sexta-feira, dezembro 21, 2007

Erro impede que Brasil suba no ranking do IDH

A ONU escolheu o Brasil como palco para apresentar ao mundo seu novo Relatório de Desenvolvimento Humano, mas cometeu, involuntariamente, uma injustiça com os anfitriões do evento. Graças a um erro metodológico, o país caiu no ranking da qualidade de vida do mundo - mas deveria ter subido.

O relatório divulgado hoje, com dados de 2005, mostra que o Brasil atingiu exatamente a "nota" mínima (0,800 numa escala de zero a um) para entrar no clube países de "alto desenvolvimento humano". A nota em questão é o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), adotado pela Organização das Nações Unidas para medir e comparar o progresso social em diferentes países.

De 2004 para 2005, o IDH do Brasil subiu de 0,792 para 0,800 - evidência de que houve avanços nos quesitos renda, educação e longevidade. Mas, no ranking oficial, o país caiu da posição 69 para a 70. Sinal de que outros países melhoraram mais? Nada disso.

Terra Magazine revisou as contas da ONU e descobriu uma distorção. Os cálculos foram feitos com base no "PIB velho" do país, ou seja, não levaram em conta a mudança de metologia do IBGE, promovida em março deste ano, que revelou um país mais rico - ou menos pobre - do que se imaginava (leia aqui). O FMI já cometeu esse erro (leia aqui), mas depois se corrigiu (leia aqui).

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A ONU também não atualizou os dados sobre analfabetismo - nesse caso, porém, o procedimento afetou a nota de quase todos os países, e não apenas do Brasil.

Com base no recálculo do PIB, Terra Magazine já havia anunciado há oito meses a entrada do Brasil no (atenção, leitores: ativar sensores de ironia) "primeiro mundo da área social" (leia aqui).

Mas qual é o IDH correto? Aí há números para todos os gostos, de acordo com a metodologia empregada (leia aqui). Na pior das hipóteses, o índice sobe para 0,802. Na melhor delas, salta para 0,808 e nos coloca na honrosa posição de 64º melhor lugar do mundo para se viver (desativar sensores de ironia).

A salada metodológica é uma evidência de que o ranking do IDH não deve ser encarado como verdade absoluta - alguém aí acredita que dados estatísticos da Islândia e da Serra Leoa são colhidos com o mesmo rigor científico? (Antes que nos acusem de preconceito, esclarecemos que são, respectivamente, o primeiro e o último colocados na lista.)

Tomemos como outro exemplo o curioso desempenho de Rússia, Índia e China, três países que, juntamente com o Brasil, formam o chamado grupo dos Brics, estrelas do mundo emergente. Apesar de seu fantástico crescimento econômico, a China permaneceu na mesma posição nos dois últimos rankings anuais (81ª). Rússia e Índia, por sua vez, caíram (de 65ª para 67ª e de 126ª para 128ª).

Não se trata aqui de desmoralizar o IDH, mas essas evidências mostram que o índice é muito mais útil para avaliar a evolução de um país ao longo do tempo (mesma metodologia, mesma qualidade dos dados) do que para comparar diferentes nações (infinidade de metodologias, diferenças na confiabilidade das informações).

E o que exatamente a evolução dessa nota revela sobre o Brasil? E o que não revela? Vamos por partes:

1) Brasileiros estão vivendo mais

Um dos fatores avaliados para definir a qualidade de vida de um país é a longevidade - mais exatamente, a expectativa de vida ao nascer, ou a projeção do número médio de anos que irão viver os cidadãos nascidos em um determinado ano. Segundo o Pnud, órgão da ONU que calcula o IDH, os brasileiros tinham em 2005 uma expectativa de vida ao nascer de 71,7 anos. Em 2004, eram 70,8 anos, e, em 2000, 67,7 anos. Esse aumento da longevidade é um indicativo de melhoras no acesso a alimentação, saúde e saneamento.

2) Brasileiros têm mais acesso à educação

Também pesam no cálculo do IDH a taxa de alfabetização de adultos e a taxa de escolarização, que mede o percentual de pessoas matriculadas no nível de ensino adequado para sua idade. No Brasil, de 2004 para 2005, o analfabetismo caiu de 11,4% para 11% - mas, curiosamente, essa evolução não foi registrada no relatório do Pnud. O relatório captou, porém, uma queda no percentual de pessoas em idade escolar fora das escolas e universidades (de 14% para 12,5%).

A ressalva é que ambos os dados são meramente quantitativos - ou seja, o índice não diz nada a respeito das diferenças entre os países no quesito qualidade do ensino, por exemplo.

3) Renda de brasileiros aumenta

Por fim, também a renda influi no cálculo do IDH. Mais especificamente, a renda per capita com base na paridade do poder de compra (PPC). Esse índice serve para comparar o poder aquisitivo em diferentes países, e leva em conta não apenas a renda, mas os preços de uma cesta de produtos - afinal, não dá no mesmo, em termos de poder de compra, receber um salário de US$ 1.000 nas já citadas Islândia e Serra Leoa.

Mesmo levando em conta apenas o "PIB velho", o relatório do IDH mostra que a renda dos brasileiros aumentou, entre 2004 e 2005, de US$ 8.195 PPC para US$ 8.402 PPC.

O que o IDH não mostra é a forma como a renda é distribuída - dois países com a mesma renda per capita podem ser completamente distintos se, em um deles, a elite abocanha a maior parte da riqueza.

E o Brasil, apesar de ter reduzido a desigualdade nos últimos anos, continua sendo um dos campeões da concentração de renda. Em 2005, os 10% mais ricos abocanhavam 44,8% do PIB, e os 10% mais pobres, apenas 0,9%.

(Observação: Terra Magazine alertou há mais de um mês o escritório do PNUD em Nova York sobre a possibilidade de erro no IDH do Brasil. O alerta foi feito por email, no dia 23 de outubro)

Texto do Terra Magazine.


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