quarta-feira, setembro 22, 2010

O sonho não concretizado de Hitler de ver Nova York em chamas

O sonho não concretizado de Hitler de ver Nova York em chamas


Eike Frenzel


Antes mesmo da Segunda Guerra Mundial, estrategistas nazistas formularam vários planos para atacar a cidade de Nova York – com super mísseis, pilotos kamikazes, aviões bombardeiros de longo alcance ou agentes secretos. Alguns desses planos eram ambiciosos e outros tolos, mas todos eles fracassaram.


O capitão Hans-Heinz Lindner estava perdendo gradualmente a calma. Quando o dia nasceu, em 13 de junho de 1942, os primeiros carros já passavam pela estrada à beira-mar na pequena cidade de Amagansett, em Long Island. Mas o submarino estava encalhado. O colosso de aço cinzento se encontrava preso em um banco de areia, em águas rasas, a menos de 200 metros da costa, tão impotente quanto uma baleia encalhada na praia. Dentro de apenas algumas horas, qualquer pessoa que passasse caminhando pela areia avistaria o submarino alemão bem destacado nas águas do Oceano Atlântico.


Porém, Lindner conseguiu desencalhar a embarcação. Acelerando os motores a toda potência, ele foi capaz de manobrar o submarino na enchente da maré e retornar ao mar aberto. O U-202 esgueirou-se por debaixo das ondas antes que alguém fosse capaz de vê-lo. Dentro dele, os marinheiros comemoraram essa salvação de última hora.


Esse fato que quase resultou na perda de um dos submarinos alemães que operavam ao largo da costa leste dos Estados Unidos foi o prelúdio de uma das operações militares mais bizarras da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial: a infiltração de um grupo de sabotadores em solo norte-americano. O Terceiro Reich tinha como objetivo atingir os Estados Unidos no seu próprio território, e os estrategistas nazistas elaboraram diversos planos para ataques dispendiosos com o propósito de abalar a agitada metrópole de Nova York nas suas bases – usando super mísseis, pilotos kamikazes, aviões bombardeiros de longo alcance ou agentes secretos.


Mas os espiões alemães levados à costa inimiga pelo submarino U-202 na ousada “Operação Pastorius” fizeram pouco progresso na sua missão ambiciosa. Apesar dos grandes esforços das forças armadas alemãs para selecionar e treinar oito membros da equipe terrorista, a infiltração nazista acabou se transformando em um fracasso espetacular.


Embora todos os homens tivessem passado algum tempo nos Estados Unidos antes da operação, nenhum deles tinha experiência em trabalhar para um serviço de inteligência. Em abril de 1942, eles foram enviados a Gut Quenzsee, uma cidade situada 75 quilômetros a oeste de Berlim, para fazerem um curso rápido de sabotagem. Durante 18 dias, especialistas militares ensinaram a eles como usar explosivos, temporizadores para detonação, armas e granadas de mão. Para ficarem em forma, eles praticaram Jiu-Jitsu. Depois, em junho, dois grupos de quatro agentes secretos recém-treinados foram desembarcados nas costas da Flórida e de Long Island, um pelo submarino U-584 e o outro pelo U-202.


Um fracasso colossal


As equipes foram enviadas aos Estados Unidos com o propósito de explodirem pontes de estradas de ferro, usinas de geração de energia elétrica e túneis, a fim de paralisar as instalações industriais que eram vitais para o esforço norte-americano de guerra e desmoralizar a população civil do país. Um historiador classificou essas iniciativas como “os planos de sabotagem mais ousados da história”. Mas a operação acabou se transformando em uma enorme dor de cabeça para os comandantes militares dos oito indivíduos. Os agentes alemães cometeram erros que destruíram as suas estórias-coberturas apenas dois dias após terem dado início à sua missão, o que fez com que o FBI organizasse a maior caçada humana da sua história.


O principal responsável pelo desastre da operação de espionagem foi Georg John Dasch, o líder de 39 anos de idade do grupo de Long Island. Após ter quase se afogado durante a tentativa de desembarcar em um barco inflável, ele foi descoberto em pouco tempo entre as dunas da praia por John Cullen, um membro da Guarda Costeira dos Estados Unidos de 21 anos de idade que portava uma lanterna. Quando Cullen encontrou Dasch, este fingiu ser um pescador. A seguir, Dasch agarrou Cullen pelo colarinho, ameaçou-o e acabou colocando nas mãos do rapaz US$ 260, uma parte do dinheiro trazido da Alemanha para as suas despesas operacionais. Em troca, Dasch pediu a Cullen que esquecesse que tinha visto os quatro homens na praia.


É claro que o desconfiado membro da Guarda Costeira não fez o que o alemão solicitou. Ele informou imediatamente o acontecido aos seus colegas, que acabaram descobrindo quatro caixas de explosivos e alguns uniformes alemães que haviam sido enterrados apressadamente na areia. O FBI foi alertado, e deu início a uma busca frenética pelos quatro desconhecidos. Os quatro embarcaram em um trem para a cidade de Nova York, onde se hospedaram em um hotel. Pouco depois, Dasch viajou para Washington, D.C., onde entregou-se às autoridades policiais em 19 de junho. Para provar que era um espião, Dasch mostrou aos agentes do FBI lenços nos quais ele havia escrito os nomes dos seus alvos com tinta invisível. Tendo sido mais tarde descrito como “neurótico” pela equipe policial encarregada do interrogatório, Dasch divulgou aos norte-americanos todos os detalhes relativos à “Operação Pastorius”. Usando a informação, agentes do FBI prenderam os três espiões no hotel de Nova York, bem como os quatro sabotadores alemães que haviam desembarcado na Flórida.


Em 8 de agosto de 1942, a curta carreira de seis dos espiões alemães terminou na cadeira elétrica da prisão do Distrito de Colúmbia. As sentenças dos outros dois, Dasch e Ernst Peter Burger, foram comutadas pelo presidente Franklin Delano Roosevelt para 30 anos de prisão e prisão perpétua, respectivamente.


O sonho de Hitler de ver Nova York em chamas


Na distante Alemanha, apesar do fracasso da missão de sabotagem, Hitler ainda estava obcecado pela ideia de ver Nova York em chamas. Ele acreditava que o seu poderoso inimigo do outro lado do Atlântico precisava ser obrigado a manter-se fora da guerra por meio de vários ataques bem localizados em território norte-americano. Conforme narrou Albert Speer, o arquiteto favorito de Hitler, nos seus “Diários de Spandau”, Hitler sentia grande prazer em assistir na Chancelaria do Reich a filmes de “Londres ardendo”, de “comboios sendo explodidos” e de “um mar de fogo sobre Varsóvia”. Hitler estava com a ideia fixa de assistir “à queda de Nova York em meio a colunas de chamas”.


Tendo em vista o entusiasmo de Hitler por atacar Nova York, não é de se surpreender que os estrategistas nazistas tenham elaborado diversos planos com este objetivo específico, alguns dos quais foram feitos até antes do início da guerra. Em 1937, por exemplo, durante uma visita às instalações da companhia de fabricação de aviões Messerschmitt na cidade de Augsburg, no sul da Alemanha, Hitler conheceu o protótipo de um bombardeiro quadrimotor de longo alcance, o Messerschmitt Me 264, que estava sendo projetado para para ter uma autonomia que lhe permitisse alcançar a costa leste dos Estados Unidos a partir da Europa. Hitler ficou entusiasmado com o conceito de um “bombardeiro Amerika”, cuja carga explosiva pudesse reduzir cidades norte-americanas a cinzas e destroços. Mas o que ele não sabia era que o projetista do Me 264, Willy Messerschmitt, tinha na verdade lhe mostrado um modelo incapaz de voar com o propósito de obter um contrato lucrativo – e ninguém podia de fato afirmar quando a aeronave estaria pronta para entrar em operação.


Quando começaram a ter a impressão de que perderiam a guerra, os nazistas passaram a depositar bastante esperanças no desenvolvimento das chamadas “armas milagrosas”. O centro de pesquisa do exército em Peenemünde, uma vila na ilha de Usedom, no Mar Báltico, era uma verdadeira cornucópia de tais ideias. Os alemães acreditavam, ao final da guerra, que o mesmo centro que havia lançado com relativo sucesso o primeiro foguete V-2 em 1942 seria capaz de finalmente colocar em ação um “foguete Amerika”.


O foguete A-9/A-10 foi projetado para ter 25 metros de comprimento, sendo dez metros mais longo do que o V-2. Pesando quase 100 toneladas, ele poderia subir a uma altitude de 24 quilômetros antes de dar início ao seu voo transatlântico rumo aos Estados Unidos. Um outro grupo de pesquisas buscava uma maneira de possibilitar que um piloto manobrasse o foguete e se ejetasse antes de atingir o alvo – em uma verdadeira missão suicida.


Em termos teóricos, pelo menos, a engenhosidade destrutiva dos engenheiros alemães não tinha limites. Eles cogitaram a ideia de fazer com que submarinos rebocassem depósitos flutuantes contendo foguetes V-2 modificados em direção à costa leste dos Estados Unidos. Assim que fossem posicionados, esses depósitos seriam inundados de forma que os foguetes ficassem apontados para o alto, acima da linha d'água, prontos para serem lançados.


O desenvolvimento da tecnologia militar nazista só se tornou possível por meio da utilização brutal de trabalhos forçados. Milhares de trabalhadores morreram em instalações de produção subterrâneas e fábricas secretas. Mas havia também muitos voluntários que – em nome do sucesso das “armas Amerika” - se mostravam dispostos a enfrentar uma terrível “morte heroica”, mesmo que isso significasse manobrar foguetes lançados de aviões de carga, em estilo kamikaze, até o centro de Nova York.


Escassez de materiais e agentes amadores


No fim das contas, todos os planos dos nazistas para ataques aéreos só tiveram uma coisa em comum: nenhum deles foi colocado em prática. Em dezembro de 1941, a revista norte-americana “Life” publicou uma planta da “Big Apple” com uma matéria que mostrava como aviões nazistas poderiam bombardear Nova York. Em 1944, a mesma revista citou a advertência do prefeito Fiorello La Guardia, que disse que poderia haver um ataque com mísseis alemães contra os Estados Unidos. Mas, no decorrer da guerra, os os “bombardeiros Amerika” e os mísseis nazistas de longo alcance jamais apareceram sobre os arranha-céus de Nova York.


Mais do que tudo, foram os bombardeios aéreos aliados contra as fábricas alemães que atrasaram persistentemente a capacidade nazista de desfechar ataques transatlânticos e que, à medida que a guerra se desenrolava, tornaram tais ataques impossíveis. Uma escassez de materiais, falta de tempo e o volume enorme de novos projetos de engenharia acabaram impedindo a realização do sonho de Hitler de ver os Estados Unidos engolidos pelas chamas.


E quanto aos agentes amadores envolvidos na “Operação Pastorius”, é mais do que provável que cedo ou tarde eles acabassem destruindo as suas estórias-coberturas, mesmo se Dasch não tivesse desertado. De fato, desde o início, a missão estava fadada a fracassar: um dos agentes já tinha se afastado dela após ter contraído gonorreia em Paris. E, nos Estados Unidos, Edward Kerling, o líder da equipe de quatro homens na Flórida, teria se gabado da sua missão secreta para um velho amigo. E Herbert Haupt, um dos membros da equipe de Kerling, chegou até a visitar o seu pai em Chicago, pedindo a este que comprasse para ele um automóvel esportivo preto da marca Pontiac – alegando que necessitava do veículo para viajar a negócios para o governo alemão.


Tradução: UOL



Texto da Der Spiegel, republicado no UOL.

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