terça-feira, setembro 28, 2010

A xenofobia está na moda

Era uma vez uma visita de um certo Luiz Inácio Lula da Silva à África do Sul, primeiro, e Alemanha, depois. Corria o ano de 1994, Nelson Mandela havia sido eleito pouco antes o primeiro presidente pós-apartheid e era, pois, uma "photo opportunity" imperdível para um candidato presidencial que liderava as pesquisas mas tinha a sombra do recém-lançado Plano Real sobre sua vantagem (acabou derrotado por ele, como todo o mundo sabe).

Na Alemanha, entrávamos juntos na sede do SPD (o Partido Social Democrata da Alemanha), em Bonn, ainda a capital da Alemanha, embora já tivesse ocorrido a reunificação, que devolveria a Berlim a sede do governo.
Sem nem sequer ser provocado, Lula me disse algo como: se o Brasil conseguir chegar perto do modelo alemão ou sueco, já estará de bom tamanho.

Hoje, uma frase como essa nem mereceria ser reproduzida. Mas estamos falando de 1994, ano em que Lula aterrorizava a burguesia a tal ponto que o então presidente da Fiesp, Mário Amato, chegou a dizer que 800 mil empresários abandonariam o país se Lula se elegesse.

Lula só se elegeu oito anos depois, tão mudado que um dos patriarcas da banca brasileira chegou a dizer que gostaria de colocar uma estátua dele na porta de seu banco.

Volto à frase: depois da eleição de domingo na Suécia, não estou tão certo de que Lula, o de hoje ou o de ontem, ficaria confortável com o modelo. Não pelo fato de que a social-democracia obteve seu pior resultado em 90 anos. O modelo sueco deve muito a ela, que governou 65 anos dos últimos 78.

O desconforto tampouco adviria do fato de a Aliança conservadora que está no poder ter conseguido, pela primeira vez, encadear uma segunda vitória consecutiva. Lula, pelo menos o de hoje, não tem preconceitos ideológicos.

O desconforto talvez viesse pelo fato de que, pela primeira vez naquele país, a extrema-direita, os Democratas Suecos, superaram a cláusula de barreira (4% dos votos) e terão acesso ao Parlamento. Obtiveram 5,7% e ocuparão 20 assentos em um Parlamento de 157 cadeiras.

Pior: exatamente pelo desempenho da extrema-direita, a Aliança do primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt ficou a três cadeiras da maioria absoluta, o que o obriga a negociar com outras forças a formação de um governo de maioria. Reinfeldt já disse que, entre as outras forças, exclui de cara os Democratas.

Do meu ponto de vista, a Suécia, paradigma de convivência e tolerância, seria o último país a abrir as portas de seu Parlamento para um movimento xenófobo e anti-imigrantes. Na verdade, seria o penúltimo, se a Holanda, o paradigma anterior, não tivesse sucumbido antes e dado ao Partido da Liberdade, de Geert Wilders, o papel de terceira força política do país, ao passar de 9 para 24 cadeiras no Parlamento, nas eleições de junho (para não mencionar antecedentes mais antigos de quebra da tolerância que parecia ser uma das mais belas características holandesas).

Para dar uma ideia mais, digamos, universal de quem é Wilders, ele foi o convidado de honra da marcha do Tea Party, o movimento ultraconservador norte-americano, realizada na semana retrasada.

Já os Democratas Suecos tem raízes nos movimentos neonazistas dos anos 80 e 90, ainda que tenham moderado sua imagem extremista ultimamente.

De todo modo, uma das principais metas do partido é uma redução significativa da imigração e uma política de assimilação em vez de integração dos imigrantes.

Partidos de extrema-direita já estão no governo na Itália e ocupam cadeiras nos Parlamentos da Dinamarca, Hungria, Áustria e Bulgária, sem contar a possibilidade de que o Partido da Liberdade acabe participando do governo da Holanda (as negociações para formá-lo ainda se arrastam). Sem contar também as ações anti-ciganos do governo Nicolas Sarkozy, na França.

Fica a nítida sensação de que a massa de imigrantes que busca o paraíso europeu (ou norte-americano) acabou por incomodar.Enquanto eram necessários para ocupar os postos de trabalho que os locais desprezavam, pelos baixos salários ou más condições, foram tolerados. Agora, o número assombra os locais. Para ficar só no caso da Suécia, 14% de seus 9,3 milhões de habitantes são estrangeiros. A eles deve-se acrescentar os 6% que, embora nascidos na Suécia, são filhos de estrangeiros.

O suficiente, a julgar pela eleição de domingo, para causar um risco no generoso modelo sueco que tanto seduzia Lula.


Coluna de Clóvis Rossi, de 20/09/2010, na Folha.com .

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