Feliz 2008
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Porque política é um assunto muito chato mas é fundamental. Início: 06/04/2006.
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FALTAM cinco dias para o início da efeméride dos 40 anos de 1968. Os sessentões revisitarão aquele grande ano da aurora de suas vidas, que o tempo não traz mais. Virão as doces lembranças das passeatas e dos festivais de música, até o amargo desfecho da noite de 13 de dezembro, quando a ditadura militar escancarou-se.
Há uma aura mágica em torno de 1968, como se tivesse sido um ano que mudou o mundo. Ele teve muitos acontecimentos inesquecíveis, mas poucos resultados. No Brasil, começou na rua e terminou na sala de jantar do Palácio das Laranjeiras, onde se baixou o AI-5. Na França, teve a revolta dos estudantes em maio e a vitória eleitoral do presidente imperial Charles de Gaulle em junho. Nos Estados Unidos, destroçado pela impopularidade da Guerra do Vietnã, o presidente Lyndon Johnson anunciou em março que não disputaria um novo mandato e, em novembro, foi eleito o republicano Richard Nixon. Em agosto a União Soviética invadiu a Tchecoslováquia, acabando com o que se denominara de Primavera de Praga.
O historiador inglês Tony Judt matou a charada: "Os anos 60 foram a grande era da teoria". Os fatos perderam importância, substituídos pelo que se supunha ser a grande compreensão dos fenômenos. Havia até a expressão "racionar em bloco".
A sacralização de 1968 omite o culto dos jovens rebeldes à violência das massas. Exemplo disso foi o apoio recebido pela Revolução Cultural de Mao Zedong. Da mesma forma, fazia-se de conta que os valentes vietcongs seriam incapazes de instalar uma ditadura que levaria centenas de milhares de pessoas a fugir do país em jangadas de junco.
Até a utopia rural de Pol Pot no Camboja tinha seu charme.
O grande ano da segunda metade do século passado não foi 1968, mas 1989. O colapso do império soviético e a destruição do regimes socialistas europeus, bem como a inviabilização dos projetos bicentenários de revolução política e social redesenharam o mundo. Foi 1989 que permitiu aos revolucionários de 1968 a acomodação de suas idéias e biografias ao século 21. (Numa perfídia dos algarismos, 89 é 68 invertido e de cabeça para baixo.)
A brutalidade da ditadura militar cobriu com um manto sagrado a natureza autoritária dos projetos de quase toda a esquerda brasileira.
Passado o tempo, essas militâncias são explicadas a partir da idéia de que aquela foi uma geração que correu atrás de um sonho. Tudo bem, pois ninguém pode discutir com uma pessoa que teve um sonho há 40 anos.
A sacralização do 1968 brasileiro tem seu melhor momento na gloriosa passeata dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro, na tarde de 26 de junho de 1968. É pena, mas por mais que ela tenha assustado os generais, foi outro fato quem levou todas as águas do São Francisco para a moenda da ditadura escancarada. Naquela madrugada, um comando da VPR jogara um veículo com explosivos contra o portão do QG do 2º Exército, em São Paulo, matando o sentinela Mário Kozel Filho.
No Brasil, 1968 foi o ano de um terrível desencontro provocado pela radicalização política. Talvez não pudesse ser evitado mas, ao contrário de 1989, teria sido melhor que não tivesse existido.
Texto do jornalista Elio Gaspari, na Folha de São Paulo, de 26 de dezembro de 1968.
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A ONU escolheu o Brasil como palco para apresentar ao mundo seu novo Relatório de Desenvolvimento Humano, mas cometeu, involuntariamente, uma injustiça com os anfitriões do evento. Graças a um erro metodológico, o país caiu no ranking da qualidade de vida do mundo - mas deveria ter subido.
O relatório divulgado hoje, com dados de 2005, mostra que o Brasil atingiu exatamente a "nota" mínima (0,800 numa escala de zero a um) para entrar no clube países de "alto desenvolvimento humano". A nota em questão é o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), adotado pela Organização das Nações Unidas para medir e comparar o progresso social em diferentes países.
De 2004 para 2005, o IDH do Brasil subiu de 0,792 para 0,800 - evidência de que houve avanços nos quesitos renda, educação e longevidade. Mas, no ranking oficial, o país caiu da posição 69 para a 70. Sinal de que outros países melhoraram mais? Nada disso.
Terra Magazine revisou as contas da ONU e descobriu uma distorção. Os cálculos foram feitos com base no "PIB velho" do país, ou seja, não levaram em conta a mudança de metologia do IBGE, promovida em março deste ano, que revelou um país mais rico - ou menos pobre - do que se imaginava (leia aqui). O FMI já cometeu esse erro (leia aqui), mas depois se corrigiu (leia aqui).
Leia também:
» IDH correto pode variar de 0,802 a 0,808
A ONU também não atualizou os dados sobre analfabetismo - nesse caso, porém, o procedimento afetou a nota de quase todos os países, e não apenas do Brasil.
Com base no recálculo do PIB, Terra Magazine já havia anunciado há oito meses a entrada do Brasil no (atenção, leitores: ativar sensores de ironia) "primeiro mundo da área social" (leia aqui).
Mas qual é o IDH correto? Aí há números para todos os gostos, de acordo com a metodologia empregada (leia aqui). Na pior das hipóteses, o índice sobe para 0,802. Na melhor delas, salta para 0,808 e nos coloca na honrosa posição de 64º melhor lugar do mundo para se viver (desativar sensores de ironia).
A salada metodológica é uma evidência de que o ranking do IDH não deve ser encarado como verdade absoluta - alguém aí acredita que dados estatísticos da Islândia e da Serra Leoa são colhidos com o mesmo rigor científico? (Antes que nos acusem de preconceito, esclarecemos que são, respectivamente, o primeiro e o último colocados na lista.)
Tomemos como outro exemplo o curioso desempenho de Rússia, Índia e China, três países que, juntamente com o Brasil, formam o chamado grupo dos Brics, estrelas do mundo emergente. Apesar de seu fantástico crescimento econômico, a China permaneceu na mesma posição nos dois últimos rankings anuais (81ª). Rússia e Índia, por sua vez, caíram (de 65ª para 67ª e de 126ª para 128ª).
Não se trata aqui de desmoralizar o IDH, mas essas evidências mostram que o índice é muito mais útil para avaliar a evolução de um país ao longo do tempo (mesma metodologia, mesma qualidade dos dados) do que para comparar diferentes nações (infinidade de metodologias, diferenças na confiabilidade das informações).
E o que exatamente a evolução dessa nota revela sobre o Brasil? E o que não revela? Vamos por partes:
1) Brasileiros estão vivendo mais
Um dos fatores avaliados para definir a qualidade de vida de um país é a longevidade - mais exatamente, a expectativa de vida ao nascer, ou a projeção do número médio de anos que irão viver os cidadãos nascidos em um determinado ano. Segundo o Pnud, órgão da ONU que calcula o IDH, os brasileiros tinham em 2005 uma expectativa de vida ao nascer de 71,7 anos. Em 2004, eram 70,8 anos, e, em 2000, 67,7 anos. Esse aumento da longevidade é um indicativo de melhoras no acesso a alimentação, saúde e saneamento.
2) Brasileiros têm mais acesso à educação
Também pesam no cálculo do IDH a taxa de alfabetização de adultos e a taxa de escolarização, que mede o percentual de pessoas matriculadas no nível de ensino adequado para sua idade. No Brasil, de 2004 para 2005, o analfabetismo caiu de 11,4% para 11% - mas, curiosamente, essa evolução não foi registrada no relatório do Pnud. O relatório captou, porém, uma queda no percentual de pessoas em idade escolar fora das escolas e universidades (de 14% para 12,5%).
A ressalva é que ambos os dados são meramente quantitativos - ou seja, o índice não diz nada a respeito das diferenças entre os países no quesito qualidade do ensino, por exemplo.
3) Renda de brasileiros aumenta
Por fim, também a renda influi no cálculo do IDH. Mais especificamente, a renda per capita com base na paridade do poder de compra (PPC). Esse índice serve para comparar o poder aquisitivo em diferentes países, e leva em conta não apenas a renda, mas os preços de uma cesta de produtos - afinal, não dá no mesmo, em termos de poder de compra, receber um salário de US$ 1.000 nas já citadas Islândia e Serra Leoa.
Mesmo levando em conta apenas o "PIB velho", o relatório do IDH mostra que a renda dos brasileiros aumentou, entre 2004 e 2005, de US$ 8.195 PPC para US$ 8.402 PPC.
O que o IDH não mostra é a forma como a renda é distribuída - dois países com a mesma renda per capita podem ser completamente distintos se, em um deles, a elite abocanha a maior parte da riqueza.
E o Brasil, apesar de ter reduzido a desigualdade nos últimos anos, continua sendo um dos campeões da concentração de renda. Em 2005, os 10% mais ricos abocanhavam 44,8% do PIB, e os 10% mais pobres, apenas 0,9%.
(Observação: Terra Magazine alertou há mais de um mês o escritório do PNUD em Nova York sobre a possibilidade de erro no IDH do Brasil. O alerta foi feito por email, no dia 23 de outubro)
Texto do Terra Magazine.
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SÃO PAULO - "Crescimento tira milhões das classes D e E". Era esse o título da reportagem de Fernando Canzian na Folha de domingo. Com base em dados do Datafolha, constatava que nos últimos cinco anos, sob Lula, cerca de 20 milhões de brasileiros passaram à classe C. E explicava: primeiro, em decorrência da expansão de programas sociais e previdenciários; de um ano e meio para cá, foi sobretudo o crescimento que elevou o consumo dos mais pobres. Boa notícia.
Ainda que essa divisão por "classes" seja um instrumento de mercado -e não um indicador social, mais efetivo para aferir a melhoria estrutural das condições de vida-, ninguém de boa-fé vai tomar um avanço por estorvo ou coisa ruim.
Recorde-se que a era FHC também havia "incluído" uma legião de banguelas e neocomedores de frango na fase heróica do real. A moeda derreteu e eles voltaram a ser pó.
O Brasil tem suas manhas. O próprio Fernando Canzian, na sua coluna desta semana na Folha Online, tratou de relacionar as boas novas do consumo com aquilo que presenciou no sábado à noite, ao assistir a um show na Rocinha. Vale ler.
O relato da onipresença aterrorizante do tráfico basta para dissolver a convicção de que algo melhora no Brasil. Não é um caso isolado. É só abrir o jornal ou andar pela rua para acumular evidências diárias do que nos afasta da vida civilizada. Que progresso -que país é este?
Haverá muitas respostas. A que mais me convence (e fascina) é a do sociólogo Francisco de Oliveira, num grande ensaio de 2003: somos o ornitorrinco, animal improvável, nem isso nem aquilo, meio réptil meio mamífero, achado alegórico para uma sociedade que não é mais subdesenvolvida, mas tampouco se tornou uma sociedade avançada e decente -nem se tornará.
A figura do ornitorrinco sugere que o progresso, entre nós, carrega consigo conseqüências socialmente regressivas, as quais também definem nossa modernidade arrevesada. Serve ao menos como antídoto à idéia ingênua de que nos aproximamos do Primeiro Mundo no grande varal da história universal.
Texto de Fernando Barros e Silva, na Folha de São Paulo.
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Recentemente, analistas da política venezuelana constataram a dificuldade da oposição firmar um discurso, devido ao fato de que nenhuma plataforma política será viável se não tiver um forte viés no social. E o social foi empalmado por Hugo Chávez.
A recente pesquisa CNI-Ibope mostrou a mesma coisa. No quesito o que os brasileiros esperam de Lula em 2008, deu os seguintes pontos:
1. 43% Melhorar o salário mínimo
2. 36% Melhorar as áreas de saúde e educação
3. 32% Combater a criminalidade
4. 21% Reduzir os impostos
5. 14% Controlar a inflação
6. 11% Ampliar os programas sociais, como o Bolsa Família
7. 11% Ampliar os programas de habitação / moradia popular
8. 10% Reduzir os gastos públicos
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Não fosse esse poder da política, jamais haveria força capaz de romper o círculo de atraso-juros imposto pela financeirização da economia. A lógica da financeirização é cruel. O objetivo único é garantir a solvência nas contas internas.
O tamanho dos juros não é dado pelas expectativas de inflação - como se apregoa -, mas pela capacidade de gerar superávit. É batata! Se o país puder pagar 30 de juros, a taxa Selic será calibrada para que pague 30 – independentemente dos demais fatores da economia. Se puder pagar 20, calibra-se para 20.
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Toda a parafernália teórica brandida por cabeças-de-planilha, fundadas em clichês que sempre se repetem, visa meramente conferir um ar supostamente científico a demandas eminentemente políticas e anti-sociais.
É um jogo de cena fantástico! Quando foi aprovado pela primeira vez o IPMF (precursor da CPMF) a promessa era de que todos os recursos se destinariam à saúde. Era balela! O governo FHC mandou o IMPF para a saúde e descontou, do orçamento, o valor correspondente. O resultado foi que a carga tributária aumentou, mas os repasses para saúde continuaram do mesmo tamanho.
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Depois disso, foram anos e anos de DRU (Desvinculação de Receitas Orçamentárias) que retiraram recursos da saúde, da educação, da área social para destinar ao pagamento de juros.
No primeiro governo FHC, os juros criaram uma dívida interna monumental. O mercado considerou que a dívida foi criada porque o governo foi fiscalmente irresponsável. Qualquer analista sério diria que a irresponsabilidade estava nos níveis de juros. Para os cabeções, a irresponsabilidade estava em não cortar de outras áreas o suficiente para bancar o nível de juros.
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O segundo governo FHC foi um deserto, um desastre continuado, com redução de verbas para todos os programas relevantes, manutenção da DRU, contingenciamento orçamentário. Mas é saudado como um governo responsável... porque os credores da dívida pública não correram risco de não receber os juros absurdos oferecidos.
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Esse mesmo modelo prosseguiu no primeiro governo Lula. O resultado de três gestões irresponsáveis foi a queda da qualidade da educação, saúde, o desmonte da estrutura viária, a falta de investimentos em energia, logística.
Essa camisa-de-força só foi rompida recentemente com o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), ao definir que as obras ali incluídas estariam a salvo do contingenciamento, e ao colocar meio ponto percentual do PIB fora do cálculo de superávit fiscal.
Avançou-se. Mas os juros continuam consumindo a parte mais expressiva da arrecadação tributária.
Mais um texto do Luís Nassif.
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A derrota do governo, no episódio da renovação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) traz inúmeras lições.
A primeira é sobre a excepcional falta de criatividade e de despreendimento nos momentos de grandes impasses. O governo não queria estabelecer limitações às formas de aplicar os recursos. A oposição não queria mais recursos, que pudessem melhorar a governabilidade. Prova de que não há nada mais parecido com o PT na oposição do que o PSDB; e nada mais parecido com o PSDB na situação do que o PT.
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O impasse poderia ter permitido inúmeras saídas consensuais, que ajudassem a aplacar o radicalismo das próximas eleições e passassem à opinião pública uma imagem mais produtiva dos partidos políticos.
A aprovação poderia ser amarrada ao compromisso formal de redução dos encargos trabalhistas. Ou à redução de outros tributos terríveis, como o Pis-Cofins, amarrado à melhoria da arrecadação federal. Poderia ter significado garantia de recursos à saúde e tudo o mais.
Nada a oposição propos; com nada o governo se comprometeu. Sobreveio o impasse.
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A segunda consequência será a precipitação dos embates internos no PSDB. Único partido com condições de enfrentar o PT nas próximas eleições, o PSDB é um tucano partido ao meio.
Em tempos de paz, os verdadeiros comandantes do partido são os governadores. Por várias razões interessa a eles conviver pacificamente com o governo federal. Primeiro, pela perspectiva de colaboração, que deve marcar um país federativo. Depois, para não ter que enfrentar um líder carismático como Lula, em uma eleição polarizada. Finalmente, para não herdar um país conflagrado, em caso de vitória.
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Na outra ponta, estão os ex, ex-presidente como Fernando Henrique Cardoso, ou senadores de futuro político incerto, como esse truculento Arthur Virgílio. Eles só crescem em ambiente de guerra. A FHC interessa a guerra para ampliar seu espaço no PSDB e interessa que o governo Lula afunde, pois só assim – pelo efeito-comparação – poderia aspirar um julgamento mais benevolente da história para seu governo.
Ao contrário de outros ex-presidentes, como Itamar Franco, José Sarney e Fernando Collor, FHC é um ex dotado de nenhuma grandeza, de nenhuma responsabilidade cívica.
Serra e Aécio estão aguardando para se posicionar mais perto das eleições. Correm o risco de herdar um partido exangüe. Se a CPMF não for restaurada, cada problema do governo Lula, cada investimento que deixar de ser feito, cada piora nas áreas sociais terá responsáveis diretos: o PSDB, seus senadores e FHC.
Havia receio de que a aprovação da CPMF pavimentasse o sucesso do governo Lula. Agora, qualquer fracasso terá um responsável direto: a oposição.
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Os ecos dessa votação serão ampliados com o tempo. Ajudará a reforçar o discurso de que o governo Lula está sendo vítima de uma “conspiração das elites” - apesar da verdadeira elite, o mercado financeiro, nunca ter ganhado tanto.
De qualquer modo, saem divididos o país, a oposição e qualquer veleidade da opinião pública sobre a qualidade dos nossos homens públicos.
CPMF e Selic
Em qualquer economia racional, a derrubada da CPMF levaria o Banco Central a reconsiderar a questão da taxa Selic, que definr o patamar de remuneração dos títulos públicos. Se a carga de juros já era elevadíssima, com o corte da CPMF a necessidade de superávit primário aumentará mais ainda. Por isso mesmo, quanto maior o peso dos juros, maior a percepção de risco no Brasil. O natural seria a queda da Selic.
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Na entrevista que me concedeu para o livro “Os Cabeças de Planilha”, Fernando Henrique Cardoso se dizia muito consciente da importância de um acordo nacional. Mas reclamava que Lula nunca o procurava. Se o convidasse ele se sentaria à mesa e acertariam o acordo.
Por trás das declarações, estava claro que não existiria acordo, para ele, que não passasse pelo reconhecimento de seu papel de líder inconteste da oposição.
Hoje, nos jornais, é claro o jogo. Matéria da “Folha” com Arthur Virgílio em que ele admite que todos seus passos foram dados consultando Fernando Henrique.
No “Estadão”, em matéria de Carlos Marchi, FHC se apresentando como líder da oposição.
O veterano e competente Marchi inicia a matéria assim: “Em vez de se vangloriar da derrota que ajudou a impor ao governo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acenou ontem com a bandeira da paz: em nota distribuída durante o dia, afirmou que “é o momento de governo e oposição, pensando no Brasil, deixarem de lado as picuinhas e se concentrarem na análise e deliberação do que é necessário fazer”.
Fala sério! Olha a continuação da matéria:
“Durante o dia, FHC rejeitou cumprimentos pela vitória. A amigos, revelou duas razões para não comemorar o triunfo oposicionista: por um lado, pareceria provocação ao governo derrotado; por outro, deixaria mal os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), que defenderam o apoio do PSDB à prorrogação da CPMF.
“Não é o momento de colher louros”, comentou um amigo que conversou com FHC ontem. “Mas é o momento de convencer o governo a aceitar uma negociação substantiva”, completou outro”.
Para quê Marchi precisa ouvir os amigos de FHC para saber o que ele pensa? É evidente que ele conseguiu captar uma conversa de FHC com seu próprio ego.
“Na visão do ex-presidente, os dois lados, governistas e oposicionistas, não podem perder nem um dia na contabilidade de perdas e ganhos: devem construir já uma agenda nacional que tenha repercussão na compreensão popular” – e que, obviamente, tenha ele no centro das articulações.
Ele mesmo escalou, na nota, o tema número 1 dessa nova agenda - a reforma tributária. “Era evidente, há tempos, que a cidadania cansou de pagar tributos, ainda mais agora, em um momento em que a conjuntura econômica e a situação das finanças públicas permitem avançar na discussão racional da receita e dos gastos do governo”, afirmou por escrito. Propôs: “Quanto mais avançarmos nessa direção, maior poderá ser a queda das taxas de juros, ainda muito elevadas.” E sentenciou: “O governo parece não ter compreendido isso.”
Será que ele acredita que a gente acredita que ele acredita que os juros elevados são em função das finanças públicas?
Da coluna de Mônica Bergamo
TERCEIRA VÍTIMA
"Ninguém de prestígio no PSDB vai comemorar, ainda mais porque os indicadores econômicos vão piorar. Só o [senador] Arthur Virgílio, que teve 3% dos votos quando disputou o governo do Amazonas, e o Fernando Henrique [Cardoso], que tem uma das piores avaliações entre todos os políticos do Brasil." Palavras de um dos cinco governadores do PSDB -que batalharam pela prorrogação do imposto e foram derrotados por FHC.
A frase do ano
Em "O Globo" de hoje
"Virgílio admitiu também que o apoio do ex-presidente Fernando Henrique foi fundamental para que enfrentasse a pressão. A última conversa entre o líder e Serra, no fim da tarde de quarta-feira, foi bastante tensa. Virgílio avisou ao governador que não mudaria de posição.
— Isso é uma loucura! — reagiu Serra.
— Então eu sou louco — retrucou ele.
Serra argumentou que o PSDB não poderia ficar a reboque do DEM, que fechara questão contra a CPMF.
— Nossos verdadeiros concorrentes são os petistas — rebateu Virgílio.
No que depender do líder, as diferenças não deixarão seqüelas.
— Serra é o quadro mais preparado para exercer a Presidência, mas para ser presidente terá de ser tolerante, saber ouvir seus companheiros."
Ou seja, ser tolerante é deixar os companheiros botarem fogo no país.
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Creio ter sido um dos primeiros economistas políticos brasileiros a se dar conta, ainda nos anos 80, de que o neoliberalismo não era um fenômeno puramente ideológico, mas o produto de uma realidade sociológica profunda que se exprimiu em maiorias eleitorais efetivas, sobretudo européias. É o que explica o deslizamento para a ala neoliberal mesmo de partidos tradicionalmente de esquerda, como trabalhistas ingleses (Terceira Via), socialistas franceses e sociais democratas alemães.
Acredito que quem originalmente levantou a cortina sobre esse processo de fundo foi William Greider, em seu monumental “The Secrets of the Temple”, sobre a história do Banco Central norte-americano. Ele “sacou” que a maioria eleitoral que apoiou Reagan em 79 era formada em grande parte de classes médias afluentes, indignadas com a perda de renda financeira oriunda da combinação entre inflação alta e juros baixos, prevalecente ao longo dos anos 70, sobretudo depois da débâcle do sistema de Bretton Woods.
Na Europa Ocidental, o que deixou apavoradas as classes médias afluentes foi principalmente a instabilidade monetária e cambial. O sucesso espetacular do experimento social-democrata do pós-guerra eliminou o medo do desemprego e mudou o eixo das preocupações dos afluentes para as oportunidades de ganho financeiro, no país de origem e no exterior, pelo que a instabilidade cambial passou a ser um estorvo. Aos poucos, a demanda de estabilidade dos ricos acabou por formar uma maioria eleitoral.
Pode-se dizer que, na Europa, o neoliberalismo é um produto da afluência da maioria. No Brasil, ao contrário, a afluência de uns poucos tem se tornado o produto do neoliberalismo. Diferentemente da Europa, não se completou aqui o processo da democracia social, e em compensação não houve entre nós nenhum episódio eleitoral que autorize dizer que a maioria dos cidadãos optou pelo neoliberalismo. No caso de Fernando Henrique, suas eleições se deveram exclusivamente ao sucesso do Real quanto ao controle da inflação. No caso de Lula, ao desencanto com Fernando Henrique e ao compromisso de retomada do desenvolvimento e da luta contra o desemprego.
Assim, no Brasil, o neoliberalismo é um fenômeno principalmente ideológico, sem base na realidade social, esta ainda fortemente dependente de ações do Estado. É uma ideologia artificial, importada, descolada do processo sociológico, mesmo porque estamos longe de ter uma maioria de afluentes que estejam mais interessados em globalização e oportunidades de especulação do que em combater o alto desemprego e a exclusão social. Como toda ideologia, funciona como instrumento de manipulação e de dominação. Contudo, para ser eficaz, ela busca desesperadamente o status de pensamento único.
No governo Fernando Henrique chegamos o mais próximo que se pode ao império do pensamento único. Todos os aparelhos ideológicos do Estado e quase todos os da sociedade, inclusive a maioria da grande mídia, foram colocados sem qualquer escrúpulo a serviço da difusão ideológica do neoliberalismo. Essa hegemonia foi quebrada no governo Lula. E é isso, certamente, que está suscitando uma forte inquietação nos círculos neoliberais, vocalizada especialmente por alguns professores-banqueiros.
Se o neoliberalismo no Brasil tivesse raízes sociológicas autênticas, os economistas Márcio Pochmann, presidente do IPEA, e João Sicsú, diretor, não se veriam sob o fogo cerrado dos seus militantes mais agressivos. Pochmann disse e escreveu que a CPMF, dada a regressividade do sistema tributário brasileiro, é um dos impostos mais eficazes e mais justos. Sicsú escreveu, sempre de forma absolutamente fundamentada, que o Estado brasileiro, ao contrário do que dizem, é “nanico”.
Tenham tido essa intenção ou não, meteram o dedo na ferida. A essência do neoliberalismo, desde Hayek a Friedman, é a desconstrução do Estado. O árbitro de todas as soluções, desde o meio ambiente ao emprego, é o livre mercado. Para Hayek, até a moeda teria de ser privada – algo que fez recuar, assustado, seu parceiro Friedman. Não foi o caso, porém, de nossos neoliberais. Estes conseguiram a façanha inacreditável de privatizar o Banco Central, o que valeu a seu presidente uma honraria da “Euromoney”.
Pedro Malan (ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda, hoje Unibanco), Alexandre Schwartsman (ex-diretor do Banco Central, hoje no Real), Marcos Lisboa (ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, hoje no Unibanco), Maílson da Nobre (ex-ministro da Fazenda, hoje dono de consultoria financeira), todos se insurgem diante da ousadia de Pochmann e de Sicsú ao apontarem, por exemplo, que enquanto o número de servidores públicos no Brasil representa 8% do total do emprego, nos Estados Unidos é 17%, na França, 27% , e nos países nórdicos europeus, em torno de 40%.
A administração pública direta está esgarçada. Do Ministério de Transportes ao Ministério do Meio Ambiente, não há gente para funções essenciais. Não temos fiscais sequer para supervisionar a produção de leite. Na rede estadual do estado do Rio, estima-se que faltam 30 mil professores de ensino médio. O que dizer dos outros? São notórias as deficiências de pessoal em toda a área pública de Educação, de Saúde, de Segurança Pública. Pacientes brasileiros têm recorrido à rede de saúde da Bolívia! Sucateamos nosso sistema de Defesa, e liquidamos com nossa infra-estrutura logística, a qual só começa a ser recuperada no segundo governo Lula.
Diante desse quadro de descalabro, vêm esses manipuladores de estatística dizer que o grande mal do Brasil é o aumento dos gastos públicos primários! Charlatães, omitem os juros. Shwartzman vai além. Para provar sua tese, faz uma série histórica de aumento da carga tributária entre 1994 e 2006 que simplesmente salta o período de governo de Fernando Henrique. Omite que foi justamente nesse governo que a carga tributária e a dívida pública explodiram, esta de 30% para quase 60% do PIB – sem qualquer relação, como afirma o vice-presidente Alencar, com o investimento público e até mesmo com gastos correntes. Tudo para pagar juros sobre juros!
Não tenho espaço para examinar detidamente cada artigo desse quarteto. Mas, como disse Galbraith, não se pode levar a sério opinião sobre economia de quem tem interesses próprios em jogo. E esses professores-banqueiros valem para seus bancos tanto pelo que omitem quanto pelo que expressam. Vejam as operações de swap reverso do Banco Central, cuja independência é tanto exaltada por Maílson da Nóbrega. Como posso esperar opinião independente de professores-banqueiros que certamente estão entre os beneficiários diretos dos R$ 30 bilhões que, desde 2005, o BC doou e continua doando graciosamente ao “mercado” nessas operações?
A cabeça de Medusa tem muitas serpentes, mas a cabeça da Medusa neoliberal tem serpentes de ouro. Sua infinita audácia, no Brasil, nada tem a ver com sua propensão a ganhar dinheiro e acumular fortunas individuais. Ela vai além disso. Consiste em tentar fazer com que os outros pensem que o interesse pessoal deles é o interesse da sociedade. O resultado disso é que, na média dos anos 1993 a 2005, os juros representaram 29% da renda interna disponível. Num desses anos, foi a 44%! É um escândalo, e um escárnio. Mas é, indiscutivelmente, o principal resultado prático do neoliberalismo no Brasil.
P.S.: Já estava escrito este artigo quando li em manchete de primeira página de “O Globo”, mais tarde replicada no Jornal Nacional, que Pochmann será convocado pelo líder tucano no Senado para dar satisfação do afastamento de quatro pesquisadores que se encontravam irregularmente desempenhando funções no IPEA. Lúcia Hipólito, que o próprio jornal laureou como grande cientista política, sustenta que aí estaria a prova de que o IPEA está sendo “aparelhado”. Pergunto: Por quem, e com que objetivo?
Não é exatamente o oposto? Ao tempo de Fernando Henrique, e mesmo depois, enquanto o governo Lula estava preocupado com outras coisas, não foi o IPEA, pelo trabalho ideológico de alguns de seus integrantes (emprestados) mais atrevidos, um instrumento do neoliberalismo incrustado no governo, vocalizador do pensamento único deste? Não é desse grupo ideológico “independente” que surgiram os textos “provando” que o Estado brasileiro é gastador, e que é do dispêndio público exagerado que resultam todos os males nacionais – sem uma única menção aos juros e à política monetária?
Não foi um desses pesquisadores que quis “provar” que no Brasil não há trabalho escravo? Obviamente, nenhum desses fâmulos neoliberais, que por certo estão contando pontos para saltar para consultorias privadas, foi afastado pelo que pensam. Foram afastados pela ilegalidade de sua posição. Se isso desagrada os neoliberais da grande mídia e do Congresso, paciência. Não existe nenhuma razão para que o governo abrigue em seu importante instituto de formulação de política de longo prazo os que querem trocar os gastos públicos necessários pelas receitas privadas de consultoria e de palestras regiamente pagas.
José Carlos de Assis é economista. - Originalmente publicado em www.desempregozero.org.br
Texto copiado do Correio da Cidadania.
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Pobreza de idoso explodiria sem Previdência
Comparado com Argentina, México, Peru, Costa Rica e Bolívia, o Brasil é o país com maior cobertura previdenciária na população com mais de 65 anos de idade e onde os benefícios são mais representativos na renda total dos idosos. As informações estão na Folha, de hoje.
Sem esses ganhos, a taxa de pobreza urbana nessa faixa etária saltaria dos atuais 3,7% - o menor percentual entre os comparados - para 47,2%, o que a colocaria como a pior. Isso teria impactos também na taxa de pobreza (com base na linha de US$ 2 diários) de toda a população urbana, que passaria de 14,8% para 24,9%.
Essas são conclusões do mais recente estudo das pesquisadoras Ana Amélia Camarano e Maria Tereza Pasinato, do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O trabalho indica que mudanças bruscas na Previdência podem aumentar significativamente a taxa de pobreza entre os idosos.
Um velho texto (de julho passado), do velho Diário Gauche.
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Os vigilantes da democracia
Em uníssono, governo e mídia dos Estados Unidos condenaram o governo de Hugo Chávez. Sem direito à defesa, e sem contestação. O resto é silêncio.
David Brooks
O governo e a principal mídia nos Estados Unidos tomaram partido ou pelo menos se declararam árbitros nom processo interno venezuelano, ao participar, opinar e criticar o referendo sobre a reforma constitucional.Marcadores: democracia, Estados Unidos, mídia, Venezuela
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ENQUANTO A diplomacia-companheira brincou de potência emergente em Annapolis discutindo uma solução para a crise do Oriente Médio (encrenca com 60 anos de idade, a 10 mil quilômetros de Brasília), apareceu um verdadeiro problema com a Guiana, logo ali, na fronteira norte do país. Numa entrevista ao repórter David Howden, o presidente Bharrat Jagdeo anunciou que vai negociar a preservação de sua floresta amazônica em troca de recursos para o desenvolvimento. Nas suas palavras: "Eu não sou um mercenário e isso não é chantagem. Eu sei que não existe almoço grátis e não estou fazendo isso porque sou um bom sujeito que quer salvar o mundo. Precisamos de ajuda".
Medida pelo poder de compra, a renda per capita dos 770 mil habitantes da Guiana está em US$ 4.800. A dos brasileiros aproxima-se dos US$ 9.000. A floresta de Jagdeo ocupa uma área maior do que a Inglaterra e a mata seria administrada por uma organização internacional liderada pelos britânicos. Seria um dos maiores projetos de preservação do planeta. Seria também uma recaída colonial para o país, que se tornou independente em 1966.
É um direito do povo da Guiana fazer o que bem entende com seus recursos naturais, sobretudo numa época em que o progresso da região amazônica confunde-se com a ação predadora das motosserras e das queimadas.
Desde 1978, Brasil, Guiana, Bolívia, Colômbia, Equador, Venezuela e Peru são signatários do Tratado de Cooperação Amazônica. Por elegância, o presidente da Guiana poderia ter apresentado sua idéia nesse foro. Por cortesia, em outubro passado o presidente do Suriname, Roland Venetiaan, também poderia ter discutido com seus vizinhos a idéia de oferecer um campo de testes para veículos militares americanos em seu território.
A diplomacia-companheira faz figuração em Annapolis, enquanto nas fronteiras de Pindorama constrói-se a maloca da Mãe Joana. Na condição de grande potência poluidora da atmosfera, o governo brasileiro é responsável pelo que faz e sente-se bem na condição de malfeitor. Nosso Guia trata a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, como se fosse uma santa de procissão, seguida pela bandinha da diplomacia emergente, na suposição de que a questão amazônica pode ser resolvida com parolagem doméstica.
Admita-se um cenário no qual há uma base americana no Suriname e a Guiana transforma-se num protetorado ambiental da Inglaterra. Nessa hora, voltarão para a mesa as palavras do presidente francês François Mitterand, em 1989: "O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia". Ou ainda uma frase do Prêmio Nobel Al Gore: "Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles. Ela pertence a todos nós".
Nunca é demais lembrar que o primeiro americano a descer o Amazonas, em 1851, foi o tenente William Herndon. Parecia um oficial curioso, mas era um observador da possibilidade de transplante da escravaria do sul dos Estados Unidos para os matos de Pindorama. Ele escreveu um livro que fez enorme sucesso, e um garoto de 16 anos, encantado pela narrativa, foi para Nova Orleans em busca de um navio com destino a Belém. Queria a aventura e um pouco de comércio de coca. Como a rota não existia, subiu o Mississippi com um amigo. Chamava-se Mark Twain.
Folha de São Paulo, 28/11/2007.
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CARACAS - Na madrugada de segunda-feira, numa praça de Altamira, um bairro de classe média da capital venezuelana, um estudante queima uma cópia da proposta de reforma constitucional que os venezuelanos rejeitaram. Foi uma festa modesta, com cerca de mil pessoas, multiplicadas por milhares pela presença maciça da mídia. Foi um evento midiático, como toda a política, enfim, vem se tornando um movimento midiático, apesar do esforço dos movimentos sociais de politização, sejam eles de direita ou de esquerda. Hoje é muito mais fácil conseguir alguns "atores sociais", legitimados pela própria mídia, do que se atirar à trabalhosa tarefa de conquistar eleitores pela conscientização. E quando você faz alguém pensar há um grande potencial de que essa pessoa discorde, uma lição que serve para o próprio presidente Hugo Chávez.
Chávez foi derrotado por chavistas. Conforme informei neste espaço, inclusive entrevistando um chavista que votou pelo NÃO na porta de uma zona eleitoral, houve uma debandada, que o próprio líder venezuelano constatou ao aceitar o resultado do referendo: o SIM teve quase três milhões de votos a menos que Chávez obteve nas eleições presidenciais de 2006. O bloco da oposição ganhou menos de 500 mil. A abstenção subiu de 25% para 44%. Dentre muitos outros fatores que causaram a derrota de Chávez, o mais importante foi esse: milhões de simpatizantes do presidente simplesmente não foram votar.
Os motivos são diversos: discordância em relação a pontos da reforma, como a reeleição indefinida; discordância das próprias declarações de Chávez, de que ficaria no poder até 2050 se os eleitores quisessem; dúvidas em relação ao conteúdo da reforma, especialmente nos pontos relativos ao direito à propriedade e rejeição a medidas tomadas pelo presidente desde que foi reeleito - do fechamento da emissora RCTV às polêmicas internacionais.
Depois de três dias em Caracas, estou esperando para ver a tal ditadura chavista se materializar em falta de liberdade de imprensa, de manifestação, de expressão, de trânsito... Não fui parado uma vez sequer filmando nas ruas da cidade, nem mesmo em zonas eleitorais. Tente filmar por quinze minutos, com uma câmera amadora, o prédio do Citibank em Nova York e você vai ver o que acontece...
De volta a Chávez, o cálculo dele era de que, reeleito com ampla maioria, tinha uma janela de oportunidade para fazer passar a reforma constitucional, aproveitando a "fraqueza" relativa do governo Bush. Porém, enfrentou uma barragem sem precedentes da artilharia midiática, no que talvez tenha sido a primeira grande campanha internacional, com métodos de guerrilha informativa, na História contemporânea da América Latina. Através da omissão, da manipulação, da seleção e da deturpação de imagens e informações.
O que sabem os leitores brasileiros sobre as propostas de Chávez? Que ele buscava a reeleição indefinida, com certeza. Mas, como sempre acontece, foram "escondidos" alguns pontos importantes que poderiam servir de "mau" exemplo para a população de outros países, como a redução da jornada de trabalho para 6 horas, a proibição da privatização da empresa petrolífera PDVSA e o completo monopólio estatal sobre os recursos naturais do país - petróleo e gás, essencialmente.
Os atores sociais que foram às ruas não podem ser desprezados. Embora sejam mesmo filhos da classe média, em sua maioria, os estudantes antichavistas estavam convictos ao defender o que consideravam uma ameaça à sua liberdade, embora seja irônico que gente que sempre mandou e teve completa liberdade, inclusive sob Chávez, tenha adotado essa palavra-de-ordem repentinamente. Chávez perdeu para os seus próprios erros mas também perdeu para a Igreja Católica, que silenciosamente, nas missas, pregou aberta ou indiretamente contra o SIM.
Quem acha que o Chávez é chucro pela sua aparência, se engana. É um leitor voraz, de formação militar, que acredita em fazer uma reforma que toca no que é realmente essencial na Venezuela: este é um país rico cheio de gente pobre. Como é possível que algumas centenas de milhares de pessoas concentrem o poder econômico e a renda em alguns bairros privilegiados de algumas cidades, enquanto convivem com milhões de deserdados nos morros e na zona rural? É o dilema de toda a América Latina.
Existem alguns outros assuntos sobre os quais eu gostaria de escrever, mas a hora do vôo se aproxima. Terei tempo para fazer isso nos próximos dias, inclusive com alguns vídeos bizarros da festa de comemoração pela vitória do SIM, a demonstração mais clara, em toda a minha carreira, de que alguns poucos podem ter um impacto gigantesco em uma sociedade, desde que tenham espaço garantido na mídia.
A mídia venezuelana é uma questão à parte, que merece muitos estudos. As formas de manipulação midiática se sofisticaram em relação ao golpe de 2002. Afinal, as empresas precisam garantir alguma credibilidade para manobras futuras. É por isso que critiquei, no site, deputadas que rasgaram elogios à RBS recentemente, sem fazer qualquer reparo à atuação do grupo na política brasileira. A mídia, em seu novo papel de protagonista da política, tão ou mais forte que os partidos políticos, com a capacidade de determinar a agenda política, criar e alimentar factóides e decidir eleições, "armazena" credibilidade como se fosse munição para ser usada no futuro.
Essa credibilidade é dada por todos os outros atores sociais, inclusive mas não somente leitores, telespectadores e ouvintes. Políticos de todos os partidos aceitam a barganha de ajustar o seu discurso para garantir espaço na mídia. Porém, é uma barganha que pode custar caro lá na frente. Digo isso a políticos do PT, do PDSB, do DEM e do PCdoB e a todos aqueles que são eleitos ou exercem cargos públicos. Amanhã pode chegar a SUA VEZ de ser demolido pela artilharia midiática.
Na Venezuela, Hugo Chávez tentou criar alternativas e foi razoavelmente bem sucedido para seus objetivos políticos, não para o meu gosto. A polarização no país é tamanha que os venezuelanos ficaram entre dois extremos. Insultos, insinuações e notícias plantadas foram usados tanto nos partidos midiáticos da oposição quanto nos oficialistas. Mas, pelo menos, para quem é curioso agora há mais de uma opção. Minha sugestão aos políticos brasileiros é que façam como a deputada Manuela D'Avila, do PCdoB, que interage com seus eleitores diretamente, principalmente através da internet, e não faz política PARA a mídia, como foi o caso do deputado Fernando Gabeira, em alguns episódios.
Uso aqui esta foto, feita hoje de manhã, no bairro de classe média de Altamira, reduto da oposição. É uma demonstração do nível de polarização e baixaria política vivida na Venezuela, em que o debate passou a ser travado por extremos e abafou a voz da maioria.
A camiseta é do Partido Socialista Unificado da Venezuela, formado por Hugo Chávez na cola do PC cubano, o que também acarretou a ele a perda de importantes aliados. O colante do NO foi acrescentado à peça e exibido como se fosse um "cadáver", bem diante de um pequeno "barrio", uma favelinha de algumas centenas de habitantes incrustrada entre prédios de "cidadãos do bem". Alguns chavistas vivem nela. O processo político, aqui, foi seqüestrado por extremistas. O discurso racional perdeu espaço para os apelos à emoção, típicos das campanhas publicitárias do medo, que se tornaram padrão na política internacional.
Hoje Caracas acordou respirando aliviada. Foi tamanha a tensão das últimas semanas, causada por fatos reais e notícias imaginárias, que mesmo o eleitor chavista deve ter pensado com seus botões: ainda bem que acabou. É assim que funcionam as campanhas de terror. Lembram-se daquele empresário que prometeu, em 1998, que se Lula fosse eleito 800 mil brasileiros fugiriam para Miami? A Venezuela é o Brasil de 1998, ainda. Os grandes interesses econômicos, representados pela mídia corporativa e os jornalistas-vereadores, jornalistas-deputados e jornalistas-senadores, colocam um bode em sua casa através dos jornais, das emissoras de rádio e de TV.
Para depois "tirar" esse bode imaginário, simplificado, diabolizado ou exagerado. Lula matou 200 brasileiros naquele acidente aéreo da TAM, escreveu um "especialista" em aviação (ou era um psicanalista?) na capa do maior jornal do Brasil, a "Folha de S. Paulo", que costumava ser também o mais responsável. Assim que Lula adotou um tucano no ministério o caos aéreo assumiu a sua devida importância. O bode foi tirado de sua sala. A oposição, embora derrotada nas eleições, governa junto sem ter de apresentar propostas aos eleitores, sem politizar a sociedade, sem correr o risco de desatar processos políticos que mais tarde fujam ao seu controle. É a extração política de concessões através do partido da mídia. Cadê o partido de direita puro-sangue do Brasil? Na TV Globo.
Finalmente, algumas considerações sobre aqueles que não estavam na praça de Altamira, na madrugada desta segunda-feira, que afinal são os mais importantes: os empresários de carne-e-osso e os executivos de carne-e-osso que representam os interesses que se opõem aos de Hugo Chávez. Também não estavam lá o embaixador-ativista dos Estados Unidos, nem os representantes das agências de fomento da "democracia" bancadas com dinheiro público americano, que só atuam onde interessa. Estava um rapaz, com uma bandeira americana, que não sabia que eu era jornalista. Quando perguntei a ele sobre o motivo da presença daquele símbolo, ele disse que era essencial reaproximar os dois países. Justo. Justíssimo. A câmera ainda estava ligada quando ele disse: "Sabe o que é? Trabalho para o banco Santander."
Voltando à indevida intervenção americana na política de outros países, não foi por acaso que Vladimir Putin, outro vilão da mídia internacional, restringiu a atuação política de ONGs financiadas pelos Estados Unidos na Rússia. Um artigo específico da reforma constitucional proposta por Hugo Chávez proibia o financiamento externo de atividades políticas na Venezuela. Não é teoria conspiratória. É verdade factual e a informação está à disposição de quem quiser, no site do National Endownment for Democracy, o NED - criado durante o governo de Ronald Reagan para "promover" a democracia. Está lá a lista de projetos financiados mundo afora, com valor e tudo.
Eu sou a favor da democracia, mas também no Egito, na Arábia Saudita, no Paquistão, respeitada a cultura e a soberania destes países. Ou seja, feito a repercussão seletiva de capas na TV brasileira - que no processo eleitoral do ano passado só repercutia capas de revista com manchetes contrárias a um candidato -, o NED promove a democracia seletivamente.
Existe uma rede de prestadores de serviço a essa causa, que acho justa, DO PONTO-DE VISTA DOS INTERESSES DOS ESTADOS UNIDOS. Eu, se fosse eles e quisesse exercer a hegemonia mundial, faria exatamente a mesma coisa. Essa rede de "denuncismo" ou "patrulhamento" de outros países - que raramente faz denúncias que envolvam os próprios Estados Unidos - é formada por entidades que se apresentam como defensoras da liberdade de imprensa, quando na verdade defendem mais o direito das empresas que o dos jornalistas. Procurem saber quem financia quem e vocês vão entender melhor a lógica desse novo "negócio".
O NED, com apoio desses monitores de mídia, dos institutos internacionais do Partido Republicano e Democrata e entidades afins, financia - com dinheiro público americano, apropriado pelo Congresso - , além do dinheiro de empresários-ativistas, um novo modelo de "golpe branco", que não envolve a ocupação física de território, mas estratégias sofisticadas de organização política, estratégia eleitoral, marketing e propaganda.
Uma bala para quem advinhar onde é que essa estratégia foi aplicada: em países pobres, sem recursos naturais ou importância geopolítica? Ou em países ricos de recursos naturais e estrategicamente importantes? Deu certo na Ucrânia e na Geórgia, que passaram do guarda-chuva russo para o pró-ocidental. Deu certo por 47 horas, em 2002, quando Hugo Chávez foi apeado do poder na Venezuela. Deu certo de novo neste domingo, embora tenha sido apenas um ingrediente da receita.
Dos escombros da oposição venezuelana emergiram partidos como o Primero Justicia, que começou uma ong da sociedade civil com ajuda do NED. Os mecanismos de atuação dos grupos financiados pelos Estados Unidos incluem monitoramento de eleições, formação de lideranças, consultoria eleitoral e pesquisas de opinião. O que prega o Primero Justicia? Uma plataforma pró-americana, com uma concessão aqui ou ali aos interesses locais, que ninguém é de ferro.
Tenham em mente que a proposta de reforma constitucional de Hugo Chávez, rejeitada pela maioria dos venezuelanos por diversos motivos que não este, tinha um capítulo que proibía a privatização da petroleira PDVSA, a segunda maior empresa da América Latina e controladora das maiores reservas de gás e petróleo do continente. O texto também reafirmava o completo monopólio estatal sobre as reservas. É a verdade factual. O controle dessas reservas é essencial para o que os Estados Unidos definem como sua "segurança energética", além de representarem um gigantesco lucro em potencial para as petroleiras internacionais.
Digam o que disserem de Hugo Chávez, ele é um estrategista que tinha isso em mente. Sabia que ia peitar grandes interesses econômicos e políticos. Em seu estilo tudo ou nada, calculou o risco e jogou o jogo. Perdeu. O essencial é que os brasileiros - sejam do DEM, do PT, do PSDB ou do PP - tenham em conta que esse é o jogo da política internacional. E que a Venezuela de hoje pode ser o Brasil de amanhã, quando alguém decidir que precisa de água ou de um naco da floresta amazônica. Não se preocupem, que desculpa eles arranjam e há os jornalistas-vereadores, jornalistas-deputados e jornalistas-senadores dispostos a representá-los na linha de frente da artilharia midiática.
O senador José Sarney, nosso grande democrata maranhense, literato e estrategista de visão mundial, num artigo que escreveu para a "Folha de S. Paulo", recentemente, perguntou: "Para que a Venezuela precisa de armas?" Eu gostaria de perguntar ao senador: "Para que os Estados Unidos estacionam a Sexta Frota no Mediterrâneo?"
É viagem de turismo?
Para que os Estados Unidos orçaram U$ 127 bilhões para a Marinha só no ano fiscal de 2007?
Chávez tem um milhão de defeitos, além de ser brega e feio, como diz a oposição venezuelana. Mas em oito anos transformou a política local de tal forma que hoje a oposição defende com unhas-e-dentes a Constituição de 1999, que na época boicotou e não subscreveu. Chávez rompeu com o bipartidarismo que sufocou o país política e economicamente e esse fato fez emergir novas forças políticas, algumas das quais vão competir com ele para modernizar a Venezuela e desfazer o extremo fosso social que divide o país. Chávez fez mil vezes mais pela Venezuela, em nove anos, do que Sarney fez pelo Maranhão em quarenta.
Texto copiado do Vi o Mundo, o saite do Luiz Carlos Azenha. Quem quiser ver o original, pode ir lá. Tem figurinhas, e mais algumas notas interessantes.
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