiu sobre o perigo que representa o controle de natalidade, que na sua opinião "deseja acabar com a nação turca". A verdade é que, com uma idade média de 28,3 anos, a Turquia é um país jovem em comparação com outros europeus.

Em todo caso, e como é habitual em seus discursos pronunciados na Anatólia e não para a galeria diplomática, Erdogan fez uma separação populista entre "eles", o Ocidente, e "nós", muçulmanos.

A reação por parte de associações feministas e de mulheres críticas ao governo não demorou. "Tayyp, dê à luz você e cuide das crianças, nós seremos primeiras-ministras", "Queremos trabalho! Erdogan quer que fiquemos em casa!", entoavam em coro muitas das mulheres nos protestos por seus direitos que ocorreram em toda a Turquia e reuniram milhares de manifestantes.

O jornal liberal "Taraf" assumiu o posto no dia seguinte e deu lugar a análises sobre se na Turquia não seria melhor transformar o Dia da Mulher em Dia da Natalidade. Outros meios de comunicação laicos, a maioria e de maior peso na Turquia, foram menos irônicos e salientaram de forma muito crítica a retórica "que infunde medo", como criticou o jornal "Milliyet".

Desde que o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) chegou ao governo, em 2002, sua legislatura foi marcada, principalmente nos primeiros dois anos, por um fortalecimento democrático -o que é exigido pela União Européia no caminho de acesso- e que foi e é apoiado pelo setor liberal da sociedade civil, minoritário mas importante.

O setor mais laicista, porém, receia as verdadeiras intenções do gabinete liderado por Erdogan e vê no caminho europeu uma simples estratégia para erodir e eliminar o controle do exército, autoproclamado guardião das essências kemalistas [de Kemal Ataturk, o "pai da pátria"].

No calor da discussão, como afirma a escritora turca Elif Safak, o corpo e a imagem da mulher se transformaram em "campos de batalha ideológicos". A afirmação foi referendada pelas caricaturas das mulheres com véus nos veículos mais laicos turcos, que no ano passado lembraram a estigmatização discriminatória das que não o usavam no vizinho Irã.

O véu islâmico se transformou assim no símbolo chave da feminilidade turca, instrumentalizado pela classe política de várias tendências.

O xis da questão é se é verdadeira ou não a vinheta do jornal "Milliyet" do final de fevereiro em que uma mulher vestida de maneira estritamente islâmica carrega um cartaz que diz "Desejo liberdade para minha religião que limita minha liberdade".
Como regra geral, as mulheres turcas que usam véu trabalham menos fora de casa, são mais reclusas e têm maior descendência que suas compatriotas. Mas também entre elas se encontra por exemplo Songül Dogan, célebre por tentar atacara um centro comercial com turbante e pistola.

Uma coisa é indiscutível: para as mulheres dos políticos do AKP, o véu islâmico representou, como regra geral e apesar do elevado nível médio de educação, um primeiro passo para sua atual reclusão como donas de casa. E é no lar matrimonial que 51% das mulheres turcas, usando o véu ou não, sofrem a violência doméstica, segundo um estudo do Worldwatch Institute.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto do La Vanguardia. Publicado no UOL.

Marcadores: , ,

quarta-feira, abril 02, 2008

Das Crônicas do Heuser: Perpetua elettorale

Perpetua elettorale


Por Paulo Heuser


Gianfranco Anarchico perambula pelo Alto da Bronze, no centro velho da cidade. Perambula, pois parece não ter destino definido. Simpático, lá pela casa dos 70, usa barba e cabelos longos grisalhos presos em forma de rabo de cavalo. As bermudas largas acentuam a magreza. Seus olhos vivos não deixam nada fugir, apesar das grossas lentes dos óculos de armação redonda. Ele não perde oportunidade para uma prosa com qualquer um que passe, conhecido ou não. Gian – como é conhecido por lá – nasceu na Toscana, onde seu pai militava em um movimento anarquista. Gian seguiu os passos do pai e foi convidado pelo PAIS – Partido Anarchista Independente Sectário – a vir ao Brasil para fundar uma célula local entre imigrantes daquele país. Apesar de o PAIS estar ligado a uma seita que cultuava Baco, não conseguiram mais adesões, senão aquelas dos dois membros já filiados. Mesmo após o fracasso, que até poderia ser encarado como sucesso, pois o partido manteve-se acéfalo e anárquico, Gian ficou por aqui e abriu uma gráfica de fundo de quintal para a fabricação de brindes.

Gian descia a Rua da Praia, na direção do Gasômetro, quando passou pelo Bar da Elvira, meio escondido entre os demais. Dois sujeitos que ocupavam a parte externa do bar - os dois degraus junto à soleira da porta - discutiam acaloradamente um dos assuntos do momento: se as obras públicas são eleitoreiras. Um rapaz com ares de estudante de Administração, com ênfase em Desestatização do Estado, afirmava que a Mãe do PAC – Ministra Dilma Rousseff – seria a candidata à sucessão do Presidente Lula, e que o plano seria puramente eleitoreiro. O outro, com ares de estudante de Governança, com ênfase no Terceiro Setor, rebatia afirmando que havia eleições demais, tornando qualquer coisa eleitoreira, pelo menos na aparência.

Duas pessoas formam um comitê. Três, um comício – pensou Gian, enquanto acomodava-se entre os dois, no segundo degrau.

- Ciao, ragazzi! Sabem que vocês dois têm razão! – disparou ele, sem convite. Essa sempre foi uma forma estratégica para entrar numa conversa sem ser expulso imediatamente. Contentava metade de cada lado. E continuou, antes que se refizessem da surpresa:

- Meu falecido pai, Armando, defendia a renovação constante do parlamento, coisa que meus conterrâneos parecem levar a sério. – referindo-se à nova queda do parlamento italiano. Antes que os rapazes pudessem esboçar qualquer reação, Dona Elvira já havia alcançado um copo de requeijão light – ainda com o rótulo – para que Gian se servisse de meio copo de cada cerveja. Novamente, não tomou partido. Tomou duas marcas de cerveja, misturadas, elogiando ambas.

- O poder não pode ser exercido por tanto tempo, mesmo que emanado do povo, pois não há nada mais corrupto que o povo acomodado. Já em 1959, defendíamos as eleições anuais, em agosto, mês que não tem Natal, Carnaval, Páscoa, Ano Novo ou qualquer outra data que venda brindes e ocupe o setor de serviços. Nem casamentos há em agosto. O que fazem os fotógrafos e os promotores de eventos? As eleições anuais movimentariam a economia e reduziriam essa sensação de obra eleitoreira. Logo poderíamos implantar as eleições em 12 turnos. Já imaginaram o salto de qualidade? O candidato assumiria representatividade nunca dantes vista.

Dona Elvira já ouvira essa história um sem número de vezes. Mudava apenas a introdução, conforme o papo que rolava no momento da chegada do Gian. Ele fez sinal para que ela trouxesse mais duas cervejas para os rapazes. Um deles tentou estabelecer um diálogo:

- Mas, isso vai virar bagunça...

- Bagunça não, mobilidade sociopolítica desprovida de hierarquia institucionalizada. Um novo e dinâmico sistema de perpetuação do poder do povo. Já pensávamos nele em 1959.

Gian serviu-se de mais meio copo de cada cerveja. Olhou para os dois incrédulos e involuntários fornecedores de cerveja blended e continuou o diálogo com ares de monólogo:

- Após o primeiro ano poderíamos transformar os turnos mensais em novas eleições. Então, seria fácil alcançarmos nosso objetivo final.

Nem os rapazes, nem Dona Elvira, figuradamente careca de tanto conhecê-lo, ousaram perguntar-lhe sobre esse objetivo final. O final soou como terminal. Mesmo assim, Gian respondeu a pergunta que não fora feita:

- Meu falecido pai, Armando, sonhava com a continua perpetua elettorale – eleição perpétua contínua.

Gian seguiu caminho, sem destino, sonhando com contínuos e eternos comícios, enquanto os dois rapazes permaneceram sentados em silêncio. Subitamente, perceberam que a distância entre suas idéias não era assim tão grande, afinal.

prheuser@gmail.com

www.pauloheuser.blogspot.com


www.sulmix.com.br


Marcadores: , ,