quarta-feira, setembro 16, 2009

Evitar o desastre (o Brasil e seus desafios)

Evitar o desastre

A CRISE atual vai muito além de Sarney ou da Receita Federal. Sua gravidade se estende a ásperas discussões sobre câmbio, metas de inflação e regulamentação do pré-sal, geralmente apresentadas como puramente técnicas.
A valorização do real frente ao dólar, por exemplo, provoca reação de pânico no campo dos economistas heterodoxos. Projetam uma sensível perda de competitividade do país, veem a produção nacional em risco e prescrevem algum tipo de controle cambial. Economistas ortodoxos desfilam tabelas para provar a ineficácia de propostas de controle cambial. Defendem com afinco o sistema de metas atual, propondo ajustes e uma redução da meta de inflação a ser perseguida pelo Banco Central. Heterodoxos contra-atacam, dizendo que a atual meta é adequada para permitir que o país tenha um crescimento próximo do razoável.
E por aí vai. Mas o fato é que o próprio sistema de metas de inflação brasileiro está em crise. Ele teve um papel estabilizador da economia e da política enquanto as taxas de crescimento econômico foram medíocres e as taxas de juros permaneceram altas. Quando essas condições se inverteram, o modelo mostrou limites que não parecem poder ser resolvidos com pequenos ajustes.
Não são mudanças superficiais. Hoje o produtor que não consegue competir ficou também sem a compensação financeira dos juros estratosféricos de antes. Quem quer emprego e inflação baixa está à mercê de um cruel cabo de guerra no câmbio. E a exploração das jazidas do pré-sal tende a gerar um fluxo de divisas de fato destrutivo se mantido o câmbio flutuante em sua versão atual.
Com os governos FHC e Lula e uma boa ajuda do pré-sal e da crise econômica, o Brasil mudou de patamar no cenário mundial, o que é certamente positivo. Só que isso exige também um novo ajuste interno e externo, que, por enquanto, aparece apenas em forma de crise.
A crise política está travando a solução da crise do sistema de gerenciamento macroeconômico e vice-versa. E a solução, se vier, chegará apenas com as eleições de 2010.
O mais grave é que o atual ponto de convergência entre as duas crises está posto justamente no debate da regulamentação do pré-sal. Pressões de governadores por royalties de petróleo são apenas um exemplo de uma regulamentação que prejudicará o país por décadas.
Em um momento de impasse estrutural como esse, todos os esforços devem estar dirigidos para evitar o desastre. Para começar, isso significa exigir um debate longo e aprofundado sobre como explorar e utilizar a riqueza do pré-sal.

Texto de Marcos Nobre, na Folha de São Paulo, de 1º. de setembro de 2009.


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