terça-feira, abril 15, 2008

A estratégia Dilbert e o combate à crise financeira

Krugman: a estratégia Dilbert e o combate à crise financeira


Paul Krugman

Qualquer um que trabalhou em uma grande organização -ou que leia a tira de quadrinhos "Dilbert"- está familiarizado com a estratégia "mapa organizacional". Para esconder sua falta de qualquer idéia sobre o que fazer, os gerentes às vezes fazem um grande show de reorganização das caixas e linhas que dizem quem presta contas a quem.

Agora você entende o princípio por trás da nova proposta do governo Bush de reforma financeira: se trata da criação da aparência de estar respondendo à crise atual, sem realmente fazer nada significativo.

Os eventos financeiros dos últimos sete meses, especialmente os das últimas duas semanas, convenceram a todos, exceto alguns poucos teimosos, de que o sistema financeiro americano precisa de uma grande reforma. Caso contrário, nós nos arrastaremos de uma crise a outra -e as crises se tornarão cada vez maiores.

O socorro ao Bear Stearns, em particular, foi um evento alterador de paradigma.

Tradicionalmente, bancos que recebem depósitos são regulados desde os anos 30, porque a experiência da Grande Depressão mostrou como o fracasso dos bancos pode ameaçar toda a economia. Supostamente, instituições que não recebem depósitos como o Bear não precisam ser reguladas, porque a "disciplina do mercado" asseguraria sua administração responsável.

Mas no momento crítico, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) não quis arriscar em esperar que o mercado fizesse sua parte. Em vez disso, ele correu em socorro ao Bear, arriscando bilhões de dólares dos contribuintes, porque temia que o colapso de uma grande instituição financeira colocaria em risco o sistema financeiro como um todo.

E se agentes financeiros como o Bear receberão o tipo de socorro antes reservado aos bancos que aceitam depósitos, a implicação parece óbvia: eles também precisam ser regulados como os bancos.

Mas o governo Bush passou os últimos sete anos tentando acabar com a supervisão do setor financeiro pelo governo. Na verdade, o novo plano foi originalmente concebido como uma forma de "promover um setor competitivo de serviços financeiros que servirá de exemplo ao mundo e apoiará uma contínua inovação econômica". Na linguagem dos banqueiros isto significa se livrar de todas as regulações que incomodam os grandes operadores financeiros.

Para reverter o curso agora, e buscar uma maior regulação, o governo teria que recuar de sua ideologia de livre mercado -e também teria que enfrentar o fato de que estava errado. E este governo nunca, jamais, admite que cometeu um erro.

Portanto, em um esboço do discurso que seria feito na segunda-feira (31/03), o secretário do Tesouro, Harry Paulson, declara: "Eu não acredito que seja justo ou preciso culpar nossa estrutura regulatória pela atual turbulência".

E certamente, de acordo com o sumário executivo do novo plano do governo, a regulação se limitará às instituições que recebem garantias federais explícitas -isto é, instituições que já são reguladas e não foram a fonte dos problemas atuais. Quanto ao restante, ele alegremente declara que "a disciplina do mercado é a ferramenta mais eficaz para limitar o risco ao sistema".

O governo, portanto, não aprendeu nada com a crise atual. Mas ele pretende, por questões políticas, fingir que está fazendo algo.

Assim, o Tesouro anuncia, com grande estardalhaço -você já sabe o que está por vir- seu apoio a um rearranjo das caixas no mapa organizacional. OCC, OTS e CFTC ficam de fora; PFRA e CBRA estão dentro. Quem liga.

Será que a reorganização destas caixas fará qualquer diferença? Eu fiquei decepcionado ao ver alguns veículos de notícias relatarem como fato a história para acobertamento criada pelo governo -a alegação de que a falta de coordenação entre as agências regulatórias foi um fator importante em nossos problemas atuais.

A verdade é que não foi nada disso o que aconteceu. Os vários órgãos reguladores de fato agiram de forma bem coordenada. Infelizmente, eles coordenaram na direção errada.

Por exemplo, houve um evento para fotos em 2003 no qual as autoridades de múltiplas agências usaram tesouras de poda e motosseras para cortar pilhas de regulações bancárias. A ocasião simbolizou a determinação compartilhada dos nomeados por Bush de suspender a supervisão adulta no momento em que o setor financeiro estava começando a agir de forma descontrolada.

Ah, e o governo Bush bloqueou ativamente os governos estaduais que tentavam proteger as famílias contra empréstimos predatórios.

Logo, o plano do governo terá sucesso? Eu não estou perguntando se terá sucesso em impedir uma futura crise financeira -este não é o propósito. A pergunta é, na verdade, se terá sucesso em confundir a questão o suficiente a ponto de impedir uma reforma real.

Vamos esperar que não. Como eu disse, as crises financeiras estão ficando cada vez maiores. Há uma década, a perturbação sofrida pelo mercado após o colapso do Long-Term Capital Management foi considerada um evento imenso, assustador; mas em comparação ao atual terremoto, a crise do LTCM foi um pequeno tremor.

Se não reformarmos o sistema desta vez, a próxima crise poderá ser muito maior. E eu não quero realmente passar por uma repetição dos anos 30.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Texto do The New York Times, reproduzido no UOL (para assinantes).

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