Na base da desconfiança - Obama e a América Latina
Na base da desconfiança
A RELAÇÃO entre Barack Obama e a América Latina começou de forma promissora. Antes de mais nada, pelo simples fato de ele não se chamar George W. Bush. Mas também pelos seus primeiros passos relativos à região, notadamente a abordagem da questão cubana, com uma abertura ao diálogo, o levantamento de algumas restrições e, ainda que relutantemente, a adesão ao consenso que garantiu a revogação da suspensão da ilha da OEA.
Mas, nesse caso, a primeira impressão não foi a que ficou. Um outro pequeno país centro-americano, Honduras, foi a primeira pedra no sapato da relação EUA-América Latina. É verdade que Obama não hesitou em dar apoio retórico ao derrocado Manuel Zelaya. Mas é verdade também que não passou muito disso. Duras sanções econômicas, que poderiam dobrar o regime golpista, não vieram e, com a campanha eleitoral para eleger o sucessor de Zelaya já iniciada, se vierem agora, já não devem vingar.
Já abalada pelo imbróglio hondurenho, a imagem de Obama entre seus pares sul-americanos sofreu outro baque com a negociação para ampliar a presença militar americana na Colômbia. A tática de Obama de simplesmente dizer que as bases não serão americanas, mas sim bases colombianas para uso americano, e que servirão só para o combate ao narcotráfico exclusivamente dentro da Colômbia não bastou para acalmar a desconfiança regional. Como disse Hugo Chávez, "os EUA podem até jurar ao Vaticano", mas a América do Sul não tem motivos para acreditar.
Enquanto isso, Lula, que sob Bush ocupou o vácuo deixado pelos EUA na região, pode até ser "o cara" para Obama, mas não conseguiu do americano as garantias jurídicas que pede para assegurar o "bom uso" das bases ou mesmo a aceitação do convite para que ele discutisse o tema com seus colegas sul-americanos durante a próxima Assembleia Geral da ONU. Tampouco conseguiu, por ora, que os EUA apertem o cerco a Honduras.
Assim, o efeito da lua de mel com Obama e sua história de vida única, como já acontece dentro dos EUA, também vai pouco a pouco se diluindo na vizinhança. Por enquanto, o democrata ainda recebe uma espécie de habeas corpus: Chávez e seus aliados dizem que o "império" continua fazendo e acontecendo na região, mas à revelia de Obama, e não por causa dele. Mas o legado de Bush não servirá de álibi eterno.
Obama, desnecessário dizer, tem problemas muito mais urgentes do que a América Latina, como as guerras, a economia e a reforma de saúde, que consome sua popularidade. Mas terá de lidar com o tema se quiser que continue existindo a família feliz das Américas que celebrou a cúpula de abril, em Trinidad e Tobago, como um "ponto de inflexão" nas relações regionais.
Texto de Rodrigo Rötzsch, na Folha de São Paulo de 2 de setembro de 2009.
Marcadores: América Latina, Barack Obama, Estados Unidos, política externa dos Estados Unidos
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