sexta-feira, dezembro 21, 2007

Zôo Brasil

Zôo Brasil

SÃO PAULO - "Crescimento tira milhões das classes D e E". Era esse o título da reportagem de Fernando Canzian na Folha de domingo. Com base em dados do Datafolha, constatava que nos últimos cinco anos, sob Lula, cerca de 20 milhões de brasileiros passaram à classe C. E explicava: primeiro, em decorrência da expansão de programas sociais e previdenciários; de um ano e meio para cá, foi sobretudo o crescimento que elevou o consumo dos mais pobres. Boa notícia.
Ainda que essa divisão por "classes" seja um instrumento de mercado -e não um indicador social, mais efetivo para aferir a melhoria estrutural das condições de vida-, ninguém de boa-fé vai tomar um avanço por estorvo ou coisa ruim.
Recorde-se que a era FHC também havia "incluído" uma legião de banguelas e neocomedores de frango na fase heróica do real. A moeda derreteu e eles voltaram a ser pó.
O Brasil tem suas manhas. O próprio Fernando Canzian, na sua coluna desta semana na Folha Online, tratou de relacionar as boas novas do consumo com aquilo que presenciou no sábado à noite, ao assistir a um show na Rocinha. Vale ler.
O relato da onipresença aterrorizante do tráfico basta para dissolver a convicção de que algo melhora no Brasil. Não é um caso isolado. É só abrir o jornal ou andar pela rua para acumular evidências diárias do que nos afasta da vida civilizada. Que progresso -que país é este?
Haverá muitas respostas. A que mais me convence (e fascina) é a do sociólogo Francisco de Oliveira, num grande ensaio de 2003: somos o ornitorrinco, animal improvável, nem isso nem aquilo, meio réptil meio mamífero, achado alegórico para uma sociedade que não é mais subdesenvolvida, mas tampouco se tornou uma sociedade avançada e decente -nem se tornará.
A figura do ornitorrinco sugere que o progresso, entre nós, carrega consigo conseqüências socialmente regressivas, as quais também definem nossa modernidade arrevesada. Serve ao menos como antídoto à idéia ingênua de que nos aproximamos do Primeiro Mundo no grande varal da história universal.

Texto de Fernando Barros e Silva, na Folha de São Paulo.

Marcadores: ,