domingo, março 30, 2008

Messiânico e populista, Uribe administra a Colômbia como se fosse um latifúndio

Messiânico e populista, Uribe administra a Colômbia como se fosse um latifúndio

Marie Delcas

Todos os sábados, ele percorre o país afora para ouvir a população humilde. Por ser um contramestre eficiente (a sua primeira profissão), ele soluciona os seus problemas mais imediatos: a estrada que precisa ser asfaltada, o esgoto por ser consertado, o centro de saúde por ser construído. As câmeras filmam, evidentemente. Messiânico e populista, Álvaro Uribe dirige o seu país da mesma forma que ele administrava o seu latifúndio, e o método está agradando. Para a imensa maioria dos seus compatriotas, ele é "o melhor presidente que a Colômbia já teve".

Em Quito e em Caracas, o tom dos comentários é diferente: o fiel aliado de George W. Bush é considerado nas capitais equatoriana e venezuelana como "um pião do império", "um perigo para a região", e até mesmo "um mafioso" e "um aliado dos paramilitares". A França, por sua vez, tem dificuldades para compreender a intransigência do presidente colombiano frente aos guerrilheiros que, há mais de seis anos, mantêm Ingrid Betancourt como refém.

Álvaro Uribe foge da imprensa estrangeira, passa horas falando no microfone das rádios de bairro. Junto aos seus eleitores, ele forjou para si uma imagem de homem de ação que não recua diante dos riscos e assume as suas responsabilidades. Mas ele atraiu contra a sua pessoa a cólera de um continente que não está para brincadeiras em matéria de soberania territorial, ao mandar bombardear, em 1º de março, um acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), situado em território equatoriano. Ao mandar eliminar Raúl Reyes, o número dois na hierarquia das Farc e seu principal negociador, ele também assumiu o risco de atrair a ira dos mediadores que estavam tentando obter a liberação dos reféns. "Eu optei por dar a prioridade à eficácia militar", confessou o chefe do Estado durante uma reunião informal com a imprensa.

O presidente colombiano Álvaro Uribe é conhecido por "fugir" da imprensa internacional



"Os riscos foram bem calculados", comemoram hoje os seus partidários. Os "uribistas" estão firmemente convencidos de que o seu presidente triunfou em todos os planos. Raúl Reyes está morto e a crise diplomática está encerrada; as autoridades de Quito e Caracas, por sua vez, acabaram ficando numa situação complicada, pois passaram a ser suspeitas de cumplicidade com uma organização terrorista. A imprensa colombiana vem repercutindo este "triunfo" do presidente. Ninguém ouviu o discurso do presidente Nicolas Sarkozy no qual este lembrou que "a democracia tem por obrigação combater o terrorismo dentro do respeito das regras da democracia".

Para justificar uma incursão além das suas fronteiras, o presidente Uribe alegou a "legítima defesa" e as necessidades da luta contra o terrorismo. O argumento teve lá o seu peso, evitando que a Colômbia fosse alvo de uma condenação por parte da Organização dos Estados Americanos (OEA). "Mas é o apoio de Washington que se revelou decisivo", reconhece um diplomata colombiano. Este último teme que a frase do presidente Hugo Chávez: "A Colômbia tornou-se o Israel da América Latina", tenha sensibilizado a muitos na região.

"Álvaro Uribe nunca poderia ter bombardeado o Equador sem o sinal verde dos Estados Unidos", lembra o analista Pedro Medellín. Os americanos são suspeitos de jogarem a carta do enfrentamento regional para desestabilizar Hugo Chávez, a sua grande ojeriza. Desde a implantação do Plano Colômbia, em 2000, Bogotá recebeu mais de US$ 5 bilhões (cerca de R$ 8,7 bilhões) no quadro da ajuda militar americana.

"Uribe é um líder. Ele nos devolveu a confiança. Desde que ele está no comando, tudo anda melhor", resume Hector Barragan, um caminhoneiro que se diz "furibista" - adepto da "fúria uribista". Durante os seis anos em que ele esteve no poder, o presidente nunca caiu abaixo do limite das 65% de opiniões favoráveis. A sua cota era de 80% às vésperas da crise diplomática. "E agora, ele deve estar na casa dos 110%", ironiza o analista Leon Valencia. Com efeito, a união sagrada exerceu-se em favor do presidente.

As críticas, os reveses e os escândalos não conseguem deixar marcas na sua atuação. Este "efeito Teflon" a toda prova deixa perplexos os institutos de pesquisas e desolados os anti-uribistas - eles existem. Até mesmo o escândalo conhecido como da "para-política" poupou Álvaro Uribe até o momento. Mais de 40 parlamentares da maioria presidencial foram indiciados por terem desenvolvido atividades em parceria com as milícias de extrema-direita, culpadas de inúmeros crimes atrozes. Destes ex-parlamentares, 22 estão encarcerados.

O senador Mario Uribe que, além de primo, é um mentor do chefe do Estado, poderia em breve se juntar a eles. "Ninguém é responsável pelos atos dos seus familiares", lembram não sem razão os "uribistas". Por sua vez, José Obulio Gaviria, um dos mais influentes entre os conselheiros presidenciais - e considerado como o ideólogo do regime - era primo de Pablo Escobar, o grande líder do cartel de Medellín, morto em 1993. Ninguém é responsável pelos atos dos seus familiares.

As Farc continuam exercendo uma influência decisiva em relação à popularidade presidencial. Os "furibistas" e os "anti-uribistas" estão de acordo neste ponto. Escaldados pelo interminável e estéril processo de paz conduzido pelo presidente Andrés Pastrana (no poder de 1998 a 2002), os colombianos elegeram em 2002 um presidente de pulso forte para acabar de uma vez por todas com a guerrilha.

"Pulso de ferro e grande coração", dizia o primeiro slogan de campanha de Álvaro Uribe, que foi reeleito triunfalmente quatro anos mais tarde. Neste meio tempo, a "segurança democrática" mostrou a que veio: uma paz precária voltou a ser instaurada nas regiões rurais, os eixos rodoviários tiveram a sua segurança reforçada, o número de homicídios e de seqüestros diminuiu. É verdade que as estatísticas oficiais sempre devem ser consideradas com cautela. Mas, em política, a confiança importa mais do que os números. O chefe do Estado permanece convencido de que "o conflito armado não é a conseqüência da pobreza, mas sim a sua causa". Toda reflexão a respeito dos privilégios e dos deveres dos cidadãos ricos desapareceu do discurso político. A política social foi relegada para um segundo plano. Foi dada prioridade para a proteção dos investimentos privados e para o orçamento militar.

Contudo, Álvaro Uribe também encarna um estilo de governo. Nem coquetéis, nem iate para este presidente que soube forjar para si uma imagem de homem pio, austero e trabalhador. O chefe do Estado se deixa raramente fotografar quando está de folga. Durante uma das suas inúmeras visitas oficiais em Washington, ele foi surpreendido almoçando numa lanchonete "fast food".

Álvaro Uribe é originário de Medellín, que é o berço da indústria nacional e também o dos traficantes de cocaína. Durante os anos 1970, ele seguiu nesta cidade brilhantes estudos de direito. Uma jovem promessa do Partido Liberal, ele deslancha a sua carreira política numa época em que os comprometimentos entre a máfia e as elites locais eram moeda corrente. Em 1980, o seu pai, um criador de gado, é assassinado pelas Farc - o presidente se defende até hoje de estar em busca de vingança. Pouco depois, o traficante Pablo Escobar publica no jornal local um anúncio no qual ele lhe manifesta as suas condolências. "Eu nunca fui amigo de Pablo Escobar, mesmo quando isso virou moda", assegurou no ano passado o chefe do Estado. Na época, Virginia Vallejo, que foi a amante do mafioso, acabava de ter as suas memórias publicadas, nas quais ela relata as relações cordiais que cultivavam os dois homens.

Depois de exercer um mandato no Senado, Álvaro Uribe é eleito, em 1995, governador do seu departamento, Antioquia. A sua gestão revela-se eficiente, o que lhe vale a admiração dos seus eleitores, mas os seus métodos visando a reforçar a segurança pública provocam a indignação dos defensores dos direitos humanos. Com efeito, o governador Uribe promove com entusiasmo a implantação de cooperativas privadas de segurança, que acabam de ser legalizadas. Declaradas posteriormente inconstitucionais, as "Convivir" contribuíram para a explosão do paramilitarismo na Antioquia. Um diplomata colombiano que ocupava na época um cargo em Washington conta que "ninguém na capital americana queria receber o governador da Antioquia, excessivamente vinculado aos paramilitares". Os tempos mudaram.

Atualmente, os principais chefes paramilitares se dedicam às suas atividades do interior da prisão. Oficialmente, eles desmobilizaram as suas tropas. Trinta mil homens entregaram as armas. Contudo, em várias regiões do país, milícias armadas a serviço dos narcotraficantes se reconstituíram. No quadro da aplicação da lei Justiça e Paz, os chefes paramilitares que confessam os seus crimes não passarão mais de oito anos atrás das grades.

Os mal intencionados colocam em perspectiva este generoso perdão oferecido aos criminosos paramilitares e a virulência com a qual o presidente combate a guerrilha. "Os primeiros aceitaram o princípio de um cessar-fogo, eles entregaram as armas e confessaram seus crimes. Os guerrilheiros, por sua vez, prosseguem suas atividades criminosas. Tão logo eles aceitarão um cessar-fogo, nós lhes abriremos as portas da negociação", lembra o alto-comissário para a paz, Luis Carlos Restrepo.

"Álvaro Uribe não governa, ele seduz e evita cuidadosamente empreender toda reforma estrutural que poderia comprometer o seu capital político", avalia o professor Pedro Medellín. A indispensável reforma em profundidade do sistema fiscal foi postergada por um tempo indeterminado. "O presidente poupa muito particularmente os grandes grupos econômicos vinculados aos meios de comunicação", sublinha Pedro Medellín.

"As pessoas se esquecem com freqüência de que o presidente Álvaro Uribe foi beneficiado por uma conjuntura econômica particularmente favorável. A opinião pública atribuiu o crescimento ao sucesso da política de segurança do governo. Mas a América Latina como um todo conheceu um crescimento positivo", acrescenta o economista Mauricio Perez.

O país continua sendo o maior produtor mundial de cocaína. Mas a questão da contribuição da economia da droga para a taxa de crescimento é outra que vem sendo deixada de lado há muito tempo.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

Texto publicado no UOL.

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