O espectro do blog ronda o comunismo
COMEÇOU UMA bonita briga, a da ditadura cubana com os blogueiros. Os septuagenários veteranos da Sierra Maestra têm uma nova guerrilha pela frente. Em vez de viver escondida no mato, ela está na rede de computadores e seu símbolo mais visível é Yoani Sanchez, uma micreira filóloga de 32 anos que publica a página "Generación Y" (1,2 milhão de visitas em fevereiro). No lugar dos fuzis, cabos, pen-drives e celulares com câmeras.
À primeira vista, os velhotes têm vantagem. Havana tem um só ponto de navegação pela internet acessível ao público. Fica numa pequena sala e custa 5 dólares por hora (um terço do salário mensal da terra). Dos 11 milhões de cubanos, só 200 mil têm acesso à rede, passando pelo único provedor, que pertence ao governo. Essa modalidade de bloqueio é burlada por um mercado negro de senhas e de acessos noturnos em empresas estrangeiras ou mesmo em agências estatais. Até parabólicas clandestinas já apareceram e a maior parte delas é usada para baixar músicas ou filmes.
No caso de Yoani (www.desde cuba.com/generaciony), seu blog vai completar o primeiro ano de existência e está hospedado num sítio alemão. Ela transmite suas mensagens valendo-se de algumas astúcias. Numa, fantasia-se de turista alemã, entra num hotel e despacha o texto previamente gravado. Não se pode dizer que o blog seja um palanque de dissidentes, mas, mesmo assim, no último fim de semana o Grande Irmão envenenou-o com filtros que dificultavam o acesso dos cubanos ao endereço. Yoani informa que já conseguiu se desvencilhar da macumba: "A reprimenda é tão inútil que dá pena, tão fácil de burlar que vira incentivo".
A moça tem muita graça. Raúl Castro libera os eletrodomésticos e ela saúda a chegada dos aparelhos de ar refrigerado, lembrando que as torradeiras virão daqui a dois anos: "Nesse ritmo, as antenas parabólicas chegarão lá pela metade do século e meus netos conhecerão os GPS quando estiverem na adolescência". Ouvindo o discurso de posse do comandante Raúl, ela se considerou um Champollion reencarnado, decifrando os hieróglifos da pedra da Roseta, "mais fáceis de desentranhar que o estatismo tedioso da política cubana".
Yoani lista outros dez blogs da ilha. Um, o Havanascity, com bonitas fotografias da cidade. Outro, "Lo que yo y otros pensamos sobre la realidad cubana", é pesado como o próprio nome. Todos carregam um certo gosto pela literatura. Lembram a lição de um engenheiro de computadores de São Petersburgo que, nos últimos meses do comunismo, recomendava: "Se você quer achar a democracia nesta cidade, procure a música".
Nos anos 80 o banqueiro George Soros financiou o movimento democrático da Tchecoslováquia doando computadores, copiadoras e aparelhos de fax à Fundação Carta 77. Em 1991, durante a tentativa fracassada de golpe na Rússia, foram as máquinas de fax que garantiram a comunicação dos aliados de Boris Yeltsin. Comparados com a versatilidade da rede e dos pen drives, os equipamentos de Soros são carroças.
Por enquanto, os blogs cubanos são mercadoria para consumo externo, pois na ilha eles só estão acessíveis para a nomenklatura ou a turma do mercado negro. Se Raúl Castro não puder conviver nem com isso, suas prometidas mudanças acontecerão em 2131, quando completará 200 anos.
Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 26 de março de 2008 (para assinantes).
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