sábado, abril 26, 2008

Colômbia V

Uribe preocupado com o papel da Corte Suprema

Quarta, 23 de abril de 2008, 10h44

Trinta e três congressistas na cadeia, 62 investigados pela Corte Suprema de Justiça ou pela Promotoria Geral, outras tantas dezenas na mira da justiça. Em qualquer lugar do mundo exceto a Colômbia os números da maior crise institucional vivida por um país "democrático" teriam produzido terremotos políticos que teriam convertido em ruínas os partidos envolvidos. Sem falar do Presidente da República, beneficiário direto desses partidos em termos eleitorais.

Mas não, estamos aqui no psicotrópico, no reino do teflon instituído por Álvaro Uribe Vélez. (Teflon, pois Uribe parece escapar a toda corrupção que o cerca, nada o parece atingir) Já não é somente a Uribe que não se consegue pegar com acusações de corrupção e criminalidade, mas o efeito teflon também se alastra entre seus partidários. Com um Congresso desbaratado e a ponto de ser totalmente desmantelado, tudo segue na mesma, continuam inventando reformas constitucionais e políticas inócuas para disfarçar a crise e o poder uribista salpicado de paramilitarismo. Amparado por 84% de aprovação popular nas pesquisas, com um país supostamente feliz com o crime, a máfia e a impunidade.

Claro, todos os congressistas presos e investigados estão envolvidos com o paramilitarismo de extrema direita, hoje supostamente desmobilizado. Relações que vão gradualmente desde a conformação e orientação desses grupos que produziram pelo menos 40 mil mortos nos últimos anos, até a eleição forçada pelo apoio armado das então denominadas Autodefesas Unidas da Colômbia. E não são congressistas quaisquer os implicados. São chefes dos partidos uribistas, como o da "U", a presidente do Congresso Nancy Patrícia Gutiérrez, o primeiro do presidente, senador Mario Uribe - preso na noite desta terça-feira 22 em Bogotá, na Colômbia, após ter seu pedido de asilo negado pela embaixada da Costa Rica - o político que o substituiu em seu cadeira quando foi para a cadeia, quem também está na prisão, além de influentes caciques regionais.

Há seis anos, o chefe dos paramilitares, então em vias de desmobilização e hoje detido, Salvatore Mancuso, disse o que parecia um delírio: "temos 30% do Congresso". Contudo, pelo andar da carruagem, essa porcentagem já foi superada. E, justamente, como se diz em assuntos eleitorais, "faltam dados de outros municípios".

Em todo esse caso, o mais sensato seria, pelo menos, forçar a perda dos currais eleitorais dos partidos com congressistas presos, mas não, o efeito teflon opera e até aqui, aquele que vai para a cadeia é substituído por outro, eleito por pouquíssimos votos do restante eleitoral. E agora, são os substitutos que começam a ir para a prisão!

Não poucos dentre os congressistas já implicados e alguns condenados a penas mínimas de prisão, tentam pôr em prática uma espécie de pacto de silêncio, uma "Omertá" - voto de silêncio entre mafiosos, pacto de nunca colaborar com a polícia - à colombiana a fim de conter esta bola de neve. Mas a bola estourou, e os sinais disso estão aparecendo. O final grosseiro, a grande investida da desinstitucionalização definitiva do país, já foi proposta pelo governo: como a Promotoria e a Corte Suprema, bem ou mal, agiram corretamente contra a chamada parapolítica, numa proposta que raspa no ditatorial governo nacional pondo sobre a mesa a criação de um novo tribunal que substituiria a Corte e a Promotoria, tribunal nomeado a dedo pelo presidente Uribe.

Quer dizer, uma cortesia de bolso para resolver o assunto e para deixar contente o Ministro do Interior Carlos Holguín, quem já pediu aos tribunais que atuem com menos severidade. Tudo passaria por uma pequena reforma na Constituição que permita criar a nova corte arranjada. Sim, já sei, os leitores do Terra no mundo hispânico estarão pensando que este Morales que vos escreve é um mentiroso, que não se pode administrar um regime democrático por meio de arranjos e engendros desse tipo para evadir a justiça. Mas não. Senhoras e senhores, na Argentina, no México, na Espanha, no Equador: o governo quer acabar com a rede judicial, defender a instituição bicameral do Congresso cuja metade está podre e tudo isso sob o pretexto de não gerar uma crise institucional, igual a esta instalada hoje com a prisão de todos estes congressistas. Porém, que pior crise do que esta que pode chegar a romper a separação dos poderes, criar aparatos "judiciais" dependentes do palácio presidências e brincar com a Constituição, dentro da própria Constituição?

A reforma contra a impunidade em princípio seria apresentada no próximo dia 20 de julho. A quem? Ao mesmo Congresso, que embora dizimado, mantém as maiorias absolutas a favor de Uribe. Sim, é de dar risada, eu sei. Mas é assim! A própria presidente do Congresso, investigada por envolvimento com a parapolítica já concedeu, era só o que faltava, sua benção ao engendro: "é necessário um ajuste mais profundo". O presidente do partido da "U", Carlos Garcia Orjuela (também investigado e não distante de ir para a prisão) disse que "precisa-se de uma reforma profunda, a qual a parapolítica (pela qual ele é investigado) impede".

Outras vozes condenaram de imediato a proposta: os liberais consideram que é uma barbaridade e um atropelo ao Estado de Direito, e a esquerda do Pólo Democrático Alternativo, na figura de seu presidente Carlos Gaviria, pronunciou-se: "É questionável que o presidente Uribe comece a influir na órbita da Corte Suprema, porque as sentenças que esta emite, independentes como evidentemente são, não se ajustem a seus propósitos políticos". E esperava-se o pronunciamento da própria Corte Suprema. Os paramilitares e políticos "legais" aderentes tomaram o poder na marra, comprando, intimidando, matando. Ainda hoje esses grupos aparentemente desmantelados se rearmaram e se organizaram nacionalmente: são chamados de Águias Negras. De novo clamam os fuzis e de novo manejam os negócios do narcotráfico. Mais uma vez, elegeram um Congresso igual caso a Colômbia desmantele definitivamente a estrutura mafiosa que a governa, especificamente em diversas regiões do país e em boa parte do Congresso.

Por enquanto a única decisão, além de conseguir a defesa na Justiça, parece ser acabar com a possibilidade de que os partidos substituam seus próprios presos no Congresso. Fala-se da teoria do "assento vazio", isto é, o partido perde definitivamente a cadeira parlamentar de quem vai para a cadeia. Com isso, evitar-se-ia nomear substitutos que teriam o mesmo trânsito até as grades. Mas a leva de 90 ou 100 congressistas vão para a cadeia e deixarão seus assentos no Congresso vazios, é quase um fato. Por isso inventaram a pequena reforma e o pequeno tribunal para cortar desde a raiz o desmantelamento. A ponta da impunidade.

A única reforma de verdade seria convocar uma Assembléia Constituinte que definisse em justiça e em caráter normativo os caminhos a serem seguidos. Mas os antecedentes não são bons para o governo. Ganhador de duas eleições presidenciais, Uribe perdeu no início de seu primeiro mandato um referendo com o qual pretendia reformar a Constituição de maneira profunda. Que as urnas tenham sido favoráveis a ele, isso não quer dizer que também estariam de acordo com suas idéias de reforma fundamental da legitimidade. Por isso, o governo também não soa com o pedido de revocatória do Congresso nem de convocação de novas eleições. Hoje, mesmo com a mancha do paramilitarismo, os 84% de aprovação a Uribe segundo as pesquisas não necessariamente converter-se-iam em 84% de votos para referendar o projeto da Segurança Democrática. Quantas vezes será necessário castrar o cachorro?


Terra Magazine

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Terra - Terra Magazine
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