segunda-feira, maio 07, 2007

Da Agência Carta Maior: Apagão da Imprensa




DEBATE ABERTO

O apagão da imprensa

A CPI do Apagão Aéreo parece não ter empolgado jornais e revistas. Os meios de comunicação limitam-se a denunciar sua composição como expressão de farsa. Há um visível desencanto com a oposição parlamentar. Talvez possamos falar em um luto midiático.

O tom é de comedimento. A CPI do Apagão Aéreo parece não ter empolgado jornais e revistas semanais. Os meios de comunicação limitam-se a denunciar sua composição como expressão de farsa. Há um visível desencanto com o comportamento da oposição parlamentar. O pragmatismo de setores do PSDB não é compatível com o tipo ideal editado ao longo dos dois últimos anos? Talvez possamos, simplificando tema caro ao pensamento freudiano, falar em um luto midiático. Reação à perda de uma generalização abstrata, a um ente que seria o braço político de devaneios editoriais. Investimento libidinal sem contrapartida. Páginas e tempos perdidos.


Em tom de lamento, o jornalista Fernando Rodrigues registra, em seu blog, o ar nebuloso que marca o início da mais recente CPI instalada na Câmara Federal. Assinala que “A oposição ficou de mãos abanando. A base lulista tem 16 das 24 vagas da comissão.Houve uma patética tentativa do PSDB, que quis lançar um candidato para a presidência da CPI. Perdeu. O PFL desejava ir ao Supremo para dar uma embananada no processo, mas os tucanos foram contra. Por enquanto, a CPI está servindo para mostrar e explicitar mais uma vez o apagão da oposição no Congresso”.

A tristeza de Fernando é partilhada pela jornalista Eliane Cantanhêde, em sua coluna, na edição de sexta, 4 de maio, da Folha de S. Paulo. “Foi-se o tempo em que as CPIs eram lugar de honra para investigar e produzir efeitos” O choro prolonga-se por quase todos os articulistas da grande imprensa. Editoriais já não reproduzem o frenesi de outrora, quando tudo era contado com som e fúria, Embora o significado do esforço fosse ocultado com presteza.

O que será que não aprenderam com a história? Vamos tentar, nesse pequeno artigo, lançar luz sobre o passado recente. Iluminar o norte dos considerados “formadores de opinião". Pessoas de hábitos refinados e ética fluida precisam perceber que a realidade também escorre liquefeita.

Já deveríamos saber que, quando o senso comum da mídia se confunde com a opinião de setores supostamente esclarecidos, a lucidez está perdida. Se todo o processo histórico é reduzido à folhetinização de escândalos, ao espetáculo de comissões parlamentares e acareações sem sentido, a trama não guarda qualquer relação com moralização de costumes públicos ou preocupação efetiva com os rumos da política econômica.

As fraturas éticas e o aliancismo equivocado do Partido dos Trabalhadores serviram, nos dois últimos anos do primeiro mandato de Lula, como pretextos para a ofensiva de forças conservadoras a um governo que, apesar da agenda adotada, conseguiu reduzir a miséria de forma expressiva. Em 2004, segundo a FGV, a redução teria atingido 8%. Comparemos esses números com os obtidos pelo neoliberalismo que, por oito anos, balizou corações e mentes de tucanos e demos do ex-PFL. Não há registros dessa comparação em editorias de economia.

O triste foi ver a grita moralista unir reacionários conhecidos a esquerdistas combativos nas páginas de política. O que o método separou, o discurso uniu. O que os últimos ignoraram foi que ação política movida a ressentimentos e balizada pela moral privada não educa politicamente. Constrói atalhos para o retrocesso. A práxis de holofote é a única possível em tempos do que, com rara precisão, Zygmunt Bauman definiu como modernidade líquida? Essa é uma indagação que precisa ser respondida por atores que ocupam inequívoca centralidade no mundo contemporâneo. E não há como respondê-la sem definir a imprensa como lugar epistemológico.

Como destacou, à época, Marilena Chauí, “não é digno politicamente não colaborar com um governo que está sob ataque". No centro da peroração de seus detratores não havia qualquer preocupação com a qualidade institucional.

O móbil da burguesia patrimonialista e seu colosso midiático não era outro senão a velha luta de classes, a preservação de estruturas arcaicas que impedem a promoção da cidadania em uma sociedade fracionada.

Ser portador de uma agenda republicana é compreender a complexidade do momento. Render-se aos clamores de segmentos médios, expressos nas páginas dos jornais, não revela inteireza ética, mas oportunismo político e atração inequívoca pela ética do consumidor. Assim morrem as mariposas. E se reproduzem editores.

Não é nosso objetivo propor que se passe uma borracha em todos os erros cometidos. O transformismo da direção partidária, seu deslocamento das bases e alianças com legendas de direita foram um balde de água fria na militância forjada ao longo de 25 anos de luta. Mas não joguemos a criança fora junto com a água suja da bacia. Nesse período, o Partido dos Trabalhadores e suas bases sociais fizeram o país avançar politicamente como nenhuma outra força de esquerda havia logrado antes.

Seria sensato ignorar tal massa crítica e, por decreto, tal como fizeram tantos articulistas, falar em ciclo encerrado? Os críticos deveriam seguir as simplificações do discurso jornalístico ou buscar outros caminhos? Não seria mais correto tentar recompor a base de centro-esquerda do atual bloco de poder? Ao furor inquisitório não é prudente exercer a crítica dialética? Ainda mais quando sabíamos que, naquele estágio, a crise antecipou o processo sucessório. Um jornal não pode ser lido com o mesmo órgão que produz seus relatos: o fígado. Isso é elementar.

O oligarca e o publisher não estavam preocupados em apurar o “valerioduto” até as últimas conseqüências, muito menos financiamentos ilegais de campanha. Se o fizessem, veriam expostas suas próprias entranhas. O que o incomodava de fato, e acirrava seus ataques, eram números como os que o IBGE divulgou em meados de 2006. Dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) registravam recuperação do rendimento médio da população, em queda desde 1997. Não deu chamada em dobra superior.

O nível de ocupação atingiu 56,3%, o maior desde 1996. O Índice de Gini demonstrava queda na concentração de renda, com metade da população que ganhava os menores rendimentos obtendo ganho real de 3,2%.O melhor resultado nos últimos 24 anos. Adicionemos a isso o Bolsa-Família, programa de renda familiar básica, que atende a oito milhões de famílias. Notemos, ainda, que esse não era, como continua não sendo, um governo de esquerda, até por sua composição de origem. Por injunções várias, além do transformismo, não pôde assumir plenamente as velhas bandeiras. E, no entanto, desesperou, e ainda desespera, as forças conservadoras. Por que será?

A realidade mostrou como a persistência e o acirramento da crise levaram ao vazio político. Ocioso dizer quem pode dele se beneficiar. Basta lembrar quem lucrou com aumento de tiragem e/ou de audiência.

Aos lúcidos sobrou uma saída. Abandonar palavras de ordem vazias e adotar uma postura crítica. Bem distante do socialismo de salão. Bem longe dos distintos colunistas e seu público alvo: os inconformados da classe média que, perplexos e espumantes, vêem o país mudar, incorporando novos atores. Eis o filão ao qual se apegam Fernandos, Elianes, Mervais, Noblats, Doras e Josias. Uma trilha tão desgastada como repetida. Uma total ausência de plano de vôo.

http://www.agenciacartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3577&boletim_id=281&componente_id=5380

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