quarta-feira, setembro 29, 2010

Filmes da Fúria Atômica

Filmes da fúria atômica deixam de ser segredo

Por WILLIAM J. BROAD

Sua existência e a natureza do seu trabalho só emergiram das sombras depois que o governo americano iniciou um esforço concentrado para derrubar o sigilo sobre seus filmes, há mais de dez anos. Ao todo, os cineastas da bomba atômica rodaram 6.500 filmes secretos, segundo autoridades federais.
Hoje, o resultado é uma avalanche de imagens que estão ficando "marcadas a fogo na imaginação das pessoas", disse Robert Norris, historiador da questão nuclear.
Dois novos documentários, "Countdown to Zero" e "Nuclear Tipping Point", trazem imagens de arquivo de explosões. Ambos argumentam que a ameaça do terrorismo atômico está em alta e defendem um fortalecimento das salvaguardas nucleares e a posterior eliminação dos arsenais globais.
Quanto aos cinegrafistas atômicos, não sobraram muitos. "Vários deles morreram de câncer", disse George Yoshitake, 82, um dos sobreviventes. "Sem dúvida, isso teve relação com os testes."
Uma cerca elétrica protegia a sede deles, nas colinas de Hollywood. O discreto edifício tinha estúdio, salas de exibição, laboratórios de revelação, equipamentos de animação, depósitos de películas e mais de 250 produtores, diretores e cinegrafistas -todos com credenciais "top secret".
Na época em que foram feitos, os filmes serviam como fonte vital de informação para cientistas que investigavam a natureza das armas nucleares e sua destrutividade. Alguns funcionaram também como tutoriais para líderes do governo federal e do Congresso dos EUA.
Hoje, especialistas em controle de armas veem os velhos filmes como estudos sobre a paranoia.
"Eles têm uma voz estranhíssima", disse Mark Sugg, produtor audiovisual do Instituto para a Segurança Mundial, uma entidade de Washington. "Você e eu ficaríamos horrorizados de que alguma bomba de hidrogênio tenha feito evaporar um canto do que antes era o paraíso. Mas eles colocavam um sujeito para se gabar disso."
Um livro de 2006, "How to Photograph an Atomic Bomb" ["Como fotografar uma bomba atômica"] aborda o misterioso trabalho desses cinegrafistas.
"As imagens que eles capturaram irão, durante muito tempo, ser um flagrante de como foi o nosso último século", afirmou Peter Kuran, o autor do livro, que é realizador de efeitos especiais em Hollywood. A unidade cinematográfica secreta, criada em 1947 pelos militares, aproveitava o talento e a tecnologia de Hollywood. "Os vizinhos suspeitavam, porque as luzes passavam a noite toda acesas", lembra-se Yoshitake.
Historiadores do cinema dizem que a unidade testou lentes, câmeras e películas modernas, que Hollywood depois viria a adotar.
Os cinegrafistas viajavam para os locais governamentais de testes no Pacífico Sul e no deserto de Nevada, com a missão de registrar a fúria daquela época. Isso os colocava a apenas três quilômetros das explosões.
Yoshitake se lembra de documentar o que uma explosão fez com porcos. "Alguns ainda estavam grunhindo. Dava para sentir o cheiro da carne queimando. Dava enjoo."
Astros de Hollywood apareciam em alguns filmes. Reed Hadley, protagonista do programa de TV "Racket Squad", interpretou um observador militar que testemunhava a primeira explosão de uma bomba de hidrogênio.
A discreta empreitada perdeu sua razão de ser em 1963, quando as superpotências decidiram passar para os testes nucleares subterrâneos.
Em 1997, Hazel O'Leary, então secretário de energia do governo de Bill Clinton, tentou trazer os velhos filmes a público. Mas a quebra do sigilo parou em 2001, depois do início do governo Bush e dos atentados terroristas do 11 de Setembro.
Agora, o Departamento de Energia afirma já ter liberado por volta de cem filmes do vasto acervo, inteiramente controlado pelos militares. O departamento considera esse material como "uma documentação visual duradoura e impressionante do poder e da destruição das armas nucleares".
Kuran continua trabalhando com esses filmes, tentando restaurar e melhorar suas esmaecidas imagens. Yoshitake, o ex-cinegrafista, disse que a divulgação dos filmes melhora a compreensão da opinião pública sobre a ameaça nuclear.
Ele se pergunta por que, agora que a Guerra Fria acabou, países avançados ainda preservam mais de 20 mil unidades da mais letal de todas as armas. "É assustador."

Texto do The New York Times, na Folha de São Paulo, de 27 de setembro de 2010.


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