terça-feira, dezembro 11, 2007

Os vigilantes da democracia


Os vigilantes da democracia

Em uníssono, governo e mídia dos Estados Unidos condenaram o governo de Hugo Chávez. Sem direito à defesa, e sem contestação. O resto é silêncio.

O governo e a principal mídia nos Estados Unidos tomaram partido ou pelo menos se declararam árbitros nom processo interno venezuelano, ao participar, opinar e criticar o referendo sobre a reforma constitucional.
Em novembro apareceram pelo menos 15 editoriais nos periódicos mais importantes, sem contar os que foram publicados no dia do plebiscito, uma série de artigos de opinião e de comentários na mídia norte-americana. O governo de George Bush não escondeu sua participação no debate venezuelano. Especialistas reconhecidos em matéria de transparência, direitos humanos e outros elementos-chave nos processos democráticos, como o ex-secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, puseram à disposição a sua sabedoria.

O aparente consenso editorial e político aqui [nos EUA] foi o de que o referendo representou não só uma tentativa do presidente Hugo Chávez de concentrar o poder, mas também de enfraquecer e até de abolir a democracia na Venezuela.

No dia do referendo o New York Times, o jornal mais influente desta nação, publicou um editorial, “Dizendo não a Chávez”, em que insta o povo venezuelano a votar contra as reformas constitucionais. Argumentando que Chávez se dedicou à acumulação de poder “explorando a riqueza petroleira de seu país para comprar o apoio popular, indica que há sinais “esperançosos” de que o eleitorado poderia recusar “seu plano para se converter em presidente vitalício. Os opositores convocaram um voto massivo no “não”. Para o bem da democracia ferida na Venezuela, os votantes deveriam atender esse chamado”.

O Los Angeles Times advertiu que o referendo sobre as 69 emendas constitucionais “mudaria o governo, de uma democracia, em algo que se parece muito a uma ditadura à cubana”. Disse o editorial: “um triunfo de Chávez seria uma derrota para a América Latina, os Estados Unidos e sobretudo para a Venezuela”. “Não há nada que os Estados Unidos possa ou deva fazer para prevenir tudo isso. O destino da Venezuela está nas mãos dos venezuelanos. Mas pagarão caro se tomarem a decisão errada no domingo”, era a conclusão.

Duas semanas antes do referendo, o Washington Post publicou sua posição editorial, com a manchete: “O golpe do Sr. Chávez”. Afirmou que as modificações constitucionais completariam a transformação da Venezuela “numa ditadura”. Afirmou que é alentador que tanta gente naquele país não esteja disposta a “ceder sua liberdade sem lutar por ela”.

De fato, até pequenos jornais em cidades como Evansville, Indiana, decidiram publicar sua opinião sobre o assunto. “Salvando a Venezuela”, é o título do editorial que caracterizava o voto como algo que efetivamente decidiria se o país se converteria numa “ditadura do tipo cubano”, com “Chávez no papel de Castro”. Concluía o Evansville Courier: “para o bem de todos, particularmente deles, esperemos que os venezuelanos votem “não” no domingo”.

Vários comentaristas e colunistas abordaram o tema, a maioria desse mesmo jeito. Por exemplo, o colunista Roger Cohen, do New York Times, escreveu que “o caudilho enfeitado de petróleo na América Latina se põe a sério sobre governar a vida, assim como Franco e Castro”. Diante disso conclamava a que os venezuelanos seguissem o exemplo do rei Juan Carlos e dissessem a Chávez que se cale.

Talvez a voz mais surpreendente – simplesmente porque estava retirada em silêncio, pelo resultado desastroso de suas políticas e pelas críticas de suas manipulações que violavam a Constituição norte-americana e as leis internacionais – foi a do Secretário de Defesa Donald Rumsfeld, que, no Washington Posto, decidiu oferecer uma série de “receitas” para enfrentar as “ameaças” do momento.

Num artigo chamado “A maneira inteligente de derrotar tiranos como Chávez”, Rumsfeld lamenta que “o mundo está dizendo pouco e fazendo menos enquanto o presidente Hugo Chávez desmantela a Constituição da Venezuela, silencia sua mídia independente e confisca a propriedade privada”, e adverte que ele representa uma ameaça além-fronteiras.

É interessante lembrar – como esses jornais não fizeram agora – que no golpe contra Chávez, em 2002, todos eles comemoraram. A organização independente Fairness and Accuracy in Reporting (FAIR) recorda que no dia 13 de abril de 2002 o New York Times declarou que a “renúncia” de Chávez implicava que “a democracia venezuelana já não estava ameaçada por um quase-ditador”. Na mesma semana o Chicago Tribune comentou: “nem todos os dias a democracia se beneficia por uma intervenção militar para afastar um presidente eleito”. O Los Angeles Times reprovou o golpe, mas observou que a Venezuela seria beneficiada se ele ensinasse a Chávez a ser “mais plural”. Tanto o Post como o New York Times asseguraram que Washington não tinha posto sua mão no golpe, embora não se tivessem ainda detalhes, e desde então os seus próprios repórteres têm afirmado o contrário.

O governo de Bush não escondeu sua “preocupação” com o processo político venezuelano. O porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack, assegurou esperar que a contagem de votos “manifestasse a vontade do povo venezuelano”. Estava preocupado porque “não havia observadores em campo”. “Então o mundo exterior de fato não terá muitas informações sobre os procedimentos no dia da votação, mas também no momento da contagem”.

Mas no ato a embaixada da Venezuela lembrou num comunicado que 39 países enviaram missões e que haveria centenas de observadores internacionais e nacionais. Argumentou que “ao contrário das eleições nos Estados Unidos, nós, os venezuelanos, contamos sempre com um amplo sistema de auditoria e com a verificação imediata do voto através da papeleta eleitoral”.

Também os meios da mídia outorgaram ampla cobertura às manifestações da oposição (e muito menos àquelas pelo “sim”), e alguns dos âncoras não esconderam sua preferência pelo “não”.

Pelo que parece, a vitalidade do debate venezuelano contagiou alguns políticos e a mídia daqui [dos Estados Unidos]. Quem sabe seja um sinal esperançoso de que aplicarão o mesmo entusiasmo na defesa de uma democracia que padece de deterioração em sua credibilidade, em sua participação e em sua transparência: a daqui [norte-americana].

Texto publicado originalmente na Agência Carta Maior.

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2 Comments:

Blogger Carlos Eduardo da Maia said...

Esse artigo que também li na Folha na época foi escrito antes de Chávez considerar una victoria de mierda. Concordo que muito há de errado na democracia americana, mas nenhum presidente americano tem o poder que hoje o Chávez tem: ele controla o Judiciário, o Legislativo e a Mídia da tv aberta. Bush não tem essa força.

3:38 PM  
Blogger José Elesbán said...

É Pode ser .
Ele pode controlar parte do Judiciário, controla o Legislativo porque a oposição não quis participar das eleições, as boicotou, e a imprensa escrita tem plena liberdade. Além disso, o plebiscito foi coberto por observadores internacionais. Queira ver os observadores na eleição de 2000 na Flórida.
A questão aqui não é apenas Chávez, é quem aponta o dedo contra ele.

5:25 AM  

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